(Por Dr. Rômulo de andrade Moreira, Promotor de Justiça)
“Considerando-se ética como "a ciência de uma forma específica de comportamento humano", ou "de uma esfera do comportamento humano", como a definiu ADOLFO SÁNCHEZ VÁZQUEZ (Ética, Civilização Brasileira. 8. ed., 1985, pp. 12 e ss.), vamos tentar estabelecer determinados parâmetros de atuação do Promotor de Justiça, frente aos demais operadores jurídicos, mas dando ênfase à sua atuação na área criminal e principalmente em relação à parte acusada, aquela que se encontra no banco dos réus, aspecto que vou me ater mais demoradamente, não somente pelo fato de atuar na área criminal, como também pela circunstância de ensinar Direito Processual Penal.
Mas, mesmo antes disso, e para situar melhor a minha posição é preciso que constatemos uma realidade preocupante: hoje, e mais do que nunca, os meios de comunicação buscam incutir na opinião pública a idéia de que o infrator deve ser punido o mais severamente possível, retirando-lhe também direitos e garantias constitucionais e indissociáveis da condição de réu, como se isto servisse para solucionar, feito um bálsamo, o problema da violência e da criminalidade.
É evidente que a violência e a criminalidade não se resolvem à base de leis mais severas, de uma maior criminalização de condutas e de restrições a princípios constitucionais como a ampla defesa, o contraditório, a individualização das penas, a presunção de inocência, etc., mesmo porque a lei penal deve ser concebida como última solução para o problema da violência, pois não é, nunca foi e jamais será superação para a segurança pública de um povo.
Aliás, se nós observarmos o sistema carcerário brasileiro, constataremos que ele revela exatamente o quadro social reinante neste País, pois nele estão "guardados" os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário está repleto de pobres e isto não é, evidentemente, uma "mera coincidência". Ao contrário: o sistema penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão-somente a classe pobre da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a regra.
Ora, em nosso País, por exemplo, muitas leis penais estão a todo momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc., sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a constitucionalidade de alguns dos seus preceitos.
E o resultado? Nenhum! Ou será que após a edição da lei de crimes hediondos (que data de 1990), ou do surgimento da prisão temporária (de 1989), a criminalidade diminuiu e a segurança pública melhorou? E a criminalização do porte de arma? Será que haverá êxito no que concerne à segurança pública? Será que os criminosos guardarão suas armas por temor de serem presos em flagrante por crime de porte de arma? E as pessoas das classes média e alta, terão elas receio de portar uma arma de fogo ou serão facilmente beneficiadas com o registro e a autorização para portá-las?
Querer, portanto, que a lei penal e a lei processual penal resolvam a questão da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois muito pouco adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis, retirada de garantias processuais ou métodos de policiamento mais rígidos, como, por exemplo, a famigerada "tolerância zero", etc.
O acusado de um crime tem que ser visto como um sujeito de direitos para o qual a CF/88 previu uma série de garantias processuais que devem ser obrigatoriamente obedecidas, principalmente pelo órgão responsável pela acusação, o Ministério Público.
Se o Promotor de Justiça não tiver essa consciência ética, e considerando-se as atuais condições que são inteiramente propícias ao endurecimento do tratamento penal dos acusados, é evidente que diversos direitos e garantias processuais (muitos dos quais previstos na Carta Magna), podem ser esquecidos, revelando atitude, do ponto de vista ético, extremamente reprovável.
Já se foi a época do Promotor de Justiça ser um cego e sistemático acusador público, perseguidor implacável do réu, profissional que representava a sociedade e tentava a todo custo uma condenação, pouco importando que tivessem sido dadas ao réu as condições plenas de provar a sua inocência.
Não cabe ao Promotor de Justiça criminal essa inconsciência aética de contribuir para uma condenação de alguém, sem que para isso haja justa causa, é dizer, uma consistência probatória mínima, quando sabemos que possui ele um inigualável leque de meios probatórios à sua disposição para provar a acusação imputada.
O Promotor de Justiça (e a própria denominação já o indica) deve ter a certeza processual do fato e da autoria, para que se legitime a pleitear em Juízo que alguém cumpra uma sanção penal.
O direito de acusar deve revestir-se de uma completa imparcialidade (e isto não se contradiz com a condição de parte acusadora, pois que o próprio CPP alça o MP, também, à condição de fiscal da lei, no seu art. 257); o MP atua, assim, no processo penal, com essa dupla face: ao tempo em que acusa e, como tal se diz que é parte no sentido formal, também se lhe incumbe a fiel promoção e fiscalização da lei.
Exatamente por isso, hoje já é pacífica a possibilidade do Promotor de Justiça pleitear qualquer medida em favor do réu, incluindo, por exemplo, o pedido de absolvição, a impetração de habeas corpus, de mandado de segurança em matéria criminal, de recurso em benefício do acusado, etc.
A acusação pública, apesar de ser deduzida em nome da sociedade, não pode ser movida por sentimento de ódio, paixão ou vingança, deixando-se de lado a lógica jurídica e sustentando a acusação apenas na boa oratória e na eloqüência vazia de argumentação, amesquinhando-se uma função tão digna. A aceitação da improcedência de uma acusação, antes de representar uma derrota, deve ser vista como uma atitude nobre e eticamente incensurável.”
Mas, mesmo antes disso, e para situar melhor a minha posição é preciso que constatemos uma realidade preocupante: hoje, e mais do que nunca, os meios de comunicação buscam incutir na opinião pública a idéia de que o infrator deve ser punido o mais severamente possível, retirando-lhe também direitos e garantias constitucionais e indissociáveis da condição de réu, como se isto servisse para solucionar, feito um bálsamo, o problema da violência e da criminalidade.
É evidente que a violência e a criminalidade não se resolvem à base de leis mais severas, de uma maior criminalização de condutas e de restrições a princípios constitucionais como a ampla defesa, o contraditório, a individualização das penas, a presunção de inocência, etc., mesmo porque a lei penal deve ser concebida como última solução para o problema da violência, pois não é, nunca foi e jamais será superação para a segurança pública de um povo.
Aliás, se nós observarmos o sistema carcerário brasileiro, constataremos que ele revela exatamente o quadro social reinante neste País, pois nele estão "guardados" os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário está repleto de pobres e isto não é, evidentemente, uma "mera coincidência". Ao contrário: o sistema penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão-somente a classe pobre da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a regra.
Ora, em nosso País, por exemplo, muitas leis penais estão a todo momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc., sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a constitucionalidade de alguns dos seus preceitos.
E o resultado? Nenhum! Ou será que após a edição da lei de crimes hediondos (que data de 1990), ou do surgimento da prisão temporária (de 1989), a criminalidade diminuiu e a segurança pública melhorou? E a criminalização do porte de arma? Será que haverá êxito no que concerne à segurança pública? Será que os criminosos guardarão suas armas por temor de serem presos em flagrante por crime de porte de arma? E as pessoas das classes média e alta, terão elas receio de portar uma arma de fogo ou serão facilmente beneficiadas com o registro e a autorização para portá-las?
Querer, portanto, que a lei penal e a lei processual penal resolvam a questão da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois muito pouco adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis, retirada de garantias processuais ou métodos de policiamento mais rígidos, como, por exemplo, a famigerada "tolerância zero", etc.
O acusado de um crime tem que ser visto como um sujeito de direitos para o qual a CF/88 previu uma série de garantias processuais que devem ser obrigatoriamente obedecidas, principalmente pelo órgão responsável pela acusação, o Ministério Público.
Se o Promotor de Justiça não tiver essa consciência ética, e considerando-se as atuais condições que são inteiramente propícias ao endurecimento do tratamento penal dos acusados, é evidente que diversos direitos e garantias processuais (muitos dos quais previstos na Carta Magna), podem ser esquecidos, revelando atitude, do ponto de vista ético, extremamente reprovável.
Já se foi a época do Promotor de Justiça ser um cego e sistemático acusador público, perseguidor implacável do réu, profissional que representava a sociedade e tentava a todo custo uma condenação, pouco importando que tivessem sido dadas ao réu as condições plenas de provar a sua inocência.
Não cabe ao Promotor de Justiça criminal essa inconsciência aética de contribuir para uma condenação de alguém, sem que para isso haja justa causa, é dizer, uma consistência probatória mínima, quando sabemos que possui ele um inigualável leque de meios probatórios à sua disposição para provar a acusação imputada.
O Promotor de Justiça (e a própria denominação já o indica) deve ter a certeza processual do fato e da autoria, para que se legitime a pleitear em Juízo que alguém cumpra uma sanção penal.
O direito de acusar deve revestir-se de uma completa imparcialidade (e isto não se contradiz com a condição de parte acusadora, pois que o próprio CPP alça o MP, também, à condição de fiscal da lei, no seu art. 257); o MP atua, assim, no processo penal, com essa dupla face: ao tempo em que acusa e, como tal se diz que é parte no sentido formal, também se lhe incumbe a fiel promoção e fiscalização da lei.
Exatamente por isso, hoje já é pacífica a possibilidade do Promotor de Justiça pleitear qualquer medida em favor do réu, incluindo, por exemplo, o pedido de absolvição, a impetração de habeas corpus, de mandado de segurança em matéria criminal, de recurso em benefício do acusado, etc.
A acusação pública, apesar de ser deduzida em nome da sociedade, não pode ser movida por sentimento de ódio, paixão ou vingança, deixando-se de lado a lógica jurídica e sustentando a acusação apenas na boa oratória e na eloqüência vazia de argumentação, amesquinhando-se uma função tão digna. A aceitação da improcedência de uma acusação, antes de representar uma derrota, deve ser vista como uma atitude nobre e eticamente incensurável.”
FONTE: JURIS SÍNTESE
Nenhum comentário:
Postar um comentário