sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

JUSTIÇA DESPORTIVA - Ações de torcedores sobre o Brasileirão deveriam ser reunidas

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Nas últimas semanas, estivemos assistindo ao que pode vir a ser uma guerra de liminares entre torcedores sobre o desfecho do Campeonato Brasileiro do ano passado. Sem prejuízo de vários processos em que a liminar não foi concedida, há notícias de iminares concedidas em favor de Portuguesa e Flamengo pela Justiça de São Paulo — que rebaixariam o Fluminense para a Série B — e outras duas liminares em sentido contrário na Justiça do Rio de Janeiro, que manteriam o Fluminense na Série A, rebaixando a Portuguesa.
O fato de torcedores irem à Justiça Comum questionar julgamentos da Justiça Desportiva é novo, amparado pelo art. 34 do Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003): “É direito do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, observem os princípios da impessoalidade, da moralidade, da celeridade, da publicidade e da independência”.
Os torcedores de Portuguesa e Flamengo, alegando direito próprio atribuído pelo Estatuto do Torcedor, pedem a invalidação dos julgamentos da Justiça Desportiva, com base no art. 36 do mesmo Estatuto (“São nulas as decisões proferidas que não observarem o disposto nos arts. 34 e 35”) e o efeito reflexo disso é a devolução dos quatro pontos que foram retirados desses clubes pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva.
Não estou inteiramente convencido de que o Estatuto do Torcedor tenha conferido legitimação tão ampla a qualquer torcedor, mas a reflexão que aqui proponho passa ao largo dessa discussão e se concentra em outro problema: como compatibilizar essas decisões contraditórias? Afinal, é óbvio que um mesmo time não pode estar rebaixado em São Paulo e ser mantido na Série A no Rio de Janeiro, e assim por diante.
Admitamos, então, que qualquer torcedor tenha legitimidade ampla para ingressar com ação na Justiça Comum com base no art. 34 do Estatuto do Torcedor. Estará esse torcedor não apenas veiculando seu direito individual, mas de toda a coletividade de torcedores de determinado clube.
Trata-se de situação incindível, que poderia muito bem ser considerada como um direito coletivo stricto sensu ou até difuso. Indivisível porque, como já disse, um mesmo clube não pode ser rebaixado para um torcedor e mantido na Série A para outro. A solução será necessariamente a mesma para todos. E se esse torcedor ingressa em juízo para veicular direito seu e de outros torcedores ao mesmo tempo, trata-se de legitimação extraordinária.
Não vou entrar aqui na discussão doutrinária se a legitimação para as ações coletivas é extraordinária ou autônoma. Não é esse o ponto.
Nem mesmo o simples fato de o torcedor veicular também um direito próprio afastaria o caráter extraordinário dessa legitimação. Basta lembrarmos do exemplo da ação popular — legitimado é qualquer cidadão —, sem que se duvide que se trata de um instrumento de tutela coletiva.
Onde quero chegar? É que, nas ações coletivas, a aferição de eventual litispendência ou conexão — ou seja, causas idênticas ou relacionadas — deve ser feita à luz da coletividade toda interessada e não da parte formal no processo. Por exemplo, em uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público e outra idêntica proposta por uma associação, teríamos flagrante litispendência, ainda que se entenda que, nas ações coletivas, a consequência seja a mesma da conexão, vale dizer, a simples reunião das ações civis públicas idênticas, sem a extinção sem resolução de mérito da segunda ação proposta.
O mesmo regime deve ser considerado para todas essas ações propostas por torcedores país afora. Há evidente relação de conexão ou mesmo de litispendência entre elas, com o risco de que sejam proferidas decisões contraditórias.
A solução para tanto parece estar na reunião de todos os processos no juízo prevento, que deverá ser estabelecido de acordo com as regras previstas no Código de Processo Civil e, ainda, das regras de competência para ações coletivas no art. 93 do CDC, considerando tratar-se de matéria com repercussão evidentemente nacional. A prevenção, assim, somente poderá ser firmada em uma das capitais dos Estados ou no Distrito Federal.

Vínculo com pai registral não impede verdade biológica

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Marta era moça nova, tinha 20 anos quando engravidou do namorado, Juliano. A situação gerou crise sem precedentes nas famílias de um e de outro, incompreensões e dificuldades na comunicação. Entre os dois, também não havia acordo; qualquer tipo de união — fosse casamento ou “ajuntamento” de trouxas — foi impossível. Durante a gestação, Juliano tomou “chá de sumiço” e Marta recebeu apoio incondicional de Alexandre, um amigo desde a infância, com quem acabou por iniciar um relacionamento amoroso. A filha de Marta nasceu e recebeu o nome de Patrícia, o sobrenome da mãe e, justamente porque Juliano não estava lá para “dar nome” à filha, Alexandre o substituiu.
Assim, pelo menos em termos registrais, Patrícia era filha de Marta e Alexandre, que se casaram e permanecem juntos até hoje. Ao longo de 18 anos, Patrícia e Alexandre demonstraram ter um forte vínculo, denominado no meio jurídico de vínculo socioafetivo. Alexandre não só deu o nome, mas foi o pai que educou, ajudou a sustentar, levou para escola, ensinou a andar de bicicleta e dançou com Patrícia no baile de formatura do colegial. Definitivamente, Alexandre foi o pai. Patrícia nunca reclamou nem desconfiou, até saber a verdade. Não só tinha outro pai biológico, mas outra família biológica, outros tios, primas, quem sabe irmãos? Embora gostasse muito de Alexandre, Patrícia decidiu procurar o pai biológico.
Aproximou-se. Soube pelo próprio pai biológico que ela tinha dois irmãos e avós vivos. Patrícia precisou de ajuda psicológica pois sentiu-se totalmente preterida, esquecida, colocada de lado. Passado o susto, Juliano passou a se valer daquilo que tinha mais à mão: seu poder financeiro. Detinha uma fortuna considerável e começou a fazer promessas de presentes à filha que deixara para trás. E se para uma adolescente a situação descrita pode ser vivenciada como verdadeira tragédia, o destino — ou acaso, quem sabe? — tratou de pintar com cores mais fortes o quadro que já se prenunciava dramático: Juliano faleceu em um acidente de carro.
Assim, Patrícia perdeu a chance de conhecê-lo melhor ou de se “enturmar” com a nova família. Mas nos últimos tempos, por causa das promessas de Juliano, já vinha sonhando com um curso de Economia no exterior, uma casa só sua, um carro só seu; bens que provavelmente levaria mais tempo para conquistar sem a ajuda do pai biológico. Também iniciara um processo de reconhecimento de paternidade, a pedido dele. Queria ter o nome do pai biológico e todas as condições de filha respeitadas.
Com o falecimento do pai, Patrícia pode pleitear herança?
Embora eu tenha trocado os nomes, o caso é verídico e, na verdade, nem tão raro. Recentemente, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu ganho de causa a uma filha em situação similar. A filha queria o reconhecimento da paternidade biológica, a alteração do seu nome no registro e mais: queria ser incluída como herdeira universal no inventário do pai biológico. O herdeiro universal é aquele que sucede — ou recebe a herança — em todos os bens da pessoa falecida, podendo ser ou não o único herdeiro.
Nesse caso, os juízes entenderam que “a existência de vínculo socioafetivo com pai registral não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial”. Uma vez que a investigação de paternidade foi positiva, os juízes determinaram a alteração do nome e a filha passou a ser uma das herdeiras necessárias, ou seja, figurando entre os herdeiros com direito à “legítima”, ou ainda, com direito aos bens do pai biológico, independentemente de apontamentos em testamento.
De modo geral, também não é raro que a família do falecido tenha dificuldades em aceitar o novo membro da família, especialmente às vésperas de abertura de inventário, ou quando o assunto é partilha de patrimônio. No caso analisado pelo STJ, a família do pai biológico apontou, para sua defesa, o fato de o pai socioafetivo ter feito uma espécie de “adoção à brasileira”, que é ilegal, ao dar seu nome no registro da enteada.
Adoção à brasileira é aquela feita diretamente, é quando os pais biológicos doam a criança a alguém ou casal adotante, que a registra em seu nome, sem passar pelos trâmites legais. Ora, está claro que a situação difere e, quanto a isso, a relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi considerou que “a prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade”. Isso significa que diante da falta do pai biológico, se há o vínculo socioafetivo com o padrasto, porque deixar a criança sem um nome?
Vale lembrar que uma certidão de nascimento com “pai desconhecido” é um golpe profundo na autoestima de qualquer criança ou adolescente. Entretanto, como no caso de Patrícia e da filha que ganhou a causa no STJ, as crianças crescem e decidem por elas próprias buscar o que lhes cabe por direito. Acerca desse aspecto, a ministra Andrighi explanou: “É importante frisar que, conquanto tenha a recorrida usufruído de uma relação socioafetiva com seu pai registrário, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência, ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura”.
Assim, respondendo a pergunta lá em cima: se a investigação de paternidade iniciada por Patrícia apontar Juliano como pai, ela certamente figurará, também, entre os herdeiros necessários. Vale lembrar, entretanto, que Juliano sabia de antemão que era o pai biológico e deixou de prestar deveres que estão implícitos na relação paterno-filiar, como assegurar à filha o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade e à convivência familiar, todos estes necessários à pessoa em desenvolvimento. E embora Patrícia não conheça as leis, sabe muito bem que é detentora desses direitos.
Por esses e outros casos, muitas vezes, em meu escritório, me recordo de um símbolo africano muito bonito, chamado “Sankofa”, que encerra um provérbio provocativo: “é preciso voltar para pegar o que deixamos para trás”.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Juiz ignorou provas ao suspender análise de pedido de Dirceu

O presidente interino do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, mandou a Vara de Execuções Penais do Distrito Federal julgar o pedido de trabalho externo apresentado pelo ex-ministro José Dirceu. A análise havia sido suspensa pela vara após a divulgação de boatos de que Dirceu falou ao celular dentro da prisão.
Na decisão proferida nesta quarta-feira (29/1), Lewandowski critica o juiz que manteve a suspensão mesmo depois que “os setores competentes do sistema prisional concluíram, à unanimidade (...) que os fatos imputados ao sentenciado não existiram”.
O problema começou no dia 7 de janeiro, quando o jornal Correio da Bahia publicou que o secretário estadual James Correia havia conversado por telefone com Dirceu (foto) — que estava preso — enquanto estava em um evento público no dia 6. A mesma informação foi publicada, dez dias depois, em nota da coluna “Painel”, da Folha de S.Paulo.
Baseado nas notícias dos jornais, o juiz Mario José Pegado, da  Vara de Execuções Penais, determinou a suspensão cautelar da análise dos benefícios — como o pedido para trabalhar feito por Dirceu — e determinou que o caso fosse investigado.
A investigação sobre a conversa pelo telefone foi arquivada pela Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal em 22 de janeiro.
No dia 24, entretanto, Pegado avaliou que a pasta não atendeu as diligências determinadas pela Vara de Execuções Penais e deu 30 dias para nova apuração, mantendo a suspensão cautelar da análise dos benefícios. A defesa do ex-chefe da Casa Civil foi então ao STF contra a medida.
Ao julgar o caso, Lewandowski avaliou que o o juiz recebeu uma série de informações que desmentem as notas dos jornais. O diretor do CIR (Centro de Internamento e Reabilitação, ala do semiaberto) declarou em ofício que o núcleo de inteligência não havia comprovado o uso do celular. A cela S-14, ocupada por Dirceu, foi revistada, sem ter sido encontrado nenhum aparelho. O subsecretário do Sistema Penitenciário e o coordenador-geral da Gerência de Sindicâncias da pasta também manifestaram “a inexistência de materialidade”.
O ministro avaliou, portanto, que o magistrado não tinha elementos para manter o “castigo” a Dirceu, e determinou que seja analisado o pedido para trabalho externo feito pelo ex-ministro.
O advogado de Dirceu, José Luís Oliveira Lima, do Oliveira Lima, Hungria, Dall'Acqua & Furrier Advogados, explica que, após a direção do presídio ter apurado a acusação de que seu cliente tenha falado ao celular e concluído que esse fato não ocorreu, ficou provado que ele jamais desrespeitou a disciplina interna. Assim, conclui, "não há nenhum fato ou circunstância que impeça o exame do pedido de emprego. José Dirceu preenche todos os requisitos legais para iniciar o seu trabalho externo".
Dirceu cumpre pena em regime semiaberto no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, após ser condenado a pelo menos 7 anos e 11 meses na Ação Penal 470, o processo do mensalão.
Clique aqui para ler a decisão.
fonte: CONJUR

Seguradora não deve pagar por acidente causado por menor

O descumprimento de regra contratual impede que uma mulher receba o pagamento de apólice de seguro após acidente de trânsito causado em 2006 pelo filho menor de idade e sem habilitação. Com esse entendimento, a 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Santa Catarina negou provimento à apelação apresentada por ela contra sentença do juízo da 2ª Vara Cível da comarca de Itajaí, em processo que envolve a HDI Seguros.
Segundo o processo, a Guarda Municipal informou que, quando chegou ao local do acidente, o jovem de 17 anos já havia sido levado ao hospital pelo Corpo de Bombeiros, em estado grave. Testemunhas relataram que a vítima era a única pessoa presente no veículo, enquanto o menor e a família sustentaram que outra pessoa estava dirigindo o veículo. Um colega dele apresentou-se como motorista.
O desembargador Sérgio Izidoro Heil, relator do recurso, estranhou o fato de a pessoa que se disse condutor não ter acompanhado o jovem ao hospital nem ter avisado a família sobre o ocorrido, aparecendo na delegacia apenas uma semana após o fato. “Levando-se em conta os depoimentos prestados, sobretudo as declarações dos policiais (...), a versão mais coerente com o conjunto probatório constante dos autos é aquela defendida pela seguradora”, avaliou o relator.
Dessa forma, na avaliação dele, a empresa apenas cumpriu cláusula contratual, escrita de forma clara, na qual se eximia de ressarcimento em caso de acidente envolvendo condutor sem autorização para dirigir. A decisão foi unânime. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SC.
Clique aqui para ler o acórdão.
Apelação Cível 2011.048624-2

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Novas reflexões sobre a lei de combate à corrupção

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Apontamos em análises anteriores que a nova lei de combate à corrupção (12.846/13), que entra em vigor nesta semana, prevê duras sanções para empresas envolvidas ou beneficiadas por atos de corrupção ou similares — desde multas de até R$ 60 milhões à possibilidade de extinção da própria empresa. O momento agora é oportuno para comentários complementares, sintetizando preocupações destacadas por juízes, advogados e empresários, em recentes seminários e debates sobre o tema.
O primeiro diz respeito à amplitude dos órgãos que passam a ter competência para apurar os atos de corrupção das empresas e aplicar sanções. Pelo texto da lei, a instauração e o julgamento de processo administrativo cabe à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Assim, os poderes em nível federal, estadual e municipal terão competência para determinar penas de multas, cujos espaços variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto das empresas. Isso significa que um sem número de autoridades poderão investigar, fazer acordos de leniência, julgar e aplicar penas.
Evidente que excessos, arbítrios e conflitos de competência podem ocorrer. Por isso, é importante que a Controladoria Geral da União — órgão designado pelo legislador para expedir o decreto regulamentar da lei no âmbito federal — fixe critérios precisos para a dosimetria da multa. Claro que tal ato não vinculará estados e municípios, mas servirá de parâmetro para todos, evitando confusões que possam afetar toda a racionalidade que se espera na aplicação do novo texto legal.
Uma segunda questão diz respeito ao bis in idem. A lei em análise indica que a aplicação das penas nela previstas não afasta a improbidade administrativa (Lei 8.429/92) nem a responsabilidade pelos ilícitos em licitações (Lei 8.666/93). Isso significa que será necessário um esforço hermenêutico para identificar quando tais normas têm aplicação autônoma e independente e quando existe superposição, caso em que haverá um conflito aparente de normas a ser solucionado pelos mecanismos próprios de interpretação.
Um terceiro ponto está relacionado à leniência. A lei prevê que a pessoa jurídica disposta a colaborar, que confesse a prática e coopere efetivamente com as investigações — desde que seja a primeira a fazê-lo — terá alguns benefícios, dentre os quais a redução de até 2/3 da sanção pecuniária.
Ocorre que a lei não menciona a situação da pessoa física integrante da empresa leniente. Ao contrário da Lei de Cartéis (Lei 12.259/11), em que a leniência cumprida da pessoa física ou jurídica acarreta a extinção de punibilidade na seara penal, a nova lei não trata dos efeitos decorrentes da colaboração premiada sob o aspecto criminal. Em outras palavras, o diretor, gerente ou funcionário da empresa leniente, que eventualmente esteja envolvido com a corrupção, responderá pelo crime correspondente, sem qualquer beneficio ou vantagem.
A lacuna em questão poderá enfraquecer o instituto da leniência nos casos de corrupção, porque a decisão de fazer uso de seus dispositivos envolverá sempre o risco de submeter à investigação criminal os integrantes da empresa que participara dos atos. Assim, a não ser em casos de mudança de gestores ou em situações nas quais o ato de corrupção é isolado, praticado sem a concordância — ao menos tácita — da cúpula da corporação, a leniência dificilmente será usada. Isso esvazia um dos principais instrumentos legais de desestabilização dos grupos criminosos envolvidos nos ilícitos que a lei se propõe a combater.
Enfim, estas são algumas questões que merecem reflexão. Certo que muitas outras surgirão com a vigência da lei da lei, a partir desta semana. Cabe aos aplicadores do direito a atenção e a cautela em sua interpretação, pois o sucesso da nova legislação dependerá do bom senso daqueles que concretizam seus preceitos.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

José Dirceu recorre ao STF contra suspensão de benefício

O ex-ministro José Dirceu, cujo pedido de trabalho externo foi suspenso após rumores de que ele teria falado ao celular dentro da prisão, solicitou nesta segunda-feira (27/1) ao Supremo Tribunal Federal a revogação da decisão da Vara de Execuções Penais em Brasília.
A defesa dele afirmou que o ato da vara é ilegal, pois prejudica “os direitos de um cidadão com base em nota de jornal cuja veracidade foi repudiada pelas investigações da administração pública”. O documento é classificado como urgente, porque Dirceu é idoso e tem direito de prioridade.
No dia 7 de janeiro, o Correio da Bahia publicou que o secretário estadual James Correia falou na véspera com Dirceu enquanto estava em um evento público. A mesma informação foi publicada dez dias depois em nota da coluna “Painel”, da Folha de S.Paulo. Dirceu cumpre pena em regime semiaberto no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, após ser condenado a pelo menos 7 anos e 11 meses na Ação Penal 470, o processo do mensalão.
Segundo os advogados de Dirceu, José Luís Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua, o secretário da Bahia negou a conversa e disse que um repórter se confundiu ao ouvir parte de uma ligação. A defesa diz ainda que o núcleo de inteligência do CIR (Centro de Internamento e Reeducação, ala na Papuda para o semiaberto) elaborou laudo contestando a veracidade da informação, por não ter detectado possibilidade de que o ex-chefe da Casa Civil tenha feito contato telefônico com o mundo exterior.
A Vara de Execuções Penais pediu então que a administração da unidade instaurasse inquérito para apurar o caso. Mesmo após tomar ciência do resultado da investigação, dizem os advogados, o juízo manteve na última sexta-feira (24/1) a suspensão cautelar da análise dos benefícios. Eles afirmam que a vara não tem competência para solicitar diligências, como foi feito, e usou notícia de jornal como prova.
Clique aqui para ler a petição.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Escritura de divórcio que prevê pensão tem força jurídica


O site do Tribunal de Justiça de São Paulo veiculou, no dia 18 de dezembro de 2013, a notícia de que a 3ª Câmara de Direito Privado negou o processamento de uma execução de alimentos em que era pedida a prisão civil do devedor (artigo 733 do Código de Processo Civil). Entendeu-se que o pedido não era possível porque o título executivo era extrajudicial — uma escritura pública de divórcio —, e não uma decisão judicial.
Vejamos a fundamentação do voto:
É que o art. 733 do Código de Processo Civil estabelece que a prisão civil pode decorrer da inércia do devedor em pagar ou se escusar os alimentos fixados em sentença ou decisão (“Na execução de sentença ou decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo”).
Contudo, a escritura pública de divórcio é título executivo extrajudicial (art. 1.124-A, parágrafo 1º, CPC), cujo grau de certeza é menor do que o do título produzido em juízo após contraditório e cognição exaurientes.
Daí porque não se pode admitir a prisão civil do devedor, medida excepcional e extremamente gravosa, em decorrência de ajuste que constou de escritura pública.
Para a execução desse débito alimentar, a agravada poderia se valer do rito da execução por quantia certa contra devedor solvente (art. 732, CPC), mas não do rito que prevê a prisão civil.
O assunto é de grande alcance prático, ultrapassando os limites do simples interesse das partes, visto que milhares são os casos de separação e divórcio instrumentalizados por escritura pública com a estipulação de pensão alimentícia em favor de um dos cônjuges ou dos filhos maiores.
Por primeiro, deve-se refutar a tese de que a obrigação de prestar alimentos firmada em cartório de notas é desprovida da observância do princípio do contraditório. Entende-se que há, sim, contraditório na formação do acordo de divórcio feito perante o tabelião, pois no ato as duas partes devem estar presentes e assessoradas pelo advogado escolhido por elas, que tanto pode ser um só para as duas ou um para cada. Como se vê, nada é feito sem a presença e a anuência do devedor, que está amparado por profissionais do direito de sua confiança. O tabelião fará as vezes de um juiz, confirmando a vontade das partes e, com o advogado, alertando-as das consequências do ato que está sendo feito. Tudo isso com a participação ativa dos interessados.
Os cartórios são parceiros da justiça e assim devem ser vistos. É o poder Judiciário que seleciona e fiscaliza os tabeliães. Por isso a Resolução 35 do CNJ, no seu art. 52 diz: os cônjuges separados judicialmente podem, mediante escritura pública, converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio, mantendo as mesmas condições ou alterando-as.
Em outras palavras, as partes podem, por escritura, alterar até mesmo o que antes tinham combinado sobre alimentos na presença do juiz! Portanto, não há espaço para entender-se que a escritura tem menos valor que a homologação judicial e por isso é incabível obstar a execução da pensão alimentícia na forma do art. 733 do CPC.
Não podemos nos prender à literalidade do art. 733 do CPC, que fala em execução de sentença ou decisão. Este dispositivo só se refere a esses dois tipos de pronunciamentos judiciais porque foi redigido na época em que só por meio de um magistrado era definido o valor de uma pensão, ainda que por mera homologação.
Porém, os tempos mudaram, o direito não é o mesmo e, com o advento da Lei 11.441/07, em muito boa hora, o divórcio consensual sem filhos menores passou a poder ser feito por escritura pública, na qual os alimentos são convencionados para o casal ou para os filhos maiores. Portanto, desde 2007, a definição do valor dos alimentos não é mais privativa de uma decisão judicial. Há mais liberdade para as próprias pessoas resolverem suas vidas. Portanto, o artigo 733 deve ser interpretado de forma sistemática e atual, não podendo ser apenas lido de forma literal.
O entendimento do julgado que se analisa parece ter considerado que o devedor é a parte mais fraca na relação jurídica da dívida alimentar. Todavia, o que ocorre é exatamente o contrário. Nessa relação alimentar a parte mais forte é quem paga e não quem recebe os alimentos. Quem paga tem para se manter e ainda pode ajudar alguém. Quem recebe não tem nem para o próprio sustento.
A pessoa que recebe a pensão está em situação de vulnerabilidade, pois precisa que outra pessoa contribua para o que é necessário para o seu bem estar: alimentação, vestuário, educação, transporte, saúde e lazer.
A interpretação meramente literal do artigo 733 do CPC, feita pelo acórdão noticiado, criou uma exceção, não prevista na lei e nem na Constituição, em que uma dívida alimentar ficou sem a força da possibilidade de prisão do devedor, enfraquecendo o direito do credor dos alimentos, que deles necessita para ter uma vida humana com dignidade, o que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição).
O entendimento do julgado em análise retira das escrituras, indevidamente, eficácia jurídica que lhes é conferida pela Lei 11.441/07 e tem a consequência perniciosa de fazer com que a Justiça tenda a ser cada vez mais sobrecarregada, pois, com menos eficácia nos acordos de divórcio feitos nos cartórios de notas, as pessoas tendem a procurar o Judiciário para fazer o mesmo acordo que poderiam perfeitamente fazer fora dele.
O credor dos alimentos tem direito à proteção que decorre da possibilidade da prisão do devedor inadimplente. Se não for reconhecida essa eficácia no título extrajudicial, produzido no cartório de notas, a tendência é o credor fazer questão de que o acordo seja feito perante o Judiciário, com isso gerando processos e mais processos totalmente desnecessários, para mera homologação, exatamente o que a Lei 11.441/07 quis evitar.
Por sua vez, esse afluxo maior de processos tornará a justiça ainda menos célere e menos eficiente, o que contraria pelo menos dois princípios constitucionais: eficiência (art. 37) e duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).
Lembre-se que os tabeliães não são os únicos que podem celebrar acordos de alimentos. A defensoria pública e o ministério público também podem lavrar termos de acordos, gerando igualmente títulos extrajudiciais. E o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade de prisão civil na execução de tais títulos. Vejamos os precedentes adiante.
RECURSO ESPECIAL - OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EM SENTIDO ESTRITO – DEVER DE SUSTENTO DOS PAIS A BEM DOS FILHOS - EXECUÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL FIRMADO PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO – DESCUMPRIMENTO - COMINAÇÃO DA PENA DE PRISÃO CIVIL - POSSIBILIDADE.
1. Execução de alimentos lastrada em título executivo extrajudicial, consubstanciado em acordo firmado perante órgão do Ministério Público (art. 585, II, do CPC), derivado de obrigação alimentar em sentido estrito - dever de sustento dos pais a bem dos filhos.
2. Documento hábil a permitir a cominação de prisão civil ao devedor inadimplente, mediante interpretação sistêmica dos arts. 19 da Lei n. 5.478/68 e Art. 733 do Estatuto Processual Civil. A expressão "acordo" contida no art. 19 da Lei n. 5.478/68 compreende não só os acordos firmados perante a autoridade judicial, alcançando também aqueles estabelecidos nos moldes do art. 585, II, do Estatuto Processual Civil, conforme dispõe o art. 733 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: REsp 1117639/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 21/02/2011.
3. Recurso especial provido, a fim de afastar a impossibilidade apresentada pelo Tribunal de origem e garantir que a execução alimentar seja processada com cominação de prisão civil, devendo ser observada a previsão constante da Súmula 309 desta Corte de Justiça.
RESP 1285254/DF - Relator Ministro Marco Buzzi - T4 - j. 04.12.12
RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – ACORDO REFERENDADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL - AUSÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL - OBSERVÂNCIA DO RITO DO ARTIGO 733 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Diante da essencialidade do crédito alimentar, a lei processual civil acresce ao procedimento comum algumas peculiaridades tendentes a facilitar o pagamento do débito, dentre as quais destaca-se a possibilidade de a autoridade judicial determinar a prisão do devedor.
2. O acordo referendado pela Defensoria Pública estadual, além de se configurar como título executivo, pode ser executado sob pena de prisão civil.
3. A tensão que se estabelece entre a tutela do credor alimentar versus o direito de liberdade do devedor dos alimentos resolve-se, em um juízo de ponderação de valores, em favor do suprimento de alimentos a quem deles necessita.
4. Recurso especial provido.
REsp 1117639/MG - Relator Ministro Massami Uyeda - T3 - j. 20.05.2010
Com tantas possibilidades de soluções dos problemas por outras vias que não o processo judicial, não me parece correto o entendimento que induz as pessoas a procurar a justiça nos casos em que não há litígio, pois em tais casos elas estão de acordo e podem resolver o seu problema muito mais rapidamente, num cartório extrajudicial ou perante outros órgãos como a defensoria pública ou o ministério público.
Devemos ter em mente que não há possibilidade de prisão civil sem o crivo judicial. Quem decreta a prisão não é o advogado, não é o tabelião e nem são as partes. A prisão só é decretada por um juiz e sempre depois de possibilidade de defesa.
De fato, o devedor é citado para pagar, comprovar que pagou ou se justificar no prazo legal de três dias. A prisão só vem rapidamente quando ocorrem essas três omissões do devedor. Não existe entre nós uma prisão automática, decorrente da pura e simples falta de pagamento. Desde a inadimplência até a ordem de prisão, há uma importante tramitação processual, que assegura uma série de garantias.
Deve ficar bem claro que a escritura não acarreta a prisão de ninguém. Não há o que temer. Todos estão seguros, inclusive os devedores. A prisão é excepcional, pois é a última opção do juiz, reservada apenas para quem não tem motivo justo para deixar de pagar.
Portanto, é um equívoco ser rigoroso demais na exigência formal do título que gera o crédito aos alimentos. Isso fez o julgado em questão. Se a preocupação é não prender alguém desnecessariamente, basta que o juiz só decrete a prisão nos casos em que isso realmente é necessário, mas independentemente de o título ser judicial ou extrajudicial.
As pessoas costumam pagar as pensões não porque são presas, mas pelo temor de ter a sua prisão decretada. Por isso que, para que as coisas funcionem bem, basta que exista a mera possibilidade de a prisão ser decretada. Mas, quando se considera, de antemão, que a prisão é incabível porque o título é extrajudicial, o temor desaparece e com ele um importante estímulo ao pagamento pontual.
Com a impontualidade estimulada, aumenta ainda mais o número dos processos de execução, sobrecarregando-se ainda a justiça, de maneira totalmente desnecessária. Como vemos, um dos efeitos é uma litigiosidade maior.
Finalmente, do ponto de vista de política judiciária e de planejamento estratégico do Poder Judiciário, é um equívoco grave negar a possibilidade de prisão por alimentos convencionados em escritura de divórcio, pois o fundamento de proteger o devedor inadimplente acaba sendo um golpe gravíssimo contra o instituto do divórcio extrajudicial, que muito tem contribuído para melhorar a atuação da justiça e a vida de tantas pessoas.
Negar eficácia parcial aos divórcios extrajudiciais é estimular que eles sejam feitos em juízo, o que contraria o momento em que vivemos. Não devemos fomentar o litígio e nem a desnecessária judicialização, que já é grande. Devemos buscar formas alternativas de resolução dos conflitos, como tem dito o Conselho Nacional de Justiça.
O Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini, em entrevista publicada no jornal Valor Econômico, no dia 02 de janeiro de 2014, quando tomou posse, disse que uma das metas de sua gestão é reduzir o número de demandas. Vejamos um trecho do que foi dito pelo chefe do Poder Judiciário Paulista.
“Gostaria que a sociedade paulista prestasse mais atenção ao Judiciário e ajudasse a definir se esse é o modelo realmente hábil para a solução de conflitos. Há um excesso de demandismo. O Brasil tem 93 milhões de processos para quase 200 milhões de habitantes. Isso é irreal. O Judiciário deve investir cada vez mais nos meios alternativos de solução de conflitos. A população se acostumou a discutir todas as suas questões, desde as mais graves até as menores, em juízo. Nós alargamos a porta de acesso à Justiça. Todos entram, mas agora não encontram a saída, que é um funil. O Judiciário deve mostrar que a solução pacífica, a autocomposição, é muito mais eficaz do que a solução dada pelo Estado-juiz. Quando se faz um acordo, além de economizar tempo e dinheiro, você foi protagonista da sua história. Opinou, discutiu e entendeu. Você não foi excluído. No processo, a parte é excluída. Ela fica ali. É só o advogado que fala”.
Em conclusão, a escritura de divórcio que estipula alimentos entre os cônjuges não é juridicamente frágil e nem potencialmente perigosa para a proteção dos direitos dos envolvidos. Ao contrário, ela é um importante instrumento de realização rápida do direito, bem como da “desjudicialização”, de modo que, a regra procedimental prevista no artigo 733, do CPC deve ser harmonizada com a inovação prevista na Lei 11.441/07, viabilizando, portanto, o método coercitivo do devedor, em consonância ao que dispõe a Constituição Federal, consistente na admissão da excepcional prisão do devedor de alimentos, ainda que estes tenham sido estipulados consensualmente perante um cartório de notas. Com esta ótica não se prega a indiscriminada prisão civil dos devedores de pensões alimentícias. O que se defende é a mera possibilidade do cabimento da prisão civil, sem se fazer a discriminação da natureza do título executivo, seja ele judicial ou uma escritura pública.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O “rolezinho” e os jovens sem futuro

Por que a China (bem como vários outros países asiáticos) está crescendo e o Ocidente (incluindo o Brasil e os EUA) está estacionário? Porque o Ocidente está decadente. Os sintomas agudos dessa degeneração estão retratados não somente nas suas dívidas altíssimas (média de 110% do PIB na Europa e EUA; 34,5% no Brasil), nos bancos mal administrados (causa da grande fraude financeira de 2008), senão, sobretudo, nas desigualdades crescentes.
Em 1989, com a derrubada do muro de Berlim (que significou o fim do regime comunista em muitos países), Francis Fukuyama declarou a vitória do liberalismo econômico e político, ou seja, o triunfo do Ocidente. Naquele mesmo ano o PIB chinês representava apenas 8% do norte-americano; em 2016 passará a ser de, no mínimo, 60%. Em 1978, o rendimento anual do norte-americano era vinte vezes maior que o chinês; hoje, apenas cinco vezes.
“Não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato”: com essa frase o líder chinês Deng Xiaoping justificava os benefícios da abertura econômica da China na década de 70, a despeito dos princípios do comunismo. Daí para ca, enquanto a China (e o Oriente) cresce, o Ocidente está estagnado. O que está ocorrendo com o Ocidente?
Um mal-estar institucional (Ferguson: 2013, p. 53), que está violando o verdadeiro contrato social, que é intergeracional (conforme Edmund Burke), ao deixar uma pesada carga de compromissos econômicos aos filhos e netos da atual geração. Os jovens das classes inferiorizadas, hoje, têm a sensação de que as classes dominantes estão arrebatando o seu presente (consumista) assim como o seu futuro (Ferguson: 2013, p. 61).
De que maneira? Basta passar os olhos nos “capitais” que definem as classes sociais. São eles, dentre outros: o econômico (dinheiro, patrimônio, ações, ganhos de capital, juros), o cultural (conhecimento adquirido), o social (relações sociais, prestígio, respeito social, privilégios), o emocional (autocontrole, prudência, perspectiva de futuro, visão prospectiva etc.), o moral/ético (perfeita noção de que devemos respeitar as demais pessoas, a natureza, os animais e o bom uso das tecnologias) e o familiar (família bem articulada, que transmite muita informação útil para o processo de socialização das crianças e adolescentes) etc. (veja Jessé Souza, Os batalhadores).
Vendo diariamente os desmandos concentradores praticados pelo capitalismo atrasado vigente no Brasil assim como o descalabro do Estado estacionário brasileiro, com suas instituições políticas, econômicas, jurídicas e sociais degeneradas, as classes dominadas (C e D) estão cada vez mais conscientes das suas condições precárias no mercado de trabalho, nos estudos e nos relacionamentos sociais, o que compromete o seu presente consumista assim como o seu futuro.
Tudo isso seria compensado com serviços públicos de qualidade, como saúde, educação e transportes. Mas esse definitivamente não é o caso do Brasil injusto e estacionário. Resultado: frustração, desesperança, ódio, sensação de impotência e indignação, que são os ingredientes necessários para desmoronar qualquer país decadente e socialmente retrocessivo, sobretudo depois da democratização do acesso às redes sociais.
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professorLFG. Com. Br
*Artigo para livre publicação.
Luiz Flávio Gomes
Publicado por Luiz Flávio Gomes
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz...

Sonegação e pressão arrecadatória definem relação tributária

Este artigo propõe a releitura de uma figura tributária quase esquecida, com potencial de substituir fontes de arrecadação esgarçadas, por abusivas, pois consumiram 36,42% do PIB em 2013, e obscuras, pois destinadas a orçamentos inacessíveis e de difícil controle difuso pela sociedade — a exemplo daqueles alimentados pela arrecadação de impostos e contribuições de intervenção no domínio econômico: a contribuição de melhoria.
O tema surge da constatação de que nosso sistema tributário demanda propostas voltadas a atenuar o círculo vicioso de pressão arrecadatória e sonegação que hoje caracteriza a relação fisco-contribuinte.
Essa visão conflituosa da relação tributária — em que, de um lado está o Leviatã poderoso, ávido por sorver a última gota de sangue dos contribuintes, e de outro, o contribuinte com um quase-dever de evitar ser tributado — vem sendo superada por uma abordagem mais colaborativa[1], ainda longe do ideal, mas que dá sinais de evolução, a exemplo da criação de súmulas vinculantes no CARF, soluções de consulta vinculadas na Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), maior preocupação com orientações substanciais nas intimações fiscais e proliferação de tribunais administrativos fiscais.
Nessa nova lógica[2], a contribuição de melhoria se destaca por ser capaz de instaurar um diálogo produtivo — e prévio ao lançamento — entre fisco e contribuinte, superando o paradigma do lançamento por homologação (aquele em que se atribui ao contribuinte o esforço hercúleo de interpretar e aplicar milhares de regras esparsas e muitas vezes incompreensíveis), pois a lei manda que o ente tributante submeta previamente, ao contribuinte, o orçamento da obra e os critérios de mensuração do crédito tributário. Esta peculiaridade, antes criticada, gera ainda, de modo oblíquo — mas igualmente desejado — a sujeição da administração pública à luz desinfetante da transparência e do controle do orçamento público.
Vocacionada a viabilizar financeiramente o desenvolvimento da infraestrutura pública e prevista nos artigos 145, III da Constituição Federal e artigos 81 e 82 do Código Tributário Nacional, a contribuição de melhoria pode ser cobrada por qualquer dos entes federativos em decorrência de obras públicas que gerem valorização imobiliária, e deverá observar, em linhas gerais, os seguintes requisitos.
Critério Material
Ao delinear o critério material das contribuições de melhoria no artigo 81 do CTN, o legislador compôs o núcleo do tributo por dois verbos, seguidos de seus respectivos complementos e conectados por uma relação de causalidade: realizar obra pública da qual decorra valorização imobiliária.
O primeiro deles (obra pública), de verificação lógica e cronologicamente anterior, é definido no rol do artigo 2º do Decreto-Lei 195/67, que amplia o conceito administrativista[3] de obra pública para englobar a infraestrutura pública.
Ainda que se reconheça o caráter taxativo do rol de atividades estatais ensejadoras da instituição de uma contribuição de melhoria, entendemos que a conceituação “aberta” empregada pelo legislador (como, por exemplo, “outros melhoramentos de praças e vias públicas” ou “serviços e obras de comunicação em geral”) reclama uma interpretação capaz de adequar a hipótese de incidência da norma, desenhada em 1967, à dinâmica do mundo dos fatos.
Quanto à valorização imobiliária, apesar de a Constituição não haver repetido o texto das Cartas anteriores[4], que faziam expressa menção a essa vantagem percebida pelo proprietário do imóvel em decorrência da obra pública — segundo Paulo Ayres Barreto[5], essa supressão seria um “mero aprimoramento redacional” —, fazemos coro à doutrina que afirma ser a mais-valia imobiliária, ao lado da obra pública que lhe dá causa, (i) pressuposto de instituição do tributo e (ii) limite quantitativo individual de sua base de cálculo.
A questão já foi examinada pelo STJ, que acrescentou — dando mais segurança aos jurisdicionados — a impossibilidade de se cobrar o tributo sobre valorização presumida (AgRg no Ag 1.159.433/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 05.11.2010; AgRg no Ag 1.190.553/RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 26.04.2011). Ou seja, além de compor a hipótese de incidência, a valorização deve ser efetiva e provada pelo poder público.
Cálculo do tributo
É clássica a noção, cunhada por Alfredo Becker, Rui Nogueira e Geraldo Ataliba, dentre outros, de que a submissão de um tributo ao teste de constitucionalidade começa na constatação da perfeita e absoluta coerência entre a base de cálculo escolhida pelo legislador e o critério material da hipótese de incidência. Em termos práticos, por exemplo, a lei que instituir uma taxa sob o pretexto de fiscalizar atividades minerárias, deverá escolher como base de cálculo o custo dessa atividade de fiscalização, não o valor das operações de venda de recursos minerais, pois esta é base tributável própria dos impostos — o exemplo é verdadeiro e provém da edição das Leis estaduais 19.976/11 e 7.591/11, responsáveis por instituir a Taxa de Fiscalização de Recursos Minerais (TFRM) nos estados de Minas Gerais e do Pará.
Assim, para que a base de cálculo da contribuição de melhoria traduza numericamente seu fato gerador é imprescindível que leve em consideração (i) o valor global da obra, como limite geral à arrecadação, e (ii) a proporção do especial benefício (valorização imobiliária) desencadeado pela obra a cada contribuinte, como limite individual, conclusão harmônica com a previsão dos artigos 81 e 82 do CTN.
i. Valor global da obra como limite geral da base de cálculo
Apesar de posicionamento diverso na doutrina[6], entendemos que os dispositivos mencionados foram recepcionados pela Constituição e estão em pleno vigor, como definido pelo STJ (REsp 671.560/RS).
Dessa forma, o comando do CTN não pode ser ignorado na instituição dessa contribuição, sob pena de desvirtuar a natureza jurídica do tributo. Se a obra pública é o fator provocante do benefício (valorização) percebido pelo proprietário do imóvel, desconsiderá-la para fins de fixação da base de cálculo, por mais nobres que sejam as razões[7], é omitir-se quanto à necessária coerência entre o aspecto material e a base de cálculo do tributo.
ii. Valorização imobiliária como limite individual
A base de cálculo da contribuição de melhoria deverá observar, ainda, a valorização imobiliária individualmente experimentada e que, como já dissemos, deve ser provada pelo poder público (AgRg no AgRg no REsp 1018797/RS e AgRg no REsp 1311249/RS). Ainda que a reunião de todos os contribuintes beneficiados seja insuficiente para cobrir os custos da obra, é defeso ao poder público pretender submeter o proprietário do imóvel a valor que supere a valorização individual, divisando aqui a fronteira insuperável do efeito confiscatório do tributo.
Sob outro ângulo, a obra que provocar desvalorização, não poderá embasar a cobrança de contribuição de melhoria. Se “melhoria” alguma houve, seria absurdo impor ao proprietário de imóvel a obrigação de pagar tributo para custear atuação estatal que a ele não trouxe nenhum benefício especial ou, pior, acarretou prejuízo.
Requisitos mínimos
A realização dos elementos componentes da regra-matriz de incidência tributária das contribuições de melhoria não é suficiente para sua válida instituição.
Em seu caput o artigo 82 do CTN abriga o primeiro pressuposto à cobrança das contribuições de melhoria: a existência de lei prévia e específica. A exigência não guarda novidade em si. A bem da verdade, a legalidade, especificidade e antecipação prescritas no dispositivo nada mais são que repetições dos princípios da legalidade estrita e da anterioridade, estampados nos artigos 150, I e III, “a”, da Constituição e 97 e 105, do CTN.
A nota diferencial do processo de criação das contribuições de melhoria reside nos incisos do artigo 82 do CTN, que impõem ao ente tributante a obrigação de publicar editais com informações sobre a obra e o tributo de cobrança pretendida previamente ao lançamento, permitindo sua impugnação pelo contribuinte.
À primeira vista, a leitura que se faz de tais requisitos é de revelarem verdadeiro entrave à cobrança da contribuição de melhoria, em especial no que respeita a impugnação, que poderia representar um obstáculo à sua instituição, caso haja abuso pelos contribuintes do instrumento de contraditório, transfigurando-o em via para retardar o pagamento do tributo.
Como adiantado, não é esse, todavia, o entendimento ao qual nos filiamos. A possibilidade de o contribuinte contraditar o memorial descritivo do projeto, o orçamento do custo da obra, a identificação dos custos que serão financiados pela contribuição, a delimitação da zona beneficiada e a determinação do fator de absorção do benefício, se traduz como medida garantidora não apenas da transparência fiscal, como também da efetiva observância aos limites global e individual da exação cobrada: um efetivo e louvável exercício de controle de constitucionalidade.
Ademais, a transparência fiscal que propõe compele a administração pública a cumprir os princípios inscritos no artigo 37 da Constituição Federal: conferir publicidade à sua atuação e realizar obras públicas de maneira eficiente, impedindo desvios de interesse e finalidade e funcionando como instrumento da relação de cooperação entre Estado e contribuinte.
[1] O Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas, coordenado pelo Professor Eurico Marcos Diniz de Santi, tem publicado relevantes artigos científicos sobre o assunto, inclusive neste Conjur. Também sobre o assunto, consultar o excelente artigo de Mariana Pimentel Fischer Pacheco, Receita Federal do Brasil: Desafios para a realização de um projeto de cooperação fiscal aprendendo com a experiência nacional e internacional. Fiscosoft, set/2011. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/. Acesso em 17/01/2014
[2] Esperamos que questões crônicas sejam superadas, dentre as quais, sem exauri-las: redução da complexidade das normas tributárias, racionalização dos deveres instrumentais, equacionamento da chamada guerra fiscal, reinauguração das não-cumulatividades (ICMS, IPI, PIS, Cofins), com vistas a efetivamente impedir a sobreposição de incidências, e substituição das matrizes tributárias que oneram investimentos (energia, bens de capital, emprego), com destaque especial para a iniciativa tímida e setorizada, mas bem-sucedida, da contribuição previdenciária sobre a receita bruta (Lei nº 12.546/11).
[3] “Obra pública é a construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público. As obras públicas podem ser executadas diretamente pelo Poder Público ou por suas entidades auxiliares [...]é o que resulta do art. 6º, I, VII e VIII da Lei 8.666, de 21.6.93.” (MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 28ª Edição, p. 703).
[4] Constituição Federal de 1934: “Art 124. Provada a valorização do imóvel por motivo de obras públicas, a administração, que as tiver efetuado, poderá cobrar dos beneficiados contribuição de melhoria”.
Constituição Federal de 1946: “Art 30. Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar: I – contribuição de melhoria, quando se verificar valorização do imóvel, em conseqüência de obras públicas”.
Constituição Federal de 1967/1969: “Art. 18. Além dos impostos previstos nesta Constituição, compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir: II – contribuição de melhoria, arrecadada dos proprietários de imóveis beneficiados por obras públicas, que terá como limite total a despesa realizada. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 23, de 1983).”
[5] Contribuições: regime jurídico, destinação e controle, p. 68.
[6] Sobre o tema, confira-se ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros Editores, 6ª Edição, p. 173
[7] Como aquelas defendidas pelo saudoso Geraldo Ataliba: razões (i) financeiras: necessidade de recurso para enfrentar outras ou a própria obra; (ii) políticas: devolver à coletividade o benefício verificado pelo proprietário; (iii) de equidade: obras de utilidade geral devem ser custeadas por todos, as de utilidade restrita devem ser por aqueles que extraem algum benefício; (iv) de ética: banir o enriquecimento sem causa. Hipótese de incidência tributária, p. 176.

fonte: Revista Consultor Jurídico

FGTS - Correção monetária do FGTS deve ser feita pelo IPCA

A Taxa Referencial deixou de refletir as mudanças da moeda brasileira há quase 15 anos, sendo inadequada para a atualização monetária do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Essa é a tese de três decisões da Justiça Federal no Paraná que mandam a Caixa Econômica Federal atualizar o valor do benefício pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Em todas elas, o juiz federal Diego Viegas Véras, da 2ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, disse que esse índice do IBGE é o “mais abrangente” para medir a “real inflação” do país.
O magistrado determinou que a ré refaça o cálculo dos valores recebidos desde 1999 por três trabalhadores, representados por diferentes advogados. As decisões, proferidas entre os dias 15 e 16 de janeiro, já chamaram a atenção de uma multidão de advogados. Quase 530 pediram vista de ao menos um dos processos até a tarde desta terça-feira (21/1), segundo a vara.
Véras julgou com base em entendimentos do Supremo Tribunal Federal. Nas ações diretas de inconstitucionalidade 4425 e 4357, o STF considerou que a Taxa Referencial (TR) não deveria ser aplicada em precatórios (dívidas públicas reconhecidas pela Justiça).
Mesmo reconhecendo a justificativa da Caixa de que o uso da TR é legal — está na Lei 8.177/91 —, o juiz federal disse que a aplicação é inadequada. A instituição argumentou ainda que a mudança no cálculo deve gerar prejuízo às políticas públicas educacional, habitacional e de infraestrutura urbana, mas Véras disse que o governo federal “busca implementar projetos subsidiados às custas da baixa remuneração e quase nula atualização monetária dos saldos das contas do Fundo de Garantia”.
“Os juros de 3% ao ano [da TR] sequer são suficientes para repor a desvalorização da moeda no período”, afirmou o magistrado. Nas sentenças, ele detalha a diferença dos juros com base na TR e no IPCA-E entre 1999 e 2013, concluindo que há “desigualdade”. Ainda cabe recurso.
O FGTS é constituído por meio de depósitos mensais feitos pelos empregadores em contas da Caixa, com valor correspondente a 8% da remuneração do funcionário. Com informações da Assessoria de Comunicação Social do JF-PR.
Clique aqui; aqui e aqui para ler as sentenças.
Processos:
500.9032-81.2013.404.7002
500.9537-72.2013.4.04.7002
500.9533-35.2013.404.7002

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Cláusula de conservação do imóvel impede fiador

Por e
A inclusão de cláusulas de conservação de imóvel nos contratos de locação tem se mostrado uma prática frequente no mercado imobiliário. Essa cláusula pode estar inserida no contrato de locação com as mais variadas denominações, sendo mais facilmente encontrada com o nome de Fundo de Conservação do Imóvel (FCI) ou Taxa de Conservação do Imóvel (TCI).
Tal cláusula prevê o pagamento de um percentual sobre o valor do aluguel, que varia entre os patamares de 3% a 5%. Esse valor destina-se a formar uma poupança em poder do locador para, ao término do contrato de locação, assegurar a devolução do imóvel nos termos em que fora locado. Havendo a resilição contratual sem reparos a serem feitos no imóvel, os valores cobrados são restituídos, corrigidos monetariamente.
Percebe-se a existência de locatários que gostam dessa condição, posto que, ao término da relação locatícia, existem despesas a serem suportadas: pintura do imóvel; pequenos reparos; despesas com mudança... Assim sendo, o pagamento de um valor percentual mensal ameniza os gastos futuros advindos da resilição contratual.
Os locadores apreciam tal cláusula em virtude de, não raras vezes, ao término um contrato de locação o imóvel deve ser restituído com pequenos reparos a serem feitos. Esses pequenos reparos, quando não realizados pelo locatário, acabam se tornando prejuízo para o locador, posto que uma demanda judicial lhe custará mais caro e mais demorado do que arcar com os custos de reparo do imóvel.
O presente artigo não tem a pretensão de julgar a cláusula de conservação do imóvel como sendo benéfica ou maléfica. Mas, sim, identificar qual a sua natureza jurídica e quais as suas implicações para o contrato ao qual pertença.
Garantia locatícia
Etimologicamente, o termo garantia advém do francês garantie, que significa ato ou efeito de proteger, de assegurar, afiançando-se, por isso mesmo, que toda garantia é uma segurança, uma proteção, que se estabelece em favor de alguém[1].
Para Michele Frangali, a garantia encontra seu fundamento “no acrescer ou no reforçar, a um determinado credor, a probabilidade de ser satisfeito, depois do vigor normal de uma única obrigação ou do poder de agressão que esta obrigação atribui”.
Nas palavras de Tucci e Villaça Azevedo, garantia é o reforço jurídico, de caráter pessoal ou real, de que se vale o credor, acessoriamente, para aumentar a possibilidade de cumprimento, pelo devedor, do negócio principal”.[2]
Não sendo observado o parágrafo único do artigo 37 da lei de locações, estará incorrendo o locador a uma penalidade que vem disciplinada no artigo 44, inciso II, da mesma lei.
Das garantias locatícias será exposta uma breve definição de cada uma delas, tendo um enfoque maior no objeto de estudo deste artigo jurídico, que é a caução.
A fiança é a forma de garantia ainda mais utilizada no mercado imobiliário. Normalmente nos contratos de locação de imóveis o proprietário exige a responsabilidade do fiador até a efetiva devolução das chaves. Logo, vincula-se as obrigações que fluírem após a renovação do contrato. Ela é garantia estritamente pessoal. Ao afiançar o locatário, o fiador assume pessoalmente a obrigação de solver a dívida do afiançado, caso ele não a honre a tempo e hora. A fiança pode ter prazo determinado, como ainda valor limitado, sem o que compreenderá todos os acessórios da dívida principal, inclusive despesas judiciais.
Fiança por definição legal é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga por outra, para com o seu credor, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra.
Já o seguro de fiança locatícia é uma modalidade de garantia convencional que deverá ser contratado junto a uma companhia seguradora, o qual abrange os encargos contratuais podendo ser limitado a um valor pré-determinado.
A caução, nas definições de De Plácido e Silva, significa que Consoante sua própria origem, do latim cautio, de modo geral, quer expressar, precisamente, a cautela que se tem ou se toma, em virtude da qual certa pessoa oferece a outrem a garantia ou segurança para o cumprimento de alguma obrigação”.
Ao final da locação, não restando qualquer débito por parte da obrigação pactuada, o locatário poderá fazer o levantamento do depósito com os seus acréscimos – tal qual os valores de Fundo de Conservação de Imóvel, que, a nosso ver, é uma garantia da espécie caução.
Consequências da dupla garantia
Sendo certa a abusividade da existência de duas modalidades de garantia, temos como primeira consequência prática a nulidade de uma delas e posteriormente a aplicação de uma sanção penal de prisão simples de cinco dias a seis meses, a qual pode ser convertida em sanção econômica ao Locador.
É de bom alvitre salientar que a infração legal cometida pela dupla garantia não acarreta em nulidade do contrato de locação, mas apenas da garantia locatícia em excesso.
O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o parágrafo único do artigo 37 da Lei do Inquilinato, assim se posicionou:
A exigência de dupla garantia em contrato de locação não implica a nulidade de ambas, mas tão somente daquela que houver excedido a disposição legal. [...] STJ. Resp. 868.220/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª turma, j. 27/09/2007, DJ 22/10/2007.
Posição mais acertada não poderia ter sido proferida pelo STJ sobre o tema. A inteligência da lei se dá em manter uma paridade contratual entre as partes, evitando que se exija do locatário diversas modalidades de garantia e ao mesmo tempo, preservando a direito do locador em ter um respaldo de que a obrigação contraída será honrada.
Tendo em vista que o contrato de locação permanece válido e que uma das garantias deve ser considerada nula, o conflito se dá em saber qual das modalidades de garantia deve prevalecer em detrimento da outra.
Analisando o caso concreto poderemos nos deparar com duas opções: contrato de adesão ou contrato livremente formulado entre as partes.
Se acaso estivermos diante de um contrato de adesão pré-formatado pelo locador, onde o locatário apenas adere às suas condições sendo-lhe drasticamente reduzido o poder de negociação das cláusulas contratuais, deve-se facultar aos aderentes (locatários e eventuais fiadores) sobre qual cláusula deve ser tida como nula.
Tal premissa se deve à norma geral de que nos contratos de adesão as cláusulas terão interpretação favorável ao aderente (artigo 423 do Código Civil Brasileiro). Apenas analisando o caso concreto é que se poderá concluir se tal contrato é ou não é um contrato de adesão.
Não sendo o contrato de locação discutido um contrato de adesão poder-se-ia discutir sobre a liberdade contratual e o princípio pacta sund servanda, acarretando em legalidade à clausula de conservação do imóvel e sua co-existência com outras modalidades de garantia locatícia.
Embora tal argumento aparente ser convincente para eximir o locador de sua responsabilidade civil e criminal, bem como para manter válidas a pluralidade de garantias existentes no contrato de locação, esbarra-se na prevalência da norma pública à norma privada.
Não podem as partes dispor de forma contrária à lei. Por certo que os contratos livremente pactuados representam a convergência de vontades dos contraentes. Todavia, tal convergência de vontades não pode afrontar o direito positivado, violando normas de ordem pública.
A própria Lei 8.245/91 dispõe, de forma clara e objetiva, a sua aplicabilidade em toda em qualquer relação locatícia de imóveis urbanos, consoante artigo de número 45.
Dessa forma, aplicando-se in totum a Lei 8.245/1991, continuamos a ter a impossibilidade de mais de uma modalidade de garantia locatícia. O impasse pode ser resolvido conforme o entendimento pacífico dos tribunais brasileiros no sentido de se excluir a mais gravosa ao locatário, tendo como fundamento legal a analogia do artigo 620 do Código de Processo Civil.
Passamos agora a analisar uma terceira maneira de verificar qual das modalidades de garantia deve prevalecer, independente do contrato ser ou não ser um contrato de adesão. Esta terceira forma leva em consideração o quesito temporal. Ou seja, a garantia contratual que primeiro surtiu efeito no mundo jurídico é a garantia que deve prevalecer.
Esse raciocínio leva em consideração a aplicação prática da modalidade de garantia. A primeira modalidade de garantia utilizada na prática, independentemente de sua eficácia, é a que deve continuar vigorando, devendo ser declarada nula de pleno direito a garantia adjacente.
Embargos à execução de título extrajudicial - locação - cerceamento de defesa - ...omissis - fiança e caução, esta sob a alcunha de "taxa de conservação" - dupla garantia vedada pelo § único do artigo 37 da lei de locações, sem cominação legal de sanção expressa ao locador - por falta de previsão legal, deve-se invalidar somente a garantia instituída em excesso - critérios de exclusão doutrinário e jurisprudencial: ordem sequencial e aplicação do artigo 884, caput do código civil - a convergência de ambos aponta para a nulidade da fiança - benfeitorias - recurso conhecido e parcialmente provido”. TAPR – AC: 209426-4, Rel. Des. Anny Mary Kuss, 6ª câmara cível (extinto TA), J. 14/10/2002, DJ 25/10/2002.
Grifo nosso
AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO - ARREMATAÇÃO - CONTRATO DE LOCAÇÃO - DUPLA GARANTIA - FIANÇA, PRESTADA ANTERIORMENTE, E CAUÇÃO - DECISÃO QUE INVALIDA A CAUÇÃO, PREVALECENDO A FIANÇA, POSTO PRESTADA EM PRIMEIRO LUGAR. PERMANECENDO O CONTRATO LOCATIVO COM GARANTIA, NO CASO A FIANÇA, VERIFICA-SE A CARÊNCIA DA AÇÃO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR - SENTENÇA MANTIDA - APELAÇÃO IMPROVIDA. TJPR - AC 370195-1, Rel. Des. Luiz Antônio Barry, 11ª câmara cível, j. 22.11.2006, DJ 12/01/2007.
Grifo nosso
Nesta última jurisprudência mencionada o emérito desembargador Luiz Antônio Barry proferiu seu voto da seguinte forma:
Da garantia prestada. Não obstante a revelia verificada, o douto juízo a quo entendeu de adentrar ao mérito propriamente dito, examinando a dupla garantia verificada no contrato de locação. E, de se ver, a Lei do Inquilinato veda, no seu art. 37, § único, o oferecimento de garantia em duplicidade no mesmo contrato de locação. A questão de fundo consubstancia-se em estabelecer qual das garantias prestadas em duplicidade deve prevalecer: a caução ou a fiança. Doutrina e jurisprudência assentaram-se no sentido de que em tais casos deve prevalecer a garantia principal, nesse sentido fala-se em garantia prestada em primeiro lugar, devendo ser desconsiderada a garantia prestada em excesso.

Por essa forma de se identificar qual a garantia válida teremos que a cláusula de conservação de imóvel, sendo dinheiro líquido do locatário em poder do locador acaba por ser uma garantia que suporta os danos da inadimplência mesmo antes dela ocorrer.
Desta feita, a partir do primeiro minuto de atraso do locatício, os valores caucionados em poder do locador já estão suportando os efeitos da mora, sendo portanto, a modalidade de garantia que deve persistir no contrato de locação.
Penalidade
A sanção penal prevista, via de regra, é convertida em sanção econômica, motivo pelo qual nosso estudo se limitará a ela. Havendo inadimplência de obrigações pecuniárias do locatário este crédito decorrente da dupla garantia deve ser compensado, nos termos do artigo art. 368 do Código Civil.
Em que pese ser o locatário o titular do crédito oriundo da infração legal cometida pelo locador, não há empecilhos de nenhuma ordem que tal crédito seja solicitado pelos fiadores em eventual peça de embargos à execução.
Como vimos anteriormente, havendo a cláusula de conservação de imóvel e fiança a garantia a ser tida como válida é a cláusula de conservação do imóvel. Dessa forma, nos casos em que o fiador venha a ser demandado judicialmente para pagar débitos do contrato de locação, ele poderá pleitear sua ilegitimidade passiva bem como requerer a penalidade econômica a ser imposta ao locador em favor do locatário, requerendo a compensação de valores.
A nosso ver, tal requerimento deve ser feito de forma subsidiária ao pedido de ilegitimidade passiva. Isso pois, no caso remoto do magistrado não se convencer de que a garantia da fiança é a garantia em excesso, o fiador continuará a fazer parte da demanda sendo responsável pelos débitos do locatário.
Dessa forma, sua participação na lide seria direta. O pleito de que se aplique a norma de ordem pública a fim de se ter a compensação de valores (crédito decorrente da multa com os valores devidos pelo locatário) para que o valor a ser suportado por ele seja reduzido está amparado em nosso devido processo legal pelo princípio da ampla defesa.
Ante todo o exposto pode-se concluir que a existência de cláusula de conservação do imóvel constitui uma garantia locatícia que se assemelha à caução, feita de forma parcelada. Sendo uma garantia locatícia, impede que seja utilizada uma segunda modalidade de garantia. Dessa forma, impede-se que seja incluído neste contrato fiadores ou seguro fiança.
Havendo no mesmo contrato duas modalidades de garantia, uma delas deve ser considerada nula de pleno direito. Analisando o caso concreto é que se poderá chegar a uma conclusão de qual garantia locatícia deve ser anulada.
Os parâmetros para se averiguar qual a garantia que permanece válida são três: o contrato de locação é de adesão ou convergência de vontades; qual a garantia mais gravosa ao locatário; e, por fim, qual modalidade de garantia surtiu efeitos no mundo jurídico em primeiro lugar.
Uma vez identificada qual garantia permanece e qual é nula passa-se à aplicação da sanção em decorrência da infração legal. Tal sanção econômica será, conforme os critérios do magistrado, de três a 12 vezes o valor do aluguel revertida em favor do locatário.
Essa sanção econômica decorre de norma de ordem pública, podendo ser arguida pelo próprio locatário ou pelos fiadores que porventura figurem no contrato de locação.
Como exposto anteriormente, só se justifica o pleito dos fiadores para que haja a compensação de valores com os débitos do locatário a fim de se ver diminuída sua dívida, posto que o titular do crédito desta multa é, indiscutivelmente, o locatário.

[1] TUCCI, Rogério Lauria e AZEVEDO, Alvaro Villaça. Tratado da locação predial urbana. 1 ed., 3 tiragem. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 329-30.
[2] Ibid, p. 329-31.

Apropriação indébita previdenciária não exige dolo

Não há necessidade da comprovação do dolo específico no crime de apropriação indébita previdenciária. A decisão é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar uma mulher de Sergipe denunciada pelo Ministério Público Federal.
Ela queria manter decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que julgou que a denúncia do Ministério Público Federal não conseguiu comprovar a intenção de se apropriar de valores da Previdência.
O ministro Gilson Dipp, ao analisar o recurso, disse que o STJ já tem entendimento pacificado no sentido de que a conduta descrita no tipo do artigo 168-A do Código Penal se consuma com o simples não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados no prazo legal. O artigo aponta como crime "deixar de repassar à Previdência Social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional".
A relatora, ministra Regina Helena, entendeu que a fundamentação adotada na decisão do ministro Dipp é suficiente para respaldar a conclusão adotada. O processo deve retornar ao tribunal de origem para julgamento da apelação, já que não compete ao STJ realizar juízo de condenação para o caso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Clique aqui para ler o acórdão.

REsp 1.266.880

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Caso Potuguesa - Atos do STJD devem estar alinhados com as determinações legais de hierarquia superior


No último dia 9/11, um torcedor obteve antecipação de tutela para recolocar a Portuguesa na 1ª divisão do Campeonato Brasileiro. De acordo com decisão da 42ª vara Cível de SP, a punição de perda de pontos pelo STJD foi irregular e o Estatuto do Torcedor foi desrespeitado. Segundo o advogado Georges Abboud, do escritório Nery Advogados, "todos os Poderes e os cidadãos ao realizarem seus atos devem ter em vista o que determina a legislação. E tanto a CBF quanto STJD não fogem à regra. Sendo assim seus atos devem estar alinhados com as determinações legais de hierarquia superior".
Na ação ajuizada contra a CBF, o sócio torcedor requeria a suspensão dos efeitos da decisão do STJD que puniu o time paulista com a perda de quatro pontos por escalar irregularmente o atleta Héverton em partida válida pela última rodada do Brasileirão. Em sua decisão, o juiz Marcello do Amaral Perino, disse que foram esgotados, como é cediço, os recursos nas instâncias da Justiça Desportiva e é direito do torcedor que os órgãos dela observem princípios como o da publicidade, na forma do art. 35 do Estatuto do Torcedor.
O juiz apontou que o dano irreparável decorre do decretado rebaixamento da Portuguesa, que reduz drasticamente a sua cota de televisão e impede a formalização de bons contratos de patrocínios. "Não havendo a configuração de prejuízo decorrente de conduta dolosa, efetivamente, vale o mérito desportivo, vale o que está estampado no placar, vale a bola na rede", concluiu.
Entretanto, na semana passada, o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do TJ/RJ concedeu uma liminar determinando que a CBF cumpra as decisões tomadas pelo STJD no fim de 2013, retirando quatro pontos do Flamengo e da Portuguesa por escalações irregulares de jogadores.
A juíza Romanzza Roberta Neme concedeu a tutela pretendida no tocante ao cumprimento do determinado pelo STJD, "inclusive face ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação existente, considerando-se, ainda, o fato de a justiça desportiva não pertencer ao Poder Judiciário, merecendo, portanto, respaldo deste para eventualmente impor a eficácia de sua decisão sempre que houver fundado receio de seu descumprimento".
Se não cumprir a sentença, a CBF deverá pagar multa diária de R$ 10 mil para cada um dos casos.

fonte: migalhas.com.br

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Encarceramento desmedido vem se mostrando equivocado

As atenções e os debates se voltaram, nos últimos dias, para o estado do Maranhão, que, ao lado de índices sociais e econômicos não muito atraentes, agora expôs também um quadro de violência assustadora ocorrido no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís. Vídeo veiculado na internet mostra corpos mutilados e decapitados, com as cabeças de detentos exibidas como prêmio.
O quadro nos impõe algumas reflexões com o único objetivo de provocar o redirecionamento das discussões acerca das soluções para o problema da violência no nosso país. Sim, no nosso país. O que se passou em Pedrinhas tem reais condições de se repetir em várias outras unidades prisionais do país. Portanto, não sufoquemos mais ainda o Maranhão com a responsabilidade isolada quanto ao problema nacional em comento.
A política do encarceramento desmedido e do enrijecimento das penas vem se mostrando absolutamente equivocada a partir da análise dos números que são postos. De 1990 a 2012, as prisões no Brasil foram ampliadas em 508%, enquanto que, nos últimos 70 anos, 150 novas leis penais mais severas foram editadas (Luiz Flávio Gomes, in Populismo Penal Midiático: Saraiva, 2013). Na mesma esteira, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a edição da Lei Maria da Penha, em 2006, ainda não conseguiu reduzir a violência contra a mulher.
Ao viés equivocado aqui relatado soma-se o emocionado espírito vingativo da sociedade que, em conclusão simplista, vaticina: “bandido bom é bandido morto”. Voltando ao caso do Maranhão, onde foram registradas 173 mortes de presidiários de 2007 pra cá, sendo 60 só no ano de 2103 e duas já em 2014. Pergunta-se: os índices de violência no estado diminuíram de modo diretamente proporcional a tais mortes, pelo menos em níveis parecidos? A população do Maranhão sente-se mais segura depois que 173 bandidos foram mortos? As respostas, evidentemente, são negativas.
Acompanhamos, também naquele estado, a capital ser tomada por uma onda de violência — à semelhança do que já ocorreu, recentemente, em outros centros urbanos do país — originada a partir de determinações que partiram do interior dos presídios, evidenciando a existência de um poder paralelo e, o mais grave, a falência do sistema prisional no país nos moldes em que está posto. Daí outra indagação: é admissível um preso ditar regras de convivência social para quem está solto? Novamente a resposta é negativa.
Mais eficiente que a rigidez de uma pena é a certeza de que ela vai ser aplicada. Hoje, comete-se um delito no país sem qualquer receio quanto à punição que dele pode (deveria) advir. Segundo dados da Enasp (Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública), em pesquisa divulgada em 2012, 134.944 inquéritos anteriores a dezembro de 2007 ainda não haviam sido concluídos. Não bastando, outro número preocupante é o de presos provisórios no país, que atingiu a marca de 42%, com base em dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), significando um abarrotamento — questionável quanto à necessidade — das nossas unidades prisionais.
Os números impressionam, pois, e mostram que alguns discursos merecem ajustes. A sociedade continua refém da violência urbana sob seus mais diversos matizes e, por falta de informações, alimenta falsas soluções. Ou evitamos que o jovem adentre no mundo do crime ou continuaremos a conviver com índices alarmantes de violência e a lidar com episódios como o anotado no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, que também poderia ser chamado de Brasil.
FONTE: CONJUR

PROCESSO ELEITORAL - Por que o TSE proibiu o MP e a polícia de investigar?

E começa tudo de novo. A população foi às ruas pedir a derrubada da PEC 37. O Congresso, assustado, por unanimidade atendeu aos apelos do povo. Pois não é que o TSE resolveu repristinar a discussão, por um caminho mais simples, uma Resolução?
Para quem não sabe, explico: pela Resolução 23.396/2013, o Ministério Público e também a Polícia de todo o Brasil não podem, de ofício, abrir investigação nas próximas eleições. É isso mesmo que o leitor leu. Segundo a nova Resolução – que, pasmem, tem data, porque vale só para 2014 – somente poderá haver investigação se a Justiça Eleitoral autorizar.
Então o TSE é Parlamento? Pode ele produzir leis que interfiram no poder investigatório da Polícia e do Ministério Público? Não acham os brasileiros que, desta vez, o TSE foi longe demais?
O Presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, votou contra a tal Resolução, afirmando  que "o sistema para instauração de inquéritos não provém do Código Eleitoral, mas sim do Código Penal, não cabendo afastar essa competência da Polícia Federal e do Ministério Público". Bingo! Nada mais precisaria ser dito.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, afirmou que a medida é inconstitucional: "Se o MP pode investigar, então ele pode requisitar à polícia que o faça. Isso também é parte da investigação", afirmou.
Veja-se que a Resolução desagrada inclusive aos juízes (ou a um significativo setor da magistratura). Como diz o juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a decisão é equivocada e pode trazer prejuízo à apuração de irregularidades nas eleições deste ano, verbis: "O Ministério Público precisa de liberdade para agir e deve ter poder de requisição de inquéritos. Assim é em todo o âmbito da justiça criminal e da apuração de abusos. Não faz sentido que isso seja diminuído em matéria eleitoral. Pelo contrário, os poderes deveriam ser ampliados, porque o MP atua justamente como fiscal da aplicação da lei".
Na visão do magistrado, a regra introduzida pelo TSE este ano é inconstitucional, pois "cria uma limitação ao MP que a Constituição não prevê". "O MP tem poderes para requisitar inquéritos, inclusive exerce a função de controle externo da atividade policial. Entendo que só com uma alteração constitucional se poderia suprimir esses poderes", explica.   E eu acrescento: aliás, foi por isso que a PEC 37 foi rejeitada no Parlamento, porque é matéria constitucional.
A quem interessa essa limitação?Nosso país é estranho e surreal. Avança de um lado, por vezes... e logo depois dá um salto para trás. Pergunto: em que a investigação de oficio – aliás, é para isso que existe o MP e a Polícia, pois não? – prejudicam o combate à corrupção eleitoral? Em quê?
Todos os dias Delegados e membros do Ministério Público investigam, sponte sua, crime dos mais variados em todo o território. A pergunta é: por que os crimes eleitorais seriam diferentes? No que? Por que mexe com políticos poderosos? O argumento do TSE não convence ninguém. Aliás, irônica e paradoxalmente, não convenceu nem seu Presidente, Min. Marco Aurélio. Espera-se que o STF declare inconstitucional essa medida. Na verdade, com tudo o que já se escreveu e discutiu sobre o combate à corrupção, investigação da polícia, MP, etc, até o porteiro do Supremo Tribunal já está apto a declarar inconstitucional a tal Resolução.
Numa palavra: O que fazer com o artigo 365 do Código Eleitoral? Uma Resolução vale mais do que uma Lei? E os Códigos Penal e de Processo Penal? Valem menos do que uma Resolução de um órgão do Poder Judiciário? Pode uma Resolução alterar prerrogativas constitucionais de uma Instituição como o Ministério Público?
Uma pergunta a mais: valendo a Resolução, o MP toma conhecimento de um crime e “pede” ao juiz para que autoriza a investigação... Suponha-se que o Juiz não queira ou entenda que não há motivo para a investigação. Faz-se o que? Recorre? Só que, na dinâmica de terrae brasilis, em que os feitos não andam, se arrastam, a real investigação que tinha que ser feita vai para as calendas. Eis o busílisda questão. Todo o poder concentrado no Juiz Eleitoral. É isso que se quer dizer com a palavra “transparência”?
Mais: qual é diferença de um crime de corrupção não-eleitoral com um de corrupção eleitoral? Por qual razão o indivíduo que comete crime eleitoral tem mais garantias – é o que parece querer ter em mente o TSE – que o outro que comete crime “comum”? Um patuleu comete um furto e qualquer escrivão, por ordem do Delegado, abre inquérito contra ele; mas se comete crime eleitoral... há que pedir autorização judicial.[1] A pergunta fatal, para o bem e para o mal: não teria que ser assim em todos os crimes? Ou quem comete crime eleitoral possui privilégios sistêmicos? Não temos que tratar todos do mesmo modo em uma democracia?
Falta de coerência, integridade legislativa, prognose e violação da UntermassverbotPoderia ser mais sofisticado e dizer, ainda, que a Resolução, ao “datar” um tipo de procedimento investigativo (só para 2014, diferenciando-o das eleições anteriores), é inconstitucional por aquilo que Dworkin chama de “lei de conveniência”, porque carecedora do elemento da coerência e da integridade legislativa. Mais ainda, a Resolução é inconstitucional porque ausente qualquer prognose. E se sabe que, hoje, é possível discutir a inconstitucionalidade a partir da falta de prognose. Em que, por exemplo, o processo eleitoral será mais limpo se se proibir a Polícia e o Ministério Público de investigarem sponte sua? Isso me parece irrespondível.
Ademais, também é inconstitucional a Resolução, levando em conta a falta de coerência, integridade e prognose, porque viola o princípio da proibição de proteção insuficiente (deficiente), chamada deUntermassverbot, já havendo precedente desse tipo de aplicação no Supremo Tribunal Federal. Ou seja, ao fazer a alteração, o TSE está protegendo de forma insuficiente/deficiente bens jurídicos fundamentais, como a moralidade das eleições, isso para dizer o mínimo. Ao proibir o MP e a Polícia de instaurarem investigações, o Judiciário (TSE) protege “de menos” a sociedade, porque dificulta o combate à criminalidade eleitoral.
De todo modo, como um otimista metodológico que sou – como sabem, sou da filosofia do “como se” (é como se [al sob] o Brasil pudesse dar certo) – penso que não é necessário dedicar tantas energias nessa Resolução que já nasceu morta. O Brasil se pretende sério. O povo quer que o país seja sério. Quer eleições com menos corrupção. Não me parece que o juiz saiba mais sobre abertura de inquérito que o Delegado e o membro do Ministério Público. Aliás, juiz julga. Polícia e Ministério Público investigam. Se o juiz já julga antes, para saber se é caso ou não de investigação – e não se diga que isto não é ato de pré-julgamento” - já está quebrado o sistema acusatório. Bingo! Mais um argumento que aponta para a inconstitucionalidade da Resolução.
Na verdade, parece que querem matar no cansaço a comunidade jurídica com esse tipo de discussão. Todos os dias surgem novas coisas para nos assustar. De um lado, o próprio STF aponta com quatro votos para a inconstitucionalidade de um modelo de doação de campanhas sem que a própria Constituição dê qualquer “dica” sobre qual o modelo a ser seguido. De outro, agora, o Tribunal Superior Eleitoral ingressa no cenário para proibir que a Polícia e o Ministério Público abram investigações de ofício naquilo que deve ser mais caro à cidadania: o-direito-fundamental-a-termos-eleições-limpas.
Tristes trópicos, diria Claude-Lévi Strauss (o antropólogo e não o das calças jeans). Ou, como diria o Conselheiro Acácio, personagem de Eça de Queiroz: as consequências vem sempre depois.
A pergunta é: Dá para esperar?

[1] Alguém poderá argumentar: Mas a passagem pela “mão” do Juiz é apenas uma questão de burocracia, porque o art.  6º da Resolução diz que  “Recebida a notícia-crime, o Juiz Eleitoral a encaminhará ao Ministério Público Eleitoral ou, quando necessário, à polícia, com requisição para instauração de inquérito policial (Código Eleitoral, art. 356, § 1°)”. Mas, pergunta-se: Então a Resolução teria sido feita para isso? O Juiz é um repassador de notícia-crime? Mas isso um estagiário pode(ria) fazer, pois não? Mas, daí vem outra pergunta: Por que o outro dispositivo (Art. 8º) diz que “O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral”? Eis o busílis da questão!