quinta-feira, 31 de maio de 2012

Entidades se manifestam sobre honorários da defesa de Cachoeira

Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) entrou no ringue para a luta travada em torno da investigação dos honorários recebidos pagos ao criminalista e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos pelo seu cliente Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. A ANPR emitiu nota de apoio a Manoel Pastana, procurador que propôs uma representação contra o advogado na Procuradoria da República em Goiás na última segunda-feira (28/5).
O Instituto dos Advogados de São Paulo também emitiu nota nesta quarta-feira (30/5), essa repudiando a atitude de Pastana. Segundo a nota, assinada pela presidente do instituto, Ivette Senise Ferreira, "descabe a alegação de que deveria ser fornecida obrigatoriamente ao acusado a defesa por parte do Estado, pois a relação é de escolha livre e de confiança".
A Ordem dos Advogados do Brasil já havia se posicionado ao lado de Thomaz Bastos. Na última terça-feira (29/5), o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou que "a partir do momento em que se imputa ao advogado a prática de crime por ele estar exercendo, dentro dos limites da lei, o direito de defesa, por óbvio se está a atentar contra as liberdades e contra o legal exercício de uma profissão, constitucionalmente protegida”.
O presidente da OAB paulista, Luiz Flávio Borges D’Urso, também saiu em defesa do ex-ministro. Antonio Ruiz Filho, presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB paulista, lembrou que o direito de defesa deve ser colocado no mesmo patamar da liberdade de imprensa. O criminalista Alberto Zacharias Toron, que iniciou a carreira no escritório de Thomas Bastos, também se mostrou indignado com a situação.
Agora, a ANPR sai em defesa do procurador, afirmando que a petição de Pastana “louva-se na aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), segundo a qual o recebimento de vultosa quantia de quem não tem renda lícita constitui crime de receptação culposa”.
Contrária aos argumentos de que a investigação dos recursos estimados em R$ 15 milhões representaria um cerceamento do direito a defesa, a associação encerra a nota explicando que sua postura “não representa, contudo, menosprezo à advocacia e ao exercício regular da ampla defesa e do contraditório, que os membros do Ministério Público Federal fazem questão de reverenciar como fundamental em um Estado de Direito”.
A assessoria de imprensa do próprio Pastana enviou uma nota à imprensa hoje, rebatendo as afirmações de que ele esteja tentando intimidar Thomaz Bastos ou cercear a defesa de Cachoeira. Pestana, diz a nota, quer apenas cumprir a Lei de Lavagem de Dinheiro, uma vez que "há indícios de crime de lavagem de dinheiro ou de receptação".
O questionamento sobre os honorários recebidos por Thomaz Bastos representa, segundo o procurador, "progresso no cumprimento da ordem jurídica".
Leia a nota de Pastana:
O Procurador Manoel Pastana, ao vislumbrar veracidade nas informações de que o advogado Márcio Thomaz Bastos teria cobrado R$ 15 milhões do acusado Carlinhos Cachoeira, para defendê-lo em processo criminal, que envolvem vários delitos, entre eles lavagem de dinheiro; por dever de ofício (art.236, inciso VII da LC 75/1993), representou para que seja apurada a origem dos recursos pagos a títulos de honorários.
O Dr. Pastana há quase duas décadas é procurador do Ministério Público Federal, atuando na área criminal; por isso, sabe que jamais conseguiria intimidar um advogado criminalista com a experiência de 60 anos. Ademais, nunca foi leviano e não tem interesse algum em prejudicar a defesa de quem quer que seja. Assim, causa espécie o tom da nota expedida pelo representado ao dizer: “Causa indignação, portanto, a tentativa leviana de intimidar o advogado, para cercear o direito de defesa de um cidadão.”
O exercício da advocacia não isenta o advogado, assim como qualquer profissional, de justificar que a renda recebida de seu trabalho provém de origem lícita. Não existe nenhum dispositivo legal que contemple o advogado com tal imunidade. Até porque, se houvesse, tornaria a Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro) letra morta, pois bastaria o criminoso celebrar um contrato milionário com o advogado. Este, sem ter que justificar a origem do dinheiro recebido a título de honorários, incluiria no seu patrimônio como renda lícita e, depois, poderia retornar mediante doação ao próprio infrator ou a quem ele indicasse.
Dessa forma, longe de ser leviano ou de querer atrapalhar a defesa do cidadão Cachoeira, o Procurador Pastana tenciona apenas que a lei seja cumprida, pois como há indícios de crime de lavagem de dinheiro ou de receptação, uma vez que a Lei Penal, neste último caso, presume que o recebimento de vultosa quantia de quem não tem renda lícita constitui crime de receptação culposa, representou para que seja apurada a origem dos recursos.
Considerando que há presunção relativa de que o recebimento do dinheiro em tal situação constitui ilícito penal, basta que o representado prove que o recurso recebido no pagamento dos seus honorários não é de origem ilícita e o problema está resolvido. Isso porque o questionamento não diz respeito ao patrocínio advocatício, mas ao vultoso recurso vindo de quem não tem renda lícita para arcar com tal patrocínio. Se o pagamento foi realizado por terceiros, basta provar que os pagantes têm renda para tanto.
Por fim, o fato de nunca ter sido questionado situação dessa natureza não impede que a lei seja cumprida neste caso, bem como não representa retrocesso, mas sim progresso no cumprimento da ordem jurídica.
Leia a nota da ANPR:
"A ANPR vem a público manifestar apoio a seu associado, o procurador regional da República Manoel Pastana, que, ao vislumbrar verossimilhança nas informações de que o advogado Márcio Thomaz Bastos teria cobrado R$ 15 milhões do acusado Carlinhos Cachoeira, para defendê-lo em ação penal que lhe imputa vários delitos - entre eles lavagem de dinheiro -, apresentou petição ao MPF de Goiás para que seja apurada a origem dos recursos pagos a título de honorários.
A petição louva-se na aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), segundo a qual o recebimento de vultosa quantia de quem não tem renda lícita constitui crime de receptação culposa. É intuitivo que o advogado, assim como qualquer profissional, não está isento de justificar que a renda recebida de seu trabalho provém de origem lícita. Cuida-se de fazer com que a lei seja cumprida.
Vale lembrar que a análise da petição - de resto exercitável, também, como atributo da cidadania -, do ponto de vista de efetiva ação do Ministério Público Federal, caberá, a princípio, aos procuradores da República destinatários daquela, que detêm a inteira atribuição para agir como lhes parecer adequado sob o ditame da lei. Isto não representa, contudo, menosprezo à Advocacia e ao exercício regular da ampla defesa e do contraditório, que os membros do Ministério Público Federal fazem questão de reverenciar como fundamental em um Estado de Direito - tanto quanto o integral cumprimento da ordem jurídica."
Alexandre Camanho de Assis
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR
Leia a nota do IASP:
Causa profunda preocupação a notícia de que um membro do Ministério Público Federal encaminhou pedido de investigação sobre a origem de dinheiro pago por alegado contraventor, em processo de repercussão nacional, a seu advogado. A alegação de que advogado não poderia receber honorários de seu cliente, acusado por suposta prática criminosa, não é nova, mas ganhou nova roupagem com a Lei de Lavagem de Dinheiro. No exterior o assunto já veio a tona em diversos países, questionando-se, justamente, o recebimento de honorários de origem suspeita.
O Instituto dos Advogados de São Paulo já debateu o tema em momento anterior e se posicionou pela garantia da ampla defesa e pela isenção do advogado em tais casos. Descabe a alegação de que deveria ser fornecida obrigatoriamente ao acusado a defesa por parte do Estado, pois a relação é de escolha livre e de confiança.
Tais predicados são alocados no contexto da ampla defesa, que não significa, simplesmente, a permissão de defesa técnica. A escolha dessa defesa, específica à realidade posta, é que é fundamental. A defensoria pública é competente, e disso ninguém duvida, mas ao réu deve caber, sempre, a possibilidade de escolha de seu patrono. As relações e situações cotidianas, como a do livre exercício profissional do advogado, por outro lado, não podem, de modo algum, ser confundidas com práticas criminosas. Trata-se, por assim dizer, de uma relação de adequação profissional, que escapa ao foco do Direito Penal. A defesa é escolhida e remunerada pelo seu trabalho, não podendo ser este confundido com suposto crime anterior, e ainda não provado, do acusado.
Ivette Senise Ferreira
Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Transmissão de HIV configura lesão corporal grave



Ao praticar sexo sem segurança, o soropositivo assume o risco de contaminar a pessoa com quem se relaciona. O entendimento é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que a transmissão consciente do vírus HIV, causador da Aids, configura lesão corporal grave, delito previsto no artigo 129, parágrafo 2º, do Código Penal, ao julgar pedido de Habeas Corpus, relatado pela ministra Laurita Vaz.
O caso julgado diz respeito a um portador de HIV que manteve relacionamento amoroso com a "vítima". Inicialmente, o casal fazia o uso constante de preservativo, mas, depois, as relações passaram a ser consumadas sem proteção, quando, então, o vírus foi transmitido. O homem alegou que havia informado à parceira sobre sua condição de portador do HIV, mas ela negou.
Na decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal contra a qual foi impetrado o Habeas Corpus, ficou decidido que, ao manter relações sexuais sem segurança, o réu assumiu o risco de contaminar sua parceira. O tribunal também considerou que mesmo que a "vítima" estivesse ciente da condição do seu parceiro, a ilicitude da conduta não poderia ser excluída, pois o bem jurídico protegido é indisponível. O réu foi, então, condenado a dois anos de reclusão.
No STJ, a defesa foi clara: o crime não havia sido consumado, pois a vítima seria portadora assintomática do vírus HIV e, portanto, não estaria demonstrado o efetivo dano à incolumidade física. O argumentou não foi aceito pela ministra Laurita Vaz, que entendeu não ter sido provado que a vítima tivesse conhecimento prévio da situação do réu, alegação que surgiu apenas em momento processual posterior, e lembrou que o STJ não pode reavaliar matéria probatória no exame de HC.
Para a ministra, a Aids é perfeitamente enquadrada como enfermidade incurável na previsão do artigo 129 do Código Penal, não sendo cabível a desclassificação da conduta para as sanções mais brandas no Capítulo III do mesmo código, que tratam da periclitação da vida e da saúde. Segundo ela, mesmo permanecendo assintomática, a pessoa contaminada pelo HIV necessita de acompanhamento médico e de remédios que aumentem sua expectativa de vida, pois ainda não há cura para a enfermidade. Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.

terça-feira, 29 de maio de 2012

A quem servem os ataques à prova de seleção da OAB?

Por Bartolomeu Rodrigues

Com uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) em andamento e a presidente Dilma Rousseff recortando os artigos do já aprovado Código Florestal, nossos parlamentares têm mais o que fazer, supõe-se, ao invés de se preocupar com a prova dos bacharéis de Direito aspirantes a advogados. São três chances no ano, ninguém diga que é pouca coisa. Domingo passado (27), 112 mil bacharéis prestaram prova em todo o país.
Entrementes, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fez de seu twitter um palanque contra o Exame de Ordem. Tem milhares de seguidores, é claro, e vem agregando muito mais. O índice de reprovação do Exame é alto, como se sabe, especialmente dos alunos egressos de cursos particulares, embora não seja a prova um bicho-papão — o que se pode aferir dos resultados de escolas medianamente preparadas, públicas ou privadas.
Mas a turma reprovada adora o deputado, que aliás nem é advogado; é economista.
No dia 25 de maio, ele escreveu: “Não vou dar sossego até a gente votar o fim do Exame da Ordem”.
Aparentemente recebeu o apoio do presidente da casa, Marco Maia (PT-RS), metalúrgico, como Lula, industriário, conforme consta de seu perfil, sem contudo mencionar qualquer curso acadêmico. Maia estaria ressentido com o discurso do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, durante a posse do ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, com severas críticas ao funcionamento do Congresso. Além do delegado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), este sim bacharel em Direito, formado pela Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, do Rio, que por sinal não consta das instituições agraciadas este ano com o selo de qualidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Isto sem falar de um sem-número de sem-carteiras da OAB que cerram fileiras e até protagonizaram no ano passado manifestações em frente ao Supremo pedindo a inconstitucionalidade do Exame. Ao reclamar da prova e confessar, como alguns o fizeram, que estavam na terceira, quarta ou quinta repetência, eles passaram recibo: alguma coisa está errada. O STF manteve o Exame, é claro.
A decisão foi jurídica. Ao proferir seu voto, o ministro Marco Aurélio frisou que quem exerce a advocacia sem qualificação técnica prejudica a outrem, ao cliente e à coletividade, aduzindo, no caso das faculdades mal preparadas, que estas vendem o sonho, mas entregam pesadelos.
O sonho de se formar em Direito é bem acalentado não apenas pelo que representa a profissão de advogado em si (carreira, sucesso, status etc), mas também pela chance de se tornar, lá na frente, graças à fábrica nacional do concurso público, um juiz, promotor ou delegado de polícia... Porém, seja que rumo tomar, a preparação é fundamental, pois funil é apertado, é peneira de granulometria fina. E embora concurso não seja a melhor forma de aferir competência, está provado que só passa quem se dedica com afinco aos estudos. Exame de Ordem, diante de uma prova para ser juiz, é café pequeno. E para ser juiz, precisa antes ser advogado; aí que pega.
Assim começa o pesadelo, justo quando as classes menos favorecidas têm mais acesso à educação e ao diploma. Pena que o sistema educacional privado (com exceções, sem dúvida) está entregue a empresários minimamente alfabetizados. Que sejam empresários, compreende-se, mas esta condição não os autoriza transformar instituições de ensino em fábricas de diplomas, sem qualquer responsabilidade social. O papel do governo, salvo engano, é vigiá-las, porém tudo corre tão absurdamente frouxo que nos faz supor o que se passa nos bastidores.  É material para uma grande reportagem. Mas isto antes dos reality shows substituírem o jornalismo.
Ante o descaso das autoridades, quem pode economizar, sacrificar um pouco de seu salário e se submeter a um terceiro expediente, ainda que exausto, freqüenta o curso à noite, contanto que ao final de cinco anos tenha o seu diploma. Deixasse ao sabor dos empresários do ensino, já existiria um bacharelado “expresso” em Direito de três anos de duração, quem sabe dois. Afinal, é pagar e entrar, e, uma vez dentro, bem, falar de qualidade é pedir muito, pois não? O Brasil deve figurar bonito nas estatísticas como o país quem em dez anos dobrou o número de cidadãos com terceiro grau completo. Se havia 400 faculdades de Direito em 2000, hoje são 1.100. É verdade, a Ordem dos Advogados já teve até notícia de local onde pela manhã e à tarde funcionava a Câmara de Vereadores, e, à noite, ensinava-se Direito.
Na verdade, o universo de 800 mil advogados no exercício da profissão pode até ser ampliado, dobrado, triplicado, quem sabe, o mesmo com relação ao número de cursos. Por que não? Ninguém em sã consciência é contra democratizar o ensino e abrir oportunidades para que qualquer pessoa, independentemente de sua condição social, obtenha o tão sonhado diploma. Cem por cento de aprovação no Exame. Isto é perfeitamente possível. A China, para se candidatar a líder do mundo, investe pesadamente em educação, pensando colher os frutos nas décadas vindouras. E nós? Ao menos nos resta compreender que nenhuma revolução é mais duradoura e efetiva do que a educação, que vai muito além de um canudo de papel. Educação é antes de tudo uma ideia transformadora, que nos obriga a pensar.

sábado, 26 de maio de 2012

Buscas em escritórios de advocacia têm de ser restritas

Documentos obtidos em busca e apreensão feita em escritório de advocacia só podem ser usados para embasar inquéritos policiais ou processos penais se tiverem relação direta com o fato inicialmente investigado. A Polícia não pode utilizar os documentos para abrir nova investigação contra clientes do escritório que não eram alvos da apuração inicial. Neste caso, as provas obtidas são consideradas nulas.
O entendimento foi reafirmado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão tomada no mês passado. Por unanimidade, os ministros concederam Habeas Corpus parcialmente para retirar de inquérito policial contra o empresário gaúcho Francisco Renan Proença os documentos obtidos por meio de busca e apreensão no escritório de seu advogado.
No julgamento, os ministros destacaram que os escritórios de advocacia, como também os de outros profissionais, não são impenetráveis à investigação de crimes. Mas documentos, mídias e objetos que pertencem a clientes do advogado — ou quaisquer instrumentos de trabalho que contenham informações sobre seus clientes — somente podem ser utilizados caso o cliente esteja sendo formalmente investigado como participante ou coautor do mesmo crime que deu causa ao mandado de busca e apreensão.
No caso, o empresário não era formalmente investigado e o crime apurado não guardava qualquer relação com o que provocou a cautelar de busca e apreensão. O relator do processo, ministro Sebastião Reis Júnior, lembrou que o STJ já decidiu, em outras ocasiões, que configura “excesso a instauração de investigações ou ações penais com base apenas em elementos recolhidos durante a execução de medidas judiciais cautelares, relativamente a investigados que não eram, inicialmente, objeto da ação policial”.
O próprio Ministério Público Federal deu parecer favorável ao pedido de Habeas Corpus. De acordo com o MPF, deve-se observar, no caso, o Estatuto da Advocacia, que garante a inviolabilidade das informações trocadas entre o advogado e seus clientes. Assim, documentos apreendidos em escritórios de advocacia só podem ser utilizados caso o cliente esteja sendo formalmente investigado.
De acordo com a Lei 8.906/1994, busca e apreensão em escritórios só pode ser feita por decisão motivada e o mandado tem de ser “específico e pormenorizado”. A lei também veda “a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes”. A restrição só não abrange “clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade”.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Vídeo mostra Law Kin Chong como vítima de extorsão

 

O blog do Panuzzio publicou mais um trecho do vídeo produzido pelos advogados de Law Kin Chong, dono de vários shoppings centers populares em São Paulo. A partir do material apensado ao inquérito instaurado contra o contrabandista, o vídeo mostra que ele foi vítima de extorsão pelo então deputado Luiz Antônio Medeiros. Medeiros presida a CPI da Pirataria, que investigava os negócios do comerciante sino-brasileiro.
Os trechos conhecidos à época mostravam apenas Chong “pechinchando” e pedindo para pagar em maior número de parcelas. O material foi gravado por uma equipe da Polícia Federal, que utilizou a primeira versão editada como prova de que o chinês havia tentado atrapalhar as investigações da CPI. As informações e o vídeo foram divulgados pelo blog do Fábio Pannunzio.
Chong era acusado de descaminho e evasão de divisas — mas o empresário chinês afirma que apenas administra e aluga os imóveis. A tentativa de extorsão teria ocorrido em 2007, quando a Câmara dos Deputados havia instalado a CPI da Pirataria, que investigava Chong e era presidida por Medeiros. O empresário foi condenado a quatro anos de prisão, que já cumpriu.
Panuzzio chama a atenção para o novo vídeo que, apesar de editado e de ter sido produzido por uma fonte interessada (os advogados de Law), mostra com riqueza de detalhes a preparação do flagrante.
Para o jornalista, o tempo todo é Medeiros quem induz o contrabandista ao cometimento do crime. “É ele quem pede, é ele quem estabelece as condições de pagamento, é ele quem pergunta o que Law Kin Chong quer do relatório da CPI.”
O blog questiona a performance do deputado que teria achacado o comerciante e se comportado como um extorsionário. Para Panuzzio, se não estava ali para achacar o contrabandista, o presidente da CPI da Pirataria estava funcionando como elemento auxiliar de uma aberração jurídica. Para prender Law, Protógenes Queiroz necessitava de uma prova robusta, não dos indícios dos problemas “municipais”. Precisava preparar um flagrante. E flagrante preparado é absolutamente ilegal, de acordo com a jurispurdência condensada na Súmula 145 do STJ. Ela diz que “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.”

quarta-feira, 23 de maio de 2012

TJ-RN deve analisar alternativas à prisão preventiva

No sistema penal brasileiro, a determinação de prisão cautelar constitui exceção, sendo impossível admitir a execução antecipada da pena. O entendimento é do Superior Tribunal de Justiça, que determinou que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte analise a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão preventiva a um réu acusado de peculato, fraude em licitação e formação de quadrilha.
Com base no voto do relator do Habeas Corpus, o desembargador convocado Adilson Macabu, a 5ª Turma do STJ concluiu que a situação prisional, a princípio, merece ser reavaliada. O acusado teve sua prisão temporária decretada pelo prazo de cinco dias. Porém, o TJ-RN converteu a prisão em preventiva por entender que ele havia fugido.
Inconformada com a decisão, a defesa recorreu ao STJ. Sustentou que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal por ausência de fundamentação e falta de justa causa para a prisão cautelar. Alegou, ainda, que a prisão preventiva foi decretada com base em meras conjecturas e abstrações, sem nenhuma vinculação com os elementos concretos extraídos dos autos.
Além disso, segundo a defesa, as condições pessoais do paciente evidenciam que sua liberdade não provocaria repercussão ou abalo à ordem pública, nem à conveniência da instrução processual, sendo a prisão desnecessária.
Por fim, argumentou que o réu não recebeu o mandado de prisão porque não residia mais no endereço constante no documento e que se encontrava em viagem de trabalho, fora do estado, razão pela qual não foi localizado.
Em seu voto, o relator destacou que, para decretar a prisão preventiva do paciente, o juízo de primeiro grau seguiu precedente da 5ª Turma. Contudo, segundo o desembargador Macabu, pode ser verificado no processo que o paciente tem moradia fixa em São Paulo, local onde está situada sua empresa, o que afasta a alegada fuga do distrito da culpa. Assim, o TJ-RN deve apreciar a possibilidade de aplicação das medidas cautelares previstas na Lei 12.403. Com informações da Assessoria de imprensa do STJ.
HC 229194

Advogados públicos precisam prestar Exame de Ordem

 Por Marcos de Vasconcellos

O Brasil teve, nas últimas décadas, seis presidentes democraticamente eleitos e, a cada dia, avança na consolidação de suas instituições democráticas. Um dos pilares do Estado Democrático de Direito é constituído pelos advogados públicos pela importante função que desempenham.
Muitos confundem, indevidamente, advocacia pública com advocacia de governo. Na verdade, a primeira é um serviço púbico, previsto na Constituição de 1988 e em leis específicas. O advogado público deve ter atuação transparente, independente, impessoal e ética, pautada nos princípios da administração pública. Já a advocacia de governo defende os interesses dos governantes.
A Carta Magna, em seus artigos 131 e 132, estabeleceu a advocacia pública como uma das funções essenciais à administração da Justiça, paralelamente à advocacia, ao Ministério Público e à magistratura.
As carreiras dentro da advocacia têm caráter semelhante, e defendem judicial e extrajudicialmente a União, o Distrito Federal e os municípios, assim como suas respectivas autarquias e fundações, e também prestam consultoria e assessoria jurídica.
Um diagnóstico divulgado pelo Ministério da Justiça em dezembro de 2011 demonstrou o fundamental trabalho desempenhado pelos advogados públicos em prol da sociedade, no combate à corrupção e ao desvio de verbas. Está na hora da sociedade brasileira conhecer e reconhecer esse importante trabalho prestados por esses profissionais da advocacia.
De acordo com o estudo, entre 2007 e 2009, foram economizados ou arrecadados pelos cofres públicos R$ 2,026 trilhões, como resultado de ações de ressarcimento propostas por procuradores públicos, principalmente as devidas a fraudes ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), arrecadações de contribuições sociais e recursos da Dívida Ativa da União.
A confusão entre o trabalho do advogado público e o defensor de governantes, como prefeitos, governadores e presidentes da República, é constante. Mas precisamos desfazer esse equívoco e esclarecer à sociedade que as atribuições dos dois cargos são diferentes.
Os advogados públicos têm a missão constitucional de defender o patrimônio público, o que é de total interesse da sociedade. Enquanto os governos vêm e vão, o Estado é permanente, e é para defendê-lo que existe a advocacia pública.
Esses profissionais devem atuar conforme a Constituição Federal e as leis do país. São servidores públicos, e, portanto, estão sujeitos aos estatutos das instituições e entidades públicas que integram.
Além disso, eles também são advogados, que precisam ser aprovados no Exame de Ordem, ter inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e seguir o Estatuto da Advocacia e da OAB, que abrange regras éticas e disciplinares no exercício do múnus público da advocacia.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Empresa sem advogado não pode oferecer serviço jurídico

A OAB paulista obteve na Justiça Federal nova liminar, em Ação Civil Pública, contra o exercício ilegal da advocacia promovido pela empresa FTI Consulting Ltda, por não ter advogados em seus quadros e oferecer serviços jurídicos. "A Ordem é implacável contra o exercício ilegal da profissão", afirmou o presidente Luiz Flávio Borges D'Urso.




“O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB SP já havia instaurado procedimento disciplinar contra o exercício ilegal da profissão pela empresa, mas foi necessário ingressar com ação civil pública para que se resolvesse o impasse”, disse o presidente do Tribunal, o TED, Carlos Roberto Fornes Mateucci.



A liminar, publicada no dia 19 de abril, determina que seja suspensa qualquer divulgação de atividades ligadas à orientação, consultoria e assessoria jurídicas pela empresa, sob pena de multa de R$ 10.000,00.



A OAB paulista alegou que a empresa divulgava na internet e por correspondência serviços de consultoria jurídica, que incluíam avaliação inicial, estratégia de caso e análise de indenizações. Eram várias as áreas de atuação citadas, como diagnóstico de situação societária, comercial, tributária, previdenciária, trabalhista, ambiental e propriedade intelectual da empresa.



Notificada pela OAB-SP, a FTI informou não ter advogados, ferindo o artigo 1º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), segundo o qual é exclusivo à advocacia postular em juízo e fazer assessoria, consultoria e direção jurídicas, o que caracteriza captação irregular de clientela e prática de atividade privativa da advocacia por sociedade mercantil, assim como concorrência desleal aos legalmente inscritos na OAB.



De acordo com a decisão, “o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação evidencia-se pela prestação de serviços por profissionais não habilitados, colocando em risco interesses jurídicos das várias pessoas indevidamente orientadas ou atendidas pela ré. Daí a necessidade de imediata interrupção da atividade advocatícia desenvolvida irregularmente”.



“A decisão é mais uma vitória da advocacia contra o exercício irregular da profissão; preservando atividades exclusivas de advogados e defendendo a classe contra o uso mercantil da profissão”, afirmou o vice-presidente da OAB SP, Marcos da Costa. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Critérios, parâmetros e preços no dano moral



Terminou na última semana o prazo regimental para apresentação de emendas ao Projeto de Lei 523/2011, em fase final de tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. O texto dispõe sobre o dano moral e tem por objetivo coibir "abuso" na fixação de valores e repelir a chamada "indústria do dano moral". Com parecer favorável do relator, o projeto estabelece parâmetros para a reparação e limites máximos que seriam arbitrados pelo julgador com base nos reflexos pessoais e sociais da ação ou omissão, a possibilidade de superação física ou psicológica, bem como a extensão e duração dos efeitos da ofensa.
Se estivesse em vigor, "ofensas de natureza grave" seriam indenizáveis no máximo em R$ 100 mil para cada um dos ofendidos. "A capacidade financeira do causador do dano, por si só, não autoriza a fixação da indenização em valor que propicie o enriquecimento sem causa, ou desproporcional, da vítima ou de terceiro interessado", ressalta o texto. Outra limitação é o prazo para o ajuizamento da ação indenizatória por danos morais, que cairia para seis meses, "a contar da data do conhecimento do ato ou omissão lesivo ao patrimônio moral".
Não é a primeira tentativa do Congresso nesse sentido. No ano passado, a CCJC do Senado sepultou dois projetos de leis que também pretendiam estabelecer parâmetros e tabelar valores, deixando aos magistrados apenas a análise da gravidade do dano. Um dos projetos limitava em R$ 20 mil o valor máximo para a reparação, quaisquer que fossem os danos à personalidade. O outro, estabelecia faixas para cada dano moral, numa tabela que começava em R$ 4,2 mil e chegava a R$ 249 mil.
A nova tentativa na Câmara coincide com o lançamento da 3ª edição de O Valor do Dano Moral Como chegar até ele, de Rodrigo Mendes Delgado. No livro, o autor analisa a responsabilidade civil sob todos os seus aspectos, conceitos e princípios, com especial atenção aos casos mais presentes na rotina dos magistrados. Delgado mostra como o tema evoluiu no judiciário brasileiro, destacando três fases principais: a fase de não aceitação da indenização, a da necessidade de repercussão patrimonial e a atual, da aceitação definitiva da reparabilidade dos danos morais. Além dos pressupostos necessários para que fique caracterizada a lesão, ele relaciona uma série de situações que deixaram de ser acolhidas pela jurisprudência, por não configurarem dano à pessoa, mas "mero dissabor ou aborrecimento".
Chama a atenção no livro o capítulo dedicado à Teoria do Valor do Desestímulo, um conceito implícito no mais recente projeto de lei em tramitação na Câmara. Nele, o autor critica o "excesso de rigor" na fixação de cifras que entende como "incompatíveis com a realidade brasileira". Para Delgado, tais "excessos" e "incompatibilidades", muito mais do que desestimular o ofensor, podem levar a um perigoso estágio de "degeneração da responsabilidade civil". Diante da ameaça, ele defende a necessidade de se afastar a aplicação da Teoria do Valor do Desestímulo do ordenamento jurídico brasileiro.
Não são poucos os que defendem teses semelhantes, embora longe de representarem uma maioria. Tanto na doutrina quanto na jurisprudência tem sido majoritário o entendimento de que o valor a ser arbitrado nas indenizações "deve permitir ao ofendido uma compensação como conforto pelo dano que todos entendem imensuráveis e, ao ofensor, um valor que sirva de lição e exemplo", ao mesmo tempo em que contribua para conscientização da reprovação da conduta - o caráter pedagógico da punição.
Pesquisadores na área do Direito relatam que na Roma Antiga o valor fixado para a reparação era tão baixo a ponto de levar um certo soberano, sabe-se lá por quais motivos, a caminhar pelas ruas esbofeteando quem encontrava pela frente, sempre na companhia de um escravo encarregado de entregar ao agredido o valor da pena fixada para a humilhação. Nesse sentido, tanto o projeto de lei quanto o livro de Delgado contribuem, no mínimo, para jogar um novo foco de luz em um tema reconhecidamente espinhoso.

domingo, 20 de maio de 2012

Prisão cautelar tem caráter exepcionalíssimo

É muito comum nos filmes e séries de televisão que tratam do Poder Judiciário dos Estados Unidos, a imagem do acusado sendo preso logo após a leitura da sentença que o condenou.
Foi noticiado recentemente que envolvidos em um processo de repercussão nacional (caso “Ceci Cunha”), acabaram sendo condenados pelo Tribunal do Júri de comarca do Estado do Pará, sendo que na oportunidade, a prisão cautelar foi decretada.
Para o leigo em Direito – e até mesmo para os que não trabalham diretamente na área do processo penal – pode parecer que tal situação é perfeitamente normal, quando, na verdade, não é este, como regra, o funcionamento do instituto da prisão cautelar.
O objetivo do presente texto é explicitar algumas considerações acerca do instituto da prisão cautelar em especial com a recente entrada em vigor da Lei 12.403/2011, que alterou substancialmente a forma de aplicação deste.
A Constituição Federal previu expressamente a liberdade física do indivíduo como um dos dogmas do Estado Democrático de Direito, estabelecendo que a mesma pode até ser restringida, mas apenas e tão somente de forma excepcionalíssima, pelo fato de ser regra em nosso ordenamento, conforme estabelece o artigo 5º, LXI do Diploma ao afirmar que “(...) ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (...)”.
Sendo assim, verificamos que uma decorrência do dispositivo é de que a prisão cautelar, por ser medida extraordinária, deve ser subordinada a parâmetros de legalidade estrita, ou seja, devem ser explicitados motivos concretos, específicos, prejudiciais ao regular andamento do processo, para que o ato se concretize nos termos legais, não podendo, jamais, ser utilizada como punição antecipada, pois, neste caso, não cumprira o seu objetivo específico que é atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal” (BASILEU GARCIA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense).
No caso da prisão preventiva é absolutamente essencial a demonstração (I) prova da materialidade, (II) indícios suficientes de autoria e (III) uma das situações previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, (a) garantia da ordem pública, (b) garantia da ordem econômica, (c) conveniência da instrução criminal, (d) assegurar a aplicação da lei penal.
Ocorre que recentemente o Código de Processo Penal sofreu substanciosa alteração por parte da Lei 12.403/2011, que, alterando diversos dispositivos do referido Diploma, conferiu caráter ainda mais excepcional à prisão preventiva visto que a regra geral, a partir da alteração, é a imposição de uma (isolada) ou algumas (cumulativas) das diversas medidas cautelares (CPP, art. 319), que devem ser aplicadas sempre, de maneira prévia, à prisão: tal conclusão se nota da leitura das expressões impositivas do caput artigo 282 da lei processual penal, quais sejam, “deverão” e “serão”.
Não obstante, é importante destacar que o §4º do mesmo dispositivo legal estabelece que “No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único)”.
Por fim, o parágrafo 6º do mesmo dispositivo, que estabelece “A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”.
Verifica-se, portanto, que se antes da Lei 12.403/2011 a prisão cautelar já assumia caráter excepcional, agora podemos dizer, sem receio de erro que sua decretação é excepcionalíssima, visto que, em primeiro lugar, deve (m) ser (em) utilizada (s) medida (s) cautelar (es) alternativa(s) à segregação (CPP, art. 282, caput e parágrafo 4º c/c 319), em segundo lugar, na hipótese de descumprimento desta (s), deverá ocorrer, primeiramente, a substituição de uma medida por outra, ou então a cumulação de medidas e, apenas em terceiro e último caso, é que se pode decretar a segregação antecipada.
Não se desconhece que o parágrafo 6º do Código de Processo Penal estabelece que “A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (artigo 319)”: entretanto, pensamos que o extenso rol posto a disposição do Magistrado praticamente impossibilita que a segregação antecipada seja utilizada desde logo, visto que as garantias de ‘segurança’ ao processo são inúmeras.
Em conclusão, a prisão cautelar de alguém em nosso País, após a prolação de sentença penal condenatória não é regra, ao contrário, é exceção, e somente nos casos em que impossível de aplicação o extenso rol de medidas cautelares alternativas (CPP, artigos 282, caput, parágrafo 4º c/c 319) deve ser decretada, assumindo, portanto, caráter excepcionalíssimo, tudo isso em respeito à regra geral, que prevê a liberdade física do indivíduo como regra (CF, artigo 5º, LXI).
João Carlos Pereira Filho
Especializado em Direito penal e processual penal:

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Polícia Militar pode fazer escutas telefônicas, segundo STF

A Polícia Militar de Minas Gerais tem legitimidade para fazer escutas telefônicas judicialmente autorizadas — tarefa usualmente executada pelas polícias civis. O reconhecimento da competência aconteceu, na terça-feira (15/5), pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. De acordo com o ministro Ricardo Lewandowski, o julgamento desse processo deverá tornar-se leading case para julgamentos semelhantes futuramente pela turma.
O entendimento foi tomado no curso de um Habeas Corpus, no qual o paciente responde, em Ação Penal, pela prática de rufianismo e favorecimento da prostituição de crianças e adolescentes. Por meio do remédio constitucional, ele pediu a suspensão do processo. Alegou nulidade de provas obtidas contra ele mediante escutas telefônicas feitas pelo comando da PM mineira em Lagoa da Prata.
Segundo o ministro Gilmar Mendes, o juízo de Lagoa da Prata informou que, ao autorizar as escutas telefônicas pedidas pelo Ministério Público mineiro em atendimento a ofício que lhe foi dirigido pela PM-MG, atribuiu a escuta à própria PM, diante de indícios de envolvimento de policiais civis da localidade com a prática criminosa atribuída ao réu.
Assim, como explicou o relator do Habeas Corpus, as escutas foram feitas dentro dos pressupostos previstos na Lei 9.296, de 1996, que regulamenta o assunto. Além disso, apontou, o juiz, em decisão fundamentada, mostrou os motivos singulares por que incumbiu o comando da PM mineira em Lagoa da Prata a cumprir essa determinação, atribuída pela Lei 9.296 à “autoridade policial”, subentendido, aí, tratar-se da Polícia Civil.
Para Gilmar Mendes, a decisão do juiz de primeira instância foi “mais que razoável, uma vez que a Polícia Civil poderia frustrar a empreitada”. Com informações da Assessoria de Comunicação do STF.
HC: 96986

segunda-feira, 14 de maio de 2012

LIBERDADE PROVISÓRIA - Decisão não esvaziou Lei de Drogas

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Britto, afirmou na sexta-feira (11/5) que a permissão para que suspeitos de tráfico respondam ao processo em liberdade não esvaziou a Lei de Drogas. Para Britto, só o juiz pode definir como proceder com uma prisão em flagrante por tráfico de drogas.
Ele se referiu à decisão do Supremo da quinta-feira (10/5). Os ministros entenderam que o trecho da Lei de Drogas que proíbe que o acusado por crime de tráfico responda em liberdade é inconstitucional. Isso porque cabe ao juiz, e não à lei, determinar as peculiaridades de cada processo e optar, ou não, pela liberdade provisória.
“A lei não pode excluir da apreciação do Judiciário os temas de lesão ou ameaça a direito, principalmente o direito de locomoção”, disse. “O STF não esvaziou a Lei de Drogas, ele deu uma interpretação corretíssima para a Constituição. A Lei de Drogas tem que ser interpretada à luz da Constituição, e o STF fez um enxugamento interpretativo”, explicou o ministro, durante seminário que discutiu gestão pública, realizado na sexta.
Essa foi a segunda vez que o STF abrandou as regras da Lei de Drogas, editada em 2006. Em setembro de 2010, os ministros anularam trecho da lei que impedia a conversão da prisão em pena alternativa para condenados por tráfico de entorpecentes. Com informações da Agência Brasil.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Problema carcerário é político e não jurídico


por LUIZ FLÁVIO GOMES

O retrato do sistema prisional brasileiro, divulgado pelo CNJ, que é fruto do trabalho realizado pelo Mutirão Carcerário de janeiro de 2010 a janeiro de 2011, é desolador e preocupante. Em alguns estados (Alagoas, por exemplo), a prisão cautelar passa dos 60%, o processo é extremamente moroso, os cárceres são degradantes etc.
Quem pode resolver esse grave problema nacional? Diante de tudo que (historicamente) já vimos no nosso país, não será o Poder Jurídico, que não só não está apto a resolvê-lo, como faz parte do problema, na medida em que, cada vez mais, aumenta a sua conivência com o desastrado, vexatório e desumano estágio em que chegamos. Na verdade, não há como depositar confiança em qualquer tipo de equacionamento endógeno. Eventual melhora substancial só pode ocorrer quando se colocar com precisão o dedo na ferida: o problema penitenciário não passa da ponta de um “iceberg”, embora bastante expressiva, do Estado de Exceção implantado (e nutrido diariamente) pelo próprio Poder Jurídico (juízes, membros do Ministério Público, policiais, agentes penitenciários etc.), assim como pelo sistema socioeconômico que nos governa, hoje (desde os anos 80) com conotação nitidamente ultraliberal, que significa neoliberalismo na economia e conservadorismo (hiperpunitivismo) no âmbito penal, com amplo apoio popular (populismo). Menos Estado na economia e mais Estado no campo penal. O Estado Social se ausenta para entronizar o absolutismo do Estado penal e penitenciário.
O mais grave em relação aos agentes públicos do sistema penal diz respeito à falta de legitimidadedas suas atividades (assim como a falta de ética). A legitimidade dos órgãos públicos está atrelada à tutela dos direitos fundamentais contemplados no ordenamento jurídico. Sem “exercício comprometido” (com os direitos humanos dos condenados e das vítimas) não há que se falar em legitimidade. Esse comprometimento é que não se vê, em geral, no que diz respeito à questão penitenciária, nos agentes do Poder Jurídico, especialmente nos juízes, que se escusam de mil maneiras, atribuindo a responsabilidade (pelo todo) a outras pessoas.
O sistema penitenciário faz parte do sistema penal e, por este último, como um todo, ninguém se diz responsável. A desarticulação entre os integrantes do sistema penal é mais do que evidente, o que nos permite colocar em questão até mesmo a existência de um “sistema”.
A polícia prende e entrega o suspeito ao juiz; o juiz, depois da tramitação do processo, o condena (quando há provas suficientes). Ocorre que esse juiz que condena não é o mesmo que executa a pena. O juiz que cuida da execução joga toda responsabilidade sobre os ombros do Poder Executivo, das leis mal feitas etc. Ou seja: ninguém se entende e ninguém assume responsabilidade pelo todo. Daí o questionamento: será que podemos realmente falar em “sistema” penal? Quem passa por todos os órgãos, evidentemente, é o preso, que é considerado e tratado como uma coisa, um objeto. Esse chamado “sistema penal” funciona como uma máquina que massacra os seus direitos assim como os das vítimas, que são totalmente esquecidas, não conseguindo, em regra, nenhum centavo de indenização pelo delito praticado contra elas.
Os juízes, sobretudo, sabem perfeitamente o que estão fazendo, que estão mandando gente para lugares tidos como depósitos de coisas, de mercadorias. E tudo se passa como se o Estado de Direito não existisse. O Brasil já firmou praticamente todos os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, mas tudo parece que não passa de cartas de intenções (ou declarações da esperança). É como se não tivessem valor jurídico no interior do nosso país. Várias vezes os órgãos do sistema interamericano (Comissão e Corte) já condenaram o Brasil em razão dos maus-tratos aos presos. Mas nada muda significativamente (ou sistematicamente). Como se vê, é difícil imaginar que possa, nesse contexto, nascer alguma solução para o grave problema penitenciário, sempre enfocado (equivocadamente) como uma questão puramente jurídica. Cuida-se de uma séria questão política (de Estado, de civilização dos costumes, de evolução da espécie humana). A solução, como se nota, é exógena (tem que vir de fora do sistema jurídico).

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Processo civil tem três chagas inconstitucionais

Por José Jácomo Gimenes

Além dos conhecidos problemas crônicos do Judiciário brasileiro, como a demora excessiva dos processos, falta de estrutura material adequada, insuficiência de juízes e servidores, exagerada quantidade de recursos e instâncias de julgamentos, todos de difícil solução, outras desconformidades, mais pontuais, também causam graves prejuízos jurídicos e econômicos aos jurisdicionados. Malferem a própria Justiça. Os três abaixo parecem de fácil solução.
A primeira injúria acontece na primeira instância dos Juizados Especiais Cíveis de pequenas causas. A Lei dos Juizados Estaduais proíbe a condenação da parte vencida no processo a pagar honorários de sucumbência indenizatórios à parte vencedora do processo no primeiro grau. A Lei dos Juizados Federais não regula a questão, mas jurisprudência tem aplicado a mesma regra dos Juizados Estaduais.
É uma solução vergonhosa e injusta para os jurisdicionados mais pobres. O vencedor do processo nos Juizados, apesar de ter razão, não é indenizado pelo que gastou com seu advogado. Assim, se gastou 20% com seu advogado, recebe somente 80% de seu direito. A regra contraria o princípio da reparação integral e ofende postulado da responsabilidade, pelo qual quem causou prejuízo deve reparar.
A Lei dos Juizados permite honorários de sucumbência indenizatórios somente no segundo grau. O objetivo seria evitar recursos. A solução é ilegítima e inadequada. O Estado está tomando patrimônio do vencedor do processo para fazer política judicial de diminuição de recursos. O caminho justo para evitar recursos protelatórios seria condenação em honorários de sucumbência indenizatórios no primeiro julgamento e aumento nas instâncias superiores, solução plenamente justificada pelo prolongamento do processo e das despesas.
A possibilidade de a parte postular sem advogado até o valor de 20 salários mínimos não é razão que justifique a proibição de indenização. Primeiro, nas demandas acima de 20 salários mínimos a parte tem que contratar advogado. Segundo, a maioria dos jurisdicionados, pessoas simples, não se sente segura para postular em nome próprio, sem orientação de advogado. Terceiro, a postulação em nome próprio não pode ser imposta, até mesmo pelo grau crescente da legislação envolvida.
A regra proibitiva deve ser declarada inconstitucional, porque fere o princípio do devido processo legal substantivo, garantido pela Constituição: o processo judicial deve ser adequado para reparação integral do direito. Quando não houver acordo, o vencido no processo dos Juizados deve ser condenado a indenizar a parte vencedora nas despesas do processo, inclusive o gasto com a contratação de advogado, servindo também essa condenação para desestimulo de demandas infundadas.
O segundo problema ocorre no processo trabalhista. É semelhante ao anterior, mas muito mais antigo, imposto por lei autoritária. O trabalhador que reclama judicialmente não tem direito legal a indenização do que gastou com seu advogado. Se o Judiciário Trabalhista reconhece direitos no valor de R$ 100, o trabalhador reclamante recebe somente R$ 80. Ou menos, pois costumeiramente tem de pagar 20% ao advogado.
A regra é injusta, vergonhosa e insustentável. A possibilidade de o trabalhador reclamar pessoalmente é risível e praticamente não ocorre, dado a complexidade da legislação e Jurisprudência trabalhista. A possibilidade de reclamar com representação do sindicato também não é justificativa aceitável, pois obriga o trabalhador a depender do sindicato e, muitas vezes, pagar honorários aos advogados vinculados ao sindicato.
Existe antigo projeto de lei no Congresso para criação de honorários de sucumbência indenizatórios para o trabalhador reclamante, mas, infelizmente, foi alterado para destinação dessa verba ao advogado. Se aprovado dessa forma, o trabalhador vai continuar recebendo somente parte de seu sagrado direito. Por outro lado, o advogado receberá de duas fontes, os honorários contratuais e mais os honorários de sucumbência indenizatório do trabalhador.
A terceira injúria ocorre no processo de Mandado de Segurança. Ação judicial especialmente protegida pela Constituição, instrumento de proteção contra atos de autoridades estatais, remédio rápido e eficiente contra ofensa a direito líquido e certo, paradoxalmente, causa prejuízo financeiro ao jurisdicionado que dele faz uso.
Um cidadão que vê seu direito líquido e certo ofendido por autoridade estatal contrata advogado para afastar a ilegalidade, consegue sentença favorável protegendo seu direito e ganha o processo. Entretanto, fica no prejuízo com o valor que gastou com seu advogado. Ofende a própria lógica o fato de um processo judicial tão importante não ser completo, resolve um direito, mas causa uma ofensa.
Jurisprudência antiga e insustentável pregava que o Mandado de Segurança não deveria ter honorários de sucumbência para não causar preocupação de despesas ao impetrante pobre, em caso de improcedência. E também que a condenação em valores poderia congestionar o Judiciário com a demora na execução. A regra jurisprudencial, infelizmente, foi absorvida expressamente pela nova Lei do Mandado de Segurança.
A justificativa é insustentável. O instituto da Assistência Judiciária Gratuita e a regra legal dos bens impenhoráveis protegem suficientemente os impetrantes, não havendo mais necessidade de proteção específica aos jurisdicionados necessitados. A proteção, como se demonstrou acima, acaba causando prejuízo ao impetrante, que não tem como se ver indenizado das despesas com o processo.
A alegação de que a condenação em honorários alongaria o processo é desconsiderável. Normalmente já ocorre condenação de ressarcir as custas processuais, gerando execução ou cumprimento de sentença, podendo ser agregado o valor dos honorários de sucumbência indenizatórios sem aumento na demora. A execução ocorre no final do processo, quando o direito principal do impetrante já foi garantido, nada prejudicando a essência do Mandado de Segurança.
A negativa de honorários de sucumbência indenizatório em favor parte vencedora do processo tem gerado uma situação curiosa: a propositura de uma nova ação judicial para cobrar o que o vencedor gastou com honorários advocatícios em processo anterior. Chega a ser risível ver o sistema judicial manter modelo processual que não se conclui e precisa de um novo processo para finalizar o anterior. O Judiciário pode transformar-se numa cômica máquina de replicar processos desnecessários.
Para solucionar essas distorções inconstitucionais, são necessárias providências de ordem prática. Primeira: o advogado, cumprindo integralmente sua representação, pedir explicitamente indenização dos honorários advocatícios gastos por seu cliente no processo. Segunda: o julgador, em tópico específico na sentença, decidir sobre as despesas do próprio processo, entre elas a indenização dos honorários gastos pela parte vencedora do processo, afastando as regras inconstitucionais.
Os operadores do direito, especialmente os processualistas, julgadores e o Ministério Público, defensor constitucional do Estado Democrático de Direito, por conseqüência do processo judicial justo, devem dar atenção ao assunto. Devem atuar para que o processo conclua-se completa e eficientemente, evitando injustiça institucional contra os jurisdicionados e a insana repetição de processos judiciais desnecessários.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Traficocídio: um novo tipo de crime que aterroriza


O crime evolui conforme as relações sociais e econômicas vão sendo modificadas. Atualmente, mais da metade das mortes violentas (assassinatos) decorrem de cobrança de dívidas oriundas de drogas,o que podemos chamar de tráficocídio (assassinato pelo tráfico). Estes crimes continuam sendo julgados pelo júri como se fossem homicídios (crimes dolosos contra a vida), mas na verdade são crimes oriundos do tráfico de drogas e deveriam ser julgados pelo juiz singular.
Há cidades em que 80% das mortes violentas são decorrentes de acerto de dívidas de drogas. Estes tipos de crime não se parecem nada com o homicídio tradicional ou passional. Em geral, no traficocídio há dificuldade de se apurar e provar a autoria, pois normalmente ocorrido às escuras, com uso de arma de fogo e requintes de crueldade, mediante planejamento e utilizando motos ou carros, bem como capacetes e outros disfarces.
Nesta situação do traficocídio os criminosos não estão sendo julgados por seus pares como almeja o espírito do procedimento do júri, mas por suas vítimas reais ou potenciais, o que atemoriza jurados e testemunhas.
Por outro lado, os jurados ficam intimidados em julgar este tipo de crime, as testemunhas são atemorizadas e expostas no júri. Em suma, ainda vivemos uma visão romanceada do crime para uma atividade profissional oriunda de organização criminosa e que pode caminhar para o caos vivido no México.
Nem toda morte violenta é necessariamente crime contra doloso contra vida, pois muitas a atividade do criminoso não teve como objetivo principal ofender a vida, mas a ofensa foi apenas um meio para cometer outro crime. Por exemplo, nos crimes de latrocínio, terrorismo e genocídio, ainda que provoquem mortes violentas, os réus não serão julgados pelo júri. Isto sem falar no crime de estupro seguido de morte (preterdoloso) que também não é julgado pelo júri.
Interessante citar que o latrocínio já foi da competência do júri até o STF sumular que no caso do latrocínio a agressão almejada era prioritariamente ao patrimônio, ainda que tenha provocado a morte, logo a competência era do juiz. No caso do “traficocídio”, o réu ao cometer o crime a mando de chefes de quadrilhas que comandam o tráfico está de fato almejando a questão patrimonial e de poder do seu grupo, sendo a morte mera consequência ou meio, conforme o caso.
Dessa forma, faz-se importante que o assassinato decorrente da cobrança de dívida por uso de drogas seja da competência do juiz singular, e isto pode-se dar através de uma nova interpretação, preferencialmente, pelo STF ao definir que o objeto jurídico agredido inicialmente seria a manutenção do crime de tráfico de drogas e cobrança dívida ilícita, ou então, através de uma alteração na |Lei 11343, de 2006, colocando a morte como conseqüência do crime de tráfico de drogas e exasperando a pena neste caso, a qual ficaria entre 16 e 40 anos, além de ser hediondo.
Por fim, se quisermos reduzir as mortes violentas no país precisamos encarar esta nova forma de crime e discutir as vias possíveis para se combater este delito que pode ser considerado o traficocídio.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

“AUMENTO DE PENA NÃO É GARANTIA DE PUNIÇÃO"



O Código Penal elaborado pela comissão de juristas escalada pelo Senado ficará maior do que o atual, mas mais sistemático e objetivo. É o que afirma o presidente da comissão, ministro Gilson Dipp, que tem reunido seu grupo duas vezes por semana, em sessões abertas, para entregar, ainda neste semestre, o anteprojeto de lei que, depois, será discutido no Congresso Nacional.
“Mesmo com a limpeza que se faça, haverá um acréscimo. Mas benéfico. O Código Penal será o centro do sistema penal brasileiro”, garante o ministro do Superior Tribunal de Justiça. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, que contou com a colaboração de perguntas enviadas pelo promotor de Justiça André Luís Alves de Melo, promotor em Minas Gerais, o ministro mostrou o quão polêmico é o texto.
Nada escapou: são ampliadas as hipóteses de aborto, permitida a ortotanásia, descriminalizadas condutas atípicas. Por outro lado, a comissão propõe penas mais rigorosas para crimes financeiros e tipifica o terrorismo. Outro ponto polêmico é a criminalização do enriquecimento ilícito. Já depois da entrevista, a comissão aprovou a criminalização da violação das prerrogativas dos advogados. O texto aprovado foi proposto pelo advogado criminalista Técio Lins e Silva, que faz parte do grupo.
De acordo com Dipp, a comissão partiu de duas premissas. A primeira foi não deixar de lado nenhum tabu. “Teríamos de enfrentar todas as questões necessárias, independentemente de seu potencial de causar polêmica. Nem se fosse para chegar a determinado ponto e reconhecer que certo tipo penal não seria oportuno de ser criado ou modificado”, afirmou o ministro. A segunda diretriz foi fazer do Código Penal o centro do sistema penal brasileiro.
Como diz o ministro, o essencial é adaptar o Código Penal à Constituição de 1988 e aos tratados e convenções internacionais no âmbito penal dos quais o Brasil é signatário. “O Código Penal tem 72 anos. Alguns brincam que já deveria ter sido atingido pela aposentadoria compulsória”, brincou. Do texto, que Dipp pretende entregar entre o final de maio e o começo de junho, pode-se esperar objetividade.
A comissão não se rendeu a propostas populistas. Segundo Gilson Dipp, houve mais de 2,5 mil manifestações de pessoas com sugestões feitas pelo site do Senado — 90% delas pedindo o endurecimento de penas. Esse, contudo, não é o caminho. “É possível endurecer algumas coisas, mas tem que haver alguma concorrência de todos os órgãos de segurança pública para aplacar a sensação de impunidade, senão nada adianta. O aumento de pena não é garantia de punição”.
Leia a entrevista
ConJur — Quando a comissão entregará ao Senado o anteprojeto de lei de reforma do Código Penal?
Gilson Dipp — A previsão é 25 de maio. Pode ocorrer de precisarmos de mais alguns dias, mas o fato é que entregaremos o projeto antes do recesso do Congresso Nacional.
ConJur — Quais os parâmetros adotados pela comissão para a reforma?
Dipp — O primeiro foi que nenhum tabu seria deixado de lado. Partimos do pressuposto de que teríamos de enfrentar todas as questões necessárias, independentemente de seu potencial de causar polêmica. Nem se fosse para chegar a determinado ponto e reconhecer que certo tipo penal não seria oportuno de ser criado ou modificado. O objetivo da comissão é, em primeiro lugar, adaptar o Código Penal à Constituição de 1988 e aos tratados e convenções internacionais no âmbito penal dos quais o Brasil é signatário. O Código Penal tem 72 anos. Alguns brincam que já deveria ter sido atingido pela aposentadoria compulsória.
ConJur — Há um trabalho de consolidação das leis penais?
Dipp — Essa foi a segunda diretriz, fazer do Código Penal o centro do sistema penal brasileiro, principalmente na parte especial. Nesse período, foram aprovadas 140 leis especiais ou extraordinárias tratando de matéria penal, de crimes. Mais de 50 modificaram pontualmente o Código Penal. E dois terços dessas pouco mais de 50 leis foram sancionados depois da Constituição de 1988. Isso revela a necessidade de atualização do Código. Um dos objetivos é deixar no Código Penal apenas as condutas que são realmente lesivas à sociedade. Uma parte da comissão fez o levantamento de todas as leis penais para esse trabalho ser bem realizado.
ConJur — Há exemplos de leis muito defasadas?
Dipp — A lei que define crimes de colarinho branco, por exemplo, é completamente defasada, mal feita. As penas previstas são muito pequenas. Tanto que há vários condenados por esses crimes, mas ninguém preso. As penas são prestação de serviço e multa séria. Mas como as penas são pequenas, podem ser substituídas por restritivas de direitos. Mas, ainda na parte de consolidação, estamos trazendo para o Código Penal a lei dos crimes ambientais, de lavagem de dinheiro, a que tipifica organizações criminosas, a de abuso de poder, as que definem crimes de trânsito. Outro trabalho é o de reapreciar todos os tipos penais existentes e a necessidade de criação de tipos novos. Essa é a política.
ConJur — Além de reformular, consertar distorções é um trabalho importante, não?
Dipp — Sim. É necessário observar desproporções. Por exemplo, a lei que foi criada após aquele caso das pílulas anticoncepcionais que não funcionaram.
ConJur — O caso das pílulas de farinha...
Dipp — Este. Criaram um tipo muito amplo que se enquadra como crime hediondo. Hoje, a falsificação de uma pomada para a pele ou a alteração de um componente de produto cosmético pode fazer a pessoa ser condenada a uma pena mais grave do que aquela pessoa que pratica um homicídio. Essas distorções estão sendo corrigidas.
ConJur — Houve consultas à sociedade?
Dipp — Sim. Fizemos, por exemplo, uma audiência pública no Tribunal de Justiça de São Paulo, no Salão dos Passos Perdidos. Muita gente participou. Desde instituições como OAB, Defensoria Pública, Ministério Público, IBCrim até organizações não governamentais e movimentos organizados da sociedade civil. Havia associações de direitos dos homossexuais, movimentos em favor do aborto e contra, houve vaias e aplausos durante as manifestações. Uma audiência muito produtiva. A sociedade se entusiasmou.
ConJur — Os senhores propõem mudanças em relação ao aborto?
Dipp — Aumentamos a possibilidade do aborto legal. Hoje é permitido o aborto apenas em caso de estupro e grave risco de vida da mãe. Substituídos grave risco de vida da mãe por grave risco à saúde, o que amplia as hipóteses. E permitimos a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos mesmo antes da decisão do Supremo. O aborto continua tipificado como crime, mas as hipóteses de aborto legal foram ampliadas.
ConJur — Ampliadas quanto? Além destas que o senhor citou, há outras hipóteses?
Dipp — Pela proposta, será permitido o aborto não só de fetos anencéfalos, mas de todo feto portador de graves e irreversíveis anomalias atestadas com segurança por laudos médicos fundamentados, evidentemente. É prevista também a possibilidade do aborto decorrente de técnica de reprodução assistida e não consentida. E mais, que certamente gerará polêmica, há a previsão de que em toda gravidez poderá ser feito o aborto até a décima segunda semana nos casos em que a mãe não tenha a menor condição de criar os filhos. 
ConJur — Condições financeiras?
Dipp — Não só financeiras. Principalmente condição psicológica, atestada por médicos, psiquiatras e psicólogos. Aí me perguntam: “Mas como atestar isso?”. Reportagens recentes mostraram mulheres grávidas em cracolândias, perdidas, com a mãe do ex-companheiro correndo atrás da nora e ela fugindo para a cracolândia. Há condições? Mas cabe ao Parlamento dar a última palavra. O que estamos elaborando é um anteprojeto que será entregue ao Senado. É no Congresso que se dará a grande discussão.
ConJur — Mas o senhor vê a possibilidade de pontos polêmicos como esses serem aprovados?
Dipp — Estamos sempre conversando para que haja possibilidade de ser aprovado. Não estamos fazendo um trabalho teórico. É um trabalho visando à facilitação do trabalho do Parlamento em discutir, para que seja aprovada a maior parte do que propusermos. Há senadores que são nossos interlocutores.
ConJur — Há mais mudanças polêmicas como essas?
Dipp — Tipificamos a eutanásia como homicídio autônomo e não como causa de atenuante. É um homicídio privilegiado. Não é a redação definitiva, mas vai dar uma clareza maior ao tema. Eutanásia é o homicídio privilegiado que é aquele em que o autor do crime age por piedade, a pedido do paciente terminal, imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave, irreversível, atestado por dois médicos. Esse atestado não é um atestado puro e simples, deve ser um laudo maior.
ConJur — Qual a pena?
Dipp — Seria a pena menor, porque é um homicídio privilegiado com atenuante. A proposta é prisão de 3 a 6 anos. E mais o importante, uma excludente de crime que é a ortotanásia. Na redação da comissão, ficou assim: Não constitui crime deixar de fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários ou artificiais, quando a morte, previamente atestada por dois médicos, for eminente e inevitável, desde que haja pedido do paciente terminal ou na sua impossibilidade, o descendente, ascendente, companheiro, cônjuge, um irmão.
ConJur — Ou seja, me deixe morrer em paz... 
Dipp — Não quero métodos dolorosos que estão mantendo artificialmente minha vida. Se o sujeito não tem possibilidade de viver e quer passar os últimos dias no carinho da família, por que impedi-lo? O ministro Menezes Direito, que era praticamente um médico, dizia: “Não quer que alguém morra? Põe em uma UTI”.
ConJur — O Supremo vem reinterpretando o Código Penal ao longo dos anos. Exemplos mais recentes são as decisões sobre a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos e a permissão da Marcha da Maconha. O anteprojeto absorverá esses direcionamentos do Supremo?
Dipp — Claro que estamos levando em conta as posições do Supremo. Mas eu garanto que nós vamos ser muito mais avançados do que o próprio Supremo. Depois, é com o Parlamento.
ConJur — Até porque o Parlamento é o lugar para ser avançado, não é?
Dipp — É lá o foro apropriado. A grande vantagem dessa comissão é que foi criada dentro do Senado. O presidente (do Senado) José Sarney parece ter a intenção de encerrar o mandato com revisão de toda a legislação.
ConJur — Como a comissão trata a questão do tráfico de drogas?
Dipp — Queremos deixar bem claro o que é o traficante, o que é o dependente e o que é o usuário. O caso do dependente, hoje, não é crime, mas tem pena. Qual é a pena? É o tratamento médico, psicológico, que o juiz determina. Mas em varas do interior, até em capitais, o juiz dá uma advertência e solta o sujeito sem tutela do médico, sem acompanhamento psicológico ou internação se for o caso. Nós estamos tratando disso, mas estes pontos ainda não estão definidos.
ConJur — O terrorismo será tipificado?
Dipp — Sim. Basicamente é causar terror à população mediante carregar explosivos, explodir estações, estádios, promover incêndios. Tudo aquilo que cause um verdadeiro terror na população. Apesar de o Brasil ter assinado vários tratados internacionais, eu sempre fui contra a tipificação porque me parecia uma pressão desmedida dos Estados Unidos. Mas nesse momento em que o Brasil terá grandes eventos como Olimpíadas, Copa das Confederações, Copa do Mundo, em que pelo menos três países que sofreram na carne a barbárie do terrorismo estarão presentes, como Estados Unidos, Espanha e Reino Unido, achei razoável discutir a tipificação. Até já existia uma lei que descrevia atos de terrorismo, mas que ninguém quer ressuscitar, que é a Lei de Segurança Nacional. Então, na aprovação do terrorismo, imediatamente a comissão propõe a revogação da Lei de Segurança Nacional.
ConJur — Por que existe resistência para a tipificação do terrorismo?
Dipp — O temor é a criminalização dos movimentos sociais. Leia-se: MST. E aí eu propus uma cláusula de exclusão com o seguinte teor: não consistem atos de terrorismo aqueles atos sociais ou reivindicatórios mediante ações compatíveis com a sua finalidade. Houve discussão, mas foi aprovado pela comissão. O que queremos deixar claro é que o tipo penal não possa ser empregado para punir os movimentos sociais. Pode, em tese, o movimento social praticar ato terrorista, mas não se praticar atos que correspondam à sua finalidade.
ConJur — O Código Penal vai englobar a lei de execução penal?
Dipp — Na parte geral, estamos modificando a lei de execução. Criamos um regime alternativo de progressão da pena. A progressão se dará com um sexto, um terço, três quintos e até metade da pena dependendo do crime, da reincidência etc. Estamos modificando totalmente, esclarecendo, a chamada dosimetria da pena. Grande parte dos pedidos de Habeas Corpus questiona a dosimetria da pena. Então, é uma aritmética que ninguém sabe fazer. Vamos deixar uma margem maior para o juiz, inclusive o juiz da execução poderá em certos casos modificar a pena fixada na sentença condenatória.
ConJur — A comissão tentará estabelecer critérios mais objetivos?
Dipp — Mais objetivos, mais claros, mais inteligíveis. Se o Código Penal for mais claro, sem essa colcha de retalhos de várias leis, ele poderá ser aplicado com justiça.
ConJur — Quando o Código Penal foi aprovado, em 1940, a expectativa de vida do brasileiro era de 55 ou 60 anos. Hoje é de 73 anos. Partindo dessa premissa, pessoas defendem que se aumente também o tempo máximo de prisão que é permitido no Brasil, que hoje é de 30 anos. A comissão trata disso?
Dipp — Chegamos a debater. Houve propostas para que aumentasse para 40 ou 50 anos. Mas não chegamos a deliberar. A tendência é manter os 30 anos, com uma progressão mais rígida dependendo da gravidade do crime. Dados mostram que houve mais de 2,5 mil manifestações de pessoas com sugestões feitas no site do Senado. E 90% das manifestações populares são pelo endurecimento das penas. É a questão da segurança pública e a sensação de impunidade. Então, o que o povo pensa? Tem que endurecer! Mas não adianta. É possível endurecer algumas coisas, mas tem que haver alguma concorrência de todos os órgãos de segurança pública para aplacar a sensação de impunidade, senão nada adianta. Polícias mais bem aparelhadas, polícias técnicas, salários melhores de policiais, preparo, Ministério Público mais eficaz, Judiciário mais ágil. Isso é um complexo de fatores que gera a impunidade. O aumento de pena não é garantia de punição. O aumento da criminalidade se dá pela certeza da impunidade.
ConJur — A comissão irá prestigiar a reparação de dano no Código Penal? Há alguma previsão, por exemplo, de exigir reparação de dano para progressão de regime?
Dipp — Sim. Por exemplo, no regime aberto, não haverá mais casa de albergado. A progressão já começará com a prestação de serviços à comunidade ou reparação de danos. A reparação de dano está prevista como pena, inclusive, perda de bens, perda de valores, reparação de dano ao erário. Nós estamos atentos aos crimes não só contra o patrimônio privado, que é a tônica do Código de 1940, mas também contra o patrimônio público. Eu propus trazer para o Código a responsabilização penal da pessoa jurídica. 
ConJur — Não só nos crimes ambientais?
Dipp — Não. As penas serão compatíveis com a natureza da pessoa jurídica. Por exemplo, a suspensão de atividades, multas pesadas, proibição de contratar serviço público. Alguns dizem que essas penas são aplicadas no âmbito administrativo. Sim. Mas o estigma penal, a condenação criminal, vai pesar muito mais. E aí é questão de a Administração Pública ser mais rígida nas contratações.
ConJur — Delação ou confissão premiada é matéria para o Código Penal?
Dipp — Não. Trouxemos para o Código o conceito de organização criminosa, que é o tipo penal. Delação premiada, infiltração de agente policial em ação criminosa, ação controlada, tudo isso são métodos modernos de investigação, meios de prova. Isso fica na lei especial. Para diferenciar do tipo penal antigo de formação de bando e quadrilha, nós usamos um termo mais moderno, que é associação criminosa, que não tem a periculosidade da organização criminosa, que é aquela que está na convenção da ONU contra o crime organizado, a Convenção de Palermo.
ConJur — E transação penal?
Dipp — Também não é matéria do Código Penal. Existe a Lei 9.099 e nós não vamos mexer nela. Porque se nós trouxermos tudo para o Código, faremos um calhamaço sem razão.
 ConJur — A comissão trata da exploração de jogos sem autorização, como o Jogo do Bicho?
Dipp — Hoje, sabemos que a contravenção penal do Jogo do Bicho e das máquinas caça-níqueis, que eram figuras folclóricas em 1940, objeto de marchinhas carnavalescas e inofensivas, hoje são a grande mola propulsora para a prática de outros crimes muito mais graves, que não são contravenções penais, como caso de lavagem de dinheiro, homicídios, corrupção e tráfico de entorpecentes. Hoje, tudo gira em torno do jogo do bicho e dos jogos de azar, principalmente das máquinas caça-níqueis. Então, temos que tipificar. O texto proposto é mais ou menos o seguinte: Explorar jogos de azar que não tem autorização legal ou regulamentar. A pena é de um a dois anos de prisão, mas sempre acrescida, no caso concreto, das penas de outros crimes conexos. Porque eles não são praticados isoladamente. Estamos pensando também na tipificação penal das milícias. Haverá uma audiência pública no Rio de Janeiro, em 14 de maio, e vamos tentar discutir esses temas.
ConJur — Como tipificar as milícias?
Dipp — Milícia é apropriação de um espaço público privado, por agentes públicos ou ex-agentes públicos, para tirar proveito econômico. E o que explora? Tudo aquilo que o poder público explora. Distribuição de gás, TV a cabo, outros serviços básicos. Exploram mediante o terror e disputam os seus espaços, os seus territórios.
ConJur — À bala, não?
Dipp — À bala. Tem que criminalizar? Eu acho que sim. A proposta é fazer um Código Penal moderno. De hoje projetado para o futuro. Um código que tem que ter aplicação em uma sociedade plural. Ele pode e deve valer para o executivo da Avenida Paulista e para o ribeirinho do Amazonas.
ConJur — A comissão quer criminalizar o enriquecimento ilícito?
Dipp — Há discussões nesse sentido. Alguns dizem que não é necessário porque existe a Lei de Improbidade, que é civil, apesar de os tipos serem todos tipicamente penais. O enriquecimento ilícito é o patrimônio adquirido pelo funcionário público, lato sensu, desproporcional à sua remuneração e que ele não possa fundamentadamente justificar.
ConJur — Mas isso não é a inversão do ônus da prova?
Dipp — Não. O agente público, o funcionário público, todos nós temos de apresentar, desde que entramos no serviço público e todos os anos, a nossa declaração de renda. Isso é contra prova? Não. Eu tenho que, todos os anos, apresentar ao STJ a minha declaração de renda e a minha evolução patrimonial. E se eu não puder justificar eu poderei ser punido. A Receita federal não me convoca para pedir explicações se for necessário? Não exige recibos ou os cheques que comprovem determinadas movimentações? O princípio é o mesmo. São as PPEs – Pessoas Politicamente Expostas. Isso é uma determinação de convenções internacionais. Pessoas que sejam politicamente expostas, como governadores, deputados estaduais, federais, membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, devem ter suas contas monitoradas. Certos atos têm que ser autorizados pela autoridade competente. Eu não sei, até hoje, se é o gerente do banco ou se é o presidente do banco. Mas esse monitoramento já existe. Eu estou tentando minar a resistência. Tem de tipificar porque isso é uma convenção internacional. O Senado aprovou por Decreto Legislativo a aplicação da convenção. Estamos tentando redigir um tipo penal palatável.
ConJur — Crimes cibernéticos serão tipificados?
Dipp — Estamos discutindo tipos específicos para isso. Fui relator no STJ de quase todos os pedidos de Habeas Corpus decorrentes daquela operação Cavalo de Tróia. Os acusados entravam nas contas bancárias, falsificavam a senha e tiravam o dinheiro das contas. Nas denúncias, nas ações penais, e depois eu vi isso nos pedidos de HC, sempre tipificavam como estelionato ou furto qualificado mediante fraude. Irá chegar um momento em que esses tipos penais não vão atender à demanda de crimes cibernéticos sofisticados. Por exemplo, invasão ao site da Presidência da República. Qual o tipo penal? No Distrito Federal tiraram os sites de diversos bancos do ar ao mesmo tempo. Como tipificar isso penalmente? Temos que criar um tipo específico para esses casos. Até quando o estelionato ou o furto qualificado vão servir para isso?
ConJur — O que mais o anteprojeto prevê?
Dipp — Devemos colocar na parte geral do Código os princípios gerais para crimes eleitorais. E também colocar na parte geral da aplicação das penas os crimes militares. No STJ, há muitos pedidos de Habeas Corpus contra tribunais militares de estados e até do Superior Tribunal Militar, que não permitem a progressão de regime em matéria militar. Houve uma sugestão para criar no Código Penal um capitulo próprio dos crimes impropriamente militares e dos crimes propriamente militares. Ou seja, vai ser uma revolução que acaba com o Código Militar. Só não sei se haverá tempo para concluir tudo isso.
ConJur — Homofobia será tipificada como crime? 
Dipp — Não foi apresentado ainda um arcabouço do tipo penal, mas não é mais possível que sejam aplicados outros tipos penais pré-existentes aos crimes homofóbicos, que muitas vezes não se amoldam e não dão a dignidade da proteção à liberdade sexual. Nós ainda não temos o tipo formatado. Alguns propõem colocar como agravante. Eu não concordo. Como disse antes, esse Código não é só para hoje. É para o futuro.
ConJur — A comissão irá tratar da Lei Seca? Consertar o erro legislativo do Congresso?
Dipp — Tratamos disso. Tiramos a dosagem específica para caracterizar a embriaguez. O texto está assim: Conduzir veículo automotor na via pública sobre influencia do álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial, não à segurança de outrem, mas à segurança viária.
ConJur — Ou seja, foi pego dirigindo bêbado, cometeu crime, independentemente do dano.
Dipp — Prisão de um a três anos, sem prejuízo da responsabilização por qualquer outro crime cometido. A infração poderá ser demonstrada mediante qualquer meio de prova no direito admitido. Isso quer dizer, prova testemunhal, o depoimento da autoridade policial, o exame clínico, o exame médico, o vídeo...
ConJur — Há uma tendência de aumentar as ações penais condicionadas à representação da vítima?
Dipp — Não. Nos crimes contra a honra, a ação continua condicionada à representação da vitima. Aumentamos a pena porque achamos que a dignidade, a honra, é um bem constitucionalmente protegido. Ainda há a possibilidade de desistência da ação mediante retratação ou até reparação de danos. E como pena para o crime contra a honra, além do aumento, multa violenta.
ConJur — Crime continuado vai permanecer no código penal? Criminosos, profissionais, que cometem dezenas de crimes em intervalo curto de tempo, vão responder por um crime com aquela previsão de aumento de um sexto da pena?  
Dipp — A parte geral, apesar de estar adiantada, não foi totalmente debatida ainda. Mas vamos aos exemplos. A figura do estupro nós estamos estabelecendo estupro anal, vaginal e oral. Bem definidos. E se os três forem praticados, haverá um aumento de pena. Excluímos o crime continuado neste caso. Nós estamos colocando figuras específicas e, se forem praticados juntos, haverá aumento da pena. São crimes autônomos. Esse é um exemplo de que nós estamos modificando a questão do crime continuado.
ConJur — O Código Penal vai ficar maior ou menor?
Dipp — Mesmo tirando os tipos penais que nós não mais consideramos ofensivos  a sociedade, aperfeiçoando inclusive crimes cibernéticos, os crimes contra a instituição financeira que tem hoje normas penais em branco complementadas por outras normas, e outras, haverá um acréscimo. Mesmo com a limpeza que se faça, vai ter um acréscimo. Mas benéfico. O Código Penal será o centro do sistema penal brasileiro.