quarta-feira, 12 de novembro de 2008

APLICAÇÃO DAS ALTERAÇÕES SUBSTANCIAIS NO CPP EM PROCESSOS PENDENTES E EM ANDAMENTO

(Por Dr. OTÁVIO DE QUEIROGA)

As Leis ns. 11.689, 11.690 e 11.719, todas de 2008, alteraram, substancialmente, o Código de Processo Penal.

É certo que a lei nova não alcança processo findo.

Por outro lado, processo instaurado sob a égide da lei nova por esta é inteiramente regulado.

Para os processos pendentes, a regra geral é que a lei nova se aplica imediatamente, respeitados os atos já praticados, em conformidade com o disposto no art. 2º do Código de Processo Penal, verbis:

Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

No entanto, em que medida e de que modo a lei nova afeta os processos pendentes?

O direito intertemporal disciplina o modo pelo qual as leis devem incidir sobre os fatos, ao longo do tempo, daí serem normas sobre como as normas se aplicam, ou normas de superdireito.

O estudo do tema exige o respeito à premissa de que a lei não poderá retroagir para prejudicar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, regra principiológica de caráter fundamental, que integra o rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão (CF, art. 5º, XXXVI).

Com os olhos voltados para o processo, as normas de direito processual intertemporal têm por objetivo regular a dimensão temporal da atividade processual, bem como a eficácia da lei processual, nova ou velha, em relação aos processos em tramitação no momento da vigência da lei nova.

É bom lembrar que o processo, apesar de ser um só, desenvolve-se mediante diversos atos e fases procedimentais, que se sucedem no tempo.

Assim, com a realização de atos e a ocorrência de fatos ao longo do procedimento, novas situações jurídicas vão se criando, e outras se extinguindo, a gerar situações jurídicas consumadas, que podem, conforme o caso, corresponder a direitos adquiridos, para uma ou ambas as partes, e, portanto, merecer proteção contra modificação legislativa superveniente.

Nesse contexto, a essência do problema, na definição da lei aplicável, em vista de um conflito temporal, é a busca de critérios, dentro do processo, que, uma vez atendidos, preservem os valores segurança, resguardando os fatos processuais onde tenha ocorrido a consolidação de situações processuais, e previsibilidade.

O exame das teorias que procuram definir em que extensão a lei processual nova se aplicaria ao processo pendente revela a insuficiência daquela que considera o processo como um todo, propugnando pela incidência integral da lei vigente ao tempo em que foi iniciado, bem assim daquela que vê o processo como dividido em fases autônomas, de modo a permitir que a lei nova apenas incida sobre a fase procedimental ainda não iniciada.

Isso se diz porquanto, a aplicação da lei velha, sob o pretexto de preservar situações consolidadas, terminaria por ir de encontro a uma nova realidade social.

Ora, o ordenamento jurídico pátrio prescreve que a norma tem efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, nos termos do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

Assim, cada momento processual deve ser regulado por sua lei, ou seja, aquela vigente ao tempo em que o ato foi praticado ou deixou de ser praticado, o que, preservados os postulados constitucionais, fornece segurança e previsibilidade às partes, no processo.

É o que postula a teoria do isolamento dos atos processuais, que, sem desconhecer que o processo é uma unidade, observa que ele é um conjunto de atos, cada um podendo ser considerado isoladamente, para efeito de aplicação da lei nova; com o processo em tramitação, os atos já praticados teriam sua eficácia respeitada, mas a lei nova disciplinaria o processo a partir de sua vigência.

O nosso sistema processual adotou esta última teoria (CPP, art. 2º), ou seja, as normas processuais, em regra, valem para o futuro, permanecendo eficazes os atos praticados em conformidade com a lei anterior.

À luz dessas premissas, pode-se dizer que, preservadas as situações já consolidadas, as matérias relativas à valoração das provas, atualização dos valores de multa, previsão de fixação em sentença de valor para reparação dos danos causados pela infração, regras acerca de emendatio e mutatio libelli, entre outras, devem obedecer à nova sistemática.

A aplicação do novo rito, contudo, deve ficar restrita aos processos em que ainda não foi iniciada através de interrogatórios dos réu, bem como da produção da prova testemunhal, como, aliás, já era previsto no art. 6º da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal.

A aplicação do art. 6º LICPP mostra-se, dentre todas as alternativas possíveis - anulação de todos os atos já praticados, designação de audiência para ultimação do feito, com debates orais, etc. -, solução segura e objetiva, prevista em lei, com garantia do aproveitamento da maior parte dos atos da instrução e, ainda, a preservação da ampla defesa, em sua plenitude.

Devemos recordar que o processo, por caminhar para frente, é guiado por um sistema de preclusões, até alcançar o seu último fim.

Com efeito, à medida que vão sendo praticados os atos processuais pelas partes, pelo juiz ou mesmo por terceiros que participem do processo, diferentes situações jurídicas se formam, e, com elas, novas posições jurídicas são assumidas pelas partes que, com isso, adquirem direito à prática de novos atos, em uma marcha rumo ao provimento jurisdicional definitivo.

Assim, a busca de critérios para solução de um conflito temporal, dentro do processo, deve atender e preservar os valores segurança, resguardando os fatos processuais onde tenha ocorrido a consolidação de situações processuais, e previsibilidade.

É que a lei nova, ao incidir em processo pendente, não pode causar "surpresas".

Fernando da Costa Tourinho Filho lembra que, quando o atual CPP passou a vigorar, as leis processuais anteriores tiveram "ultra-atividade", justificada para evitar verdadeira "balbúrdia", que estaria implantada caso entendêssemos pela aplicação, integral e indiscriminada, do novo rito aos processos em curso (Processo Penal, v. 1, Saraiva, 2005, p. 112).

Além disso, é de se atentar para o fato de que as modificações legislativas no âmbito do processo penal tiveram por finalidade superar entraves históricos nesta seara, buscando-se a efetividade da tutela jurisdicional, em garantia constitucional da duração razoável do processo, o que seria frustrado com a renovação integral dos atos.

Enfim, como ensina Norberto Bobbio, deve ser observada "a regra tradicional da interpretação jurídica que o sistema deve ser obtido com a menor desordem, ou, em outras palavras, que a exigência do sistema não deve acarretar prejuízos ao princípio da autoridade" (Teoria do Ordenamento Jurídico, Unb, 1997, p. 104).

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