quinta-feira, 28 de março de 2013

Justiça gratuita transfere ao Estado ônus da perícia

O benefício da Justiça gratuita transfere ao Estado, e não à parte contrária, segundo jurisprudência dominante, a obrigação de arcar com o pagamento antecipado do perito. Com essa fundamentação, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região aceitou o agravo de instrumento apresentado por uma servidora pública contra decisão da Comarca de Ouro Preto do Oeste, em Rondônia. Pela sentença anterior, ela deveria custear os honorários periciais se não aceitasse se submeter perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
No recurso a servidora pública sustenta que a assistência judiciária gratuita, regida pela Lei 1.060/50, compreende a isenção de taxas judiciárias, custas, honorários de advogado e periciais, dentre outras despesas. “Dessa forma, não se pode exigir da agravante, beneficiária da Justiça gratuita, que arque com as custas do perito nomeado pelo Juízo, ou aceite que a perícia seja realizada pelo perito do agravado”, defendeu.
Ela também alega que a decisão do juiz determinando que a perícia médica seja feita por perito do INSS, “contraria legislação processual, pois uma vez instaurada a relação jurídico-processual [...], o perito deve ser nomeado pelo juiz, e além de ser habilitado tecnicamente e gozar da confiança do julgador, deve o mesmo ser eqüidistante das partes”.
Os argumentos apresentados pela servidora pública foram aceitos pela relatora, juíza federal convocada Rogéria Maria Castro Debelli. Com relação às custas periciais, a juíza salientou que “a incumbência de pagamento antecipado dos honorários do perito não deve se transferir à parte contrária e sim ao Estado, a quem incumbe o dever constitucional de assegurar aos necessitados o efetivo acesso à Justiça”.
Sobre a indicação do juiz de perito pertencente aos quadros no INSS, no caso em questão, a juíza destacou que a prova pericial deve ser revestida das formalidades legais, principalmente com total independência do juízo na escolha do perito oficial.
“As exceções de parcialidade visam à autuação do profissional com isenção. Acrescente-se, no presente caso, que o fato de o juiz não ter conhecimento da existência de outro médico que possa realizar o exame, não quer dizer que inexista na localidade profissional que detenha a necessária qualificação técnica”, explicou Rogéria Debelli. Com informações da assessoria de imprensa do TRF-1.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Esquema usa liminares para burlar crédito consignado

A exploração de liminares tem possibilitado o calote a bancos que oferecem crédito consignado. Segundo as informações do jornal Valor Econômico, os principais alvos são convênios de empréstimo entre bancos e órgãos públicos — como Marinha, Aeronáutica, INSS, governos estaduais e prefeituras. O objetivo da manobra é liberar a folha de pagamento para empréstimos.
A operação começa com uma ação judicial, apresentada com a suposta intenção de questionar os juros cobrados ou a própria validade do contrato. Os advogados pedem liminar com o objetivo de suspender o desconto das parcelas da dívida na folha de pagamento e desbloquear a chamada "margem consignável" — percentual máximo do salário ou benefício, em geral de 30%, que pode ser destinado ao pagamento do empréstimo.
Com a concessão da liminar, o desconto é suspenso e novas dívidas podem ser contratadas pelo cliente sem impedimento no contracheque. Um novo empréstimo, então, é tomado em outro banco, no que já se tornou conhecido como "ciranda do consignado". Com o novo empréstimo formalizado e o dinheiro em conta, o cliente desiste da ação judicial.
A reportagem do Valor mostra que 20 instituições financeiras já sofreram prejuízos em pelo menos sete estados: Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul. A Associação Brasileira de Bancos (ABBC) informou que já identificou mais de 28 mil processos desse tipo em diferentes comarcas. O presidente da entidade Renato Oliva suspeita que uma ou várias quadrilhas estejam por trás do golpe.
A margem geral de inadimplência nos consignados no país é baixa em relação a outras modalidades de crédito, em torno de 4% a 5%. Segundo Oliva, 0,8% decorre desse tipo de fraude. A ABBC não soube estimar o tamanho do prejuízo. Mas somente em duas comarcas da Paraíba, liminares envolvendo um convênio da Marinha significaram R$ 18 milhões em contratos suspensos.
Esquema
Participam do esquema advogados, supostas associações de funcionários públicos e correspondentes bancários — os chamados "pastinhas", que oferecem o empréstimo consignado por indicação ou pela internet. Os valores dos empréstimos são divididos entre os participantes. Há casos em que 50% do valor do novo empréstimo se destina a pagar pela fraude.
A manobra, porém, só funciona com a concessão das liminares. Pedido de providências enviado pela seccional da Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba ao Ministério Público aponta que o município de Picuí (PB), com menos de 20 mil habitantes, recebeu mais de 5 mil ações revisionais de empréstimo consignado nos últimos dois anos. De janeiro a setembro de 2012, foram 4.433 ações só em Picuí, segundo o documento.
O pedido da OAB aponta que as liminares foram concedidas sem citar as instituições financeiras para que pudessem se defender no caso. Dessa forma, até que o banco tome conhecimento da existência do processo, os autores têm tempo para tomar novos empréstimos.
Em alguns exemplos citados no pedido de providências, o ofício enviado pelo juízo ao órgão pagador para "limpar" a folha, liberando a margem consignável, foi expedido antes mesmo da liminar. Em outros, isso teria ocorrido em um momento anterior à própria distribuição do processo.
No entanto, mesmo nos casos em que a liminar é derrubada, o advogado da ABBC Djalma Santos afirma que a dívida não é recuperada. Ele explica que o prejuízo já foi consumado, pois os servidores já contraíram empréstimos em outros bancos.

terça-feira, 26 de março de 2013

Concessionárias de energia não podem dificultar indenizações

Se um equipamento for danificado por falha elétrica, a companhia de energia deve indenizar o consumidor ou provar que não houve relação entre o problema no fornecimento e o dano causado. Além disso, as concessionárias também não devem criar dificuldades para indenizar clientes. A determinação é do juiz substituto Diogo Ricardo Goes Oliveira, da Justiça Federal em Bauru (SP), que atendeu parcialmente a um pedido de antecipação de tutela em ação movida pelo Ministério Público Federal contra a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL).
Na ação, o MPF afirma que a concessionária, contrariando o Código de Defesa do Consumidor, transferia ao consumidor a responsabilidade de comprovar a relação entre o dano e a falha no fornecimento de energia elétrica. Além disso, segundo o Ministério Público, a CPFL também se recusa a inspecionar os equipamentos danificados no endereço do consumidor e a ressarci-lo diante da falta de laudo técnico que comprove o dano ou orçamento que indique o valor da indenização.
A prática adotada pela concessionária, aponta a ação, dificulta que o consumidor tenha seu direto ao ressarcimento garantido. Isso porque ele deve arcar com os custos de deslocamento para mostrar o produto danificado à empresa ou porque é ele quem deve providenciar um laudo técnico provando que a falha no fornecimento de energia causou o defeito.
A Agência Nacional de Energia Elétrica também é listada como ré da ação por não ter tomado nenhuma atitude contra a conduta da CPFL, mesmo tendo sido informada das falhas. O MPF também aponta que a edição, pela agência, da Resolução 414/2010 favoreceu as empresas de energia. De acordo com o artigo 206 da norma, as concessionárias podem optar pela verificação, ou não, do defeito causado no endereço do consumidor.
“A situação adquire um ar de gravidade maior tomando por base o fato de que a Aneel, apesar de devidamente informada das práticas abusivas adotadas pela CPFL (sobretudo o indeferimento de pedidos de ressarcimento de danos elétricos decorrente da não apresentação de laudos e orçamentos pelos consumidores) afirma que a compostura da empresa concessionária encontra respaldo na legislação e, por isso, não há providências a serem tomadas em seu detrimento”, argumenta o MPF.
Para o juiz, a exigência de que o consumidor prove a relação entre o dano e a falha no fornecimento de energia é um obstáculo ao acesso à "ordem jurídica justa" — que, segundo seu entendimento, previu, na Lei 8.987/1995, ser direito do consumidor a prestação de serviços adequados, com eficiencia e segurança. Dessa forma, ele afirma que deve caber à empresa, que inclusive lucrou com a prestação do serviço, a prova de que o serviço foi prestado normalmente.
Sobre a possibilidade aberta à concessionária para escolher verificar, conforme sua conveniência, o dano no endereço do cliente, o juiz entendeu que a norma da Aneel dificulta a defesa dos direitos do consumidor. Ele aponta que a resolução permite que o consumidor desista de reivindicar o ressarcimento, seja por falta de recursos ou por não concordar na relação custo-benefício em providenciar a vistoria por sua conta e risco.
Para corrigir as falhas apontadas pelo MPF, o juiz determinou na liminar que a CPFL e a Aneel sejam responsáveis por demonstrar a inexistência de falhas no serviço de distribuição de energia e não exijam a apresentação de laudos técnicos como condição obrigatória para analisar os pedidos de ressarcimento. A concessionária e a agência também devem disponibilizar formulários padronizados para que os consumidores registrem os eventos que danificaram o equipamento elétrico.
O juiz também manda que a CPFL e a Aneel, intimadas no último dia 13 de março, apresentem um plano de atuação relativo às determinações, no prazo de 30 dias, sob pena de multa no valor de R$ 10 mil por dia de atraso. A decisão, passível de recurso, tem validade em todos os municípios do estado de São Paulo atendidos pela concessionária de energia.
Clique aqui para ler a decisão.

segunda-feira, 25 de março de 2013

"Novo Código tira do usuário estigma de criminoso"

José Muiños - 21/03/2013 [Spacca]Entre julho de 2011 e outubro de 2012, uma comissão de 15 juristas reuniu-se, a pedido do Senado, para elaborar o anteprojeto de reforma do Código Penal. Assim que recebeu a missão de ajustar o texto vigente, de 1941, a comissão percebeu que o prazo de 180 dias, sugerido pelos senadores, seria pequeno demais.
Pouco mais de um ano depois, a comissão — composta por dois ministros do STJ, um desembargador, uma defensora pública, dois procuradores, dois professores, três promotores e cinco advogados — entregaria ao Senado o anteprojeto, logo transformado no PLS 236/2012. Com 543 artigos, o projeto reduz de 126 para 16 as leis penais no país, e trata de temas polêmicos como a ampliação das possibilidades de aborto legal — como em casos de anencefalia —, a tipificação da eutanásia e a criminalização da homofobia.
A comissão especial do Senado, criada para analisar o projeto e presidida pelo senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), começou, em fevereiro, a fazer audiências públicas quinzenais para debater as mudanças com juristas. A previsão é levar o projeto a votação diretamente no Plenário ainda este ano. Aprovada, a proposta segue para a Câmara dos Deputados.
Entre os trechos que prometem causar controvérsia está o que propõe a descriminalização do plantio e porte de maconha para consumo próprio. Membro da comissão que formulou o texto, o desembargador José Muiños Piñeiro Filho, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, conta que um dos desafios do grupo de juristas foi “trazer a legislação de drogas para dentro do Código Penal”. De acordo com ele, a lei de drogas vigente hoje no Brasil — a Lei 11.343, de 2006 —, embora tenha trazido avanços como o fim da pena de prisão, continua tratando o usuário como criminoso.
Muiños é mestre em Direito Público e leciona na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e na Universidade Estácio de Sá, tendo atuado por 25 anos como promotor de Justiça.
Para ele, a descriminalização do usuário é um dos grandes avanços do texto do novo Código: “Estou convencido de que continuar criminalizando e estigmatizando o usuário está deslocando e inibindo a atuação da saúde pública”, diz.
O desembargador aposta ainda que o debate em torno do julgamento do Recurso Extraordinário 635.659 pelo STF, previsto para o primeiro semestre, poderá ajudar no trâmite do projeto de lei. O recurso, entendido como de repercussão geral e que tem como relator o ministro Gilmar Mendes, levará o Supremo a decidir se o artigo 28 da Lei 11.343/2006, que criminaliza o usuário de drogas, é inconstitucional ao violar o direito à privacidade. “Se o Supremo decidir no primeiro semestre, essa coincidência pode contribuir muito com o trâmite do projeto no Senado”, acredita Muiños.
Leia a entrevista:
ConJur — O que levou a comissão a propor a descriminalização do usuário de drogas?José Muiños Piñeiro Filho — É importante dizer que atendemos a reivindicações de vários estudiosos em matéria penal, no sentido de trazer a legislação de drogas para dentro do Código Penal. Aliás, hoje há no Brasil 126 leis que definem infrações penais e suas penas. Isso praticamente faz com que o país tenha quase dois mil crimes previstos. O projeto revoga 110 dessas leis. Se aprovado o novo Código, o Brasil terá menos de 20 leis penais. Como disse o ministro [Gilson] Dipp [presidente da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto], estamos fazendo o Código Penal ser o centro do sistema. No ordenamento atual, a formação de quadrilha depende de quatro pessoas. Já na lei de drogas — a Lei 11.343, de 2006 —, que está fora do Código atual, para definir tráfico e associação de drogas bastam duas pessoas. É um absurdo criminalizar uma associação de duas pessoas. Duas pessoas é um concurso eventual, o que é diferente. Mas é preciso ver o contexto. O Brasil segue as normas da ONU desde a Convenção de Genebra, de 1936, passando pela convenção de Viena, a última, em 1988. A partir de 1936, a legislação brasileira incorporou o rigor proibicionista em matéria de drogas, que se acentuou nos anos 1970 com a política do presidente Nixon (EUA), a chamada “guerra às drogas”. Hoje, o Brasil já está na sua quarta lei após a criação do Código Penal, de 1940, e continua criminalizando o tráfico e o uso. Ao reformar o Código Penal, nós tínhamos de enfrentar a questão.
ConJur — O novo texto distingue claramente usuário de traficante?José Muiños Piñeiro Filho É preciso reconhecer que a lei atual, de 2006, embora tenha mantido a criminalização do usuário, excluiu a pena de prisão. Hoje, temos penas alternativas, como advertência, internação ou serviços comunitários. Por outro lado, se o usuário for pego, ainda que não seja preso, é visto como criminoso. E se no futuro praticar algum outro crime, já será reincidente. Pior: se fizer um concurso público e depender de uma certidão de "nada consta", não adianta dizer que recebeu só uma advertência, pois estará lá registrado. Querendo ou não, é crime. Esse estigma influenciou muito a comissão na hora de elaborar esse capítulo. O Brasil atualmente está no meio termo entre aqueles países que mantêm a pena de prisão e os que descriminalizam o uso da droga. A nossa lei ainda é omissa: tanto faz guardar a droga consigo para comércio ou para consumo próprio — os dois são crimes. O que muda? Na comissão, a maioria foi a favor da descriminalização. Hoje, não importa a quantidade, plantar é crime. Mas se o projeto for aprovado tal como foi formulado, não será mais.
ConJur — Como o projeto faz essa distinção?José Muiños Piñeiro Filho Será preciso provar que a droga é para uso próprio. As circunstâncias serão levadas em conta pelo delegado, pelo promotor e pelo juiz. Não quer dizer que só porque a pessoa está com 300 gramas de maconha automaticamente é traficante. Mas se os indícios forem fortes, ela terá que apresentar uma prova contrária. Por exemplo: se você está com 500 gramas da droga, não tem emprego certo ou salário condizente, terá dificuldades para provar inocência. Rico ou pobre, todos terão que provar que a droga era para uso próprio.
ConJur — O senhor já julgou casos semelhantes?José Muiños Piñeiro Filho Eu mantive a condenação de um médico como usuário, dentro do artigo 28 da Lei 11.343. Ele foi pego com 200 gramas de maconha no próprio carro, mas provou que era usuário, trouxe a esposa, amigos, vizinhos, até o diretor do hospital em que trabalhava. Mantivemos a condenação apenas como uso, embora o promotor insistisse que fosse tráfico. Esse homem trouxe testemunhos, se expôs. Mas, na minha experiência, esse tipo de caso é raro.
ConJur — A punição ao traficante foi mantida no novo projeto?José Muiños Piñeiro Filho — O traficante continua sendo punido com o mesmo rigor, como crime hediondo. Em relação a isso, não houve discordância dentro da comissão. Para você ter uma ideia, uma pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Drogas (INPAD), órgão ligado à ONU, divulgada em setembro do ano passado, concluiu que o Brasil é o maior mercado mundial de crack, com 1 milhão de usuários, e o segundo em cocaína, com 2,8 milhões. Dentre os usuários, quase metade (48%) foi identificada com dependência química. Enfim, é um problema que afeta toda a sociedade. Mas a tendência é descriminalizar o uso por completo, entendendo-o como um problema de saúde pública. A conclusão da comissão foi a de que quem usa substâncias entorpecentes não está lesionando um bem jurídico de terceiro, mas está se autolesionando. Além do mais, o traficante que costuma ser preso não é o Fernandinho Beira-Mar, não é o do atacado, mas o do varejo, que consome para o próprio vício. Os grandes é que precisam ser alcançados.
ConJur — Como o senhor vê a internação compulsória de usuários de crack, adotada no Rio de Janeiro e em São Paulo?José Muiños Piñeiro Filho — Eu não sou contra a internação compulsória, desde que ela seja exceção da exceção da exceção. Ela deve ocorrer quando, por exemplo, for verificado que a pessoa não tem ninguém que olhe por ela. Se a gente quer proteger os animais, logo, no mínimo, a proteção animal essas pessoas merecem. Em 1937, o advogado Sobral Pinto impetrou um Habeas Corpus em favor de Luis Carlos Prestes, que estava preso há nove anos, incomunicável. Sobral Pinto pediu, então, que se desse a Prestes ao menos o tratamento previsto na então recente lei de proteção aos animais, que proibia maus tratos. Portanto, há um momento em que o absurdo deve ser evitado. Mas só se justifica pegar uma pessoa e interná-la compulsoriamente se ela não tiver nenhum familiar, e se a internação for a única chance de ela continuar viva, do ponto de vista médico. O Ministério Público do Rio, por exemplo, está exigindo que a Prefeitura mostre como é o sistema de aplicação — quantos psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais estão envolvidos — e qual tipo de tratamento será prestado. O internamento compulsório não pode ser simplesmente enfiar a pessoa numa espécie de abrigo e pronto, está acabado. Dependendo da situação em que ela esteja, forçá-la à abstinência pode levá-la à morte. E, principalmente, é preciso definir prazos. Veja bem, até Mandados de Segurança e cumprimentos de pena obedecem prazos...
ConJur — A legislação de drogas de algum país em especial inspirou a Comissão?José Muiños Piñeiro Filho Suíça, Portugal, Holanda e Bélgica foram os que mais influenciaram. Esses países descriminalizaram o plantio para consumo próprio. A princípio, havíamos proposto no texto que a quantidade apreendida deveria ser suficiente a um consumo individual para 10 dias, como em Portugal. Depois, reduzimos para cinco. É científico? Não é. Quem vai definir exatamente quanto deve ser a média de um consumo razoável é a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Isso é o que chamamos de “norma penal em branco”, um fenômeno jurídico pelo qual a norma transfere para o administrador uma definição. E a legislação de drogas é universal. Veja, na lei não está escrito "maconha, haxixe" etc. Está escrito “entorpecente”, e quem fornece a lista é o Ministério da Saúde. Ou seja, se o Ministério um dia deixar de considerar maconha como droga, definindo-a como remédio, a legislação não terá mais aplicação no seu caso. Mas há um aspecto interessante a ser destacado: todos os países que descriminalizaram o cultivo possuem populações de no máximo 25 milhões de habitantes. Há um questionamento acerca da capacidade de o Brasil, com quase 200 milhões de pessoas, fiscalizar. Só que para nós, o problema não é fiscalização, mas sim definir se é crime ou não o uso de entorpecentes. Quem e como vai fiscalizar, qual será a política pública, são outras questões.
ConJur — Polêmica à vista?José Muiños Piñeiro Filho Talvez. Mas nós da comissão não podíamos pensar em termos de população. Quer dizer, se o país tem 20 milhões de habitantes eu posso descriminalizar, mas se tiver 200 milhões eu não posso? Estaríamos sendo injustos.
ConJur — O uso de drogas em público passa a ser permitido, então?José Muiños Piñeiro Filho Criamos a figura do “uso ostensivo de drogas”. Foi um meio termo. O que estamos dizendo aqui é: você tem todo o direito, porque é da sua privacidade, é um problema de saúde pública você usar a sua maconha, a sua cocaína. Agora, para não ser crime, a droga precisa ser consumida no ambiente privado. Não pode ser em via pública, em escola ou nas imediações, ou na frente de crianças e adolescentes, mesmo que seja na sua casa. Estamos descriminalizando o uso, mas criando regras de controle. O uso só passa a ser ostensivo nessas hipóteses. A mensagem que se quer dar é: você quer consumir, vá ao seu quarto, à sua casa de campo, à praia. Agora, se tiver gente ali, você estará fazendo uso ostensivo. Essa é uma grande novidade e eu ainda não vi ninguém debater isso, nem dentro da comunidade jurídica.
ConJur — Este ano, o STF deve julgar se o artigo 28, que pune o usuário de droga, é constitucional. Qual a sua expectativa?José Muiños Piñeiro Filho Acredito que julgarão pela inconstitucionalidade. Digo isso considerando o panorama geral, que me parece favorável a essa posição, e a vontade do ministro Gilmar Mendes de reconhecer a repercussão geral do tema. Essa matéria, na verdade, já chegou ao STF várias vezes e sempre prevaleceu o entendimento de que a criminalização era constitucional. Só que, dessa vez, um ministro resolveu tocar na ferida. E cá entre nós, essa questão já é de repercussão geral há muito tempo.
ConJur — O clima está mais favorável?José Muiños Piñeiro Filho Sem dúvida. Antes, se algum ministro tivesse sugerido colocar esse tema dentro da repercussão geral, a tendência seria a proposta ser rejeitada imediatamente. O que seria até pior. Agora, eles enfrentarão a seguinte tese: se o artigo 28 da lei de 2006, que criminaliza quem possui drogas para uso próprio, não está indo contra o inciso 10 do artigo 5º da Constituição, que prevê a proteção à privacidade e à intimidade.
ConJur — O debate público que possivelmente esse julgamento vai provocar poderá, na sua opinião, ter efeito na tramitação do projeto do novo Código Penal, na parte relativa às drogas?José Muiños Piñeiro Filho Se o STF reconhecer que a lei, ao criminalizar o usuário, é inconstitucional, creio que acontecerá mais ou menos como na questão do aborto de feto anencéfalo. Porque nesse caso, será difícil o Congresso Nacional derrubar o aborto de anencéfalo depois de o Supremo ter dito que sua proibição viola a garantia da privacidade da gestante e a dignidade da pessoa humana. Foi o que ocorreu com a liberação de células-tronco para pesquisas. Nesse sentido, concordo que poderá influenciar. Se o Supremo decidir no primeiro semestre, essa coincidência pode contribuir muito com o trâmite do projeto no Senado.
ConJur — Há quem diga que o projeto é tímido ou excessivamente punitivo em relação às drogas.José Muiños Piñeiro Filho Um professor da minha faculdade dizia que toda lei que vai contra aquilo que está assimilado pelo povo tem duas tendências: ser revogada ou não ser cumprida. Este talvez não seja o Código mais avançado, mas sem dúvida é o Código possível. Durante os trabalhos da comissão, recebemos mais de cinco mil sugestões da população por meio do "Alô Senado". Eu posso dizer, como profissional de Direito, com 25 anos de atuação como promotor, e há cinco como desembargador vivenciando essa matéria, que 40% do meu trabalho como julgador é mantendo a condenação ou absolvição de traficantes de drogas — o usuário costuma parar na primeira instância. Ainda não estou convencido de que a descriminalização total seja a solução. Mas estou convencido, sim, de que continuar criminalizando e estigmatizando o usuário está deslocando e inibindo a atuação da saúde pública.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Justiça é nebulosa e cresce sem controle da sociedade

Por Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra

A solução é tão insensata que o próprio presidente do STF, o ministro Joaquim Barbosa , a rechaçou —trata-se da contratação quase pronta de mais juízes para a Justiça Federal. Mas de onde teria vindo a instrução para sua efetivação? Como uma decisão de tal envergadura anda internamente até o ponto em que só o horrorizado presidente do STF a manda obstar? Uma decisão dessas não deveria se iniciar na cúpula e não, na base? Quem teria iniciado esse procedimento?
Penso ser esse o retrato hoje da Justiça. A própria sociedade civil, que é quem finalmente paga a conta, não sabe o que se passa nos vários “departamentos“ de uma nebulosa e tentaculada atividade que cresce explosivamente , sem respeito a qualquer controle interno ou externo.
Supunha-se que o Conselho Nacional de Justiça pudesse oferecer algum freio para o gigantismo da Justiça. Sabe-se agora que isso não se deu. O curioso é que forças poderosas da sociedade civil, tais como a Fiesp ou a Febraban, legítimos interlocutores da sociedade civil, calam-se e permitem que 100 milhões de ações estejam hoje a entupir os escaninhos dos tribunais impedindo a oxigenação da cidadania e da economia. Ao que parecem os denominados operadores do Direito: os advogados, os juízes e o os promotores vibram com essas ações que, creem, possa representar elas “serviço“ quando, na realidade, tudo é um desserviço que se presta ao cidadão comum e às suas empresas .
Anos depois, decide o STF que a emenda aprovada no Congresso é inconstitucional, motivo pelo qual dá-se o dito pelo não dito e R$ 100 bilhões em dívidas dos estados e municípios continuam sem solução. Mal sabem os operadores do direito que tudo se transformou em chacota aos olhos do cidadão comum (bem como aos nossos críticos olhos) e que a atividade que juramos desempenhar com fidedignidade em nossa formatura é objeto agora de escárnio.
Cabe, no entanto, uma reação da sociedade civil. Por onde virá ela? Creio que começar nossa sonhada reforma política pela reforma do Judiciário será um bom começo. Com a palavra as poderosas entidades da sociedade civil, únicas que podem enfrentar a Medusa –“cujo olhar é capaz de petrificar quem a encare“.

Prescreve em cinco anos a execução individual de sentença coletiva em ação civil pública

No âmbito do direito privado, é de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em ação civil pública. A decisão é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso repetitivo interposto pelo Banco Itaú contra decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC).

A Segunda Seção fixou o entendimento de que o prazo de cinco anos para execução individual vale, inclusive, no caso de sentenças com trânsito em julgado, para as quais tenha sido adotada a prescrição de 20 anos na fase de conhecimento. A questão foi decidida por maioria de votos. Ficaram vencidos os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Buzzi e Nancy Andrighi, que defendiam prazo vintenário para a execução individual.

O recurso foi julgado como repetitivo em razão de milhares de execuções em curso no país, nas quais se discute a mesma questão. A maioria é derivada de sentença coletiva proferida em ação civil pública ajuizada pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor (Apadeco) em benefício de poupadores do estado do Paraná. No julgamento do repetitivo, prevaleceu o voto do relator, ministro Sidnei Beneti, que foi acompanhado pelos ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Villas Bôas Cueva.

Súmula do STF

A tese que prevaleceu foi a de que, apesar do reconhecimento incidental do prazo vintenário para ajuizamento da ação civil pública, as execuções individuais das respectivas sentenças devem ser propostas no prazo de cinco anos. O recurso foi interposto no STJ pelo Banco Itaú, contra decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que havia determinado o prosseguimento da execução de sentença em ação civil pública, ajuizada pela Apadeco em favor dos titulares de conta de poupança do Paraná.

Para o TJPR, o prazo de 20 anos deveria ser aplicado à execução individual da sentença coletiva, pois, nos termos da Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal (STF), “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”. O banco, por sua vez, sustentou no STJ que não incidiria a prescrição vintenária, mas a quinquenal, própria do sistema de ações coletivas. A instituição pediu o reconhecimento da prescrição nas liquidações individuais, o que foi concedido.

O STJ tem precedentes no sentido de que o prazo para ajuizamento da ação civil pública, na falta de previsão legal específica, é de cinco anos, aplicando-se por analogia os termos do artigo 21 da Lei 4.717/67 (Lei da Ação Popular). Esse prazo, por força da Súmula 150 do STF, também deve ser aplicado para o ajuizamento da execução individual de sentença proferida em ação civil pública.

Coisa julgada

Segundo o ministro Sidnei Beneti, “a regra abstrata de direito adotada na fase de conhecimento para fixar o prazo de prescrição não faz coisa julgada em relação ao prazo prescricional a ser fixado na execução do julgado, que deve ser estabelecido em conformidade com a orientação jurisprudencial superveniente ao trânsito em julgado da sentença exequenda”.

No caso específico julgado pelo STJ, a sentença exequenda transitou em julgado em 3 de setembro de 2002 e os poupadores apresentaram pedido de cumprimento de sentença em 30 de dezembro de 2009, quando já transcorrido o prazo de cinco anos.

A Apadeco, a Associação dos Direitos dos Consumidores Mutuários da Habitação, Poupadores da Caderneta de Poupança, Beneficiários do Sistema de Aposentadoria e Revisão do Sistema Financeiro (Procopar) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) atuaram no processo na condição de amicus curiae.

quarta-feira, 20 de março de 2013

PLANO VERÃO - Poupadores asseguram direito à execução de sentença coletiva dada no DF

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso de um grupo de poupadores de São Paulo para garantir o cumprimento individual de sentença coletiva proferida pela Justiça do Distrito Federal, na qual foi reconhecido o direito à reposição de expurgos inflacionários do Plano Verão, de 1989.

A sentença condenou o Banco do Brasil a pagar a reposição para clientes de todo o país, e a Quarta Turma entendeu que a abrangência nacional da decisão, já transitada em julgado, não poderia ser rediscutida agora, na fase de cumprimento.

O artigo 16 da Lei 7.347/85 diz que a sentença fará coisa julgada para todos, nos limites da competência territorial do órgão julgador. No entanto, segundo a relatora do recurso, ministra Isabel Gallotti, isso não está em questão no caso dos poupadores de São Paulo, pois a sentença coletiva, referendada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), já transitou em julgado.

“Mesmo que se entenda que tal acórdão violou o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, este erro não impede o trânsito em julgado da decisão judicial”, afirmou.

Ela observou também que, embora o caráter nacional da demanda tenha sido declarado apenas no corpo da fundamentação da sentença e não em sua parte conclusiva, chamada dispositivo, isso não tira a força da decisão nesse ponto nem impede que se converta em coisa julgada.

Âmbito nacional

Ajuizada inicialmente em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a ação pretendia obter uma única sentença, para que os poupadores de todo o país recebessem a reposição do expurgo, evitando que cada um tivesse de promover uma demanda individual.

Entretanto, o juízo de primeiro grau entendeu que, por abranger toda uma coletividade no âmbito nacional, a ação deveria ser processada no local da sede do Banco do Brasil, e enviou os autos para o Distrito Federal.

Na sentença proferida pelo juízo de Brasília, o banco foi condenado a incluir o índice de 48,16% no cálculo do reajuste dos valores depositados pelos clientes. Na ocasião, o juiz reafirmou o entendimento de que a demanda teria alcance nacional, mas a referência a essa questão não constou no dispositivo da sentença. O banco entrou com recurso para questionar a abrangência da sentença, porém o TJDF confirmou integralmente a decisão do juiz.

Após o trânsito em julgado, ao analisar pedido de cumprimento individual da sentença coletiva feito por poupadores de São Paulo, o mesmo juízo de primeiro grau prolator da decisão entendeu que não existia título executivo em seu favor. O pedido foi extinto pelo juízo, ao argumento de que somente quem residia no Distrito Federal poderia ser alcançado pela sentença.

O TJDF manteve esse entendimento, com base no artigo 16 da Lei 7.347, que limita a abrangência da sentença em ação civil pública à competência territorial do órgão prolator.

O tribunal distrital rejeitou a alegação de que o juiz havia desrespeitado o princípio da coisa julgada ao não reconhecer o direito dos residentes em São Paulo. Segundo o TJDF, “o que transita em julgado é o dispositivo da sentença e não os fundamentos utilizados pelo julgador”.

Recurso especial
No recurso ao STJ, os poupadores de São Paulo alegaram violação do artigo 93, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, que diz que, no caso de danos de âmbito nacional ou regional, ressalvada a competência da Justiça Federal, a Justiça local é competente para a causa no foro da capital do estado ou do Distrito Federal.

Alegaram também violação ao artigo 471 do Código de Processo Civil, segundo o qual, “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide”. O banco respondeu ao recurso, insistindo na tese de que a sentença na ação civil pública teria sua eficácia limitada ao território do Distrito Federal.

Para a ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso especial, a sentença foi clara ao afirmar sua abrangência nacional e o efeito erga omnes [para todos], embora isso não tenha constado no dispositivo, mas somente na fundamentação. “O dispositivo da sentença deve ser interpretado de forma coerente com a sua fundamentação”, afirmou.

Coisa julgada

Segundo Gallotti, houve ofensa à coisa julgada na decisão do TJDF que não permitiu o cumprimento da sentença em favor de poupadores que moram em outras localidades.

Ela afirmou que, se na ação civil pública ficou caracterizada a eficácia nacional da sentença a ser proferida (o que motivou a declinação da competência de São Paulo para o Distrito Federal); se as razões foram acolhidas pelo juízo de primeiro grau e confirmadas pelo acórdão do TJDF, “não cabe restringir os efeitos subjetivos da sentença após o trânsito em julgado”.

Citou precedente do STJ, segundo o qual, não é possível alterar o alcance da sentença em fase de liquidação/execução individual, “sob pena de vulneração da coisa julgada” (REsp 1.243.887).

Gallotti concluiu que a desconstituição da decisão judicial que transitou em julgado só poderia ser tentada por meio de ação rescisória. Segundo ela, não cabe discutir agora se a decisão foi ou não correta no ponto em que definiu o alcance nacional, porque, mesmo que se entendesse ter havido violação do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública, ela formou coisa julgada e não pode mais ser alterada.

terça-feira, 19 de março de 2013

Tráfico humano: realidade para muitos brasileiros

O tráfico de pessoas não para de acontecer no Brasil. As principais vítimas são mulheres, crianças e adolescentes. Na maioria, após serem aliciadas, sofrem exploração sexual ou trabalham de forma análoga à escravidão. Tráfico humano é o tema da matéria especial desta semana feita pela Rádio do STJ.

Ouça aqui.

Partidos têm até dia 30 de abril para prestar contas

Termina no próximo dia 30 de abril o prazo para que os partidos políticos entreguem a prestação de contas relativas ao exercício de 2012. Atualmente, existem na Justiça Eleitoral 30 partidos registrados e, até o momento, nenhum deles entregou o relatório solicitado. A determinação de entregar o balanço contábil está prevista na Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995, artigo 32) e também na Constituição Federal (artigo 17, inciso III).
De acordo com a Resolução 21.841/2004, do Tribunal Superior Eleitoral, as prestações de contas devem conter: a discriminação dos valores e a destinação dos recursos recebidos do Fundo Partidário; a origem e o valor das contribuições e doações; as despesas de caráter eleitoral, com a especificação e comprovação dos gastos com programas no rádio e televisão, comitês, propaganda, publicações, comícios, e demais atividades de campanha; e a discriminação detalhada das receitas e despesas.
Os partidos que não entregarem a prestação de contas ou houver desaprovação total ou parcial terão suspensas as novas cotas do Fundo Partidário e os responsáveis serão sujeitados às penas da lei. Além disso, caso o partido receba doações e esses valores ultrapassem os limites estabelecidos pela lei, ele ficará suspenso por dois anos da participação no Fundo Partidário e será aplicada ao partido uma multa correspondente ao valor que exceder aos limites fixados.
A página do TSE possui uma opção com os modelos de documentos que devem ser preenchidos pelos partidos. Basta clicar na opção “Partidos” e depois em “Contas Partidárias”. Em seguida, deve-se clicar na opção “modelos dos demonstrativos contábeis”, localizado em uma coluna à esquerda da página. Nesse link, os partidos poderão preencher os formulários conforme a exigência da legislação. Com informações da Assessoria de Imprensa do TSE.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Devido a risco, corte de cana gera dever de indenizar

A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou o corte de cana uma atividade de risco para fim de indenização de acidente. Para o TST, é desnecessária a comprovação de culpa direta das usinas em acidentes de trabalho. Com essa interpretação, um canavieiro conseguiu indenização de R$ 35 mil em julgamento do tribunal. O ex-empregado da Agropecuária Nossa Senhora do Carmo S.A. teve sua capacidade de trabalho reduzida por causa de deformação de dois dedos da mão esquerda, consequência de um corte involuntário com foice.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP) não havia constatado culpa da empresa e destacou, ao julgar recurso da vítima contra decisão desfavorável de primeiro grau, que o laudo pericial comprovou a utilização do equipamento de proteção no momento do acidente e também a existência de sistema de pausas para descanso muscular dos cortadores. No entendimento da corte, a empresa fez o possível para garantir a proteção do trabalhador.
O TRT afastou ainda a responsabilidade objetiva, quando a culpa da empresa é configurada apenas pelo risco da atividade desenvolvida pelo empregador e assumida por ele como empreendedor. Para o Tribunal Regional, não seria o caso do processo, porque o corte de cana não poderia ser inserido no "rol de atividade com potencial de risco para os direitos de outrem", principalmente quando adotadas as medidas de proteção do empregado.
A tese não foi encampada pela 2ª Turma do TST no julgamento que acolheu o recurso do cortador de cana e determinou a indenização de R$ 35 mil. O ministro José Roberto Freire Pimenta, relator do processo, reconheceu a divergência jurisprudencial e citou o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil como base jurídica para a decisão. De acordo com o artigo, "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, (...) quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem".
O relator citou ainda o artigo 2º, caput, da CLT, que considera como empregador a empresa "que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço". Entre esses riscos estariam incluídos não só os econômicos e financeiros, mas também os riscos à sociedade e, principalmente, aos trabalhadores.
"No tocante ao risco da atividade desenvolvida no corte de cana de açúcar, esta corte tem entendido que a responsabilidade do empregador, nesses casos, é objetiva, prescindindo da comprovação de dolo ou culpa do empregador", afirmou o relator, ao concluir pela condenação da Agropecuária Nossa Senhora do Carmo, no que foi acompanhado pela maioria dos integrantes da 2ª Turma. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

Relação paralela a casamento não dá direito de família

Por Regina Beatriz Tavares da Silva

As Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal, têm oferecido relevantes contribuições nas interpretações de nosso ordenamento jurídico, já que, por meio da presença de especialistas, são apresentadas propostas de enunciados, que, após debates nas comissões respectivas, são aprovadas ou rejeitadas, firmando o norte interpretativo das normas do Código Civil.
Na VI Jornada de Direito Civil, ocorrida entre os dias 11 e 12 de março deste ano, ficou evidenciada a rejeição quanto às ideias de institucionalização da poligamia.
Foram rejeitadas todas as propostas de atribuição de efeitos de direito de família às uniões paralelas ou simultâneas, ou seja, às uniões que uma pessoa casada ou que viva em união estável mantém concomitantemente com o seu amante ou a sua amante.
Argumentos supostamente baseados em amor, como se a família brasileira não estivesse sujeita a normas legais, como se o ordenamento jurídico não devesse colocar limites no comportamento humano, como se a autonomia fosse absoluta nas relações familiares, foram superados pelos fundamentos efetivamente jurídicos, com o indispensável bom senso, na VI Jornada de Direito Civil.
Uma relação paralela a um casamento ou uma união estável não tem efeitos de direito de família, a essa união não podem ser atribuídos os direitos à pensão alimentícia e à presunção do esforço comum nas aquisições patrimoniais. Essa é a interpretação da VI Jornada de Direito Civil.
O artigo 1.723, parágrafo 1º do Código Civil, que condiciona a existência de união estável à exclusividade no núcleo, ou seja, que não admite a união estável se um de seus partícipes mantiver, no plano jurídico e dos fatos, comunhão de vidas no casamento com outra pessoa, ou união estável com outrem, é constitucional e deve ser preservado nas decisões judiciais. Essa é a interpretação da VI Jornada de Direito Civil.
As relações concorrentes com casamento em que haja comunhão de vidas, isto é, em que não ocorreu a separação de fato, são havidas como concubinato e não como união estável, nos termos do artigo 1.727 do Código Civil. Essa é a interpretação da VI Jornada de Direito Civil.
Esse é o entendimento da VI Jornada de Direito Civil porque a Constituição da República Federativa brasileira é expressa ao estabelecer que a união estável tem natureza monogâmica, na redação do seu artigo 226, parágrafo 3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”.
Aqui é preciso observar que o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o enquadramento das uniões homossexuais no artigo 1.723 do Código Civil, que regula a união estável (ADI 4.277 e na ADI 132, j. em 5 de maio de 2011, relator ministro Ayres Ayres Britto) não suprimiu a natureza monogâmica desse tipo de relação, muito a contrário. Também as uniões homoafetivas somente podem ser havidas como estáveis e produtoras de efeitos de direito de família se forem monogâmicas (cf. Washington de Barros Monteiro e Regina Beatriz Tavares da Silva: Curso de Direito Civil – Direito de Família, 42ª edição, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 57/107).
A dignidade não é um conceito próprio de cada um, mas, sim, um conceito social, daquilo que a sociedade considera digno ou não. É de evidência solar que a sociedade não considera digno quem participa de união paralela a um casamento ou a uma união estável. Portanto, a natureza monogâmica das relações de casamento e de união estável também tem apoio no artigo 1º, III da Constituição Federal, pelo qual é fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (v. Código Civil Comentado, Coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 2012, p. 1.940/1942).
Outros dispositivos legais poderiam ser citados, mas prossigamos no entendimento do Supremo Tribunal Federal, que considera concubinato, sem efeitos de direito de família, a relação de um homem casado com outra mulher, ainda que esta relação dure muitos anos:
“Companheira e concubina — distinção. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. União estável — proteção do Estado. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato (...) Percebe-se que houve um envolvimento forte, projetado no tempo — 37 anos —, dele surgindo prole numerosa — nove filhos —, mas que não surte efeitos jurídicos ante a ilegitimidade, ante o fato de haver sido mantido o casamento com quem Valdemar contraíra núpcias e tivera onze filhos (...) No caso, vislumbrou-se união estável, quando, na verdade, verificado simples concubinato, conforme pedagogicamente previsto no artigo 1.727 do Código Civil. (...) O concubinato não se iguala à união estável referida no texto constitucional, no que esta acaba fazendo as vezes, em termos de consequências, do casamento. Tenho como infringido pela Corte de origem o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, razão pela qual conheço e provejo o recurso para restabelecer o entendimento sufragado pelo Juízo na sentença prolatada” (STF, RE 397.762/BA, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 3 de junho de 2008).
Também pacífico é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de inexistência de efeito jurídico familiar na relação que concorre com o casamento em que não exista separação de fato, independentemente do tempo de sua duração:
“Ser casado constitui fato impeditivo para o reconhecimento de uma união estável. Tal óbice só pode ser afastado caso haja separação de fato ou de direito. Ainda que seja provada a existência de relação não eventual, com vínculo afetivo e duradouro, e com o intuito de constituir laços familiares, essa situação não é protegida pelo ordenamento jurídico se concomitante a ela existir um casamento não desfeito (...) Diante disso, decidiu-se que havendo uma relação concubinária, não eventual, simultânea ao casamento, presume-se que o matrimônio não foi dissolvido e prevalecem os interesses da mulher casada, não reconhecendo a união estável.” (STJ, REsp 1.096.539/RS, 4 Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27 de março de 2012);
“(...) no tocante ao mérito da controvérsia, este Tribunal Superior consagrou o entendimento de ser inadmissível o reconhecimento de uniões estáveis paralelas. Assim, se uma relação afetiva de convivência for caracterizada como união estável, as outras concomitantes, quando muito, poderão ser enquadradas como concubinato (...)” (STJ. AgRg no Ag 1130816, 3ª T., Rel. Min. Vasco Della Giustina, j. 27 de agosto de 2010);
“(...) Inicialmente, necessário consignar que é incontroverso que E. P. P. e A. L. V. mantiveram relacionamento concubinário por 31 anos, a partir de 1971, até a morte do de cujus, em 2002, e que dele resultou o nascimento de dois filhos (...). Contudo, a jurisprudência atual desta Corte firmou que a relação concubinária simultânea com casamento em que permanece efetivamente a vida comum entre marido e mulher, não gera direito à indenização, por incompatibilidade do reconhecimento de uma união estável de um dos cônjuges em relação a terceira pessoa (...)” (STJ. REsp 874.443/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 24 de agosto de 2010);
“Cinge-se a lide a definir, sob a perspectiva do Direito de Família, a respeito da viabilidade jurídica de reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. (...) uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade — que integra o conceito de lealdade — para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade. (...) Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade. Emprestar aos novos arranjos familiares, de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à união estável implicaria julgar contra o que dispõe a lei. Isso porque o artigo 1.727 do CC/02 regulou, em sua esfera de abrangência, as relações afetivas não eventuais em que se fazem presentes impedimentos para casar, de forma que só podem constituir concubinato os relacionamentos paralelos a casamento ou união estável pré e coexistente. (...)” (STJ, REsp 1.157.273/RN, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18 de maio de 2010);
“(...) Com mais razão, a distinção entre casamento e união estável, de um lado, e concubinato, de outro, restou mais acentuada com a vigência do atual Código Civil, tendo em vista a expressa separação realizada no artigo 1.727, o qual, após listar as garantias dos conviventes em união estável, silencia em relação ao concubinato (...) Quisesse o Código Civil atribuir algum direito patrimonial ao concubino, assim teria o feito, e como também é silente a Constituição Federal, não se há, deveras, reconhecer direito patrimonial ao concubino, quanto mais em maior escala que ao cônjuge.(...).Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, a concessão de indenizações nessas hipóteses testilha com a própria lógica jurídica adotada pelo Código Civil de 2002, protetiva do patrimônio familiar, dado que a família é a base da sociedade e recebe especial proteção do Estado (artigo 226 da CF/88), não podendo o Direito conter o germe da destruição da própria família.(....)” (STJ. REsp 988.090/MS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 2 de fevereiro de 2010);
“(...) para a caracterização da relação de companheirismo, é indispensável a ausência de óbice para o casamento, a teor do artigo 1.723, parágrafo 1º, do Código Civil, exigindo-se, no mínimo, que os companheiros detenham o estado civil de solteiros, viúvos, ou separados, nesse último caso, judicialmente ou de fato. (...) Frente a esse quadro, não há como atribuir ao relacionamento extraconjugal de que se cuida na espécie, mesmo em se tratando de uma relação de longa data, a proteção conferida ao casamento e estendida ao instituto da união estável, a fim de se permitir a concessão do benefício previdenciário” (STJ, REsp 1.142.584/SC, 6ª Turma, Rel. Min. Haroldo Rodrigues, j. 1º de dezembro de 2009);
(...) Na orientação do STJ, a regra proibitiva é no sentido de vedar a designação de concubino como beneficiário de seguro, com a finalidade assentada na necessária proteção do casamento, instituição a ser preservada e que deve ser alçada à condição de prevalência, quando em contraposição com institutos que se desviem da finalidade constitucional. A união estável, também reconhecida como entidade familiar, pelo parágrafo 3º do artigo 226 da CF/88, tem tutela assegurada e o concubinato, paralelo a ambos os institutos jurídicos —casamento e união estável —, enfrenta obstáculos à geração de efeitos dele decorrentes (...)” (STJ. REsp 1.047.538/RS, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 4 de novembro de 2008);
“Os artigos 2º, inciso II, e 7º da Lei 9.278, de 1996, e o artigo 1.694, do Código Civil de 2002, instituíram uma nova fonte de aquisição de direito a alimentos: a união estável. Por isso tais dispositivos legais não se aplicam ao caso dos autos, pois trata de relação concubinária, estabelecida, portanto, em paralelo ao casamento” (STJ. AgRg no Ag 670.502/RJ, 3ª T., Rel. Min. Ari Pargendler, j. 19 de junho de 2008);
“No processo ora em julgamento, o falecido manteve relacionamento concubinário com a recorrida ao longo de 16 anos enquanto permanecia casado com a recorrente, desde 1958 até vir a óbito, sem nenhuma indicação de separação de fato. Dessa forma, não poderia o Tribunal de origem ter reconhecido a existência de união estável entre o falecido e a recorrida exatamente porque alicerçada referida união em impedimento matrimonial pré e coexistente, em absoluta similitude com o julgado colacionado. (...) Os elementos probatórios, portanto, atestam a simultaneidade das relações conjugal e de concubinato, o que impõe a prevalência dos interesses da recorrente, cujo matrimônio não foi dissolvido, aos alegados direitos subjetivos pretendidos pela concubina, pois não há, sob o prisma do Direito de Família, prerrogativa da recorrida à partilha dos bens deixados pelo falecido. (...) não há como ser conferido o status de união estável a relação concubinária simultânea a casamento válido (...)” (STJ, REsp 931.155/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 7 de agosto 2007).;
“(...) Realmente, não há como se admitir a coexistência de um casamento nas circunstâncias ora expostas (sem separação de fato) com uma união estável, sob pena de viabilizar a bigamia, já que é possível a conversão da união estável em casamento (...)” (STJ, REsp 684.407/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 27 de junho de 2005).
Com efeito, os Tribunais Superiores brasileiros têm o seguinte entendimento: poligamia não gera efeitos de direito de família, seja em caso de amantes escondidos ou conhecidos e consentidos.
A rejeição das propostas de enunciados que pretendiam atribuir efeitos de direito de família às uniões paralelas ou simultâneas na VI Jornada de Direito Civil foi medida de proteção da família, nos termos do artigo 226, caput da Constituição Federal.
Em síntese conclusiva, prevaleceram na VI Jornada de Direito Civil os conceitos consagrados em nosso direito de que a família brasileira está sujeita às normas legais e o ordenamento jurídico deve colocar limites no comportamento das pessoas também no âmbito das relações familiares.

Princípio da boa-fé objetiva é consagrado pelo STJ em todas as áreas do direito

Um dos princípios fundamentais do direito privado é o da boa-fé objetiva, cuja função é estabelecer um padrão ético de conduta para as partes nas relações obrigacionais. No entanto, a boa-fé não se esgota nesse campo do direito, ecoando por todo o ordenamento jurídico.

“Reconhecer a boa-fé não é tarefa fácil”, resume o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins. “Para concluir se o sujeito estava ou não de boa-fé, torna-se necessário analisar se o seu comportamento foi leal, ético, ou se havia justificativa amparada no direito”, completa o magistrado.

Mesmo antes de constar expressamente na legislação brasileira, o princípio da boa-fé objetiva já vinha sendo utilizado amplamente pela jurisprudência, inclusive do STJ, para solução de casos em diversos ramos do direito.

A partir do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, a boa-fé foi consagrada no sistema de direito privado brasileiro como um dos princípios fundamentais das relações de consumo e como cláusula geral para controle das cláusulas abusivas.

No Código Civil de 2002 (CC/02), o princípio da boa-fé está expressamente contemplado. O ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da Terceira Turma, explica que “a boa-fé objetiva constitui um modelo de conduta social ou um padrão ético de comportamento, que impõe, concretamente, a todo cidadão que, nas suas relações, atue com honestidade, lealdade e probidade”.

Ele alerta que não se deve confundi-la com a boa-fé subjetiva, que é o estado de consciência ou a crença do sujeito de estar agindo em conformidade com as normas do ordenamento jurídico.

Contradição
Ao julgar um recurso especial no ano passado (REsp 1.192.678), a Terceira Turma decidiu que a assinatura irregular escaneada em uma nota promissória, aposta pelo próprio emitente, constitui “vício que não pode ser invocado por quem lhe deu causa”. O emitente sustentava que, para a validade do título, a assinatura deveria ser de próprio punho, conforme o que determina a legislação.

Por maioria, a Turma, seguindo o voto do ministro Sanseverino, aplicou o entendimento segundo o qual “a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior ou posterior interpretada objetivamente, segundo a lei, os bons costumes e a boa-fé”. É o chamado venire contra factum proprium (exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento anterior do exercente).

No caso, o próprio devedor confessou ter lançado a assinatura viciada na nota promissória. Por isso, a Turma também invocou a fórmula tu quoque, de modo a impedir que o emitente tivesse êxito mesmo agindo contra a lei e invocando-a depois em seu benefício (aquele que infringiu uma regra de conduta não pode postular que se recrimine em outrem o mesmo comportamento).

Seguro de vida

O STJ já tem jurisprudência firmada no sentido de que a seguradora não pode extinguir unilateralmente contrato renovado por vários anos. Num dos casos julgados na Terceira Turma em 2011 (REsp 1.105.483), os ministros entenderam que a iniciativa ofende o princípio da boa-fé. A empresa havia proposto à consumidora, que tinha o seguro de vida havia mais de 30 anos, termos mais onerosos para a nova apólice.

Em seu voto, o ministro Massami Uyeda, hoje aposentado, concluiu que a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do contrato, não renovando o ajuste anterior nas mesmas bases, ofendia os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que devem orientar a interpretação dos contratos que regulam as relações de consumo.

O julgamento foi ao encontro de precedente da Segunda Seção (REsp 1.073.595), relatado pela ministra Nancy Andrighi, em que os ministros definiram que, se o consumidor contratou ainda jovem o seguro de vida oferecido pela seguradora e o vínculo vem se renovando ano a ano, o segurado tem o direito de se manter dentro dos parâmetros estabelecidos, sob o risco de violação ao princípio da boa-fé objetiva.

Neste caso, a Seção estabeleceu que os aumentos necessários para o reequilíbrio da carteira têm de ser estabelecidos de maneira suave e gradual, mediante um cronograma, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente.

Suicídio

Em 2011, a Segunda Seção também definiu que, em caso de suicídio cometido durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, período de carência, a seguradora só estará isenta do pagamento se comprovar que o ato foi premeditado (Ag 1.244.022).

De acordo com a tese vencedora, apresentada pelo ministro Luis Felipe Salomão, o novo Código Civil presume em regra a boa-fé, de forma que a má-fé é que deve sempre ser comprovada, ônus que cabe à seguradora. No caso analisado, o contrato de seguro de vida foi firmado menos de dois anos antes do suicídio do segurado, mas não ficou provado que ele assinara o contrato já com a intenção de se matar e deixar a indenização para os beneficiários.

Plano de saúde

Em outubro do ano passado, a Terceira Turma apontou ofensa ao princípio da boa-fé objetiva quando o plano de saúde reajusta mensalidades em razão da morte do cônjuge titular. No caso, a viúva era pessoa de 77 anos e estava vinculada à seguradora como dependente do marido fazia mais de 25 anos (AREsp 109.387).

A seguradora apresentou novo contrato, sob novas condições e novo preço, considerado exorbitante pela idosa. A sentença, que foi restabelecida pelo STJ, considerou “evidente” que o comportamento da seguradora feriu o CDC e o postulado da boa-fé objetiva, “que impõe aos contratantes, desde o aperfeiçoamento do ajuste até sua execução, um comportamento de lealdade recíproca, de modo a que cada um deles contribua efetivamente para o atendimento das legítimas expectativas do outro, sem causar lesão ou impingir desvantagem excessiva”.

Em precedente (Ag 1.378.703), a Terceira Turma já havia se posicionado no mesmo sentido. Na ocasião, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, se uma pessoa contribui para um seguro-saúde por longo tempo, durante toda a sua juventude, colaborando sempre para o equilíbrio da carteira, não é razoável, do ponto de vista jurídico, social e moral, que em idade avançada ela seja tratada como novo consumidor. “Tal postura é flagrantemente violadora do princípio da boa-fé objetiva, em seu sentido de proteção à confiança”, afirmou.

Defeito de fabricação

No ano passado, a Quarta Turma definiu que, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável (no caso, máquinas agrícolas) com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar defeito de adequação (artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor), evidencia quebra da boa-fé objetiva que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum (REsp 984.106).

“Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma
legítima e razoável, fosse mais longo”, concluiu o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso.

Bem de família em garantia

Contraria a boa-fé das relações negociais o livre oferecimento de imóvel, bem de família, como garantia hipotecária. Esta é a jurisprudência do STJ. Num dos precedentes, analisado em 2010, a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, entendeu que o ato equivalia à entrega de uma garantia que o devedor, desde o início, sabe ser inexequível, esvaziando-a por completo (REsp 1.141.732).

Por isso, a Terceira Turma decidiu que o imóvel deve ser descaracterizado como bem de família e deve ser sujeitado à penhora para satisfação da dívida afiançada. No caso, um casal figurava como fiador em contrato de compra e venda de uma papelaria adquirida pelo filho. Os pais garantiram a dívida com a hipoteca do único imóvel que possuíam e que lhes servia de residência.

Comportamento sinuoso
O princípio da boa-fé objetiva já foi aplicado diversas vezes no STJ no âmbito processual penal. Ao julgar um habeas corpus (HC 143.414) em dezembro passado, a Sexta Turma não reconheceu a ocorrência de nulidade decorrente da utilização de prova emprestada num caso de condenação por tráfico de drogas. Isso porque a própria defesa do réu concordou com o seu aproveitamento em momento anterior.

A relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, lembrou que a relação processual é pautada pelo princípio da boa-fé objetiva e invocou a proibição de comportamentos contraditórios. “Tendo em vista o primado em foco, por meio do qual à ordem jurídica repugna a ideia de comportamentos contraditórios, tendo em vista a anuência fornecida pela defesa técnica, seria inadequado, num plano mesmo de eticidade processual, a declaração da nulidade”, concluiu a ministra.

Em outro caso (HC 206.706), seguindo voto do ministro Og Fernandes, a Sexta Turma reconheceu haver comportamento contraditório do réu que solicitou com insistência um encontro com o juiz e, após ser atendido, fora das dependências do foro, alegou suspeição do magistrado em razão dessa reunião.

Mitigar o prejuízo

Outro subprincípio da boa-fé objetiva foi invocado pela Sexta Turma para negar um habeas corpus (HC 137.549) – o chamado dever de mitigar a perda (duty to mitigate the loss). No caso, o réu foi condenado a prestar serviços à comunidade, mas não compareceu ao juízo para dar início ao cumprimento, porque não foi intimado em razão de o endereço informado no boletim de ocorrência estar incorreto.

O juízo de execuções ainda tentou a intimação em endereço constante na Receita Federal e na Justiça Eleitoral, sem sucesso. Por isso, a pena foi convertida em privativa de liberdade. A ministra Maria Thereza de Assis Moura, ao analisar a questão, invocou a boa-fé objetiva. Para ela, a defensoria pública deveria ter informado ao juízo de primeiro grau o endereço correto do condenado.

“A bem do dever anexo de colaboração, que deve empolgar a lealdade entre as partes no processo, cumpriria ao paciente e sua defesa informar ao juízo o endereço, para que a execução pudesse ter o andamento regular, não se perdendo em inúteis diligências para a sua localização”, afirmou a magistrada.

Boa-fé da administração

O princípio da boa-fé permeia a Constituição e está expresso em várias leis regedoras das atividades administrativas, como a Lei de Licitação, Concessões e Permissões de Serviço Público e a do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos.

A doutora em direito administrativo Raquel Urbano de Carvalho alerta que, se é certo que se exige boa-fé do cidadão ao se relacionar com a administração, não há dúvida da sua indispensabilidade no tocante ao comportamento do administrador público.

E quando impõe obrigações a terceiros, “é fundamental que a administração aja com boa-fé, pondere os diferentes interesses e considere a realidade a que se destina sua atuação”. Para a doutrinadora, é direito subjetivo público de qualquer cidadão um mínimo de segurança no tocante à confiabilidade ético-social das ações dos agentes estatais.

Desistência de ações
A julgar mandado de segurança impetrado por um policial federal (MS 13.948), a Terceira Seção decidiu que a conduta da administração atacada no processo ofendeu os princípios da confiança e da boa-fé objetiva. No caso, o ministro da Justiça exigiu a desistência de todas as ações antes de analisar os pedidos de apostilamento do policial e, posteriormente, indeferiu a pretensão ao fundamento de inexistência de provimento judicial que amparasse a nomeação.

Conforme destacou o ministro Sebastião Reis Júnior, relator do caso, a atitude impôs prejuízo irrecuperável ao servidor: “Apesar da incerteza quanto ao resultado dos requerimentos, o pedido de desistência acarretou a extinção dos processos, com resolução do mérito, inclusive da demanda que lhe garantia a nomeação ao cargo, ceifando qualquer possibilidade de o impetrante ter um julgamento favorável, pois a apelação não havia, ainda, sido julgada.”

Em seu voto, o ministro ainda destacou doutrina que invoca como justificativa à proteção da boa-fé na esfera pública a impossibilidade de o estado violar a confiança que a própria presunção de legitimidade dos atos administrativos traz, agindo contra factum proprium.

Verbas a título precário

A Lei 8.112/90 prevê a reposição ao erário do pagamento feito indevidamente ao servidor público. O STJ tem decidido neste sentido, inclusive, quando os valores são pagos aos servidores em decorrência de decisão judicial de característica precária ou não definitiva (REsp 1.263.480).

No julgamento do AREsp 144.877, a Segunda Turma determinou que um servidor público que recebeu valores indevidos, por conta de decisão judicial posteriormente cassada, devolvesse o dinheiro à Fazenda Pública.

Essa regra, contudo, tem sido interpretada pela jurisprudência com alguns temperamentos, principalmente em decorrência de princípios como a boa-fé. Sua aplicação, por vezes, tem impedido que valores que foram pagos indevidamente sejam devolvidos. É o caso, por exemplo, do recebimento de verbas de boa-fé, por servidores públicos, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da administração.

“Objetivamente, a fruição do que foi recebido indevidamente está acobertada pela boa-fé, que, por sua vez, é consequência da legítima confiança de que os valores integravam o patrimônio do beneficiário”, esclareceu o ministro Humberto Martins, no mesmo julgamento.

Livro conta relações da igreja argentina com a ditadura

Por Maurício Cardoso

Quem tem mais de 60 anos e não foi preso ou torturado há 40, é suspeito, até prova em contrário, de ter colaborado com a ditadura. A premissa serve para brasileiros e argentinos, e, por mais falsa que seja, foi prontamente aplicada a Jorge Mario Bergoglio, desde que, na última quarta-feira, passou a atender pelo nome de papa Francisco e tornou-se o chefe supremo da Igreja Católica.
Se no Brasil o patrulhamento em torno de eventual colaboracionismo com os militares já é grande, na Argentina é simplesmente atroz. Com razão. Lá, tem-se documentada a morte ou desaparecimento de mais de 9 mil pessoas mas as estimativas são de que 30 mil pessoas tenham sucumbido sob as botas dos militares que governaram o país entre 1976 e 1983. As feridas dessa tragédia continuam abertas e provocam emoções e cobranças sem fim de todos os lados.
E se nem o novo papa escapou da patrulha, é porque uma boa parte da Igreja Católica participou ativamente e apoiou o regime instalado pelo general Jorge Videla em 1976. E é isso que todos querem saber agora que o antigo padre Jorge Bergoglio, chefe provincial dos padres jesuítas na Argentina virou o papa Francisco, em Roma. Uma boa análise das relações da Igreja com os ditadores está no livro Iglesia y Dictadura – El Papel de La Iglesia a la Luz de sus Relaciones com el Régimen Militar, escrito por Emílio Mignone, em 1986 – quando Bergoglio sequer era bispo e nem sonhava em ser papa.
Mignone, que morreu em 1998, era advogado, católico praticante e militante dos direitos humanos à época em que escreveu o livro. E era também o pai de Monica, uma jovem que aos 24 anos foi sequestrada em sua casa por um comando militar e nunca mais foi vista. O que ele diz no seu livro está, portanto, despido de todo oportunismo que pode mover eventuais acusadores e defensores de Bergoglio no momento em que ele se converteu em celebridade universal.
No livro, Mignone cita três vezes o nome de Bergoglio, que na época era a maior autoridade da Companhia de Jesus, a ordem dos jesuítas, na Argentina. Na primeira referência ele conta: “No dia 23 de maio de 1976, a infantaria da Marinha deteve, no bairro de Baixo Flores, o padre Orlando Yorio e o manteve durante cinco meses na condição de ‘desaparecido’. Uma semana antes da detenção, o arcebispo de Buenos Aires, Juan Carlo Aramburu, o tinha suspendido das funções eclesiásticas, sem motivo nem explicação. Pelo que escutou em seu cativeiro, ficou claro para Yorio que a Marinha interpretou a punição imposta a ele pelo arcebispo e as manifestações críticas de seu provincial jesuíta, Jorge Bergoglio, como uma autorização para agir contra o padre. Sem dúvida, os militares haviam alertado ambos os religiosos sobre a suposta periculosidade de seu subordinado”.
Junto com Yorio, foi preso outro jesuíta, o padre Francisco Jálics. A dupla morava e trabalhava numa favela de Buenos Aires. Os dois ficaram presos por cinco meses, tempo em que foram tidos como “desaparecidos”. Reapareceram em outubro daquele ano, quando foram deixados por um helicóptero num terreno baldio na periferia de Buenos Aires. Estavam dopados. Mignone encerra seu relato sobre a prisão dos dois jesuítas com uma observação: “Já comentei a duvidosa intervenção na prisão desses padres do cardeal Aramburu e do provincial dos jesuítas, Jorge Bergoglio”.
Yorio morreu, de morte natural, em 2000. Nos jornais deste sábado (16/3), sua irmã acusa Bergoglio de ter delatado as atividades de militante de esquerda de Yorio para os militares. Jálics, que tem origem húngara e vive hoje na Alemanha, diz ter se reconciliado com Bergoglio. O que é incontestável é que na época da prisão dos padres, Bergoglio e seus subordinados não rezavam pela mesma cartilha e estavam ideologicamente em extremos opostos.
O autor volta falar de Bergoglio quando trata do papel desempenhado por publicações católicas durante a ditadura. Uma dessas publicações era a revista do Centro de Pesquisa e Ação Social, uma ONG mantida por padres jesuítas progressistas. A revista, de pequena circulação, era capaz de divulgar ideias ousadas para aqueles tempos difíceis. Num artigo intitulado Os direitos humanos no atual contexto sociopolítico da Argentina, o padre Vicente Pellegrini afirmava: “Devemos impedir a degradação das forças armadas, pelo uso da tortura. Isso deve ser impensável para a honra militar. Converter um militar, cujo ideal é lutar pela justiça, em um vulgar torturador seria a maior vitória do terrorismo”.
A revista dos jesuítas não durou muito, segundo explica Mignone: “A hegemonia do padre Jorge Bergoglio e de seu grupo dentro da Companhia de Jesus fez minguar a vitalidade do centro e de sua revista”. O dado serve apenas para informar que, à época, as ideias na cabeça de Begoglio estavam mais próximas da ideologia de "defesa da civilização cristã ocidental", sustentada pelos militares da ditadura, do que da opção preferencial pelos pobres, defendida pelos padres progressistas de sua ordem religiosa.
No livro, Mignone revela que a igreja argentina não se posicionou de forma uniforme e coesa diante da ditadura. Havia um grupo que aderiu abertamente ao golpe e aos golpistas. O representante mais notório desse grupo foi padre Christian von Wernich. Capelão militar à época, em 2007, Wernich foi condenado à prisão perpétua por cumplicidade em sete mortes, 31 casos de tortura e 42 sequestros na província de Buenos Aires. A lista de personagens que se alinharam ostensivamente com a ditadura inclui capelães militares, padres e bispos. Mignone conta que o Padre Astigueta, capelão da Aeronáutica em Córdoba, “ministrava a confissão para os presos antes de serem fuzilados nos centros de detenção clandestinos”. O padre Gallardo, capelão do III Exército, também em Córdoba, disse a um preso “que só era pecado torturar por mais de 48 horas”.
Do outro lado, estavam os jovens padres progressistas, que aderiram ao Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo e à Teologia da Libertação e que exerciam uma intensa atividade social entre os mais pobres e faziam oposição aos militares. No livro Argentina Nunca Más, um denso relatório que investigou os crimes da ditadura argentina logo após a saída dos generais de cena, consta a uma lista com mais de 30 padres e religiosos e mais de 20 católicos leigos que caíram vítimas da repressão militar. “O número de cristãos comprometidos em atividades apostólicas que foram vítimas do terrorismo de Estado é difícil de estimar. Envolve, certamente, uma quantidade importante dos milhares de assassinados, presos, exilados e desaparecidos que produziram as forças armadas entre 1974 e 1983”, escreveu Mignone.
Entre as vítimas estavam dois bispos: Emílio Angelelli e Carlos Ponce de León, ambos mortos em supostos acidentes de carro, que, mais tarde, comprovou-se terem sido genuínos atentados. Mas estes foram exceções. A cúpula da igreja católica na Argentina teve uma atitude no mínimo dúbia, se não de cumplicidade com a ditadura. Segundo Mignone, a conservadora igreja argentina não estava preparada para as mudanças pregadas pelo Concílio Vaticano II e muito menos para enfrentar os desafios políticos do início dos anos 1970. Foi nesse estado de instabilidade que eles procuraram se acomodar perante os poderosos da hora. “Esta sinistra cumplicidade explica algo que custa aos observadores estrangeiros entender: a surpreendente passividade de um episcopado que contempla imutável o assassinato, o sequestro o exílio e a tortura de bispos, padres, religiosos e simples fiéis.”
E era justamente à Igreja que recorriam em busca de auxílio os pais, parentes e amigos de vítimas da repressão quando estas eram sequestradas e sumiam misteriosamente. Em muitos casos os hierarcas simplesmente se recusavam a tratar desse assunto espinhoso. Mas mesmo quando abriam as portas de suas igrejas para os perseguidos, costumavam ter mais desculpas para as atrocidades que estavam sendo cometidas do que empenho para buscar respostas aos apelos que recebiam.
Não é muito difícil entender as escolhas dos bispos argentinos naquele momento. A Igreja Católica está histórica e institucionalmente ligada ao Estado e ao poder político argentinos. Embora não seja a religião oficial, ela tem um tratamento privilegiado na Constituição da Argentina. Até 1994, por exemplo, era exigência constitucional ser católico para poder se candidatar à presidência da República. E ainda hoje, o artigo 2º da Constituição argentina estabelece um imposto ao culto, que é destinado à Igreja Católica argentina: "O governo federal sustenta o culto católico apostólico romano", diz o dispositivo do texto que resiste a sete reformas constitucionais e a mais de 150 anos de história.
Bergoglio já foi intimado pela Justiça a prestar esclarecimentos sobre sua atuação em relação á prisão dos dois jesuítas pela repressão. Também respondeu a indagações sobre o desaparecimento de uma militante política e de sua filha, ainda bebê. Saiu do tribunal sem pena, nem culpa formada. Hoje é mais conhecido por seu modo de vida simples, de ser o cardeal que se veste modestamente, cozinha a comida que come e viaja de ônibus. As histórias de seu passado, que tanto incomodam o Vaticano, servem melhor para entendê-lo do que para condená-lo.

domingo, 17 de março de 2013

Por não entregar imóvel, construtora deve pagar aluguel

Por não ter entregue um imóvel no prazo estipulado, a construtora PDG Incorporações foi condenada pela Justiça de Mato Grosso a pagar o aluguel do cliente que não teve a casa entregue a tempo. A decisão é do juiz Yale Sabo, da 14ª Vara Cível de Cuiabá, e determina o pagamento do aluguel de R$ 800 por mês. As informações são do portal Mato Grosso Notícias.
O contrato em questão previa a entrega do imóvel em março de 2012. Diante da demora da entrega e da falta de satisfações, o comprador, sempre em dia com suas obrigações, procurou a Justiça. Pediu a entrega imediata das chaves do imóvel e que a PDG pague o aluguel do apartamento onde está.
Na decisão, o juiz Yale Sabo afirmou que é “patente” a inadimplência por parte da construtora que não cumpriu com sua parte do contrato, mesmo com o cliente tendo com cumprido com seus pagamentos. “O caso em apreço, consoante reiterada jurisprudência, é indene de dúvidas, de consumo, isso porque a requerida como prestadora de serviços e parte não vulnerável na relação de consumo, tem a obrigatoriedade de cumprir com o contrato nos exatos termos avençados e submeter-se aos ditames da Lei Consumerista”, diz o juiz.
A decisão foi proferida em caráter de antecipação de tutela. O juiz entendeu que a entrega das chaves deve ser analisada em outro momento, por entender que a citação da PDG é necessária, para que explique os motivos que levaram ao atraso na obra.

sábado, 16 de março de 2013

Atuação do advogado na tribuna não é só formalidade

Por Marcio Palma, Claudio Demczuk de Alencar e Leonardo Marinho

Na tarde da última quinta-feira (14/3), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deu início ao julgamento sobre a rejeição ou recebimento da denúncia oferecida contra 17 acusados nos autos do procedimento autuado como APN 536/BA, que teve por origem a midiática ação policial apelidada de operação navalha.
Na referida sessão, questão de ordem de extrema relevância para o exercício profissional dos advogados e também para consolidação do efetivo respeito à garantia da ampla defesa foi debatida e decidida.
Isto porque, diante da pluralidade de denunciados, cogitou-se dividir o tempo de sustentação dos advogados pelo número de acusados. Prevalecendo o entendimento preconizado por essa matemática simplista, a defesa de cada um dos acusados terminaria por ter que ser exercida em menos de 60 segundos. Em síntese, o advogado subiria à tribuna para funcionar como mera peça figurativa, um personagem incômodo e desnecessário, em detrimento de suas prerrogativas profissionais e da ampla defesa.
Cientificada de tal possibilidade, a Comissão de Defesa das Prerrogativas, do Conselho Seccional do Distrito Federal, da Ordem dos Advogados do Brasil, formulou questão de ordem à Corte Especial, pugnando pelo respeito às prerrogativas dos advogados e, consequentemente, pelo efetivo respeito à garantia constitucional da ampla defesa.
Aos olhos de quem conhece um pouco a amplitude e a importância das garantias constitucionais, a questão pode parecer singela, na medida em que bastaria aplicar as normas infraconstitucionais uma interpretação conforme à Constituição.
Isto porque há normas que regulamentam a hipótese. Assim, o parágrafo 1º, do artigo 6º, da Lei 8.038/1990, ao regular a sessão para que se receba ou rejeite a denúncia, determina que “no julgamento de que trata este artigo, será facultada sustentação oral pelo prazo de 15 minutos, primeiro à acusação, depois à defesa”. Tal disposição legal é inteiramente reproduzida pelo artigo 222 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Ainda sobre o tema, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no parágrafo 2º, do artigo 132, prevê que, havendo litisconsortes que não sejam representados pelo mesmo advogado, o prazo para sustentação será contado em dobro, dividindo-se o tempo entre os advogados. Adotando-se tal entendimento ao caso que foi submetido à Corte Especial nesta quinta-feira, cada advogado teria que o prazo de pouco mais de um minuto para sustentar oralmente as razões de defesa de seu constituinte.
Pois bem, a relevante matéria foi levada ao Superior Tribunal de Justiça que, por maioria dos membros de sua Corte Especial, examinou e garantiu aos advogados o prazo de 15 minutos, por acusado, para sustentação oral.
Houve quem propusesse, com base em um critério aleatório, o estabelecimento de que cada advogado poderia falar por cinco minutos em defesa de seu cliente, houve, também, quem propusesse dez minutos e houve, ainda, quem se manifestasse pela divisão do prazo.
O respeito às prerrogativas e à ampla defesa foi assegurado, mas o debate acerca do tema, com a proposição de hipóteses que manietariam o exercício profissional e a garantia constitucional, traz à tona a necessidade de algumas reflexões.
A primeira delas reside no artigo 133 da Constituição da República, que preconiza que “o advogado é indispensável à administração da Justiça”. Veja-se que a Constituição não diz que ser a advocacia útil, importante ou proveitosa. O texto é claro: o advogado é indispensável. Sem a presença do advogado, não se faz justiça, não há dialética, não há contraditório.
Não se verifica espaço para interpretação diversa. O exercício profissional da advocacia é condição indispensável para a administração da Justiça. A leitura de tal mandamento já seria suficiente para jogar por terra qualquer proposição de tempo que transformasse o advogado em mero figurante (e acreditem que elas existem aos montes por aí, tal qual a aversão quase patológica de alguns magistrados de receber advogados).
Em auxílio ao que preconiza a Constituição há o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei Federal 8.906/1994 (a referida legislação é chamada de Estatuto da Advocacia, mas a desconhecimento de tal condição normativa motiva a necessidade de afirmar o seu status de lei).
Diz o referido dispositivo legal que “o processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”. A disposição normativa preconiza que o advogado contribui com a decisão judicial e com o convencimento do julgador, sendo essa a sua obrigação legal. Veja-se que não se trata de mera formalidade atuar em auxílio da decisão, mas, sim, uma obrigação, um ônus, um encargo legal da advocacia.
A atuação do advogado na tribuna não pode ser tida como mera formalidade processual. Um colegiado de magistrados não deve considerar a sustentação oral como um fardo, uma imposição onerosa e fatigante do exercício da jurisdição. O advogado que usa da palavra não está fazendo por mero capricho, é obrigação, é múnus público. Assim, tenta levar ao conhecimento do julgador questões que, muitas vezes, passam despercebidas. Procura ressaltar pontos, busca fazer do processo, realmente, um espaço dialético e contraditório, em defesa do seu cliente, mas, também, em auxílio à Justiça.
O processo — sobretudo o processo penal — não pode ser apenas uma sequencia lógica, mecânica de atos procedimentais. O volume dos autos, a quantidade de acusados, a possibilidade de que as sessões se alonguem, a tão incensada celeridade processual, nenhum desses argumentos pode ser utilizado como empecilho ao exercício profissional. A celeridade da resposta judicial é importante, mas encontra limite no respeito às garantias e às prerrogativas. O processo judicial deve ser humanizado com a voz das partes, com o contraditório, com ideias e percepções opostas, assim estaremos mais próximos de alcançar justiça.
Neste passo, é importante registrar a forma como as garantias deveriam ser interpretadas. O tema é singelo e conhecido, mas muitas vezes deixado de lado.
As garantias devem ser interpretadas de forma extensiva. A hipótese que se apresentou hoje à Corte Especial poderia ser solucionada com a lembrança dessa fórmula que se estuda nos bancos da faculdade. Há dispositivo constitucional que garante o exercício da ampla defesa, há norma legal e regimental que prevê o prazo de 15 minutos de sustentação oral para a acusação e para a defesa. Diante deste quadro, deve-se elaborar fórmulas, criar critérios, dividir o prazo entre os advogados, ou simplesmente deve-se fazer valer a garantia constitucional, o exercício profissional?
A solução parece advir da referida regra de hermenêutica. A Constituição garante a ampla defesa, a Lei 8.038/90 e o regimento interno do STJ definem que o prazo para a defesa será de 15 minutos. Não fosse assim, a pluralidade de acusados, por si só, já será uma forma de apenação procedimental. Aqueles que forem objeto de denúncia plural terão seus prazos de defesa reduzidos. Os que forem acusados sozinhos poderão exercitar sua defesa no prazo previsto em lei.
O direito de defesa é da parte e não do advogado. O advogado, porém, tem o direito de exercer a sua profissão com liberdade e acusado de escolher livremente seu defensor, sem que se possa apenar, ainda que processualmente, tal escolha.
Felizmente a garantia constitucional e as prerrogativas profissionais foram asseguradas pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Assim, reiteramos a crença em um Judiciário pautado pela independência e valorização dos princípios democráticos — dentro os quais se encontra o reconhecimento da advocacia como atividade essencial à Justiça.

sexta-feira, 15 de março de 2013

'Advogado deveria checar licitude de recursos de cliente'

Réus deveriam comprovar origem lícita dos recursos usados para pagar honorários de seus advogados. A exigência foi defendida pelo presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antônio Gustavo Rodrigues, no "Seminário Nacional Inovações e Desafios da Nova Lei sobre Crimes de Lavagem de Dinheiro", promovido nesta semana pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Ministério Público em Brasília.
A declaração foi uma resposta à pergunta feita pela plateia sobre os advogados que evocam o direito de defesa como justificativa quando recebem grandes quantias a título de honorários. “Para mim, tinha de ser obrigatório demonstrar a capacidade financeira para pagar aqueles honorários com recursos lícitos”, afirma. O presidente do Coaf questionou o direito de defesa como justificativa para honorários elevados por entender que não refletem os interesses da sociedade.
“Direito de defesa, todos têm. Cabe ao Estado provê-lo para quem não pode pagar um advogado. Agora, criar um mecanismo que incentiva o ladrão eficiente, o ladrão mais poderoso, é um contrassenso para mim. Os advogados podem não gostar, mas eu também sou advogado. A questão toda é o seguinte: em que tipo de sociedade esses mesmos advogados querem viver?”, indagou.
A nova Lei de Lavagem de Dinheiro, a Lei 12.683/2012, ditou novas regras para o controle de movimentação financeira. A mudança causou polêmica principalmente na advocacia, já que permitiu o entendimento de que advogados, que defendem acusados de crimes, estavam obrigados a informar ao Coaf movimentações atípicas de seus clientes. Mais tarde, o Coaf deixou os advogados aliviados ao explicar que a regra não se aplica a eles, ao editar a Resolução 24, em janeiro. A norma excluiu da determinação profissões submetidas ao controle de órgãos de classe. Com informações da Assessoria de Imprensa do Conselho Nacional de Justiça.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Adultério, por si só, não gera dano moral indenizável


 O entendimento de que a infidelidade, por si só, não tem o dom de caracterizar dano moral fez com que a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul mantivesse sentença que negou indenização pedida no bojo de uma Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável.
Além disso, com base na jurisprudência da corte, o colegiado considerou que não cabe averiguar quem foi o culpado pela dissolução da união estável. Deste modo, se não se define o responsável pelo fim do relacionamento, não há dor ou frustração a ser indenizada. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 27 de fevereiro.
O caso em discussão é o de um casal que se divorciou na Justiça depois da traição da mulher. A ação judicial, ajuizada em Porto Alegre, reconheceu a relação e sua dissolução, dispondo sobre as obrigações daí decorrentes. O juízo local, porém, indeferiu o pedido de indenização por dano moral lastreado em adultério.
Ao analisar a Apelação do ex-companheiro neste aspecto, o desembargador Jorge Luís Dall’Agnol afirmou que, para haver obrigação de indenizar, é necessário que o dano provocado decorra de ato ilícito. Ou seja, os requisitos inerentes à responsabilização civil têm de estar presentes, quais sejam: dano, ilícito e nexo de causalidade.
No seu entendimento, as emoções, por mais intensas que sejam, não são indenizáveis, ‘‘pois se diferente fosse estar-se-ia invadindo intimidade e, por conseguinte, violando a liberdade do individuo no que tange a sua vida privada’’.
Para o desembargador-relator, o Estado não pode interferir tão a fundo nas relações que envolvam sentimentos, sob pena de acabar impondo mais uma vingança do que uma reparação propriamente dita. ‘‘Ademais, se se admitisse a reparação de desilusões, traições, humilhações e tantos outros dissabores derivados do casamento/união estável, acabar-se-ia por promover a mercantilização das relações existenciais’’, encerrou o magistrado, negando a Apelação.
Clique aqui para ler o acórdão.

Associação para o tráfico pode ser eventual

Por Leonardo Bellini de Castro

O Brasil hodierno tem assistido, de maneira impotente e inoperante, o avanço da criminalidade organizada em todos os quadrantes sociais. É cediço, de outra banda, que um dos delitos que mais alimenta a criminalidade organizada e que foi alçado à condição de hediondo pela Constituição Federal é o crime de tráfico de entorpecentes.
As mazelas sociais causadas pelo tráfico de drogas são de todos conhecidas, podendo-se afirmar tranquilamente que aludido delito induz à prática de inúmeros outros, como roubos e furtos praticados por usuários, indo até mesmo à prática de homicídios por disputas de ponto de tráfico de entorpecentes. Tudo isso sem considerar os inúmeros transtornos sociais e familiares causados em razão do consumo de substâncias entorpecentes.
Nesse contexto, sob a justificativa de corrigir eventuais deficiências da Lei 6.368/76, dando tratamento penal mais rigoroso para o traficante de drogas, foi editada a Lei 11.343/06, a qual, de outro lado, acabou, sob o ponto de vista pragmático, por praticamente descriminalizar a conduta do uso de entorpecentes.
De outra parte, a referida lei, sob o prisma técnico, corrigiu uma antinomia de segundo grau existente entre dois de seus dispositivos, quais sejam o artigo 14 e o artigo 18, inciso III, do mesmo diploma.
Com efeito, o artigo 14 dispunha acerca do crime de associação para o tráfico de drogas, cominando pena para o indivíduo que se associasse com outro para a prática reiterada ou não reiterada do tráfico de drogas.
De outra banda, o artigo 18, inciso III, da referida legislação dispunha que a pena do agente seria aumentada de 1/3 a 2/3, acaso se constatasse a associação para o tráfico de drogas.
Desse modo, com o objetivo de se evitar a dupla punição em razão do mesmo fato, a doutrina e a jurisprudência passaram a adotar a tese de que o artigo 14 da Lei 6.368/76 exigia que a associação para o tráfico de drogas fosse estável e permanente, ao passo que a causa de aumento de pena prevista no artigo 18, inciso III, da mesma lei, prescrevia o aumento de pena acaso se constatasse a associação eventual.
Nesse sentido, olvidando-se do sentido gramatical da norma prevista no artigo 14 e não fazendo qualquer consideração acerca do conflito com o artigo 18, III, do mesmo diploma, se posicionava o ilustre Vicente Greco Filho. Com efeito, ainda na égide do regime anterior, o renomado autor apontava em seus comentários ao artigo 14, que:
“O artigo exige, para a configuração do delito, apenas a associação de duas ou mais pessoas com o fim de reiteradamente ou não praticarem os delitos do artigo 12 ou 13. Ora, poder-se-ia entender que também configuraria o crime o simples concurso de agentes, porque bastaria o entendimento de duas ou mais pessoas para a prática da conduta punível, prevista naqueles artigos para a incidência no delito agora comentado, em virtude da cláusula ‘reiteradamente ou não’.
Parece-nos, todavia, que não será toda a vez que ocorrer o concurso que ficará caracterizado o crime em tela. Haverá a necessidade de um animus associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido da formação de um vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris, em que a vontade de se associar seja separada da vontade necessária à prática do crime visado. Excluído, pois, está o crime, no caso de convergência ocasional de vontades para a prática de determinado delito, que determinaria a co-autoria.”[1]
No mesmo sentido, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, apontava, no que concerne ao artigo 18, inciso III, que bastava a convergência ocasional de vontades. A propósito, cabe conferir:
“(...) A associação eventual ou concursos delinquentium, causa majorante da pena nos delitos de entorpecentes, prevista na lei extravagante, equivale ao concurso de pessoas do direito penal codificado. O legislador estremou no inciso III, do artigo 18, da Lei 6.368/76, duas hipóteses distintas: de um lado, decorrer o delito de associação criminosa, e, de outro, visar a menores ou hipossuficientes. Se houve o crime definido no artigo 12 da Lei de Tóxicos, e para praticá-lo associaram-se duas ou mais pessoas – embora tenham procedido para o fim único – da prática de um só crime, cabe o acréscimo da qualificadora prevista no item III, do artigo 18, da mesma lei.”[2]
É de se ver, no entanto, que os elementos gramaticais ou literais do artigo 14 da Lei 6.368/76 eram e são claros, ou seja, dever-se-ia punir a associação eventual e não eventual, uma vez que prevista, como elemento do tipo, a locução “reiteradamente ou não”.
Nada obstante, como dito, o artigo 18, III, também estabelecia causa de aumento de pena em razão da mesma circunstância. Desse modo, a fim de compatibilizarem-se as normas conflitantes passou-se a entender que o artigo 14 da Lei 6.368/76 exigia, tal qual o crime de quadrilha, a estabilidade e permanência para a prática do tráfico de drogas.
É de se ver, no entanto, que com a entrada em vigor da Lei nº 11.343/06 foi revogada a causa de aumento de pena prevista do regime anterior o que, a nosso juízo, deu-se apenas e com o único propósito de se resolver esse conflito normativo existente entre os artigos 14 e 18, inciso III, da Lei 6.368/76.
Desse modo, com o novo regime, não há motivo para se ignorar os elementos do tipo penal albergado no artigo 35 da Lei nº 11.343/06, em especial, a locução “reiteradamente ou não”, pois, o que não é reiterado somente pode ser eventual e o que é eventual não exige estabilidade e permanência.
Não bastasse, reforça esse argumento o fato de que o artigo 35, parágrafo único, ainda estabeleceu um tipo especial de associação, qual seja, a associação destinada ao financiamento do tráfico de drogas.
Nesse tipo penal, ao contrário do que exige o “caput”, se exige claramente que a associação seja reiterada, ou seja, a associação para o financiamento do tráfico de drogas exige estabilidade e permanência, ao passo que a associação para o tráfico de drogas poderá ser eventual. Tal conclusão ainda se reforça se atentarmos para a pena em abstrato cominada para o financiamento para o tráfico de drogas, que já equivale às penas de tráfico e associação somadas.
A despeito da clareza dos elementos do tipo e do óbvio propósito de se sanar um conflito anterior de normas, a doutrina e jurisprudência pátria continuam a dar a mesma interpretação para o artigo 35 da Lei nº 11.343/06, ou seja, continua-se a exigir uma estabilidade e permanência não prevista no tipo penal.
É o que afirma, por exemplo, o ilustre GUILHERME SOUZA NUCCI, ao afirmar que se trata de uma quadrilha ou bando específico do tráfico de drogas que exige estabilidade e permanência para a sua configuração.[3]
Ousamos discordar do aludido entendimento ainda, por mais uma razão, qual seja, ao artigo 288 do Código Penal exige que os agentes se reúnam para a prática de crimes, ou seja, mais de um crime, ao passo que o artigo 35 estabelece que basta a associação reiterada ou não, para a prática do tráfico de drogas, ou seja, basta a associação eventual para a prática de um delito de tráfico de drogas para a configuração do crime.
A nosso juízo, portanto, observa-se clara violação ao princípio da legalidade, pilar de um Estado Democrático de Direito, uma vez que, olvidam-se os que se posicionam pela exigência de estabilidade e permanência, que a ciência jurídica, como ensina Kelsen, apenas pode descrever o Direito, não podendo prescrever ou deixar de prescrever o que está prescrito.[4]
Assim, o que ocorre, ao que tudo indica, é a aplicação de uma política criminal subjetiva ditada pelo Poder Judiciário e capitaneada pela doutrina, na qual se ignoram elementos do tipo penal.
Tais interpretações, feitas bem ao sabor de ventos abolicionistas, podem, no entanto, redundar em aplicações absolutistas do direito, de modo que a lei, maior garantia do cidadão, poderá se tornar letra morta, a depender das opções valorativas do intérprete, que no Brasil já não encontra as amarras do texto da norma.

[1] FILHO, VICENTE GRECO – TÓXICOS – Prevenção e Repressão – Comentários à Lei nº 6.368/76 acompanhados da Legislaçaõ vigente e de referência jurisprudencial. Editora Saraiva. 5ª Edição, p.104.
[2] RT 587/298, RJTJSP 88/396.
[3] NUCCI, GUILHERME DE SOUZA, Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 3ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, p.335.
[4] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, Editora Martins Fontes, p. 82.