sábado, 31 de julho de 2010

PENSÃO ALIMENTÍCIA - MUDANÇA NA LEI GERA INDAGAÇÕES E POLÊMICAS

O legislador, com o intuito de ampliar a garantia na prestação de alimentos devida entre parentes, introduziu, no artigo 1.698, do Código Civil Brasileiro, uma nova modalidade de intervenção de terceiro, instituto tipicamente processual, gerando sérias indagações e polêmicas, principalmente na doutrina processualista, acerca da sua natureza jurídica, da sua aplicabilidade dentro do ordenamento jurídico, vale dizer, de que forma classificar essa figura interventiva, se pode ser enquadrada entre os tipos legais já existentes no CPC, ou se estamos diante de uma nova situação inteiramente anômala, sendo este o objeto do presente estudo.

Prevê o artigo 1.698, do Código Civil pátrio:
Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

Pela regra acima citada, essa nova intervenção pode ocorrer em duas situações jurídicas distintas. A primeira, quando o devedor originário não possui condições de arcar, no todo ou em parte, com a dívida alimentar, hipótese em que poderá haver integração à lide dos demais parentes, de grau imediato, que responderão concorrentemente pelos alimentos devidos. A segunda, quando vários forem os obrigados, cada um suportando a dívida na medida dos seus recursos, e a ação é proposta contra apenas um ou alguns deles, caso em que os demais devedores podem ser chamados a integrar a lide.

Destarte, é a partir daí que surge a necessidade de se verificar a natureza jurídica desta nova figura interventiva, quem poderá provocá-la e até que momento processual poderá ser a mesma invocada.

Numa primeira leitura, a nova modalidade interventiva, presente no dispositivo legal em discussão, mais se aproxima do chamamento ao processo previsto no artigo 77, do CPC, até pela expressão gramatical utilizada. Entretanto, considerando a complexidade da relação obrigacional que o diploma acima citado abriga, tendo como finalidade maior a proteção do credor dos alimentos, de um lado, e dada a ausência de solidariedade na obrigação alimentar, do outro, característica configuradora do chamamento tipificado no CPC, torna-se forçoso um estudo mais acurado desta figura de intervenção de terceiros não contemplada pela regra processual vigente.

A obrigação alimentar
É necessário, para uma melhor compreensão a respeito da natureza desta nova intervenção criada pelo artigo 1.698, do Código Civil, um conhecimento prévio sobre a natureza jurídica da obrigação alimentícia.

O dever de prestar alimentos entre parentes, obrigação estabelecida pela lei, possui características singulares, sem qualquer parâmetro com outras obrigações civis, dado aos fins a que se presta, que consiste em assegurar ao alimentando a sua subsistência, preservando física, moral e socialmente a sua própria vida, direito fundamental constitucionalmente garantido. Nessa linha de intelecção, a obrigação alimentar se reveste de natureza subsidiária e conjunta. Existe, de um lado, o devedor principal, aquele que originalmente deve os alimentos, ou seja, o parente mais próximo na linha sucessória, seguindo-se dos demais, que se encontram no grau imediato, guardada a ordem legal de parentesco, na linha vertical, até o mais remoto.

A subsidiariedade decorre do fato de que só tem sua gênese quando insatisfeita a obrigação pelo devedor originário. Estendendo-se tal dever aos coobrigados, estando estes no mesmo grau de parentesco, essa obrigação se torna conjunta, concorrente e proporcional, pois tantos quantos existam nessa mesma hierarquia parental, serão obrigados a honrar com a prestação alimentícia. Acrescente-se, ainda, tal é a sua complexidade e peculiaridade, que a citada obrigação se encontra revestida de reciprocidade, bem como de proporcionalidade, como se pode extrair das regras contidas nos artigos 1694, 1696 e 1698, todos do Código Civil. Sobre a reciprocidade, valioso o comentário do doutrinador Yussef Said Cahali (2009, p.110), a saber: “À evidência, reciprocidade não significa que duas pessoas devam ao mesmo tempo, mas apenas que o devedor alimentar de hoje pode tornar-se o credor alimentar no futuro”.

Por outro lado, tem-se que a obrigação alimentícia é devida na proporção dos recursos de cada devedor, ou seja, cada coobrigado só responde pela dívida alimentar nos limites de sua capacidade financeira. Esse traço típico da obrigação importa em afastar a solidariedade, posto que, sendo vários os coobrigados, não se pode exigir de qualquer deles a integralidade da dívida, o que será objeto de consideração posterior.

O alcance da nova figura interventiva frente à tipologia dos artigos 70/77 do CPC

O novo Código Civil de 2002, ao disciplinar a obrigação parental, acabou por criar em leito material, regra de natureza jurídica tipicamente processual, e o que é mais singular, norma adjetiva que, se não colide, inova um dos institutos mais polêmicos do direito processual moderno — a intervenção de terceiro. Para o exame da matéria ora colocada impõe-se esclarecer previamente o instituto da figura do terceiro no âmbito do processo judiciário.

Por sua natureza ontológica, o fenômeno jurídico enquanto “interferência intersubjetiva de conduta” pressupõe direitos e obrigações que se antepõem, razão pela qual sempre existirá um sujeito ativo e um sujeito passivo, tanto na relação subjetiva material quanto na adjetiva processual.

Em sede processual, os sujeitos dessa relação se constituem em partes, autor e réu, ligados sempre por um interesse necessariamente jurídico, podendo haver pluralidade de partes.

Sobre a questão da pluralidade de partes, que compreende as figuras do litisconsórcio e da intervenção de terceiros, vale, citar o ilustre processualista José Roberto dos Santos Bedaque (2009, p. 117) que, com muita propriedade, observa: “As diversas hipóteses em que se verifica o fenômeno da pluralidade de partes refletem a diversidade de situações de direito material e de nexos entre elas existentes. Os elementos do litígio são fundamentais para a configuração da pluralidade de partes”.

E, continuando esse raciocínio, emenda:
A complexidade das relações jurídicas de direito material acaba produzindo reflexos no processo. Se são vários os integrantes da situação da vida regida pelas normas substanciais e trazida para exame do juiz, surge o fenômeno da pluralidade de partes no processo. A admissibilidade e a obrigatoriedade do litisconsórcio, a necessidade ou não de regulamentação uniforme das situações de cada um dos litisconsortes, a possibilidade de a tutela jurisdicional atingir terceiros, ainda que indiretamente, a correção do polo passivo no curso do processo, dedução de pretensões incidentais versando direito de regresso ou responsabilidade solidária, são questões processuais cuja solução deve ser encontrada segundo dados da relação material.(BEDAQUE, 2009, p.118)

Na tentativa de se buscar uma tipificação da figura processual do terceiro, podemos alcançar o seu conceito, sob ótica negativa, como bem salientou Gusmão Carneiro (2010, p. 69). Assim, terceiro seria todo aquele sui juris que não integra uma dada situação jurídico-processual, passando, todavia, a merecer estudo e conotação processual, quando detenha interesse jurídico próprio em uma já estabelecida relação processual.

Como aduz, ainda, Athos Gusmão Carneiro (2010, p.72), “pela intervenção, o terceiro torna-se parte”.

Acrescenta, ainda, o citado autor que “evidentemente, a intervenção de terceiros somente deve ser aceita sob determinados pressupostos; um deles, ocorrente em todos os casos de intervenção, é o de que o terceiro deve ser juridicamente interessado no processo pendente”. (CARNEIRO, 2010, p. 72)

Acentua o referido processualista que nem todas as hipóteses de ingresso à lide de outras pessoas, no curso do processo, configuram intervenção de terceiro, como, por exemplo, a determinação do juiz para que integrem ao processo os litisconsortes necessários, por se tratarem de partes originárias que deveriam ter sido demandadas na petição inicial. (CARNEIRO, 2010, p. 73)

A figura da intervenção de terceiro tem como maior desiderato evitar a multiplicidade de feitos, propiciar a celeridade processual e, por conta da segurança jurídica, que encerra princípio constitucional dos mais significativos, afastar a nefasta convivência de decisões conflitantes no mundo jurídico.

Examinando a matéria, observa Sérgio Bermudes (Introdução ao processo civil, 4, ed., Forense, 2006, p. 89, apud CARNEIRO, 2010, p. 72), que “os conflitos sociais não se exaurem na divergência entre os titulares da pretensão e da resistência, que se confrontam”. Acabam, de algum modo, enredando terceiras pessoas que, não sendo contendores, são atingidas pela lide. Por isso mesmo, a prestação jurisdicional, muitas vezes, extravasa do universo dos vínculos exclusivos entre o autor e o réu e apanha outras pessoas. O direito admite, em consequência, que essas pessoas ingressem, voluntariamente, na relação processual, ou sejam convocadas a integrá-la, ou porque sofrerão, inevitavelmente, as consequências do que nela se decidir, ou porque a prevenção, ou a solução da lide só terá plena utilidade e eficácia se se estender a elas a prestação jurisdicional.

Em face de nova regra processual em comento, depara-se o intérprete com dificuldades quando busca adequá-la a qualquer das formas de intervenção consagradas pelo CPC, já que o legislador material, visivelmente, no intuito de conceber de forma mais ampliativa as possibilidades de ver a prestação alimentícia inteiramente satisfeita, dentro do mesmo processo, não atentou que, em sede processual, não dispõe o magistrado, interprete maior, de tipologia ajustada e adequada à novel figura interventiva.

Polêmica se instalou entre os doutrinadores ao derredor desta temática, na tentativa de absorver esta figura inusitada, no firme propósito de moldá-la dentro da processualística até aqui disponível, enquanto perdurar a manifesta lacuna processual de que resultou a incidência do artigo 1.698 do CPC.

Numa visão panorâmica, o facti especie, cujos aspectos fenomênicos e mesmo literais mais se aproximaria da espécie em exame, seria o instituto adjetivo do “chamamento ao processo”, consubstanciado no artigo 77 do CPC, seja pela conotação impressa no texto legal, quer pela possibilidade da obrigação alimentícia se tornar concorrente, ou seja, devida por vários parentes simultânea e conjuntamente.

Entendimento adotado por Athos Gusmão Carneiro (opus cit) alinha-se à interpretação de que a nova figura se enquadraria, tipologicamente, ao instituto do artigo 77 do CPC visualizando identidades com este por consistir em obrigação divisível entre os vários coobrigados, formando-se litisconsórcio passivo incidental superveniente, dispensando maior rigorismo processual, como assim pontifica:
Este nos parece realmente o melhor enquadramento processual da norma, valendo inclusive sublinhar com Theodoro Junior que o dogmatismo e conceitualismo, assim como o formalismo exacerbado, cada vez menos se presta ao estudo do direito processual, velando mesmo e perquiri os efeitos alcançados mediante um justo processo. (CARNEIRO, p. 179).

Partindo deste pensamento, a ausência de solidariedade na obrigação alimentícia não seria suficiente para afastar esta nova figura daquela prevista no artigo 77 do CPC, podendo ser assim interpretada como chamamento ao processo, à luz do princípio da instrumentalidade das formas, que consiste em que, no dizer do respeitado jurista José Roberto dos Santos Bedaque, “o direito processual deve ser estudado pelo prisma da instrumentalidade substancial, ou seja, todos os seus institutos fundamentais constituem meios para tornar efetiva a tutela jurisdicional”. (op. cit, p. 123)

Noutro giro, no magistério de Yussef Said Cahali (op. cit.) estaríamos diante de um litisconsórcio facultativo passivo impróprio, sui generis, não se tratando de intervenção de terceiro em qualquer das figuras elencadas na lei processual, por reconhecer a ausência de solidariedade na obrigação alimentícia, ainda que concorrente entre os coobrigados.

No entendimento do citado civilista (2009, p. 121) a figura do chamamento ao processo restaria liminarmente afastada pela ausência do requisito solidariedade enquanto elemento ôntico indispensável àquela intervenção, afirmando tendo como maior fundamento a regra inserta no artigo 265 do Código Civil, a saber “a solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes”. De fato, a prestação alimentar dispensa entre os coobrigados a existência de solidariedade, conquanto a exigência obrigacional se distribui, proporcionalmente, na medida da capacidade dos recursos financeiros de cada parente, ou seja, os devedores alimentantes se subsumem ao devedor principal, de forma proporcional, não havendo a hipótese de se exigir o pagamento integral da divida de apenas um deles, nem a possibilidade de utilização da ação regressa.

Nessa ordem, discorre Cahali:
Não obstante a expressão usada pelo novel legislador, não nos animamos, nas limitações da nossa formação processual, a identificar nessa modalidade de “chamamento” dos demais obrigados a integrar a lide uma modalidade de intervenção de terceiro no processo, seja sob a forma de denunciação da lide, à maneira como prevista no Código de Processo Civil vigente à época em que foi elaborado o Anteprojeto do novo Código Civil; seja, igualmente, sob a forma da obrigatória denunciação da lide, ou do admissível chamamento ao processo, previstos no artigo 70/77, respectivamente do Código de Processo Civil de 1973. (CAHALI, 2009, pp. 134/135)

E conclui, adiante:
Identificar-se-ia, no caso, mais propriamente, uma forma especiosa de litisconsórcio facultativo em que os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, sem que se prejudiquem ou se beneficiem reciprocamente (artigo 48 do Código de Processo Civil); com a peculiaridade de que, não pedido na inicial pelo alimentário, só se instaura por instância do devedor único demandado; e, ainda assim, e benéfico do próprio autor, a fim de possibilitar a este exigir conjuntamente de todas as pessoas obrigadas a prestar alimentos o cumprimento da totalidade do encargo alimentar, concorrendo cada qual na proporção dos respectivos recursos. Portanto, à falta de outros critérios, melhor seria qualificar-se a hipótese como litisconsórcio facultativa sui generis. (CAHALI, 2009, p. 136)

Ainda na esteira desse raciocínio, entende Cahali que, quando forem vários os obrigados, deve o credor demandar, simultaneamente, em face da ausência de solidariedade, contra todos eles em atenção às regras traçadas pelo direito material, cabendo a cada devedor a cota proporcional a seus recursos dentro da linha sucessória natural. Mas se o autor, a seu talante, e como lhe faculta a lei, eleger dirigir a pretensão contra apenas um dos coobrigados, ainda que não se trate de obrigação solidária, arcará com os riscos da omissão em não convocar todos os demais coobrigados, por cuidar de ser uma obrigação proporcional, podendo, no entanto, ser chamados a integrar à lide, pelo demandado, os demais devedores, assim qualificando como litisconsórcio passivo impropriamente facultativo, “na medida em que o mesmo é irrecusável, porém sem ser indispensável”. (op. cit., p.128).

Por outro lado, embora comungando com o pensamento de que este novo instituto não se ajusta ao chamamento ao processo nem à denunciação da lide, diverge Fredie Didier Jr. (2004, pp. 123/125) do entendimento de Yussef Said Cahali (op. cit), especialmente no que tange a quem cabe promover a integração à lide do(s) coobrigado(s). Enquanto Cahali defende que tal intervenção só pode ser promovida pelo demandado, como já explicitado acima, Didier, contrariamente, entende que a mesma se “opera por provocação do autor”. (2004, p.127)

Para uma maior compreensão sobre a natureza dessa nova intervenção criada pela norma civil, levanta Fredie Didier as seguintes indagações: “a) quem provoca a intervenção?; b) há ampliação objetiva do processo, com a inclusão de nova demanda em face desses devedores agora chamados?; c) qual a situação jurídica processual desse chamando?; d) até que momento é possível chamar esse(s) terceiro(s)? (2004, p.124).

Centrado no aspecto teleológico, entende somente caber ao autor o chamamento concebido pelo artigo 1.698, tendo em vista que o ingresso do terceiro à lide visa tão somente beneficiar o credor alimentício. E assim, discorre:
Aqui se visualiza a importância do artigo 1.698 do CC-2002. Ao que nos parece esse artigo autoriza a formação de um litisconsórcio passivo facultativo ulterior simples, por provocação do autor. Este, que originariamente optou por não demandar contra determinado devedor-comum, após a manifestação do réu, ou a despeito dela, em razão de fato superveniente, percebe a possibilidade/utilidade de trazer ao processo o outro devedor-comum, para que o magistrado também certifique sua pretensão contra ele, tudo isso numa mesma relação jurídica processual. (DIDIER Jr., 2004, p. 125).

Observando que a norma em causa somente abrange alimentos devidos entre parentes e, assim, excluindo obrigação alimentar entre cônjuges e companheiros, Fredie Didier (op. cit) traz como traço substantivo para sua classificação o sentido finalístico de beneficiar o alimentando e a ausência de solidariedade, acabando por concluir que a nova figura se traduz como um litisconsórcio passivo facultativo ulterior simples, a requerimento do autor. Deste modo, afasta qualquer possibilidade desta nova modalidade ser vista como denunciação da lide ou mesmo, chamamento ao processo, face à impossibilidade do direito de regresso, dada a natureza da obrigação alimentícia, subsidiaria, concorrente e proporcional, pois devida nos limites das possibilidades de cada devedor, não podendo, assim, no que tange aos devedores concorrentes, num mesmo grau de parentesco, ser exigido de apenas um deles, pelo credor, o pagamento integral da respectiva prestação.

Então, entende ser uma anômala forma de intervenção, provocada pelo autor, na medida em que surge um novo pedido “em face de um novo réu — cumulação objetiva e subjetiva ulterior” (op. cit, p. 126), sem necessidade da concordância do primeiro réu, por não lhe afetar, já que estamos diante de uma obrigação de natureza proporcional.

Ressalva, entretanto, acertadamente, a indiscutível legitimidade do Ministério Público Federal para promover a inclusão do terceiro no polo passivo da demanda, quando intervier na ação de alimentos.

Afasta a possibilidade do pedido de intervenção ser formulado pelo réu, por entender que tal faculdade poderia provocar o ingresso na lide de coobrigado contra a vontade do autor, o que se chocaria com o objetivo da nova norma civil, que consiste em beneficiar o credor dos alimentos.

Por outro lado, observa, ainda, que a lei faculta ao alimentando ajuizar, ao mesmo tempo, ação de alimentos contra todos os possíveis devedores, em mesmo grau de parentesco, ou ainda, em graus diversos, com vínculo de subisidiariedade, formando o litisconsórcio passivo eventual, cabendo ao julgador verificar o(s) verdadeiro(s) devedor(es), se o alimentante originário poderá, de fato, arcar com a dívida, no todo ou em parte, ou, ainda, se a obrigação terá que ser diluída entre os demais coobrigados, fixando o seu valor na proporção da capacidade financeira de cada um, se for o caso, tornando desnecessário o exame do pedido de condenação do devedor subsidiário, se, entretanto concluir pela suficiência do devedor principal.

Cuidou o citado processualista, inclusive, em estabelecer até que momento o postulante pode suscitar “o chamamento” desse terceiro, entendendo que, “em razão da necessidade de estabilização objetiva e subjetiva do processo, essa intervenção somente poderia ocorrer até o saneamento do processo — como de regra ocorre com as modalidades de intervenção de terceiros”. (op. cit, p.127)

Não obstante seguir a mesma linha de pensamento de Fredie Didier Jr. (op. cit), considerando o surgimento de uma nova modalidade de intervenção, diversa daquelas reguladas pelo atual Código de Processo Civil, com o advento da nova regra instituída pela parte final do artigo 1.698 do Código Civil, cuja provocação cabe ao autor, Alexandre de Freitas Câmara (2009, p. 200) entende que sua aplicação se limita apenas ao credor alimentício maior de idade e antes de se tornar idoso. Adota esse raciocínio em face da norma processual contida no artigo 12 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que prevê expressamente o instituto da solidariedade passiva na obrigação alimentar em favor do idoso, ou seja, aquele que tenha idade igual ou superior a 60 anos para efeito da lei. Afirma que há na doutrina dois posicionamentos diferentes sobre a interpretação dessa regra, uns considerando que a mesma se encontra eivada de inconstitucionalidade, pois não tendo sido criada norma de igual teor para proteção das crianças e adolescentes, acaba por ferir o princípio da reciprocidade; outros, entendendo que tal dispositivo deve ser ampliado para alcançar as crianças e adolescentes, em observância ao princípio da isonomia, consagrado no caput do artigo 5º da Constituição Federal. Adotando este último pensamento, afasta a incidência da parte final do citado artigo 1.698, na hipótese da demanda ser proposta por idoso, criança ou adolescente contra um dos co-devedores, podendo este promover o chamamento ao processo dos demais co-obrigados, como tipificado no artigo 77 CPC, por se tratar, nestes casos, de obrigação solidária. (CÂMARA, 2009, p. 200).

De outra banda, e de forma mais evidente, inaplicável a denunciação da lide. Na denunciação, o que incorre na obrigação alimentar, preexiste uma relação jurídica própria entre o denunciante e o denunciado, que há de ser solvida na mesma sentença, com o fim de resguardar o direito do regresso do denunciante. Já na obrigação alimentar não convivem duas relações jurídicas, pois se trata de uma só obrigação atribuída ao sujeito passivo, que poderá se estender aos demais coobrigados, terceiros chamados a compor a lide.

Aspectos práticos
Pela multiplicidade de hipóteses concretas decorrentes da singularidade que o novo instituto apresenta, somada à natureza complexa, peculiar, própria dessa relação obrigacional, a exemplificação prática motiva inúmeras situações que merecem, pelo menos, tentativa de adequação ao novo regramento, sem, contudo, ensejar antagonismos às regras existentes, nem qualquer ferimento a uma ajustada Teoria Geral do Processo, configurando-se os exemplos abaixo uma busca por soluções que se sintonizem com a linha teleológica dessa regra tão especial. Senão, vejamos:

Primeira hipótese: João propõe ação alimentícia contra seus pais, José e Maria. Se os réus, devedores originários, demonstrarem, em sede de defesa, insuficiência de recursos que obste, no todo ou em parte, o pagamento da prestação pretendida, pode o juiz entender tratar-se de hipótese de litisconsórcio passivo necessário, determinando que o autor promova a integração à lide dos demais parentes, em grau mais próximo, no caso os avós, tendo em vista o teor inserto na primeira parte do artigo 1.698 do CC, que dispõe “...serão chamados a concorrer os de grau imediato:...”, se o devedor principal não puder arcar com o encargo? Ou, poderia ser visto como um caso de intervenção de terceiro, a ser provocado pelo autor, à luz da nova regra processual?

Numa primeira leitura da norma citada, poderia ser entendido como hipótese de litisconsórcio necessário, tendo em vista a ideia de imperatividade trazida pela utilização da expressão “serão chamados”. Entretanto, antes de ser obrigação concorrente, é a mesma subsidiária e autônoma. Ainda assim, se se tratar de insuficiência apenas parcial dos demandados originários, entender-se como litisconsórcio necessário imporia visível prejuízo ao demandante, ante a necessária extinção da lide sem julgamento do mérito, o que desatenderia ao propósito da norma em comento, já que o magistrado poderia fixar uma pensão dentro da força financeira do(s) demandado(s). Seguindo o pensamento de Fredier Dider (op. cit, p. 125), estaríamos diante de uma nova intervenção, que o mesmo batizou de “litisconsórcio passivo ulterior simples”, por provocação do autor.

Segunda hipótese: José ingressa em juízo diretamente contra seus avós, paternos e maternos, para requerer alimentos, sob a alegação de que seus pais não têm condições de honrar com a prestação alimentícia. Poderiam os réus, valendo-se da novel disposição processual, requerer a integração à lide dos devedores principais? De que forma? Na hipótese dos réus alegarem ilegitimidade passiva demonstrando a suficiência financeira dos devedores principais, levando-se em conta os princípios constitucionais da celeridade e economia processuais, e considerando a finalidade do novo texto legal inserto no artigo 1.698/CC, que consiste na proteção ao alimentando, o demandante, por sua vez, em réplica ou até o saneamento do feito, no entendimento de alguns doutrinadores, pode “chamar à lide” o(s) devedor(es) principal(is), o que não se configuraria nenhuma das modalidades tradicionais de intervenção. Neste caso, que tipo de intervenção poderia ser configurada? Na interpretação de Fredie Didier (op. cit), estaríamos diante de uma nova figura interventiva denominada litisconsórcio passivo, ulterior, simples, como já sobredito.

Entretanto, se for entendida, como visualiza, por exemplo, Athos Gusmão (op. cit, p. 179), a novel figura como hipótese de “chamamento ao processo”, nesse caso, a intervenção somente poderia ser invocada pelos réus.

Seguindo o raciocínio de Yussef Said Cahali (op. cit, p.136), não obstante entender tratar-se de uma intervenção de terceiro por provocação do réu, a hipótese acima não seria classificada como chamamento ao processo, mas considerada litisconsórcio passivo, facultativo, sui generis.

Uma terceira situação até mesmo já sofreu enquadramento jurídico pelo próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial 658.139 — RS, a quem cumpre, em última instância, interpretar a legislação processual, a saber: Uma menor impúbere, representada por sua mãe, requereu alimentos em face de seu pai e seu avô paterno. Arguiram os réus, como preliminar de defesa, a existência de litisconsórcio passivo necessário frente seus demais avós, postulando a integração destes à lide, tendo em vista a concorrência obrigacional entre eles. O pretório superior, em sede recursal, deu provimento ao recurso considerado tratar-se de um litisconsórcio obrigatório simples. O posicionamento do colendo STJ, entretanto, no RE acima citado não se sintoniza com boa parte das disposições doutrinárias ao derredor da presente temática, mas possui como traço comum e principal a condição do alimentando, bem como a subsidiariedade e a concorrência da relação obrigacional, conforme dicção abaixo:

É sabido que a obrigação de prestar alimentos aos filhos é, originariamente, de ambos os pais, sendo transferida aos avós, subsidiariamente em caso de inadimplemento, em caráter complementar e sucessivo. Neste contexto, mais acertado entendimento de que a obrigação subsidiária — em caso de inadimplemento da principal — deve ser diluída entre os avós paternos e maternos, na medida dos seus recursos, diante da sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. Isso se justifica, pois, a necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim, por quem recebe, representando para o alimentado mais provisionamento tantos quantos réus houver no polo passivo da demanda.

E conclui decisoriamente: “Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para determinar a citação dos avós maternos, por se tratar de litisconsórcio obrigatório simples”.

Podemos extrair, consequentemente, o entendimento deste Julgado de que o legislador civil de 2002 avançou significativamente em relação à doutrina de então, na medida mesma em que passou a exigir e não apenas facultar a convocação de todos os co-obrigados, visualizando finalisticamente a figura do alimentando como foco principal, de um lado, e a capacidade financeira dos co-responsáveis, do outro.

Por outro lado, vale aqui registrar o posicionamento tomado por aquele mesmo Tribunal Superior, anteriormente ao advento da norma civil sob análise, no RE 501.53-9 — RJ (1994), mantendo a decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deu provimento ao Agravo de Instrumento interposto pelo autor contra a decisão interlocutória proferida pela juíza de primeira instância (determinou esta a citação dos avós maternos dos autores na ação de alimentos proposta apenas contra o seu avô paterno, considerando se tratar de litisconsórcio passivo necessário), rejeitou, no mérito o recurso interposto pelo réu, ao entendimento de que o credor da prestação alimentícia poderá demandar apenas contra um dos coobrigados, apesar da ausência de solidariedade, submetendo-se, neste caso, às consequências de sua omissão, por não optar pela instauração do litisconsórcio facultativo impróprio, pautando-se, inclusive no caráter da proporcionalidade que se reveste a obrigação alimentar.

Diante de tantas tentativas na busca de encontrar uma melhor tipologia para o novo fenômeno processual, criado em sede imprópria, mas de aplicação vigente no direito positivo nacional, várias são as posições doutrinárias e mesmo, em sede jurisprudencial por pretório superior que, em última análise tem o mister de aplicar o direito federal de forma derradeira, muita pretensão seria no espaço desse trabalho traçar, pela via fenomenológica, a precisa natureza jurídica desta figura interventiva, que merecerá, seguramente, maior aprofundamento e purificação pelo aplicador do direito, enquanto não cuidar o legislador processual de reduzir os seus contornos a qualquer das figuras já existentes, ou lhe atribuir a condição de um tertius, como aconteceu com o “chamamento ao processo”, importado do direito português, ainda mais agora quando o Congresso Nacional recebe para exame e discussão, novo projeto de Código de Processo Civil para substituir o de 1973, já inteiramente desfigurado pelas inúmeras alterações ocorridas na última década.

A nosso ver, trata-se, inequivocamente de uma intervenção de terceiros lato sensu, que não se confunde com qualquer das tipologias processuais disponíveis, anômala, por suposto.

Como se trata de uma obrigação peculiar por sua própria natureza jurídica, ao mesmo tempo subsidiária, conjunta, recíproca, fracionária, proporcional, podendo ser diluída entre os coobrigados, mesmo entre os devedores principais e subsidiários, reciprocamente, a depender da situação fática concreta que se apresente e, como a nova regra faculta o chamamento processual interventivo, vislumbramos, inicialmente, que não poderia ser qualificado como chamamento ao processo previsto no artigo 77 do CPC pela ausência de traço fundamental que este encerra — a solidariedade. Muito menos como denunciação da lide, por não configurar uma outra e paralela relação jurídica entre denunciante e terceiro denunciado, com via regressiva, até por que, pela legislação vigente não é facultado ao autor dos alimentos cobrar de apenas um dos coobrigados, concorrentes na mesma linha de parentesco, toda a dívida alimentar.

Visualizamos, por tanto, que a novel figura mais se ajusta a uma intervenção atípica, inteiramente singular, consistente em litisconsórcio facultativo passivo ulterior simples, que poderá ser provocada tanto pelo autor, como pelo(s) réu(s), a depender de cada situação concreta, e na medida mesma da universalidade que essa obrigação encerra ao seu credor.

O pedido de intervenção formulado pelo autor se justifica pelo caráter protetivo da norma em albergar de forma ampliativa o direito subjetivo aos alimentos em um mesmo processo, prestigiando os princípios gerais adjetivos da celeridade e economia processuais quando, por fato superveniente o autor, percebendo a impossibilidade, total ou parcial, dos réus em adimplirem com a obrigação alimentícia, pode convocar a intervenção à lide dos demais coobrigados.

No que tange à suscitação pelo(s) réu(s), verifica-se o seu cabimento, ainda que prima facie possa parecer que o ingresso do terceiro não venha a beneficiá-lo sob o argumento de que somente lhe será cobrado a sua cota parte, respeitada a sua capacidade financeira em detrimento do autor. Entretanto, tendo em vista a própria natureza divisível, conjunta e proporcional da obrigação, facultar ao réu a integração do terceiro, propiciará ao julgador melhor aferir a capacidade financeira subjetiva dos devedores, o que terminará por evitar que apenas um ou alguns, dentre os co-obrigados, mesmo com igual situação financeira, arque(m) sozinho(s) com a dívida alimentícia.

Assim, fixar-se uma cota parte ao réu, em a participação dos demais co-obrigados na lide, constituirá flagrante dificuldade para ajusta aplicação do direito, ao passo que, facultada esta obrigação pelo réu acabará por propiciar ao autor, a integral satisfação do seu crédito.

Em outras palavras, como não há possibilidade de prévia estipulação do valor cabível ao crédito alimentar, devendo ser avaliada a condição social do alimentando, bem como a situação social financeira de cada co-obrigado, respeitada a subsidiariedade parental, a fim de ser obtida uma prestação jurisdicional mais justa, justifica-se, sim, operar-se a intervenção, seja pelo sujeito ativo, quer pelo passivo da relação judicial alimentícia.

Por fim, não cabe maiores indagações quanto ao momento processual adequado para tal suscitação senão o que anteceder ao saneamento do feito, regra já concebida na intervenção de terceiros prevista no CPC.

Feitas todas essas considerações, bom registrar aqui a exceção trazida pelo artigo 12 do Estatuto do Idoso, que, muito embora tenha levantado dúvidas acerca de sua aplicabilidade, ao estabelecer a solidariedade na obrigação alimentar devida ao Idoso, a nosso sentir pode ser enquadrada como chamamento ao processo previsto no artigo 77 do CPC, exclusivamente no que diga respeito àquele.

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO

quarta-feira, 28 de julho de 2010

COMPREENDENDO A PROVA EMPRESTADA

COMPREENDENDO A PROVA EMPRESTADA.

POR RODRIGUES JUNIOR, Luiz Carlos Saldanha

Em uma Ação Penal hipoteticamente considerada, que serve apenas de
premissa-base para se compreender o presente estudo, há denúncia pelo Ministério Público lastreada exclusivamente em elementos de convicção obtidos de prova emprestada de outra Ação Penal, mais precisamente, nas escutas telefônicas.

CF, art. 5°, XII:

“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”

Leciona José Afonso da Silva:

“Entendemos que o sigilo das comunicações
telefônicas abrange o sigilo dos dados que essas comunicações deixam registrados...”

É essencial, contudo, haver a expressa autorização judicial para a interceptação telefônica, ou seja, com uma data para o seu inicio e fim.
Uma vez concedida à ordem penderá suspeita sobre qualquer pessoa que fizer
uso do terminal telefônico interceptado, pouco importando se for o investigado ou não.

Por outro lado, sob o aspecto estudado neste caso, trata-se de prova
emprestada que, conforme leciona o professor Luiz Flávio Gomes3 é admissível em sede de processo penal.

“No Informativo 321, o STJ tratou da chamada prova emprestada, firmando
entendimento no sentido de que a prova produzida em outra ação somente
possui valor probatório se a ambas as partes for dada integral ciência e
possibilidade para o exercício do contraditório.”

Ora, por tais palavras jurisprudenciais, o que seria prova emprestada?

Para o STJ, segundo o professor citado:

“É aquela produzida em um processo, e depois utilizada em outro, com o
objetivo de nesse comprovar um determinado fato. Significa introduzir em um
processo ("B") uma prova colhida em outro ("A"). Nessa esteira, trata-se do
aproveitamento da atividade probatória, por meio de traslado dos seus
elementos. O entendimento sobre o que seja prova emprestada é fundamental para a correta compreensão do tema, pois, poder-se-ía invocar na defesa a teoria americana do “fruits of the poisonous tree”, admitido em sistema, a começar pela dicção da onstituição Federal.

CF, art. 5°, LVI:

“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Esse preceito constitucional não comporta exceção e é aplicável tanto no
processo judicial, quanto no administrativo.

Luiz Flávio Gomes adverte que:

“Vale lembrar que a prova emprestada, ao ser introduzida no segundo processo assume a natureza de prova documental, sem, contudo, perder o seu caráter jurídico originário, de forma a não valer como um simples documento, mas sim, com capacidade de assumir a mesma eficácia probatória que teria no processo em que produzida.

Ou seja, como prova eficaz a produzir todos os efeitos constitucionais dela
esperados.

Prossegue o mesmo tratadista:

“O principal fundamento para o empréstimo da prova é, sem dúvida, a
economia processual. Seu escopo maior é impedir a repetição desnecessária de atos processuais. Muito se discute acerca da admissibilidade da prova
emprestada. Não há que se falar na sua inconstitucionalidade quando atendidos os valores consagrados no ordenamento jurídico pátrio, como o princípio do contraditório, do juiz natural e da inafastabilidade da jurisdição.

É árida a discussão sobre a validade dessa prova, pois ao momento de sua
colheita não havia o concurso das partes atingidas neste processo “B”.

Concurso necessário, como sustentado, em estrita obediência ao Princípio do Contraditório.

Pois é nessa vizinhança que o tema impõe uma nova reflexão: o quanto de
participação das partes é suficiente para fazer valer tais princípios onstitucionais?

Novamente é o ilustrado Luiz Flávio Gomes7 que propõe uma possível
solução:

“De tal modo, é necessário que as partes do segundo processo tenham
participado, em contraditório, do processo em que foi produzida a
prova que se visa aproveitar. De forma mais específica, é indispensável que a
parte contra a qual a prova será utilizada tenha sido parte do primeiro processo. Ademais, tratando-se de processo penal, no qual é exigido o contraditório efetivo não se mostra suficiente a mera participação no processo anterior. É preciso que alcance do contraditório e da cognição do primeiro processo tenha sido no mínimo, tão intenso quanto ao que se daria no segundo. Assim, não pode haver empréstimo de prova em sede de ação penal contra aquele que, embora formalmente figure como parte na demanda original, dela não tenha participado em efetivo contraditório.
Por esse ensinamento lapidar, fica bastante obvio que, em sede de tese
defensiva, é justa a argumentação de que a prova emprestada colhida na ausência do réu ou em processo do qual não participou, resta prejudicada ou viciada.

Ademais a prova obtida legitimamente serve exclusivamente para a
absolvição ou defesa de interesses indisponíveis (vida, liberdade, saúde, propriedade e segurança).

Encerra Luiz Flávio Gomes afirmando:

“A Constituição Federal trata da interceptação das comunicações no seu artigo
5º, XII e apenas a autoriza em hipóteses excepcionais, desde que determinada
por ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal. Nessa mesma linha, a Lei 9.296/96, ao disciplinar a matéria, restringe o
cabimento da interceptação à investigação ou comprovação de crimes punidos
com reclusão. Na doutrina, há quem admita o empréstimo da prova também
nesses casos...”

Barbosa Moreira faz advertência ao salientar que, “uma vez rompido o sigilo e
sacrificado o direito à intimidade, não haveria sentido em vedar a utilização da prova.” Ou seja, numa livre interpretação desse doutrinador, deve haver um sistema de “freios e contrapesos” também em matéria de prova, quer a situemos em sua colheita, quer em sua utilização, no processo penal.
Entendemos ser verdadeira essa observação, quanto mais em se tratando de
prova pró-societate! Noutras palavras, na prova permeável à condenação.

Guilherme de Souza Nucci quando leciona sobre o uso de prova ilícita, assim
orienta:

“Dessa forma, se uma prova for obtida por mecanismo ilícito, destinando-se a
absolver o acusado, é de ser admitida, tendo em vista que o erro judiciário
precisa ser, a todo custo evitado.”

Assim, pelo exposto concluímos, adotando como fundamento as ponderações
de Luiz Flávio Gomes: que ressalvada as hipóteses de interceptação das comunicações, e, partindo do preceito da economia processual, não há fundamento para não admitir a prova emprestada, desde que colhida perante o mesmo réu em processo próprio, pois apenas assim haverá respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

SUMULA DO STJ EXIGE AVISO DE RECEBIMENTO QUANDO CITAÇÃO FOR POR CORREIO, DEVENDO O CARTEIRO ENTREGAR A CARTA DIRETAMENTE AO DESTINATÁRIO

Nova súmula exige aviso de recebimento quando citação for por correio

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou nova súmula que estabelece a obrigatoriedade do aviso de recebimento nos casos de citação postal. A citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.

A Súmula 429 ficou com a seguinte redação: “A citação postal, quando autorizada por lei, exige o aviso de recebimento”. Ela expressa um entendimento reiterado do STJ sobre o tema. Não tem poder vinculante, mas de orientação. É uma posição que deverá ser adotada em julgamentos nas demais instâncias da Justiça Federal e dos estados.

A referência legal da nova súmula são os artigos 215 e 223 do Código de Processo Civil. Assim, a citação pelo correio deve obedecer ao disposto na lei, sendo necessária a entrega direta ao destinatário, de quem o carteiro deve colher o ciente.

Desde 1996 esta posição vem sendo adotada. Os ministros também consideraram dez precedentes das Turmas julgadoras do STJ a respeito do tema e um caso julgado na Corte Especial, todos relativos a pessoa física. O precedente analisado pela Corte Especial foi a julgamento em 2005.

Naquele caso, o relator foi o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que analisou a hipótese de divergência entre julgados de órgãos do STJ. O ministro destacou a pessoalidade que deve revestir o ato da citação. A posição eleita foi a de não ser suficiente a entrega da correspondência no endereço do citando, devendo o carteiro entregar a carta diretamente ao destinatário, de quem deve colher a assinatura no recibo.

Quando a citação é para uma pessoa jurídica, em geral as empresas têm setores destinados exclusivamente para o recebimento desse tipo de comunicação, mediante protocolo. No entanto, tratando-se de pessoa física, é preciso considerar a deficiência dos chamados serviços de portaria nos edifícios e condomínios.

Para os ministros, não se pode ter como presumida a citação dirigida a uma pessoa física quando a carta citatória é simplesmente deixada em seu endereço, com qualquer pessoa, seja o porteiro ou qualquer outra que não efetivamente o citando.

De acordo com o precedente da Corte Especial, o ônus da prova para a demonstração da validade da citação é do autor, e não do réu. “Portanto, não sendo do réu a assinatura no aviso de recebimento, cabe ao autor demonstrar que, por outros meios ou pela própria citação irregular, teve aquele conhecimento da demanda”.

NOTAS DA REDAÇÃO

A citação é o ato de comunicação processual pelo qual se comunica o réu ou interessado sobre a existência de uma demanda contra ele, convocando-o para apresentar a sua resposta. Assim, é um ato que informa, convoca e incorpora o réu ao processo.

O Código de Processo Civil dispõe:

Art. 213. Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.

Parte minoritária da doutrina entende que a citação é pressuposto de existência, mas prevalece o entendimento no sentido de que a citação é um requisito de validade do processo, pois a citação não determina o nascimento do processo, afinal a citação só ocorre porque o processo já existe.

A propósito, vejamos os seguintes dispositivos legais:

Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
§ 1º O comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

§ 2º Comparecendo o réu apenas para argüir a nulidade e sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

Se o réu comparecer para alegar a nulidade por falta de citação, o máximo que pode haver é novo prazo para se defender, pois não haverá extinção do processo, nem nova citação.

A regra é de que a citação será feita em qualquer lugar em que se encontre o réu. No caso do militar, em serviço ativo, a citação será na unidade em que estiver servindo se não for conhecida a sua residência ou nela não for encontrado (art. 217, CPC).

Por outro lado, não se fará a citação, salvo para evitar o perecimento do direito, quando (art. 216, CPC):

• a quem estiver assistindo a qualquer ato de culto religioso;

• ao cônjuge ou a qualquer parente do morto, consangüíneo ou afim, em linha reta, ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos 7 (sete) dias seguintes;

• aos noivos, nos 3 (três) primeiros dias de bodas;

• aos doentes, enquanto grave o seu estado;

• ao réu que é demente ou está impossibilitado de recebê-la.

Os efeitos da citação válida são: torna prevento o juízo, induz litispendência; faz litigiosa a coisa; constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. Ocorrerão os dois últimos efeitos ainda que a citação seja ordenada por juiz incompetente (art. 219, CPC).

Com relação às modalidades da citação, o CPC prevê as seguintes: pelo correio, por oficial de justiça, por edital e por meio eletrônico, conforme regulado em lei própria.

A citação pelo correio é a regra, e poderá ser realizada em qualquer território do país. As exceções estão expressamente previstas no art. 222 do CPC, a seguir:

Art. 222. A citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País, exceto:

a) nas ações de estado;

b) quando for ré pessoa incapaz;

c) quando for ré pessoa de direito público;

d) nos processos de execução;

e) quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência;

f) quando o autor a requerer de outra forma.

Quando o réu for pessoa física, o parágrafo único do art. 223, 1ª parte dispõe que a carta será registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo. Ou seja, a citação pelo correio deverá ser por carta com aviso de recebimento, o qual exige a assinatura do recibo pelo citando para que ocorra a efetiva citação.

Assim, para a validade da citação, não basta a entrega da correspondência no endereço do citando; o carteiro deverá entregar a carta ao destinatário, colhendo a sua assinatura no recibo.

Quando o réu for pessoa jurídica, a 2ª parte do parágrafo único do art. 233 dispõe que será válida a entrega se o recibo for assinado por pessoa com poderes de gerência geral ou de administração.

Não há dúvida que o art. 223, parágrafo único, do Código de Processo Civil exige que a carta seja entregue ao destinatário, mas nos condomínios as correspondências são entregues, normalmente, nas suas portarias, ao porteiro ou zelador, e a praxe ensina que as mesmas são remetidas, posteriormente, aos condôminos. Com base nisso, foram proferidas decisões no sentido de que o réu deveria demonstrar que a pessoa (porteiro ou zelador) que recebeu a carta não fez a entrega devida.

Neste sentido o acórdão do Tribunal de origem dos Embargos de Divergência em Resp nº. 117.949/SP afirmou ser “evidente que uma carta contida em um envelope com o timbre do Poder Judiciário, entregue no endereço em que funcionava a sede do réu, tendo sido assinado o recibo, não pode ter sido assim tão relegada, pois o senso comum indica que de um documento com essas características advém o natural impulso, em quem o receber, de fazê-lo chegar ao conhecimento do destinatário (fl. 108)” (...) “a presunção é de que tenha sido consumada a citação, só não podendo assim se considerar se o destinatário provar o seu desvio, sendo seu o encargo de elidir a presunção de que se cuida" (fl. 108)”.

Todavia, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito entende que “o cenário da citação, nos termos expressos no art. 223, parágrafo único, do Código de Processo Civil, requer, tratando-se de pessoa física, a entrega pessoal, diferentemente do que ocorre no caso da citação de pessoa jurídica, considerando que em tais casos as próprias empresas têm setores destinados exclusivamente para esse fim. O risco de admitir-se a presunção, deixando ao encargo do citando provar o contrário, não se compadece com a natureza do ato citatório, podendo causar lesão gravíssima ao demandado, considerando a deficiência dos chamados serviços de portaria nos edifícios e condomínios”.

Nas palavras do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, "não se pode ter como presumida a citação dirigida a pessoa física quando carta citatória é simplesmente deixada em seu endereço, com qualquer pessoa, seja o porteiro ou qualquer outra que não efetivamente o citando, notadamente quando suscitada sua irregularidade pelo réu". E advertiu, ainda, que "nessa hipótese, de citação de pessoa física, o ônus da prova para a demonstração da validade da citação é do autor, e não do réu. Portanto, não sendo do réu a assinatura no aviso de recebimento, cabe ao autor demonstrar que, por outros meios ou pela própria citação irregular, teve aquele conhecimento da demanda”. (REsp n° 164.661/SP, DJ de 16/8/99)

Não obstante a divergência, o STJ, consolidou o entendimento na nova Súmula 429, no sentido de que na citação postal de pessoa física, o AR deve ser entregue diretamente ao destinatário, que assinará o recibo, como estipula o dispositivo legal.

Por fim, ressalte-se que conforme o voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, “É claro que caberá ao autor, (...) provar que o réu recebeu efetivamente a citação. O encargo de provar que houve a efetiva citação é do autor, não do réu. Seria um enorme risco que poderia levar a gravosas conseqüências, diversamente do que ocorre com as pessoas jurídicas em que possível uma interpretação ampliativa considerando mesmo a redação do dispositivo e a organização das empresas que dispõem de pessoal para o especial fim de receber a correspondência, mediante protocolo, como antes já assinalei. Presente que a regra para as pessoas físicas tem conteúdo estreito, exigindo que o próprio destinatário assine o aviso de recebimento e impondo ao carteiro que assim o faça, não me parece pertinente deixar ao citando que prove o desvio, presumindo-se, em caso negativo, que a citação foi efetivamente realizada. (Embargos de Divergência em Resp nº. 117.949/SP)

terça-feira, 27 de julho de 2010

LEI DA FICHA LIMPA NÃO RETROAGE, DECIDE TRE-MA

Por Rodrigo Haidar

A Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada a condenações ocorridas antes de sua vigência. Essa foi a decisão tomada nesta segunda-feira (26/7), por cinco votos a um, pelo Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão. Com a decisão, os juízes garantiram o registro da candidatura do deputado federal e candidato à reeleição José Sarney Filho (PV-MA). Cabe recurso ao Tribunal Superior Eleitoral.

Apesar de o TSE já ter decidido que a Lei Complementar 135/10, apelidada de Lei da Ficha Limpa, pode ser aplicada às condenações anteriores à sua entrada em vigor, os juízes maranhenses entenderam que isso fere o artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal. Segundo a regra, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Pelo entendimento do TSE, é no momento do registro da candidatura que se afere se o candidato preenche os requisitos exigidos por lei para concorrer às eleições. Assim, se no momento do registro verifica-se que há uma condenação por órgão colegiado contra ele, não importa quando ela foi proferida. É motivo de impedimento suficiente para a candidatura.

Nesta segunda-feira, os juízes do TRE maranhense discordaram dessa interpretação. Em seu voto, o relator do processo, juiz Magno Linhares, ressaltou que a lei não pode retroagir, senão em benefício do réu. Para o advogado eleitoral Rodrigo Lago, que acompanhou o julgamento, “em que pese o amplo apelo popular para a aplicação desta lei, inclusive para fatos anteriores à sua vigência, a decisão resguarda o que estabelece a Constituição”.

O advogado de Sarney Filho, Marcos Coutinho Lobo, afirmou que a decisão protege o princípio do ato jurídico perfeito. “Se o candidato sofreu a punição e já a cumpriu, não pode a lei reabrir a discussão e aplicar nova sanção”, afirmou. Em sua contestação à impugnação do Ministério Público, o advogado afirmou que a nova lei viola os princípios do devido processo legal, da irretroatividade da lei, da coisa julgada, da não-surpresa, da segurança jurídica, da proporcionalidade, da razoabilidade e da anterioridade da lei penal.

O deputado Sarney Filho foi condenado ao pagamento de multa em 2006, pelo TRE do Maranhão, porque no site oficial do município de Pinheiros, do interior maranhense, havia um link que dava acesso à página do então candidato na internet. De acordo com seu advogado, o site original de Sarney Filho era institucional e, depois, foi transformado em site de campanha. Por isso, o link passou a ser direcionado ao site do candidato.

Na ocasião, os juízes maranhenses decidiram que se tratava de conduta vedada aos candidatos, mas que não teve o poder de influenciar o resultado das eleições, já que o site de Sarney Filho havia sido acessado apenas duas vezes por meio daquele link. Assim, o tribunal não acolheu o pedido de cassação feito pelo Ministério Público Eleitoral, mas decidiu aplicar multa ao candidato.

O recurso contra a atual candidatura à reeleição de Sarney Filho teve como base essa condenação ao pagamento de multa por conduta vedada. De acordo com a Lei da Ficha Limpa, são inelegíveis os condenados “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma”.

A aplicação da Lei da Ficha Limpa a condenações anteriores à sua vigência é apenas uma das questões que devem ser enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal antes das eleições. Leia mais sobre o tema na reportagem Lei da Ficha Limpa enfrentará dura batalha no STF.

domingo, 25 de julho de 2010

VIOLAÇÃO Á PRIVACIDADE - BRASIL É CONDENADO PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANDOS DA OEA POR INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS ILEGAIS

Brasil é condenado novamente pela CIDH:
Caso Escher (Violação à privacidade)

LUIZ FLÁVIO GOMES

Em maio de 1999, o então major Waldir Copetti Neves, oficial da Polícia Militar do Paraná, solicitou à juíza Elisabeth Khater, da comarca de Loanda, no noroeste do estado, autorização para grampear linhas telefônicas de cooperativas de trabalhadores ligadas ao MST. A juíza autorizou a escuta imediatamente, mas deixou de cumprir a constituição e a lei brasileiras, seja porque não fundamentou sua decisão, seja porque não notificou o Ministério Público, seja porque ignorou o fato de não competir à PM fazer investigação criminal contra civis. Durante 49 dias os telefonemas foram gravados.

A falta absoluta de embasamento legal, disse a ONG Justiça Global, demonstra a clara intenção de criminalizar os trabalhadores rurais grampeados.

A Secretaria de Segurança Pública do Paraná, segundo a mesma ONG, “convocou uma coletiva de imprensa e distribuiu trechos das gravações editados de maneira tendenciosa. O conteúdo insinuava que integrantes do MST planejavam um atentado à juíza Elisabeth Khater e ao fórum de Loanda. O material foi veiculado em diversos meios de imprensa, o que contribuiu para o processo de criminalização que o MST já vinha sofrendo”.

Ainda consoante notícia da Justiça Global (www.global.org.br), “no dia 06 de agosto de 2009 a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA divulgou a sentença do caso “Escher e outros Vs Brasil”, na qual condena o Brasil pelo uso de interceptações telefônicas ilegais em 1999 contra associações de trabalhadores rurais ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná”.
“O Estado brasileiro foi considerado culpado pela instalação dos grampos, pela divulgação ilegal das gravações e pela impunidade dos responsáveis”.

“A polêmica em torno de escutas telefônicas é atual. Há menos de um ano, denúncias de grampo nas investigações da Polícia Federal ao banqueiro Daniel Dantas causaram reações indignadas no Congresso, e nos poderes Executivo e Judiciário. Recentemente, a divulgação das gravações sigilosas do filho de José Sarney causou polêmica e resultou em uma medida judicial que proibiu a veiculação das conversas. A sentença divulgada hoje evidencia o fato de que, no Brasil, setores da Justiça e da classe política se comportam de maneira distinta em função dos atores envolvidos”.

“A denúncia à OEA foi feita em dezembro de 2000 pelo MST, pela Justiça Global, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pela Terra de Direitos e pela Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP)”.

Em 2 de março de 2006 a Comissão declarou admissível o caso (juízo de admissibilidade da demanda) mediante o Relatório n. 18/06 e, em 8 de março de 2007, conforme os termos do artigo 50 da Convenção, aprovou o Relatório de Mérito n. 14/07, o qual continha determinadas recomendações contra o Estado brasileiro.

Esse relatório foi notificado ao Brasil em 10 de abril de 2007, sendo-lhe concedido um prazo de dois meses para comunicar as ações empreendidas com o propósito de implementar as recomendações da Comissão. Depois de três prorrogações concedidas ao Estado, “[a]pós considerar as informações prestadas pelas partes com relação à implementação das recomendações constantes do relatório de mérito, e […] a falta de progresso substantivo no que diz respeito ao [...] efetivo cumprimento [das mesmas]”, a Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte. Considerou que o presente caso representa uma oportunidade valiosa para o aperfeiçoamento da jurisprudência interamericana sobre a tutela do direito à privacidade e do direito à liberdade de associação, assim como os limites do exercício do poder público.

Para bem se compreender a decisão da CIDH contra o Brasil no caso Escher e outros vale a pena recordar o seguinte: hoje em todo planeta existem vários sistemas regionais de proteção dos direitos humanos fundamentais (europeu, africano etc.). No nosso entorno cultural importa destacar o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, que é composto (a) de uma pluralidade de tratados e convenções (destacando-se o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969), assim como (b) de vários órgãos jurisdicionais.

Contamos no continente interamericano tanto com o subsistema de proteção da OEA (fundado no Pacto Internacional citado) bem como com o subsistema fundado na Convenção Americana (de 1969). Pode um país fazer parte do primeiro subsistema (EUA, v.g.) e não do segundo. Mas quem faz parte do segundo necessariamente também integra o primeiro.

No que diz respeito aos órgãos jurisdicionais do subsistema da Convenção Americana contam com destaque a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (sediada em Washington) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (localizada em San Jose da Costa Rica), que constituem (grosso modo falando) nossa quinta instância (emblemáticos, da atuação dela, são os casos Ximenes Lopes e Maria da Penha).

O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos (cf. nosso livro, escrito em conjunto com Valerio Mazzuoli, Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos , 2. ed., São Paulo: RT, 2009) foi desenvolvido no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos), depois da Segunda Guerra Mundial. Mas ganhou força inusitada na última década (porque o Brasil só aceitou a jurisdição da Corte em 1998).

Tal sistema, do ponto de vista jurisdicional, baseia-se, fundamentalmente, no trabalho dos dois órgãos citados: (a) Comissão Interamericana de Direitos Humanos (que é uma espécie de primeira instância do sistema interamericano de proteção de direitos humanos) e (b) Corte Interamericana de Direitos Humanos (que, em regra, funciona como uma espécie de segunda instância do sistema interamericano citado).
Atenção: os países subscritores da Convenção Americana de Direitos Humanos podem atuar diretamente junto à Corte (nesse caso ela funciona como instância única).
Cada um desses órgãos (Comissão e Corte) está composto por sete membros (sete juristas), nomeados e eleitos pelos Estados na Assembléia-Geral da OEA. Os membros atuam individualmente e autonomamente, isto é, sem nenhuma vinculação com os seus governos, e também não representam o país de sua nacionalidade.

A Comissão e a Corte desempenham suas funções de acordo com as faculdades que lhes foram outorgadas por distintos instrumentos legais, no decorrer da evolução do sistema interamericano. Apesar das especificidades de cada órgão, em linhas gerais os dois supervisionam o cumprimento, por parte dos Estados, dos tratados interamericanos de direitos humanos e têm competência para receber denúncias individuais de violação desses tratados.

Isso quer dizer que os órgãos do sistema têm competência para atuar quando um Estado-Parte for acusado da violação de alguma cláusula contida em um tratado ou convenção. É claro que deverão ser cumpridos previamente alguns requisitos formais e substantivos que tanto a Corte quanto a Comissão estabelecem para que tal intervenção seja viável.

A Comissão é o primeiro órgão a tomar conhecimento de uma denúncia individual, e só em uma segunda etapa a própria Comissão poderá levar a denúncia perante a Corte. Como o Brasil só reconheceu a jurisdição contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998, só podem ser apresentadas a ela denúncias de violações ocorridas após essa data. Porém, a Comissão pode receber denúncias de violações anteriores, isso porque sua competência se estende à análise de violações da Declaração Americana 62 (1948) e da Convenção Americana desde a ratificação pelo Brasil em novembro de 1992. Sobre o modo de aceder à Comissão Interamericana de Direitos Humanos remetemos nosso leitor para nosso livro acima citado.

A Corte Interamericana cumpre duas espécies de funções: (a) contenciosa (quando há conflito) e consultiva (preventiva). É uma instância judicial autônoma. A fase prévia de todo processo desenrola-se perante a Comissão. É impossível contenciosamente ir direto à Corte. O procedimento dentro da Corte está regido pela Convenção, pelo seu regulamento, assim como pela sua jurisprudência. O procedimento na Comissão tem sua fase de conciliação. Quando infrutífera, vem a fase de produção de provas e de decisão. Qualquer pessoa pode se dirigir à Comissão (independentemente de advogado).

De 1998 a agosto de 2009 foram 507 as petições (demandas) apresentadas junto à Comissão Interamericana (O Estado de S. Paulo de 10.08.09, p. A6), que atua como uma espécie de primeira instância (no sistema interamericano de proteção dos direitos humanos). Vinte e nove (desse total) já foram admitidas pela Comissão. Em agosto de 2009 achavam-se tramitando (na Comissão) 108 petições. A tendência é elevar em muito o número de denúncias contra o Brasil. Primeiro porque aqui se cometem muitas violações jushumanitárias; segundo porque agora a comunidade jurídica está conhecendo melhor (cada dia mais) o funcionamento do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos (cf. nosso livro, escrito em conjunto com Valerio Mazzuoli, Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos , 2. ed., São Paulo: RT, 2009); terceiro porque a Justiça brasileira funciona, em regra, muito mal (e às vezes até nem funciona, para apurar graves violações aos direitos humanos).
Até este momento já foram duas condenações proferidas pela Corte Interamericana (caso Ximenes Lopes e caso Escher). No caso Ximenes Lopes cumpre destacar a incansável atuação da sua irmã (Irene), que atuou irresignadamente para alcançar a devida reparação na Corte (que ocorreu em 2006). Um dia antes de expirar o prazo dado pela Corte (01.07.09), seis pessoas foram condenadas pela morte de Damião Ximenes Lopes. A Comissão, por seu turno, já impôs incontáveis recomendações (medidas cautelares) contra o Brasil (casos Urso Branco, Presidio de Araraquara, Febem-Tatuapé que foi fechada -, Maria da Penha etc.). Só no ano de 2008 a Comissão admitiu mais seis casos: Margarida Alves, Cadeia de Guarujá, Marte de bebês em Cabo Frio, José Dutra da Costa, Márcio Lapoente e Gabriel Pimenta.

Na eventualidade de que um determinado país seja palco de muitas violações aos direitos humanos, ele pode ser excluído das ações do Banco Mundial ou do BID. E se o país não cumpre a decisão da Comissão ou da Corte o assunto de jurídico transforma-se em político (a ser resolvido pela Assembléia Geral da OEA).

*Luiz Flávio Gomes é Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

segunda-feira, 19 de julho de 2010

"A LEI NÃO PODE IMPEDIR O ACESSO AO JUDICIÁRIO"

Por Mariana Ghirello

O advogado Mário Sérgio Duarte Garcia foi presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no período de 1983 a 1985. Nessa condição, coube a ele presidir o Comitê Suprapartidário que conduziu a Campanha pelas Diretas Já, um dos movimentos populares mais amplos que o país registra em sua história política. "Foi o germe que acabou gerando a subsequente redemocratização do país", diz ele.

Eram tempos de dramática complexidade. Poucos anos antes, o país tinha vivido outra campanha de grande mobilização popular, a favor da aprovação de uma Lei de Anistia ampla, geral e irrestrita, em prol da reconciliação política da nação. Pouco depois, outro movimento, pela elaboração de uma nova Constituição da República, iria marcar definitivamente a volta do país ao Estado Democrático de Direito.

Em todos esses movimentos, a OAB teve atuação destacada, tomando a iniciativa e assumindo a liderança. Em todos eles, Mário Sérgio esteve presente. Hoje, aos 79 anos de idade, o advogado segue participando da política da OAB, como membro vitalício do Conselho Federal. Do alto de sua experiência e de sua posição — um dos mais importantes ícones da advocacia brasileira — ele revela uma preocupação: a de que os mecanismos de aceleração processual obstruam o direito de defesa. Como a dizer que não basta à Justiça ser mais ágil — é preciso que seja melhor — Mário Sérgio compreende a necessidade de reduzir a possibilidades de recursos, mas defende que essa cirurgia seja mais criteriosa para que a emenda seja melhor que o soneto.

Hoje em dia, Mário Sergio está mais dedicado ao escritório Duarte Garcia, Caselli, Guimarães e Terra Advogados e às grandes transformações por que passa a advocacia. Em 1955, logo depois de se formar, "exercia um tipo de advocacia completamente diferente da que existe hoje, seja em relação à clientela, seja quanto aos mecanismos que tinha para exercer a profissão", diz.

Com a modernidade, advogar virou um trabalho em equipe em que o uso da tecnologia tornou-se fundamental. A preocupação maior é com mudanças no processo que, no afã de acelerar os julgamentos impliquem o cerceamento da defesa. Uma alternativa que ganha importância a cada dia como saída para o congestionamento da via judicial é a arbitragem. "Pode não ser barato, mas é eficaz e resolve os problemas."

Mário Sérgio Duarte Garcia formou-se em Direito no Largo São Francisco em 1954. Foi presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), presidente da seccional paulista da OAB de 1979 a 1981, presidente do Conselho Federal da Ordem de 1983 a 1985 e secretário de Justiça de São Paulo, durante o governo Orestes Quércia, de 1987 a 1990.

Além de sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, Mário Sérgio faz parte do corpo de árbitros do Centro de Arbitragem da Câmara do Comércio Brasil-Canadá, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (Caesp).

Nesta entrevista, da qual participaram as jornalistas Lilian Matsuura e Geiza Martins, Mário Sérgio fala do papel da OAB, dos rumos da arbitragem, das mudanças do processo e também da globalização da advocacia: seu escritório é uma das raras firmas brasileiras que receberam autorização do governo da China para instalar uma filial naquele país.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor acredita que a advocacia perdeu o ar romântico e pessoal e se tornou mais empresarial?
Mário Sérgio Duarte Garcia — Sim, houve uma mudança radical. Estou formado há 55 anos e dois anos antes de me formar eu já trabalhava em um escritório com três advogados. Exercia um tipo de advocacia completamente diferente da que existe hoje, seja em relação à clientela, seja quanto aos mecanismos que você tinha para exercer a advocacia. Trabalhava com manuscritos e datilografava na máquina de escrever. É claro que isso mudou muito de lá para cá. Os escritórios cresceram muito, partindo da experiência pioneira do Pinheiro Neto, que tinha uma estrutura parecida com a dos escritórios europeus e americanos.

ConJur — Qual sua avaliação sobre essas mudanças?
Mário Sérgio — Deixou-se de exercer um tipo de advocacia em que o contato com os clientes era direto. Hoje esse contato é feito através da equipe de advogados do escritório. Com isso o profissional ganha a oportunidade de diversificar a sua atividade. Além disso, novos campos de atuação surgiram, como o Direito Ambiental e o Direito de Informática. Os escritórios mais importantes de São Paulo e do Brasil, acabaram se espalhando pelo país todo. No nosso caso, temos escritório em São Paulo, em Brasília e outro na China. Também estamos associados com escritórios em Portugal, Argentina, Estados Unidos, Angola e Alemanha.

ConJur — Por que acabou o contato direto do advogado com o cliente?
Mário Sérgio — À medida que o escritório cresce, diminuem as condições para dispensar um atendimento pessoal. Com o volume de serviço não temos condições físicas de participar de todos os atos e reuniões relativos ao processo. Muitas vezes, isso gera desconforto para o cliente. Eu procuro estar presente, mas quando não consigo os advogados que trabalham diretamente comigo fazem essa tarefa. Isso é conseqüência, em parte, destas mudanças e não é só no meu escritório. Nas organizações maiores não existe o advogado escoteiro, aquele que atende um cliente, pega procuração, manifesta, recorre para o Tribunal e sustenta. Nesses escritórios o trabalho é distribuido por funções. Eu, por exemplo, sou o advogado que mais atua no âmbito dos Tribunais. E fico sabendo do que está acontecendo no caso através da troca de informações com os outros advogados.

ConJur — Como as novas tecnologias alteraram a rotina dos escritórios?
Mário Sérgio — Hoje existem mecanismos mais ágeis para exercer a advocacia. Antigamente o cliente tinha que telefonar, ir até o escritório para fazer uma consulta, depois mandar por escrito. Na época chegava pelo correio ou vinha por um portador. Além da agilidade de receber e mandar informações por e-mail com a internet, temos o sistema de moto-taxi, até mesmo o correio se tornou mais ágil. Isso constitui maior demanda no exercício da advocacia, mas a gente vai se acostumando. Eu, quando estiver bem acostumado já estarei chegando na hora de me aposentar. Estou com 79 anos.

ConJur — Qual o papel da Internet?
Mário Sérgio — Ela trouxe uma nova estrutura para os escritórios, com isso é possível se comunicar aqui e também no exterior. Nosso escritório ocupa quatro andares e meio, e nós fazemos muita reunião por e-mail.

ConJur — O que o levou a abrir uma filial do escritório na China?
Mário Sérgio — Fomos convidados pelo governo da China em uma ocasião em que o país abriu oportunidades para escritórios estrangeiros. Estudamos as perspectivas da China e chegamos à conclusão que convinha a nós. Estamos lá há vários anos e hoje temos um advogado residente lá. Somos um dos poucos escritórios brasileiros que tem essa condição. Outros escritórios importantes aqui de São Paulo nos antecederam na China.

ConJur — Como o escritório se posiciona diante do crescente intercâmbio entre a China e o Brasil?
Mário Sérgio — Temos atuado muito com chineses que têm vindo para o Brasil. Fomos advogados de uma siderurgica nacional da China que fez uma joint-venture com a Vale do Rio Doce, para se instalar no Brasil, mais precisamente no Maranhão. Mas não deu certo porque a burocracia brasileira afugentou esse grupo chinês e eles acabaram não formalizando o negócio. Foi um trabalho muito intenso, muito grande.

ConJur — Quais as vantagens e dificuldades de ter uma filial fora do país?
Mário Sérgio — Quando abrimos o nosso escritório na China houve por parte do governo a exigência de que tivéssemos escritório em Brasília. Para nós foi muito bom, porque nos permitiu também exercer uma atividade mais atuante no Distrito Federal. Na China tínhamos uma advogada, porque o governo chinês exigiu que tivéssemos um advogado no país, por no mínimo 6 meses por ano. E quando não deu mais para continuar nesse sistema, abrimos uma oportunidade para advogados que quisessem ir para lá. Um rapaz, que já estava estudando mandarim, foi. Hoje está falando bem chinês, se adaptou perfeitamente, tem estabelecido uma atividade muito importante lá. O nosso relacionamento com a embaixada é muito bom e nosso escritório fica em Pequim.

ConJur — O advogado presta consultoria para as empresas brasileiras que vão para lá ou ele pode atuar nos tribunais também?
Mário Sérgio — Ele não pode atuar nos tribunais, e a rigor ele não pode nem prestar assessoria para empresas brasileiras se for sobre direito chinês. Só sobre direito brasileiro.

ConJur — Então, a regra é igual à que existe aqui?
Mário Sérgio — O escritório estrangeiro se inscreve no Brasil, mas só pode tratar de assunto relativo a direito estrangeiro. Quando temos algum problema que exige uma atuação na China, trabalhamos com outro escritório chinês.

ConJur — Cabe à OAB fiscalizar a entrada de escritórios estrangeiros no Brasil?
Mário Sérgio — Está certo no sentido de evitar que eles possam vir a constituir ou praticar uma simulação, advogados estrangeiros que estejam desbordando em direito brasileiro aqui. A atuação dos escritórios estrangeiros deve ficar subordinada a uma fiscalização efetiva de que o serviço está sendo prestado exclusivamente em matéria de direito estrangeiro.

ConJur — O que, a seu ver, motivou essa iniciativa da OAB-SP de pedir uma fiscalização nos escritórios estrangeiros no Brasil?
Mário Sérgio — Escritórios estrangeiros têm vindo para o Brasil e aqui contratam advogados brasileiros. Fica muito difícil saber se o advogado estrangeiro está fazendo ou não um serviço que é de possibilidade exclusiva do brasileiro. Há algum tempo houve um problema na Ordem porque havia uma mistura de escritório inglês com escritório brasileiro atuando no mesmo lugar. Mas isso foi regularizado, eles foram separados, o inglês ficou cuidando só de direito inglês, e os brasileiros do direito nacional.

ConJur — A Ordem dos Advogados tem de atuar mais na defesa dos interesses corporativos ou na defesa de grandes causas institucionais?
Mário Sérgio — Atualmente, em um país democrático a Ordem tem que se dedicar aos assuntos da classe muito mais do que aos assuntos que dizem respeito a vida institucional do país. Mas assim mesmo ela tem atuado institucionalmente quando ocorrem fatos que reclamam sua manifestação. Hoje, temos até mais possibilidade de atuação. Por força de um dispositivo constitucional, a Ordem indica membros da classe para compor os tribunais superiores. Isso exige um esforço grande da Ordem, inclusive quando surgem problemas como quando o Superior Tribunal de Justiça questionou uma lista que a Ordem encaminhou.

ConJur — A rejeição aconteceu por razões políticas?
Mário Sérgio — Não. O STJ não recusou oficialmente a lista apresentada pela OAB. Apenas afirmou que não atingiu o número de votos necessários para aprovação. Isso provocou uma ação da Ordem perante o Supremo Tribunal Federal, mas infelizmente a OAB não teve êxito nessa tentativa de alterar a decisão do STJ e agora está organizando três listas para as vagas da advocacia no tribunal. Temos ainda listas pendentes no Tribunal Superior do Trabalho e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

ConJur — O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, liderou um movimento para pedir a prisão do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Pedir a prisão de alguém é papel da OAB?
Mário Sérgio — A cassação do governador do Distrito Federal aconteceu no início do mandato do Ophir Cavalcante, no período em que o Conselho não estava reunido. Então, ele foi obrigado a adotar a atitude que lhe pareceu a mais adequada. Em fevereiro, quando o Conselho se reuniu, essa questão foi objeto de muito debate e o Conselho acabou aprovando a decisão do presidente. Entendo que, a rigor, não seria possível qualquer atitude da Ordem pedindo prisão de alguém. No caso do governador, a despeito de todos os ilícitos que ele possa ter cometido, defendo que qualquer criminoso tem direito a ser defendido. Então, discordei, mas o Conselho entendeu que o movimento foi legítimo.

ConJur — Recentemente, a OAB levou a público que conversas entre presos e advogados estavam sendo gravadas no presídio federal de Campo Grande. O senhor acredita que presos perigosos, como o Fernandinho Beira Mar, precisam de tratamento diferente da Justiça e no presídio?
Mário Sérgio — Não, mas se o preso lidera facções criminosas a permanência dele em um presídio comum é deletéria na medida em que ele acaba liderando os demais presos na cadeia. O ideal é isolar, como ocorre no presídio federal em Campo Grande. E mesmo isolado existem comandos no sentido de cometer atos delituosos. Hoje está muito pior. Para jogar um telefone celular para dentro da penitenciária, os criminosos vão a um bosque ao lado do presídio, amarram uma borracha pneumática em duas árvores e fazem uma espécie de estilingue. Envolvem o celular também nesse material, esticam e mandam o telefone lá para dentro.

ConJur — O juiz alegou que autorizou o monitoramento a fim de evitar possíveis crimes. O senhor concorda que quando uma pessoa oferece perigo o juiz pode autorizar a gravação da conversa entre o preso e o advogado?
Mário Sérgio — A rigor não poderia ter a gravação da conversa entre preso e advogado porque quebra o sigilo essencial ao exercício da advocacia, no sentido de que você possa defender o preso. Não advogo na área criminal, mas acompanho o que está ocorrendo. No Conselho Federal vemos muito problema dessa natureza.

ConJur — Como o senhor viu o desempenho da Ordem no movimento pela revisão da Lei de Anistia?
Mário Sérgio — A Lei de Anistia teve origem na própria luta que a Ordem travou pela anistia. Eu era presidente da OAB em São Paulo quando o presidente do Conselho Federal, o Eduardo Seabra Fagundes, fez um movimento muito grande para a decretação da Anistia. Houve uma campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita. Então, entendeu-se que não se deveria agora fazer uma revisão da lei para punir aqueles militares que cometeram muitas atrocidades. Revê-la passado tanto tempo pareceu pouco adequado neste momento.

ConJur — Para as famílias das vítimas seria uma coisa importante. Mas qual o sentido da revisão para o país como um todo?
Mário Sérgio — Eu respeito a posição de quem defendeu a revisão e com razões de peso, mas em verdade é reviver um assunto que está sepultado. Lastimavelmente passamos por um período negro da vida do país, muito triste, mas isso passou, e, inclusive, muitos políticos que se viram atingidos foram contra a revisão do caso.

ConJur — Em outros países que também estiveram submetidos a ditaduras militares, a Justiça acabou revendo a legislação de anistia e condenando represssores e ditadores.
Mário Sérgio — Sim. Teve o caso da Argentina, onde houve revisão. Acho que o país de certa forma anuncia que pode sofrer sanções internacionais pelo fato de não ter aplicado a lei ou deixado de aplicar a lei de anistia a quem cometeu esses delitos. Porque, em verdade, não é uma apreciação romântica. Quem lutou e sofreu violências, lutava por um ideal de busca da democracia. Então, até sob esse aspecto eu cumprimento a posição de quem defendeu a inaplicabilidade da Lei da Anistia para quem foi acusado por esses crimes.

ConJur — Como era o clima na época da convocação da Constituinte?
Mário Sérgio — A Ordem tinha uma atuação muito grande na base institucional do país. No tempo em que eu fui presidente do Conselho Federal, de 1983 a 1985, estávamos sujeitos a um regime discricionário e ditatorial, então o movimento era completamente diferente, havia um esforço muito grande no sentido da redemocratização do país. Naquela ocasião, houve muita violência e os presidentes da Ordem, principalmente, tiveram uma atuação muito firme tanto a nível federal quanto a nível estadual. Ainda na minha gestão iniciamos o movimento pela convocação da Constituinte.

ConJur — Como foi o trabalho da OAB?
Mário Sérgio — A Ordem promoveu dois congressos muito importantes a esse respeito e levou ao Congresso Nacional contribuições e sugestões, no sentido de que nós tivéssemos uma carta magna adequada aos interesses nacionais. Com apoio popular, somando esforço com todas as entidades da sociedade civil que lutavam pela nova Constituição, a OAB acabou deflagrando um movimento. Apresentou-se até um projeto que o governo quis encaminhar através de uma comissão sub-constituida, mas que acabou não dando nenhum resultado objetivo e instalou-se a constituinte.

ConJur — E com isso o papel da advocacia foi constitucionalizado.
Mário Sérgio — Os advogados contribuíram para a Constituinte com sugestões e pressão política, Depois de todo esse trabalho, por uma proposta do deputado Michel Temer, foi incluido na Constituição Federal o dispositivo que estabelece que o advogado é elemento essencial à aplicação da Justiça. E isso congregou todos os democratas que ansiavam por uma lei maior nova no país.

ConJur — O senhor acredita que o Judiciário está acompanhando a informatização que os escritórios demandam?
Mário Sérgio — Há certos setores que estão acompanhando. Mas alguns estados como o Rio Grande do Sul e São Paulo ainda não conseguiram acompanhar com a mesma rapidez o trabalho que foi feito por outros Tribunais, naturalmente com menos processos. Já no Superior Tribunal de Justiça não existe mais papel. Tudo que vai para o STJ é digitalizado. O Supremo Tribunal Federal está querendo também caminhar nesse sentido e já tem algum progresso para fazer determinados processos via digital. Pode provocar rapidez maior no andamento dos processos. A única preocupação é quando os tribunais estabelecem certar modificações processuais com o objetivo de reduzir recursos e acabam impedindo que aspectos fundamentais não sejam examinados pelos tribunais.

ConJur — Que tipo de modificações são essas?
Mário Sérgio — Além de um rigor excessivo dos Tribunais, no sentido de formular determinadas exigências que muitas vezes podem não ser atendidas, acabam impedindo o conhecimento de recursos que por lá tramitam. O STJ passou a punir recurso de Agravo Regimental. Quando se impetra um Agravo de Instrumento para ser decidido pela Turma, que também pode ser decidido monocraticamente, e é negado, pode-se usar o Agravo Regimental. O problema é o prazo de apenas cinco dias para entrar com o Agravo Regimental, e muitas vezes você não tem oportunidade de consultar o cliente. E a multa é de 1 % sobre o valor da causa. Se for uma questão grande você pode pegar uma multa pesada. Essas medidas têm decorrido da quantidade de recursos, mas é ruim para a distribuição da Justiça. Por outro lado, acredito que o excesso de recursos acarreta em morosidade.

ConJur — Repercussão Geral, Súmulas Vinculantes, Lei de Recursos Repetitivos também se encaixam nessa lógica?
Mário Sérgio — Sim. No Supremo, a Repercussão Geral é aplicada como forma de restringir o número de processos. É compreensível, porque o Supremo, a rigor, deveria ser apenas um tribunal constitucional, mas têm subido para lá questões que só têm importância para o autor. A Súmula Vinculante também foi importante, porque fixa uma orientação que está já solidificada a respeito de determinados termos jurídicos. Mas isso também acarreta uma restrição na apreciação de questões, por exemplo, a Súmula 7 do STJ que diz que não pode ser apreciada em Recurso Especial matéria de fato, só as matérias de direito. Essas medidas contribuíram também para diminuir o número de processos e foi também para desestimular uma litigância reiterada.

ConJur — As recentes reformas dos códigos de processo também têm esse objetivo. Elas são um avanço?
Mário Sérgio — No projeto do Código do Processo Civil eles estão querendo excluir uma série de recursos e estabelecer a coletivização das ações. Imagine se um advogado inexperiente de uma cidade do interior do Maranhão entra com uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Se houver uma ação dessa natureza que possa se repetir, esse novo dispositivo do Código de Processo estabelece a coletivização da ação. Enquanto não for decidida aquela primeira ação nenhuma outra pode ser decidida. Se um juiz de primeira instancia, inexperiente, decidiu errado, isso vai ter reflexo em todas as ações subseqüentes. Sob esse aspecto, a preocupação com o número de recursos pode afetar profundamente a boa distribuição da Justiça.

ConJur — Então, o senhor não vê muita perspectiva nesse caminho?
Mário Sérgio — A esperança é a ultima que morre. Mas vamos ver em que medida esses projetos de mudanças do Código de Processo pode afetar direitos fundamentais. A Constituição já estabelece que a lei não pode impedir o acesso ao judiciário.

ConJur — A arbitragem poderia dar as respostas que o Judiciáio não está sendo capaz de dar?
Mário Sérgio — Eu tenho feito muita arbitragem. O único problema é que a arbitragem não permite que você recorra da decisão. É definitiva, a não ser que haja alguma ilegalidade cometida durante a arbitragem. É uma formula alternativa de solução de controvérsias, que atinge o seu objetivo e resolve questões. Acho que isso tem contribuído para resolver problemas, solucionar divergências, e aplicar aquilo que no judiciário levaria muitos anos para se resolver.

ConJur — A arbitragem ainda é muito cara?
Mário Sérgio — A arbitragem é cara em termos, se você pegar a arbitragem do CCI [Câmara de Comércio Internacional, de Paris], por exemplo, os honorários dos árbitros são fixados em função do valor em discussão. Mas, de maneira geral, as câmaras de arbitragem aqui remuneram as horas dos árbitros de uma forma módica, eu diria. Eles recebem a metade da hora que cobram no escritório. Ocorre que você paga para os três. E depende do valor em discussão. O custo, tendo em vista a demora do processo judicial, certamente é bem inferior. Não é barato, mas é eficaz e resolve os problemas.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

RESTRIÇÃO DE CRÉDITO - NOME SÓ PODE CONSTAR EM CADASTRO POR TRÊS ANOS

A inclusão do nome de consumidores em serviços de restrição ao crédito prescreve em três anos. A decisão foi da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Os desembargadores entenderam que, apesar de o Código de Defesa do Consumidor estipular que o prazo é de cinco anos, o Código Civil vigente determina que a prescrição ocorre em três e, por ser mais benéfico ao consumidor, deverá ser aplicado.

“Inegável que o vigente Código Civil se mostra contemporâneo e, em muitos momentos, suficiente para a proteção do consumidor, que, de certo, não está resguardado apenas pelo Código de Defesa do Consumidor, mas também por toda e qualquer outra legislação que lhe seja mais favorável”, destacou o relator do processo, desembargador Nagib Slaibi.

Para o relator, a redução do prazo vai beneficiar milhares de consumidores. “A redução do prazo prescricional e, consequentemente, do limite temporal máximo para a manutenção do nome do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito possibilitará o reingresso de milhões de devedores no mercado, do qual estavam à margem em razão de dívidas pretéritas”, concluiu.

A decisão diz respeito à apelação cível impetrada por Gisele Moura dos Santos contra sentença da 5ª Vara Cível do Fórum Regional de Jacarepaguá, que julgou improcedente o pedido feito por ela em ação movida contra a Fininvest Administradora de Cartões de Crédito e o Serasa. A consumidora reivindicava o cancelamento do registro de seu nome em cadastro restritivo de crédito e a compensação por danos morais em razão da permanência do apontamento negativo após o prazo de três anos. A sentença foi baseada no artigo 43, parágrafo 5º, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RJ.

terça-feira, 13 de julho de 2010

DIVÓRCIO SERÁ IMEDIATO COM PROMULGAÇÃO DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

O Congresso promulgou hoje emenda à Constituição que torna o divórcio imediato. A chamada PEC do Divórcio facilita a dissolução do casamento civil ao eliminar a exigência atual de separação judicial prévia por mais de um ano ou de separação de fato por mais de dois anos para que os casais possam se divorciar.

A emenda teve origem na Proposta de Emenda à Constituição 413/05, do suplente de deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), e poderá beneficiar as mais de 153 mil pessoas que se divorciam por ano no País, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2008.

A PEC foi aprovada na semana passada pelo Senado, graças a acordo de líderes, que permitiu a supressão de prazos de discussão da matéria. Na Câmara, a medida foi aprovada em junho de 2009 com 315 votos favoráveis e 88 contrários.

O texto aprovado pelos deputados e confirmado pelo Senado foi o substitutivo do também suplente de deputado Joseph Bandeira às PECs 413/05 e 33/07, esta do deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), que tramitou apensada à proposta de Biscaia. Outra PEC que tramitava apensada, a 22/99, do deputado Enio Bacci (PDT-RS), foi rejeitada porque propunha prazo de um ano para requerer o divórcio em qualquer caso.

Fim da hipocrisia Os autores das medidas aprovadas, Antonio Carlos Biscaia e Sérgio Barradas Carneiro, defendem a desburocratização do fim do casamento. "O divórcio já é um tema consolidado em nosso País desde a Lei do Divórcio, de 1977. Não há razão para que a Constituição faça exigências", diz Biscaia.

Ele explica que as regras vigentes permitem fraudes, pois qualquer pessoa pode dizer ao juiz que um casal está separado há mais de dois anos, para obter o divórcio.

"A PEC vai acabar com a hipocrisia hoje existente de um casal que se separa hoje a amanhã leva uma testemunha para prestar depoimento falso", acrescenta Biscaia, que nos anos 1980 atuou como promotor em vara de Família.

Economia de sentimentos Segundo Barradas Carneiro, a simplificação do divórcio vai representar também economia para o casal, que terá de pagar honorários advocatícios e custas processuais apenas uma vez, e não mais duas, nos casos de separação judicial.

Esse ponto foi destacado também pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, para quem a aprovação da PEC representa um avanço para o País.

"Não há sentido algum que o cidadão tenha que despender custos com a separação judicial e depois gastos adicionais com o divórcio em si. É como se o Estado cartorializasse uma relação que já poderia ter sido encerrada em um primeiro momento", explica Ophir, em nota da OAB.

Na opinião de Sérgio Barradas Carneiro, no entanto, a maior economia é a dos "custos sentimentais". "A nova regra economiza, além de dinheiro, sofrimento, dor e constrangimento. O divórcio hoje é uma discussão sem fim."

FONTE: CONGRESSO NACIONAL