quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Tribunais não decidiram se abandono afetivo é indenizável

Assim dispõe o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores”. Nesse sentido, extrai-se do dispositivo apresentado o dever de cuidado lato sensu dos pais para com os filhos independentemente de vínculo biológico.
Não obstante seja notória a expertise dos nobres julgadores, o instituto dos danos morais de uma forma geral sempre foi um dos problemas mais intrigantes do poder judiciário.
Isso porque a dinâmica social altera a noção do que seja o dano e, por mais sábios que sejam os julgadores, jamais sentirão na pele os efeitos particulares que o abandono afetivo pode causar. Além disso, o tema gera repercussão até mesmo fora dos tribunais.
Embora a legislação vigente obrigue os pais, biológicos ou não, a arcarem com as despesas da prole, bem como prestar-lhe assistência e educação sob pena das leis, a indenização por abandono afetivo ainda é um ponto obscuro em nosso sistema jurídico em função da divergência entre as decisões.
Podemos observar ainda que a indenização por abandono afetivo vai muito além do instituto da pensão alimentícia.
O primeiro instituto nada mais é que uma forma de reparação em virtude da ausência dos pais. O segundo, por sua vez, possui a natureza de garantir a subsistência do alimentando, não necessariamente menor de 18 anos.
Não podemos jamais confundir a natureza desses institutos. A pensão alimentícia possui o condão de garantir as necessidades básicas, ou seja, é uma forma de auxílio ao cônjuge nas despesas da prole.
O cônjuge ausente pode muito bem arcar com as despesas dos filhos por meio da pensão alimentícia e, ao mesmo tempo, acompanhar-lhes o crescimento, proporcionando-lhes afeto, cuidado e educação.
A indenização por abandono afetivo possui cunho meramente condenatório e reparatório, embora por mais alta que a indenização seja fixada, jamais conseguirá suprir ou reparar a falta do pai ou da mãe ausente.
Contudo, o objeto do presente artigo é mais restrito, limitando-se apenas a demonstrar, na prática, como os nossos Tribunais ainda não decidiram, de forma uniforme, se o abandono afetivo é indenizável ou não.
É o caso, por exemplo, do julgado pela Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao manter a sentença que negou reparação moral decorrente de abandono afetivo por parte de um pai com relação à filha (TJRS, Apelação Cível 70050203751, Rel. Des. Alzir Felippe Schimitz, 8ª Caciv, DJ 22/11/2012).
No entanto, embora o entendimento majoritário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ser no sentido de que não é cabível a indenização por abandono afetivo, já houve condenação em desfavor do pai ausente.
Isso ocorreu no dia 27/02/2013, quando do julgamento da apelação cível 1.0144.11.001951-6/001, pois a 11ª Câmara Cível manteve a condenação de um pai que não reconheceu publicamente sua filha quando da veiculação de um informativo local. Neste caso, a condenação foi de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Por outro lado, na ocasião do julgamento da apelação cível 1.0194.09.099785-0/001, a 15ª Câmara Cível manteve a sentença denegatória de reparação civil, pois entendeu que o abandono afetivo do pai em relação aos filhos, ainda que moralmente reprovável, não gera dever de indenizar, por não caracterizar conduta antijurídica e ilícita.
Em contrapartida, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já condenou um pai a indenizar em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a filha por abandono afetivo. Nesse caso, que tramitou em segredo de justiça, a Requerente conseguiu o reconhecimento judicial de paternidade e entrou com ação indenizatória por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência.
Com fulcro noartigo 1.589 do Código Civil, entendo que a Terceira Turma do STJ julgou acertadamente ao condenar o pai a indenizar a filha pelo abandono material e afetivo. Vejamos o porquê disso:
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Assim, observa-se o teor do dispositivo apresentado que, embora não seja uma obrigação legal, faculta ao pai ou à mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, a manter uma relação mínima de afeto.
Além disso, não é à toa que o Código Civil define no art. 1.634 as responsabilidades dos pais para com os filhos. Vejamos:
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Nesse contexto, estamos diante de algumas obrigações dos pais que podem determinar o futuro de cada um dos filhos, ou seja, quando os pais deveriam se preocupar com a educação, criação e os mantém sob sua guarda.
Refiro-me aqui ao essencial, àquilo que servirá de base para o futuro do filho.
Devemos reconhecer, por outro lado, que a lei não pode obrigar os pais a amarem os filhos. Porém, o que se discute aqui é a consequência psicológica que a falta de afeto pode causar no sentido de que essa ausência deve proceder a uma sanção.
Não se quer, com isso, aumentar a famigerada “indústria do dano moral”, mas demonstrar que é possível, sim, haver dano em razão do abandono afetivo, que, por óbvio, deve ser reparado.
Entretanto, o problema não é a comprovação do dano. Comprovar o dano pode ser relativamente fácil se levarmos em consideração a prova testemunhal, pericial e todas outras admitidas em direito. O problema está justamente “acertar”, na falta de uma palavra melhor, o valor da indenização.
Ainda quanto ao dano, em se tratando de menores em atividade escolar, pode ser comprovado até mesmo se houver queda no rendimento ou alteração significativa no comportamento.
Além de conviver com a separação dos pais – seja por divórcio, necessidades profissionais ou nova relação amorosa –, que certamente contraria a vontade dos filhos, esses ainda sentem falta do afeto do pai ou da mãe ausente.
A propósito, o abandono afetivo muitas vezes se dá a partir da separação dos pais, acarretando o distanciamento do pai ou da mãe, em decorrência de uma nova ligação afetiva.
Vale destacar, ainda, que, nos termos do Código de Processo Civil vigente, o menor não pode litigar em causa própria, devendo ser representado em juízo.
Em razão disso, por questões particulares e até mesmo pelo receio de dificultar a relação familiar, muitas vezes a demanda não é proposta. Entretanto, na maioria das vezes, a ação é proposta quando o filho completa a maioridade, que, neste caso, inicia-se o prazo prescricional de 3 (três) anos, conforme inteligência do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil vigente.
Assim, de qualquer ângulo que se observa, a responsabilidade civil por abandono afetivo desempenha o papel de punição em virtude do mau uso do exercício do poder familiar.
Portanto, ausentes as obrigações básicas dos pais para com os filhos, é cabível, sim, a competente ação indenizatória por abandono afetivo, desde que, claro, seja comprovado o dano.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Em matéria penal, Brasil age como um carrasco

O ano de 2013 chega ao fim. Há de ser lembrado, pelo povo, num sentido aleatório, como o ano em que o Brasil se tornou “um país sério” ao condenar e iniciar a execução das penas de vários dentre os réus da Ação Penal 470, mais conhecida como escândalo do “mensalão”. Para os juristas em geral, é a confirmação dos tempos difíceis que virão, com o recrudescimento das leis e a severidade crescente dos magistrados na sua aplicação. Alguns fatos servem à ilustração do fenômeno. Como não poderia deixar de ser, a continuação do julgamento do “mensalão” roubou os holofotes, com contribuição grande do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, personagem a ilustrar, quiçá resumir, catonianamente, o que foi o ano a se encerrar. Eis os principais fatos:
Guardião
Neste ano começou a ser aberta caixa-preta do Ministério Público no que concerne às interceptações telefônicas. Estimuladas por reportagem publicada pelo ConJur em 27 de maior de 2013 (17 MPs interceptam ligações sem participação da Polícia), investigações começaram a ser aprofundadas e os escaninhos da Instituição a ser revirados. A Ordem dos Advogados do Brasil provocou o Conselho Nacional do Ministério Público, exigindo informações adicionais sobre a intromissão do órgão acusatório nas intimidades de terceiros. Descobriu-se, por exemplo, que em São Paulo, desde 2011, o Parquet estadual realiza interceptações diretas, sem auxílio da autoridade policial. Adquiriu-se o instrumental mediante pregão, ao qual atendeu solitária proponente, fazendo lembrar música de Tom Jobim: “Eis aqui este sambinha / Feito numa nota só, / Outras notas vão entrar / Mas a base é uma só”. No mínimo dezesseis outros Ministérios Públicos possuem aparelho análogo ao do segmento paulista. Vale lembrar, ainda, que o próprio Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu de forma definitiva se possui o Ministério Público poderes investigatórios. Enquanto isso, interceptem-se os telefones. A privacidade, a intimidade, nesses tempos, são ilusão, um verdadeiro canto da sereia.
EspionagemO episódio envolvendo a espionagem do alto-escalão brasileiro fez com que a Presidente Dilma viesse a público mostrar sua total irresignação com a intromissão dos Estados Unidos da América do Norte nos segredos brasileiros. Esbravejou, sapateou, reclamou à ONU. Poucos dias depois, descobriu-se que o Brasil praticara arapongagem análoga com vizinhos na América do Sul.
Delação premiada
A delação premiada, muitas vezes vestida sob a roupagem do eufemismo “colaboração processual” ou correlato, ganhou maior relevo no cenário jurídico brasileiro com a vigência da Lei 12.850/2013, em meados de setembro. Define a norma, de um lado, o que seria organização criminosa; de outra parte, importa mecanismos estrangeiros para combater tal espécie delinquencial. Dentre estes, destaca-se a delação premiada. Esta, embora já tenha sido prevista em diversas outras leis brasileiras, finalmente foi despida da máscara e pôde mostrar à comunidade jurídica sua real feição, exatamente idêntica, aliás, à plea bargain dos americanos do norte. Conferiram-se expressamente poderes outros ao Ministério Público que pode, agora, “deixar de oferecer a denúncia” ao vulgo “réu colaborador”, o digiti duri. Com esse novo remendo (ou arremedo), a sistemática processual vai gradativamente perdendo sua coesão sistêmica. Apenas como exemplo, se um particular, em ação penal privada, deixar de optar por não oferecer a queixa contra um dos querelados, verá reconhecida renúncia tácita comunicável aos demais acusados. A ação seria, no contexto, natimorta. Tornando-se à delação premiada, o que se vê, hoje, é corrida soturna, iniciada com a deflagração midiática de operações com nomes de gregos e troianos e capitaneadas pelo Ministério Público ou Polícia Federal, na qual cada um dos investigados busca primazia na incriminação dos demais, esperando as benesses da lei e fazendo lembrar tristememente a venda de indulgências na Idade Média. Até o perdão tem seu preço.
Episódio Nathan DonadonO Congresso e o Supremo Tribunal Federal, de uns tempos a esta data, têm passado por atritos. O caso envolvendo o deputado Nathan Donadon foi o último episódio. Ali, os parlamentares, protegidos pelo sigilo do voto, optaram pela manutenção do mandato do congressista já definitivamente condenado na esfera criminal, inclusive com trânsito em julgado. Não se tratou de proteger o colega, mas de confrontar o STF, mostrando que o Congresso é independente e não subserviente ao Supremo. A postura, aliás, foi espécie de retorsão ao crescente acúmulo de poderes observado no mais alto tribunal da República, iniciado lá trás, é certo, com as súmulas vinculantes, verdadeira atividade legisferante excrescente das atribuições deferidas aos ministros daquela corte. Montesquieu, no fim das contas, foi ressucitado.
MensalãoEmbora com julgamento iniciado no ano passado, os efeitos concretos só neste ano começam a ser percebidos. O constitucionalista José Joaquim Gomes Canotilho, observando ao longe aquele que se convencionou chamar de “o maior julgamento da República”, assustado, constatou: “Tenho dúvidas, um tribunal com tanto poder. O tribunal brasileiro é dos tribunais com mais poderes no mundo”. Embora o jurista português se refira genericamente, algumas novidades, usando-se termo elegante, merecem destaque no “mensalão”:
(a) Tipicidade geleiosa: Em julgamento dos embargos de declaração opostos por um dos condenados, havendo dúvida temporal quanto à aplicação de normas penais sucessivas tocante ao crime de corrupção, o Supremo Tribunal Federal inovou, criando a tipicidade geleiosa, ou geleienta, “escorregadia e assentada no fato à vontade do intérprete” (v. “Fique à disposição dos doutos a tipicidade geleiosa”, de autoria do primeiro subscritor). Em outros termos, passando-se por cima de jurisprudência e doutrina predominantes (se pacíficas não eram), não se sabe por qual motivo, o STF afastou da corrupção o caráter de delito formal, fazendo deslizar, espraiar-se no tempo a consumação de modo a sofrer as influências da lei posterior, a qual, por ironia do destino, era mais gravosa...
(b) Capítulos de sentença: Uma das várias novidades trazidas pelo julgamento da ação penal diz com os denominados “capítulos de sentença”, teoria estudada, no Brasil, por Cândido Rangel Dinamarco. Não havendo intromissão no mérito de processo entregue a outros defensores, é preciso apenas alertar que, eventualmente, em crimes coletivos (plurissubjetivos), a absolvição de alguns agentes pode impedir a conformação do tipo (inocorrência do elemento normativo), implicando em efeitos diretos na pena, mais regime de futura execução, dos demais acusados.
(c) Execução das penas: A realidade do sistema carcerário brasileira finalmente veio a lume. As reclamações dos denominados “mensaleiros” com as acomodações das celas fizeram a imprensa voltar os olhos para a questão, isso apesar de certos privilégios dos parlamentares (nunca admitidos) que os demais detentos não têm. No entanto, o que se está vendo é apenas réstia de problema muito mais grave, envolvendo população carcerária excedendo o meio milhão, em sua maioria negros, mulatos, pobres e desvalidos, não se esquecendo dos quase 200 milhares de mandados de prisão ainda em aberto. Os problemas são vários: presos provisórios convivendo com outros de periculosidade acentuada e já definitivamente condenados; detentos mantidos em delegacias; superlotação de presídios; falta de condições sanitárias mínimas; inexistência de estabelecimentos prisionais voltados àqueles em regime semiaberto; lentidão na análise e deferimento de progressões, dentre muitas outras situações a tornarem desumana a vida dos reclusos. O “mensalão” pode ter dado o estímulo para finalmente a sociedade se dedicar à discussão sobre aqueles que ela decidiu por retirar do convívio social, esquecidos no mais das vezes como se fossem portadores de peste contagiosa. No fim, o próprio interesse da comunidade é relativo, ou episódico. Morre nas esquinas.
Trágica conclusão
Em suma, o ano foi movimentado, permitindo chegança a trágica conclusão: o recrudescimento da severidade na atividade de encarceramento já se instalou. O Ministério Público intercepta indiscriminadamente a todos; a Polícia corre atrás; o Judiciário, muita vez, encampa escutas de licitude discutível ou, sob a roupagem do denominado “ativismo judiciário”, extrapola as suas tarefas, transmudando-se quase em auxiliar de acusação; os advogados, no entremeio, quedam-se inertes, desunidos enquanto classe, preferindo a luta pelo interesse imediato do cliente do que a busca pela manutenção das prerrogativas da classe, as quais, acima de tudo, são essenciais à defesa dos constituintes.
Paralelamente, movimentos populares intermitentes dão a medida da insatisfação da massa quanto à Administração Pública. Os motivos são diversos e às vezes menos significativos. Vale mais o exame do caráter psicológico das sublevações. Em outros termos, agressão por agressão, violência por violência, lesão por lesão, morte por morte. O bandido assassina. A Polícia faz o mesmo. O governo, genericamente considerado, aumenta a capacidade lesiva. O povo não liga à inumação do meliante. É um a mais, ou a menos. Isso parece refletir na chamada democracia autoritária, entendendo as lideranças políticas que o chicote é mais eficaz que o diálogo. No meio de tudo, o país é talvez o campeão na multiplicidade de tributações, apertando a cidadania como se fora uma ameixa enrugada no ultrapassar do tempo. O Brasil vai mal em matéria de Direito Penal. A legislação é multiplamente ofendida. O juiz finge que não vê. O Ministério Público faz o mesmo. Milhares de reclusos, com direito a progressão de penas, apodrecem em penitenciárias pútridas. Entretanto, o Poder Judiciário se engalana na toga e finge que faz justiça. Diga-se que a demonstração de distribuição do justo não se faz em relação ao rico, ao bem nutrido, à exceção, mas sim, à isonomia, ou seja, ao tratamento adequado dado ao preso pobre, ao preto, à puta, àqueles, enfim, que não conseguem chegar aos tribunais superiores pelas denominadas vias digitais. Dentro de tal contexto, até o uso do computador é seletivo. É pena. Dá muito dó. Dir-se-á que sempre foi assim. Mas não precisa ser sempre assim. É só reconhecer, o togado, que assim é, perdendo um pouco do sono na tentativa de mudar. O Brasil, em matéria penal, caminha como carrasco que esconde a mão tinta de sangue na algibeira do gibão vermelho, pensando que ninguém a vê. Nós vemos.

Absolvido não ganha indenização por prisão preventiva

A existência de indícios de autoria de crime e o cumprimento de parâmetros legais justificam a prisão preventiva e tornam incabível a necessidade de reparação ao acusado, mesmo se ele for inocentado no final do processo. Esse entendimento levou a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais a negar pedido de um homem que ficou preso por 318 dias e, após ser absolvido pelo Tribunal do Júri, queria receber indenização do Poder Público por danos morais.
O autor do processo foi preso em caráter preventivo, sob a suspeita de homicídio, em junho de 2010. A denúncia contra ele foi apresentada no mês seguinte, e a liberação da prisão só ocorreu em abril de 2011, depois do resultado do júri. Ele tentou então ser indenizado pelo tempo que passou atrás das grades, mas a sentença da 2ª Vara Cível da comarca de Viçosa recusou o pedido.
No TJ-MG, o caso chegou às mãos da desembargadora Heloísa Combat, que defendeu a prisão preventiva como uma medida necessária à ordem e à segurança pública. A relatora disse que havia indícios materiais da autoria do crime, pois, no momento da prisão, o homem foi encontrado portando drogas ilícitas e documento de um veículo que teria sido utilizado na prática do crime. A desembargadora disse que testemunhas apontavam a possibilidade de que ele fosse autor do assassinato. Afirmou ainda que o homem apresentava na época histórico de denúncias criminais e prisões.
Para a relatora, todos esses fatos embasaram a prisão e a rejeição de um Habeas Corpus apresentado pela defesa. “Somente há lesão a direito quando verificado inexistir indício relevante que justifique a acusação ou caso não estejam presentes os requisitos da prisão, obrigando-se o particular a suportar um dano injusto”, afirmou. “A mera absolvição do acusado é insuficiente para se concluir que a prisão resultou em lesão ao direito subjetivo, sendo, sob esse aspecto, causadora de dano.” Os demais membros do colegiado acompanharam esse entendimento. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MG.
Clique aqui para ler o acórdão.
Apelação 1.0713.11.007261-6/001

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

DNA negativo derruba registro de paternidade

Mesmo que o reconhecimento de paternidade tenha sido feito de forma livre e consciente, por acreditar que o filho seja legítimo, a negativa verificada em exame de DNA tem o dom de desconstituí-lo. Afinal, quem o registrou incorreu em erro essencial, que viciou a sua vontade.
O entendimento levou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a derrubarApelação de uma mulher, inconformada porque o pedido de alimentos fora indeferido na primeira instância, uma vez que o juízo reconheceu que o réu não era o pai da criança.
Com a procedência da Ação Negatória de Paternidade, proposta pelo ex-companheiro e pai registral do menino, hoje com sete anos, o juízo extinguiu a obrigação de prestação de alimentos.
Conforme os autos, o pai da criança, provavelmente, tenha sido o homem que se relacionou com ela durante um dos períodos em que o ex-casal esteve afastado, embora não vivesse sob o mesmo teto no curto espaço de seis meses em que durou o relacionamento.
O relator do caso na corte, desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, a exemplo do juízo de origem, afirmou, no acórdão, que ficou provado que o autor incorreu em erro essencial quando fez o reconhecimento de paternidade. É que o exame de DNA o excluiu da paternidade, embora a mãe sempre afirmasse o contrário.
Para o desembargador-relator, é pouco relevante que o pai registral tenha assumido a posição jurídica de pai do menino, agindo como tal, já que, ante a prova de existência de consentimento viciado, não se pode sustentar perpetuamente uma relação que se afirmou de forma defeituosa.
‘‘Ao cabo, a manifestação da genitora perante a Assistência Social espelha o sentimento de alívio que lhe acometeu com o desvendamento da verdade sobre a filiação, e, certamente, isso fará com que ela busque regularizar a paternidade de seu filho, que, como é consabido, tem o direito personalíssimo de saber a sua origem ancestral’’, encerrou o magistrado. A decisão foi lavrada em acórdão no dia 12 de dezembro.
Clique aqui para ler o acórdão. 
FONTE: CONJUR

Veremos como nunca a criminalização dos movimentos sociais

Não nos acostumamos, ainda, com a Democracia. Passados mais de 20 anos, o exercício de direitos civis causa absoluto incômodo e truculência por parte dos órgãos estatais. O Direito de Reunião e Livre Manifestação estão em fase embrionária, mal engatinham.
Movimentos sociais nunca foram, nem serão vistos com bons olhos por quem está no poder — ou dele tira grande proveito, pelo simples motivo que é do caráter de qualquer movimento, sua natureza contestatória, evidenciando alguma injustiça histórica perpetrada no país.
A existência dos movimentos pressupõe logicamente uma denúncia. Somente existe Movimento Sem Terra pois no Brasil há uma desigual distribuição de terra, com latifúndios, muitos deles improdutivos. Por sua vez, somente existe Movimento dos Sem Teto por não haver teto para todos. Quem vive em São Paulo se acostuma a se deparar no Centro com edifícios inteiros abandonados, enquanto temos um grave cenário de moradores de rua.
Por incomodarem, quando se reúnem, são chamados (pelo governo e pela mídia) de baderneiros, vândalos, bandidos, vagabundos, os quais fazem bagunça, arruaça, baderna. Sempre estiveram nas ruas reivindicando, sempre na corrente contrária da clássica medida política de maquiagem do aparente bem estar social. O esforço é enorme para desmotivar a população a se identificar com quem está na rua lutando por ela.
A Copa é um grande sinal deste conflito. Enquanto o governo trabalha incessantemente para mostrar que no Brasil não há pobreza, racismo, desigualdade social, entre outros problemas, a articulação dos movimentos sociais causará enorme insatisfação e frustação governista.
Veremos, como nunca, a criminalização dos movimentos sociais. Ser de algum movimento será (se já não é) equivalente a ser de uma organização criminosa. Principalmente para o operador de direito, tão confortável na ordem e na letra da lei. Temos, inclusive, uma Lei de Organização Criminosa, extremamente vaga, que dará margem a atuação brutal da Polícia e do Judiciário.
Assim dita o Artigo 1º, parágrafo 1º da Lei de Organização Criminosa:
“§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
Com base nessa lei, dependendo da ideologia de quem acusa e julga (como já escrevi aqui, chamar manifestante de vândalo é opção ideológica e muitos movimentos sociais podem ser — injustamente — classificados como organização criminosa. Vimos, recentemente, manifestantes serem enquadrados na Lei de Segurança Nacional, resquício da ditadura.
Portanto, a campanha e articulação contra a prática odiosa da criminalização dos movimentos sociais — medida vil adotada em outros países, como, por exemplo, a Espanha — será uma grande luta a ser travada como nunca. Pois na Copa, o Brasil será perfeito, mesmo que seja na marra.

Pais que não passaram por adoção ficam com menor

Qualquer decisão em casos que envolvam crianças que passam por processo de adoção deve analisar o interesse do menor, como consta do Estatuto da Criança e do Adolescente. Levando em conta o que seria melhor para uma criança que estava sob os cuidados de pais adotivos que não passaram pelo procedimento formal, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou que a menina permaneça com os pais o trânsito em julgado do processo de adoção. A menor é criada pelo casal desde que saiu do hospital, e a mãe biológica, que não está envolvida no caso, afirmou que a criança seria fruto de um relacionamento extraconjugal com o pai adotivo.
No entanto, a tese caiu por terra após um exame de DNA apontar que o homem não é pai biológico da menor. A divulgação do resultado levou o Ministério Público a ajuizar ação para o acolhimento institucional da criança, sob o entendimento de que houve uma “adoção à brasileira”, quando o interessado registra a criança e, de forma falsa, declara ser o pai — ou a mãe — biológico. Relator do caso no STJ, o ministro Luis Felipe Salomão citou o respeito prioritário ao interesse da criança, apontando que só depois poderiam ser adotadas as medidas de proteção, o que inclui o acolhimento institucional.
De acordo com Salomão, representantes do Conselho Tutelar visitaram a família adotiva e constataram que a criança está sendo bem cuidada, com vacinação em dia, roupas adequadas à temperatura e vivendo em uma casa apropriada. Assim, segundo Salomão, não há qualquer perigo na permanência da criança com a família até o julgamento da ação de adoção. O ministro afirmou que, no caso em questão, não seria necessária a passagem da menor por um abrigo e a posterior adoção por um casal cadastrado na lista de adoção. Este procedimento não seria, concluiu o relator, o mais adequado para os interesses da criança, pois há risco de dano irreparável à formação de sua personalidade. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Reforma penal repete populismo punitivo comum no Brasil

O Senado está dando andamento à reforma penal (foi aprovado em 17 de dezembro de 2013 o relatório final na Comissão Especial de Senadores). Agora o texto vai para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, ao plenário. Aprovado o texto no Senado, será ele enviado para a Câmara dos Deputados. Desde 1937 (Estado Novo), passando pelo Código Penal de 1940 e pelas 150 reformas penais até dezembro de 2013, no Brasil só temos conseguido oferecer uma “solução” enganosa para o problema da criminalidade: edição de novas leis penais, cada vez mais duras. Verdadeiro populismo punitivo, regido pela criminologia populista/midiática.
Objetivamente (e estatisticamente) as reformas penais costumam produzir efeito positivo efêmero logo após a sua aprovação, quando produzem esse efeito (após o Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo), mas em seguida a criminalidade volta com toda intensidade. Um exemplo dessa política desastrada (e absolutamente ineficaz a médio ou longo prazo) são os homicídios:
De 1986 a 1990, como se vê, o movimento foi de ascensão contínua. Os homicídios só aumentavam. Em 1990 veio a primeira lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/90). Seu efeito redutor positivo se deu em 1991 e 1992. A partir daí, a escalada sanguinária não mais cessou. De acordo com os dados disponíveis no Datasus, do Ministério da Saúde, de 1986 até 1990 o crescimento no número de homicídios passou de 56%. Entre 1990 e 1992, após a aprovação da lei, a taxa caiu 8% e voltou a crescer 7,7% já no ano seguinte.  A partir de 1994, quando veio a segunda lei dos crimes hediondos, os homicídios não caíram absolutamente nada. Ao contrário. Só aumentaram (de forma linearmente ascendente). Entre 1994 e 2000 o crescimento foi de 39%. O selo de crime hediondo colado em um crime não significa nenhuma garantia de diminuição do crime.
O engodo da política puramente repressiva do Estado brasileiro (uma das políticas públicas mais irresponsáveis em toda a América Latina) está estatisticamente evidenciado. Puro populismo penal demagógico, mesclado, às vezes, com charlatanismo (que ocorre quando o populista atua com má-fé). No campo da prevenção penal reside uma das grandes mentiras que são contadas para o povo brasileiro que, desorientado e desolado, não se rebela coletivamente contra elas. Mas fica sempre decepcionado.
Nenhuma reforma penal do legislador brasileiro, de 1940 a 2013, fez reduzir a criminalidade, a médio prazo. Nenhuma! Nenhum crime diminuiu sistematicamente. Passado o efeito sedativo da nova lei, em seguida retorna a criminalidade. Para isso muito contribui a falência da estrutura estatal punitiva, esgarçada, sucateada (apenas 8% dos homicídios são apurados).
Enquanto discutimos (no campo da dogmática penal) se o dolo está no tipo ou na culpabilidade, se esta é psicológica ou normativa, se a pena tem sentido retributivo ou preventivo etc. (o debate dogmático é relevante, sem sombra de dúvida, mas insuficiente), o povo pobre está morrendo nas filas dos hospitais ou sendo amassado como sardinha nos ônibus e trens lotados ou ficando mais ignorante nas escolas públicas (porque não prestigiam o professor, não têm estrutura etc.); nossa infraestrutura continua esgarçada, os desonestos continuam "roubando" o dinheiro público, o brasileiro continua achando que nossa terra vai dar certo só porque foi abençoada inicialmente por Deus e por aí vai. A soma da esperteza do legislador com a ignorância de grande parcela da população, mais a espetacularização da mídia, vem significando mais homicídios.
Algo em torno de 270 pessoas são massacradas diariamente no Brasil (130 no trânsito e 140 assassinadas). Enquanto o legislador penal insiste na sua política penal rigorista e populista, nos últimos 73 anos, 2,3 milhões de pessoas perderam a vida no trânsito ou por causa das mortes intencionais (dolosas)! São “mortes antecipadas”, como diz Zaffaroni. Sem que tenha havido nunca qualquer tipo de revolução! É a marcha da nossa insensatez. O dilema barbárie ou civilização continua sendo um enigma no continente latino-americano!
Para cada reforma penal (foram 150, em 73 anos), foram 17 mil cadáveres! Mortes nunca reduzidas. Isso significa que deveríamos viver sem leis? Não. Impossível. As leis são necessárias. O que estou dizendo é que as reformas penais populistas e demagógicas não estão diminuindo os crimes! O povo brasileiro continua, no entanto, pedindo mais leis, mais dureza, mais política de “mão-dura”. É a guerra contra o crime. A criminalidade crescente é uma realidade. A guerra como consequência única é questionável. Desorientação popular e midiática, que sempre achará um legislador disposto a atender essa demanda. As reformas das leis não custam nada (já dizia o utilitarista Bentham, 1782-1875).

DOSIMETRIA DA PENA - Total de droga apreendida só entra uma vez na dosimetria

Nos casos envolvendo pessoas presas por tráfico de drogas, as circunstâncias relacionadas à natureza e quantidade do entorpecente apreendido só podem ser utilizadas uma vez na dosimetria da pena. Caso opte por incluir os dados na primeira fase — cálculo da pena-base —, o juiz não poderá fazer o mesmo na terceira etapa — análise das causas que elevam ou reduzem a pena. Isso ocorre porque, ao adotar os parâmetros nas duas etapas, o magistrado promove uma dupla punição por conta do mesmo crime, algo que não é permitido. No entanto, deve ser preservado o poder de discricionariedade concedido ao juiz, além da individualização da pena, o que justifica a possibilidade de que ele escolha se quer utilizar a natureza e quantidade da droga apreendida na primeira ou na terceira fase.
O entendimento foi consolidado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, acionado pela 2ª Turma da corte para analisar dois Habeas Corpus que envolviam tráfico de drogas. Relator dos HCs 112.776 e 109.193, o ministro Teori Zavascki afirmou que a decisão plenária era necessária por conta da divergência, entre as duas turmas do STF, em relação ao artigo 42 da Lei 11.343/2006. O dispositivo prevê que o juiz deve considerar durante a fixação das penas, de forma preponderante ao artigo 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.
O primeiro Habeas Corpus é relativo ao caso de um jovem flagrado com seis gramas de crack, e o segundo envolve um homem condenado com 70 pedras da mesma droga. No julgamento do primeiro preso, o juiz considerou a quantidade de entorpecentes apenas na terceira fase. O voto de Teori caracterizou o uso das características nas duas fases da dosimetria como como dupla punição, sendo que caberia ao juiz escolher quando analisar tais condições, com a prática podendo ocorrer apenas uma vez. O ministro informou que não é inédito o entendimento sobre a discricionariedade de definir o momento de sopesar as circunstâncias, alertando para o perigo da repetição.
O entendimento já foi adotado pela 2ª Turma, ao analisar demanda semelhante. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Luis Barroso, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa.
A divergência foi aberta pelo ministro Luiz Fux, que apresentou a visão da 1ª Turma do STF sobre tal situação. De acordo com ele, os integrantes da turma não consideram a dupla análise como dupla punição, pois na primeira fase, o juiz analisa a natureza e quantidade como circunstância judicial e, na terceira fase, como indicativo do grau de dedicação ao tráfico. Assim, inicialmente seria analisada a intensidade da lesão à saúde pública e, na sequência, o grau de envolvimento do acusado com o crime, segundo Fux, que coloca tal situação como benéfica para punir com mais rigor quem está ligado ao tráfico de drogas. Ele foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Rosa Weber. Assim, por maioria de votos, os ministros concederam a ordem no HC 112.776, determinando que o juiz responsável pela sentença promova nova dosimetria, calculando as circunstâncias e a quantidade de crack apreendido em apenas uma fase.
Visão modernaAo declarar seu voto sobre o assunto, o ministro Luis Barroso defendeu a necessidade de debate sobre a descriminalização das drogas leves no Brasil e classificou a maconha como uma droga que não provoca a antissocialidade em seus usuários e não causa perigo a terceiros. Ele disse que o STF julga semanalmente diversos casos envolvendo jovens presos com pequena quantidade de maconha, que poderia caracterizar consumo próprio, e que acabam julgados por crime com pena de até 15 anos de prisão.
O ministro apontou que a legislação brasileira é rígida em relação ao tráfico de drogas, o que coloca atrás das grades diversos jovens pobres, condenados pelo tráfico de maconha, e que não são os grandes criminosos. Quem vai para a cadeia em tais situações, de acordo com ele, são “pequenos intermediários, que portam e vendem a droga para financiar o consumo próprio e para se sustentarem. Esses jovens, de baixa periculosidade, entram no sistema penitenciário e passam a cursar a escola do crime. De lá, saem criminosos perigosos, integrando organizações e cheios de novas conexões”.
Ao defender o debate sobre a descriminalização, Luis Barroso pediu que especialistas sejam ouvidos e que a percepção social seja analisada, e citou a experiência uruguaia. Ele apontou outro foco como sendo sua maior preocupação, “o dano social que a atual política de criminalização tem provocado, tanto pelo encarceramento de jovens não perigosos como por um outro subproduto da criminalização: ela fomenta um submundo onde vicejam os barões e baronetes do tráfico”. Na visão do ministro, a descriminalização, regulamentação e venda em locais licenciados pode ajudar a combater o poder paralelo e — traçando um paralelo com o cigarro comum, que tem a venda autorizada — a reduzir o consumo por meio de contrapropaganda e esclarecimentos ao público. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Sem regime próprio, município tem de recolher FGTS

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou recurso que pedia a declaração de inexigibilidade do pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) aos servidores estatutários, aos celetistas com estabilidade e aos ocupantes de cargo em comissão no Município de Ponta Grossa (PR). A decisão foi tomada dia 11 de dezembro.
A municipalidade recorreu ao TRF-4 após a ação ter sido julgada improcedente na primeira instância. Argumentou que o recolhimento das contribuições ao FGTS dos servidores não é obrigatório, visto que estes, com exceção dos 195 que não detinham estabilidade quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, mantêm vínculo de natureza estatutária.
O relator do recurso na corte, desembargador Joel Ilan Paciornik, afirmou no acórdão que, apesar de o município ter alegado que todos os seus servidores são regidos pelo regime estatutário, isso não ficou comprovado nos autos. Ressaltou que as leis municipais não chegaram a implementar um regime jurídico próprio.
Paciornik observou que o regime estatutário, autorizado pela Constituição de 1988, não se deu automaticamente nos municípios, visto que a estes foi condicionada à prévia implantação dos planos de carreira e de previdência e assistência do servidor municipal, o que ainda não teria ocorrido em Ponta Grossa.
“Quanto aos ocupantes de cargos em comissão, tampouco procede a alegação do ente municipal de que não fariam jus ao FGTS, considerando que a Lei 8.036/90 apenas exclui do conceito de empregado os eventuais, os autônomos e os servidores públicos civis e militares sujeitos a regime jurídico próprio”, acrescentou.
Dessa forma, a 1ª Turma confirmou, por unanimidade, a sentença, entendendo que, na ausência de um regime jurídico estatutário próprio, o município segue obrigado a recolher o FGTS como garantia aos servidores, ainda regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.
Clique aqui para ler o acórdão.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O final de ano, as dívidas e os "restos a pagar"

Final de ano é tempo de festas e confraternizações. Mas é época também de refletir sobre o ano que passou, em todos os sentidos. Pensar no que se fez e no que se projeta para o ano seguinte. E é hora também de acertar as contas. Tempo de balanço. Para as pessoas, as empresas e também o setor público.
É o momento em que aparecem as consequências daquele hábito arraigado de deixar tudo para a última hora: falta o dinheiro, e adiam-se pagamentos, parcelam-se dívidas. Muitas vezes criam-se novos compromissos — afinal, o Natal está aí, todos querem presentes. Difícil dizer se é um hábito de todos ou apenas de nós, brasileiros.
O fato é que este (mau) hábito reflete-se na administração pública, que parece reproduzir o comportamento das pessoas, e também posterga a quitação de suas contas.
Pagamentos que deveriam ter sido feitos ao longo do ano são deixados para o ano seguinte. Cria-se o que tecnicamente se chama de “restos a pagar”[1], ou seja, a administração pública compromete-se no final do ano a fazer pagamentos de despesas empenhadas no exercício, deixando-os para que se concretizem no exercício financeiro seguinte, onerando o próximo orçamento.
E até compreensível o uso moderado desse instrumento.
Afinal de contas, nossas leis orçamentárias, como nos demais países, têm vigência temporária, em atenção ao princípio da anualidade, que, por disposição legal (Lei 4.320/1964, artigo 34), corresponde ao ano civil, iniciando-se em 1º de janeiro e terminando em 31 de dezembro,
A anualidade orçamentária, erigida à condição de princípio pelos doutrinadores, é, de um lado, uma necessidade, uma vez que os orçamentos públicos exercem as funções de controle, gestão e planejamento, e para isso torna-se imprescindível que se estabeleça um período determinado para que sejam previstas e autorizadas as receitas e despesas, a fim de que possam ser controladas.
Por outro lado, a existência de um prazo fixo para a vigência da lei orçamentária causa alguns problemas e distorções[2], uma vez que a atividade financeira do setor público compreende um conjunto de atos que se realizam continuamente.
Daí porque a necessidade de mecanismos, como é o caso dos restos a pagar, que permitam adaptar a necessária temporariedade da lei orçamentária com a diversidade de situações que decorrem da atividade financeira ininterrupta do setor público.
Infelizmente, o que se tem observado é seu uso abusivo, generalizando-se a inscrição de valores em restos a pagar, fazendo com que o ano se inicie com expressivos valores já empenhados, criando-se um verdadeiro “orçamento paralelo”, que dificulta o planejamento e a gestão e torna menos transparentes os gastos públicos.
Intensifica-se ainda a disputa pela liberação desses recursos no exercício seguinte, em um jogo sujeito a interferências políticas e de toda ordem, com regras pouco claras e transparentes.
O legislador tem estado atento a isto, e várias são as limitações impostas para a inscrição em restos a pagar, com vedações voltadas a evitar abusos e descontrole das contas públicas, além da previsão de relatórios que procuram dar maior transparência. Mas lamentavelmente isto parecer não estar sendo suficiente, pois o que se vê é um crescimento constante desses valores.
Constata-se ser necessário o aperfeiçoamento da legislação em matéria de finanças públicas, e isto passa pela revisão da ideia de anualidade orçamentária, a fim de tornar nossas leis orçamentárias mais coerentes com a modernização da administração pública.
Com efeito, atualmente a lei orçamentária insere-se no contexto de um sistema orçamentário, coordenando-se com outras leis que abrangem períodos mais amplos da atividade financeira do Estado, que não prescinde de previsões de médio e até mesmo longo prazos, como a lei de diretrizes orçamentárias, o plano plurianual, plano nacional de educação e outras, que vêm exercendo funções cada vez mais relevantes. Já há muito se fala também no princípio da plurianualidade[3], tendo em vista o reconhecimento de que as despesas do setor público são no mais das vezes de caráter plurianual, com o que o sistema orçamentário deve ser compatível.
A lei anual de diretrizes orçamentárias, para citar uma dessas novas e importantes atribuições, atualmente incorpora o anexo de metas fiscais (LRF, artigo 4º, 1º), com previsões para o exercício a que se refere mais os dois seguintes, institucionalizando o chamado planejamento “deslizante” (ou “rolante”, como preferem alguns autores), adaptando a anualidade orçamentária ao planejamento plurianual e permitindo maior segurança jurídica para as despesas que extrapolam o exercício financeiro. Essas despesas hoje são fundamentais para assegurar o desenvolvimento econômico e social, especialmente em função das grandes obras de infraestrutura, cada vez mais necessárias para melhorar o bem-estar de nossa sociedade. Basta ver as imprescindíveis obras voltadas a favorecer a mobilidade urbana, problema crescente nas grandes metrópoles, que exigem altos investimentos em transportes coletivos de massa, como o metroviário, vias rápidas e outros; ou ainda as grandes obras voltadas à produção de energia, como usinas hidrelétricas. Todas obras de grande vulto, fundamentais para o país, e cuja implantação ultrapassa em muito o período do exercício financeiro.
Os contratos com o Estado cada vez menos se esgotam no curto prazo, e é necessário assegurar o seu cumprimento pelo poder público. Nosso sistema jurídico precisa estar preparado e adequado para dar segurança jurídica, em todos os aspectos, especialmente financeiros, para esses investimentos que ultrapassam a vigência da lei orçamentária.
Os projetos de lei em curso voltados a substituir a Lei 4.320, de 1964[4], sugerem mecanismos de aperfeiçoamento neste sentido, como a introdução de um anexo e novas regras que garantem recursos paras os empreendimentos plurianuais, possibilidade de carregar dotações orçamentárias para o próximo exercício (“carry-over”), além de melhor regulamentação para os restos a pagar. Com isto, evitam-se ou reduzem-se os efeitos indesejáveis de uma anualidade orçamentária rígida, causadora das já citadas ineficiências na gestão financeira do Estado.
A administração pública e o sistema orçamentário precisam se adaptar aos novos tempos, e muito há que se fazer, como se pode ver.
E as pessoas e governantes também podem colaborar, e muito, mudando hábitos que, embora pareçam fazer parte de uma cultura, não são nada saudáveis para as finanças públicas, muito menos para as particulares. Endividar-se não é por si só um mau hábito, pelo contrário, é muitas vezes um incentivo e motor do crescimento e desenvolvimento. Exige apenas planejamento e responsabilidade.
É hora de aproveitar os últimos dias que faltam para o fim do ano e acertar nossas contas. Pode ser difícil convencer nós brasileiros a não ter dívidas, mas ano novo é o momento para fazer as promessas, e quem sabe desta vez seja diferente. Vamos esperar que todos, especialmente nossos governantes, deixem as dívidas pagas em 2013 e vamos começar 2014 com dinheiro para os novos projetos. Um feliz 2014 a todos, com muito dinheiro no bolso e no caixa. E sem “restos a pagar”!

[1] As “despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro”, previstas no art. 36 da Lei 4.320, de 1964, e 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar 101, de 2000.
[2] Já me referi a esse assunto na coluna publicada no final do ano passado (Natal é tempo de correr com a execução orçamentária, publicada em 11 de dezembro de 2012), onde mostrei que a aproximação do final do exercício leva a uma “corrida” para a execução apressada da lei orçamentária, com a finalidade de evitar a perda das dotações consignadas no orçamento.
[3] José Afonso da Silva, O orçamento-programa no Brasil, Ed. RT, 1973, p. 134.
[4] Sobre os quais já me referi na coluna Responsabilidade orçamentária precisa de melhorias, publicada em 12 de março de 2013.

Execução correta da pena não é privilégio

Os desencontros na execução das penas da Ação Penal 470 — Mensalão — revelam um problema que transcende os limites desse processo e de seus personagens. As dificuldades da comunicação entre juízes, a falta de estrutura para garantir que o réu cumpra pena no regime pelo qual foi condenado, a logística precária, não são questões exclusivas deste caso. O Brasil tem 548 mil presos. Para esse contingente, as ilegalidades são correntes. Presídios em condições insalubres, condenados sem banho de sol, doentes, comida estragada.
Visitantes, familiares ou amigos submetidos ao medieval sistema de revista íntima, como se não existissem meios menos invasivos para evitar a entrada de drogas e celulares nos presídios, como o uso de raio-X. Com raras exceções, inexiste atendimento médico adequado. Não por acaso a reincidência ultrapassa os 70%. Ademais, são frequentes prisões após o fim do prazo fixado pelo juiz, e condenados cumprindo pena em regime mais grave do que o previsto.
A prisão dos réus na Ação Penal 470 jogou luz em parte desta situação, revelando ao público as mazelas da estrutura carcerária brasileira. Garantir aos condenados neste processo uma execução correta da pena não é privilégio. É fazer cumprir a lei. Errado é esquecer que outros milhões de brasileiros padecem por anos em prisões por mais tempo que o previsto, ou em regime mais severo, sem que alguém se dê conta. Não se elimina a sensação de impunidade exigindo que condenados suportem, além da pena, o peso das iniquidades do nosso sistema prisional. Esta é a questão a ser superada.
E há meios de fazê-lo. Inúmeras experiências bem-sucedidas têm demonstrado que a boa vontade, aliada ao uso de novas tecnologias, pode gerar resultados impressionantes. O Mutirão Carcerário, criado pelo Conselho Nacional de Justiça, é um exemplo. O trabalho conjunto e concentrado de juízes, promotores, defensores públicos, advogados e a administração penitenciária permitiu a revisão de processos de réus presos, eliminando prisões irregulares e arbitrariedades. Outras tantas mais existem, todas disponíveis para implementação.
A questão carcerária está no centro das atenções. Aproveitemos este momento para refletir sobre problemas e buscar soluções factíveis. Basta observar essas iniciativas já em funcionamento, e replicá-las em maior escala, construindo uma politica que se ocupe não apenas com a porta de entrada dos presídios, mas também com a duração adequada da pena e com o caminho da saída. Sem privilégios ou concessões, mas zelando intransigentemente pelo respeito à lei.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Fator previdenciário causa grande prejuízo para o trabalhador

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A recente divulgação da Tábua Completa de Mortalidade para o Brasil de 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística terá impacto direto na fórmula do fator previdenciário, usado para o cálculo das aposentadorias do Instituto Nacional de Seguridade Social. A esperança de vida ao nascer no Brasil subiu para 74,6 anos em 2012.
A nova tabela incide nos benefícios requeridos desde o dia 2 de dezembro de 2013, segundo o Ministério da Previdência Social. Os benefícios já concedidos antes desta data não sofrerão qualquer alteração.
Considerando a nova expectativa de vida e a mesma idade e tempo de contribuição, um segurado com 55 anos de idade e 35 anos de contribuição que requerer a aposentadoria terá que contribuir por mais 153 dias corridos para manter o mesmo valor de benefício.
Um segurado com 60 anos de idade e 35 de contribuição deverá contribuir por mais 173 dias para manter o valor.
Ou seja, atualmente vale a pena esperar mais tempo para se aposentar, tendo em vista que o fator previdenciário foi justamente criado para desestimular as pessoas a se aposentarem mais cedo, reduzindo o valor do benefício do segurado. Enfim, uma saída criada pelo governo para estabelecer uma idade mínima para as aposentadorias, implicitamente, mediante a redução da renda, e desta forma, “aliviar os cofres públicos” e os gastos da previdência, manejo injusto e totalmente inconstitucional.
O fator previdenciário foi criado pela Lei 9.876/99 inserindo uma nova sistemática no cálculo dos benefícios programados: Aposentadoria por Tempo de Contribuição e por Idade. Mas a redução somente ocorre na primeira modalidade, já que por Idade, o fator é opcional e em geral, não se aplica, somente se beneficiar o segurado.
Assim, o fator previdenciário leva em conta o tempo de contribuição, a idade na data da aposentadoria e a expectativa de sobrevida da pessoa (prazo estimado que o benefício deverá ser pago). Sendo que, o § 9º do art. 29, da Lei de Benefícios (8.213/91), impõe um acréscimo de cinco anos no tempo de contribuição para os seguintes segurados:  cinco anos quando se tratar de mulher; cinco anos quando se tratar de professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício de suas funções de magistério, na educação infantil, no ensino fundamental e médio; dez anos quando se tratar de professora que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício de suas funções de magistério na educação infantil, no ensino fundamental e médio;
Os benefícios programados serão calculados, conforme a seguinte fórmula:
 
Sendo:
f = fator previdenciário
Es = expectativa de sobrevida até o momento da aposentadoria
Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria
 Id = idade mínima até o momento da aposentadoria
 a = alíquota de contribuição correspondente a 0,31
Assim sendo, a título de exemplo, pensemos em uma mulher que se aposenta hoje com 50 anos de idade e 30 anos de tempo de contribuição: ela terá um fator de aproximadamente 0,5977 o que corresponde a 59,77 % do salário de benefício, ou seja, não se aposentará com 100% da média de seus salários de contribuição.
Se esta mulher for professora, o fator será de 0,6896 o que corresponde a 68,96% do salário de contribuição. Nesse caso há uma melhora, conforme dispõe o parágrafo 9º do artigo 29 da lei 8.213/91.
Vale ressaltar que existe um projeto de lei do senador Paulo Paim, que introduz a regra do fator 95/85, que extingue o fator previdenciário e prevê uma carência de contribuições atrelada ao requisito idade para a obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição.
Exemplo: Um homem poderá requerer sua aposentadoria, caso tenha 35 anos de tempo de contribuição e 60 anos de idade, sem redução do benefício pelo fator.
Este é o projeto mais indicado para ser votado, dentre as dezenas de outros projetos que passaram pelo Congresso Nacional.
Para quem está às vésperas de se aposentar, é possível prever se haverá vantagem ou não pela espera da possível vigência de Lei nova. Entretanto, é de se presumir, que não há nada pior do que a incidência do fator previdenciário na esfera previdenciária, em absoluto. De toda forma, é possível através de uma contagem de tempo, estimar quem aproveitará a possível Lei nova de imediato e quem terá de aguardar um pouco mais.
De toda sorte, se o projeto for aprovado, nos termos ou não do fator 95/85, será um grande ganho para a classe trabalhadora, que há 13 anos sofre com tamanha injustiça social, uma vergonha nacional!

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Autonomia do tipo associação criminosa é inconstitucional

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Em uma mesa de bar, quatro pessoas exaustas da corrupção tramam e idealizam a morte de corruptos, o pária do momento, sucessor da carne de porco. Ou ainda, um congresso de Direito, cujos palestrantes defendem e elaboram projetos concretos pela instituição da pena de morte no Brasil para qualquer crime que tenha violência física.
A semelhança entre os casos reside na associação de mais de três pessoas para o fim específico de cometer crimes. Sim, pois mesmo que os “corruptos” sejam a causa e fim de todos os males do mundo, devem ter sua vida preservada, do mesmo jeito que falar em pena de morte, não deixa de ser falar em homicídio.
Pois bem, para a doutrina construída e pacificada, em companhia da jurisprudência sólida e robusta dos Tribunais, essas pessoas podem ser criminosas em potencial. Isso porque, ao longo dos anos, foi firmado o consenso de que o tipo penal da associação criminosa — antigo tipo de formação de quadrilha — (Artigo 288 do Código Penal) é crime autônomo, formal, independente do cometimento do crime fim.
Não lhe parece estranho?
Tirando o fato da exemplificação ser apenas um exagero provocativo, fica ainda o apelo em razão da falta de reflexão nisto. Qual o sentido, qual a lógica, qual o fundamento de alguém ser processado por associação criminosa sem que haja crime?
Vou repetir, pois é tão absurdo que fica difícil entender — Se “A B C e D” se juntam num bar todo o sábado para idealizar morte de corruptos, o corrupto não precisa ser morto, para que eles respondam pela figura do artigo 288 — isto é, além de idiotas, são criminosos.
Por mais que digamos que o sujeito ativo e passivo sejam diferentes do crime praticado, defendamos a paz pública, com qual argumento é possível sustentar que “A B C e D” são processados por associação criminosa, sem que tenham cometido crime algum? Não há o menor cabimento.
Ocorre que, como dito, a esmagadora doutrina discorda, bem como posicionamento dos mais diversos Tribunais do país. Na verdade, se você está se associando para o cometimento de crimes — o que já é, por si só, uma definição pra lá de subjetiva, pois ofende, ainda que indiretamente, o direito de defesa em relação ao crime que seria cometido (seria típica a conduta? Culpável?) — não interessa se vai ou não cometê-los.
Para os céticos com devaneios alheios, no plano prático, a acusação apenas pela figura típica do Art. 288 tem sido aceita nos Tribunais Superiores. Apenas um exemplo:
“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . QUADRILHA OU BANDO. ATIPICIDADE. IMPUTAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO PARA A PRÁTICA DE CRIMES. DELITOS IDEALIZADOS, MAS QUE NÃO VIERAM A OCORRER. CRIME FORMAL E DE PERIGO. ADVENTO DOS CRIMES PLANEJADOS. DESNECESSIDADE”. (STJ – HC nº 135.715/MS – Rel. Min. Maria Thereza Assis Moura - julgado em 03/02/2011).
Sempre é bom lembrar em casos como esse o excelente filme estrelado por Tom Cruise — Minority Report: A nova Lei. O ator interpreta um policial que coordena uma equipe que tem a capacidade de prender o indivíduo antes de cometer o crime. Prendia enquanto o preso apenas pensava.
Some-se a isso, ainda, elementos constitucionais indispensáveis para essa discussão, como liberdade de manifestação do pensamento e o direito de reunião, ambos no Artigo 5º da Constituição. Todo mundo é livre para se reunir (em mais de três pessoas, por exemplo) e falar a groselha que queira (liberdade de expressão), sem que por isso responda por quadrilha. Ou pelo menos, assim deveria ser.
Pois se há só a idealização do crime em conjunto, somente a preparação de uma quadrilha que nunca cometeu um crime sequer, configurados estão os elementos preparatórios do tipo — a cogitatio —, os quais não são puníveis pelo nosso Direito. Aproveitando-se da expressão do Ministro Ayres Britto, seria necessário um salto twist carpado hermenêutico para diferenciar atos preparatórios de associação criminosa sem crime.
Ou seja, ao considerarmos que i) é livre a manifestação do pensamento; ii) é assegurado o direito de reunião; iii) conforme doutrina pacífica, os atos preparatórios não são puníveis no nosso Direito Penal, temos que a interpretação da autonomia do tipo penal da quadrilha, não só é desprovida de lógica, como também é inconstitucional.
Um verdadeiro absurdo (infelizmente) aceito e repetido nos Tribunais e na doutrina.

Só condenação definitiva exclui candidato de concurso

Candidatos a cargos públicos não podem ser excluídos de concursos apenas por apresentarem registros de infrações penais, sem condenação transitada em julgado. O direito à presunção da inocência foi o argumento do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, para obrigar o governo do Ceará a dar o cargo de agente penitenciário a um inscrito que teve boa classificação, mas foi excluído do processo seletivo por suspeitas de homicídio culposo e participação em contravenção penal.
Os registros foram encontrados pela administração durante a fase de investigação social do candidato, que estava prevista no edital. Para o governo cearense, a existência das suspeitas contra ele justificaria a eliminação. Os dois casos, porém, não tiveram andamento na Justiça: o candidato recebeu a decretação de extinção da punibilidade em processo na 1ª Vara de Delitos de Trânsito de Fortaleza e teve arquivada outra ação na 11ª Unidade dos Juizados Cíveis e Criminais.
Por isso, a contratação do inscrito já havia sido determinada em primeira instância. O Ceará recorreu, mas perdeu novamente no Tribunal de Justiça do estado. A eliminação na fase de investigação, segundo o acórdão, “deve ser realizada de forma a não apresentar radicalismos, visto que a Administração Pública deve ter conta, sempre, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”.
O STF negou no dia 6 de dezembro o prosseguimento de novo recurso do governo. “A pretensão jurídica deduzida pelo estado do Ceará mostra-se colidente com a presunção constitucional de inocência, que se qualifica como prerrogativa essencial de qualquer cidadão”, afirmou Celso de Mello. Esse direito, diz ele, “representa uma notável conquista histórica dos cidadãos” e impõe ao Poder Público “um dever de tratamento que não pode ser desrespeitado por seus agentes e autoridades”.
Clique aqui para ler a decisão.
ARE 733957

FONTE: CONJUR

sábado, 7 de dezembro de 2013

Vendedor obrigado a constituir Pessoa Jurídica tem vínculo reconhecido

Um empregado obrigado a constituir empresa para continuar a exercer a função de vendedor, na condição de representante autônomo, conseguiu ser reconhecido como empregado efetivo. De acordo com o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES), a empresa suspostamente instituiu uma relação autônoma com os vendedores, mas manteve os mesmos moldes da relação empregatícia.
“Diante do quadro fático delineado, verifica-se que a subordinação jurídica —aspecto fundamental que caracteriza a relação empregatícia — restou evidenciada no estabelecimento de metas, o que, aliada à prática fraudulenta de constituição de empresas pelos empregados com intuito de descaracterizar a relação de emprego, impõe a manutenção do reconhecimento da relação empregatícia”, diz o acórdão do TRT-ES.
Na reclamação, o empregado informou que trabalhou na empresa entre 1999 e 2001 com carteira assinada e, a partir daí, até 2011, sem contrato de trabalho. Segundo ele, em 2003 foi obrigado a constituir empresa de prestação de serviços para continuar trabalhando como representante de vendas. A empresa se defendeu sustentando a legalidade da prestação do serviço.
Em primeira instância foi reconhecido o vínculo empregatício, deferindo ao vendedor aviso-prévio, 13º salário, férias acrescidas do terço constitucional e FGTS com multa de 40%, relativo a todo período laboral (1999 a 2011). A sentença foi confirmada pelo TRT-ES e a empresa então recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho, que negou o recurso.
Segundo o relator que examinou o recurso da empresa no TST, ministro José Roberto Freire Pimenta, o apelo não conseguiu afastar os requisitos que configuraram a relação de emprego, especialmente o da subordinação, apontados pelo TRT. Na argumentação da empresa, o vendedor trabalhava como representante comercial autônomo, sem nenhuma relação empregatícia.
O TST registrou que testemunhas comprovaram a prática ilegal da empresa de "compelir os empregados a constituir empresa com a finalidade de revenda de seus produtos", para burlar direitos trabalhistas. Ao concluir que a decisão regional estava fundamentada na análise das provas constantes do processo, o relator aplicou a Súmula 126 do TST, que impede o reexame de fatos e provas. Os demais minitros da 2ª Turma do TST seguiram o voto do relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
RR-3000-57.2012.5.17.0141

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Habeas corpus mantém criança com família que a adotou irregularmente

Com o intuito de preservar os interesses da criança, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para que um menor seja mantido sob a guarda do casal que o adotou irregularmente. A decisão foi unânime.

A Justiça paulista havia determinado o recolhimento da criança a um abrigo, sob o único argumento de ter havido adoção irregular – a mãe, supostamente usuária de drogas, teria entregue o menino para que fosse criado pelo casal.

Em decisão individual, a relatora, ministra Nancy Andrighi, já havia concedido liminar para que o menor voltasse à família adotiva. Ela destacou que não havia situação de risco que justificasse a aplicação da medida de proteção de acolhimento institucional. De acordo com o Ministério Público estadual, a criança estava sendo bem tratada pelo casal e não havia informações sobre a existência de familiares biológicos que pudessem assumir os cuidados com ela.

Denúncia anônima feita ao conselho tutelar relatou que a criança fora adotada de forma ilegal e estaria sendo vítima de maus-tratos. A ocorrência de maus-tratos não foi constatada, mas o MP estadual ajuizou ação de acolhimento institucional e requereu a busca e apreensão do menor e seu imediato encaminhamento a abrigo.

Situação excepcional

A ministra advertiu que o uso de habeas corpus para defesa dos interesses da criança é inadequado, porque o debate de questões relativas à guarda e adoção de menor costuma exigir ampla análise de provas. Contudo, disse a ministra, no caso dos autos, a situação é “delicada e impõe a adoção de cautela ímpar, dada a potencial possibilidade de ocorrência de dano grave ou irreparável aos direitos da criança”.

Para a relatora, trata-se de situação anormal que, entretanto, não trouxe prejuízo à criança: “Pelo contrário, ainda que momentaneamente, a guarda de fato tem-se revelado satisfatória aos seus interesses.” A ministra observou que há provas de que “os guardiães têm dispensado cuidados (médicos, assistenciais, afetivos etc.) suficientes à elisão de qualquer risco imediato à integridade física ou psíquica do menor”.

Nancy Andrighi ainda ressaltou que a higidez do processo de adoção é um dos objetivos primordiais perseguidos pelo estado no que toca à sua responsabilidade com o bem-estar de menores desamparados. “A adoção deve respeitar rígido procedimento de controle e fiscalização estatal, com a observância do Cadastro Único Informatizado de Adoções e Abrigos (Cuida), o qual, aliás, pelos indícios probatórios disponíveis, teria sido vulnerado na busca de uma adoção intuito personae”, disse.

Contudo, a ministra considera que o fim legítimo não justifica o meio ilegítimo para punir aqueles que burlam as regras relativas à adoção. No caso, a decisão judicial de recolhimento do menor implica evidente prejuízo psicológico à própria criança, que deveria ser protegida pelo estado.

Sem ação penal, pena administrativa prescreve em 2 anos

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu por unanimidade a prescrição da pena de demissão aplicada a um agente penitenciário acusado de se apropriar da aposentadoria de um interno com deficiência mental. O motivo: o cálculo da prescrição de infrações administrativas só pode adotar prazo do Código Penal se o caso tiver sido tratado em um inquérito policial ou em uma ação penal.
O agente penitenciário atuava no Instituto Psiquiátrico Forense de Porto Alegre até ser demitido por peculato. Ele entrou com mandado de segurança no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sob a justificativa de que a instauração e a conclusão do processo administrativo disciplinar extrapolaram o prazo de 24 meses estabelecido na Lei Complementar Estadual 10.098/94 — a investigação começou em março de 2009 e só teve fim em maio de 2011.
O tribunal gaúcho negou a possibilidade de prescrição, com a justificativa de que o critério de fixação do prazo em casos de infrações administrativas ligadas a crimes seria o da lei penal. No recurso ao STJ, o agente alegou que não houve investigação criminal, tampouco processo penal. Assim, não poderiam ser invocados dispositivos do Código Penal.
O relator, o ministro Humberto Martins, reconheceu que, “nos termos da jurisprudência do STJ, a instauração de um procedimento criminal é providência inafastável para atrair o prazo penal ao cálculo da prescrição das infrações administrativas”.
Ao confirmar a prescrição da pretensão punitiva administrativa, a Turma determinou a reintegração do servidor ao trabalho no serviço público. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
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RMS 38992