quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

SOCIALIZAÇÃO DOS EMPREGADOS E O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Juíza reconhece vínculo empregatício entre empresa e sócio cotista do mesmo grupo econômico


Nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, nas sociedades anônimas e em outros tipos de sociedade é possível que um sócio seja também empregado dessa mesma empresa, pois são pessoas de naturezas distintas. Enquanto a sociedade é pessoa jurídica, seus membros são pessoas físicas, havendo, portanto, compatibilidade entre as duas figuras jurídicas. Essa foi a base do fundamento utilizado pela juíza Rita de Cássia Barquette Nascimento, titular da Vara do Trabalho de Cataguases, ao reconhecer o vínculo empregatício entre uma empresa e o sócio cotista do grupo econômico do qual ela faz parte.
Para entender o caso: na petição inicial, o reclamante informou que foi admitido pela reclamada em 2008, na função de administrador. Porém, a partir de abril de 2010, teve seu salário reduzido e desde novembro de 2011 deixou de receber qualquer remuneração. Por isso, pleiteou a rescisão indireta do seu contrato de trabalho. Em sua defesa, a reclamada afirmou que o reclamante era sócio cotista do grupo econômico formado pela própria ré e mais três empresas e, por essa razão, não se poderia falar em relação contratual empregatícia.
Ao analisar o caso, a juíza observou que uma das empresas do grupo econômico, além de ser sócia da reclamada, tem significativa participação no número de cotas desta. É dessa empresa que o reclamante figura como sócio, com amplos poderes de gerência e, inclusive, de uso da denominação social. Contudo, ela destacou que, ao se manifestar sobre a defesa, o reclamante informou que, a partir de maio de 2008, passou a atuar como empregado da empresa, conforme contrato de trabalho.
No entender da julgadora, as argumentações da ré não se sustentam porque o contrato social em que o reclamante aparece como sócio é antigo, não sendo incompatível com a sua contratação como empregado de uma das empresas do grupo econômico, que, no caso, é a reclamada. Segundo frisou a magistrada, nada impede que um sócio seja também empregado da empresa.
A magistrada registrou que toda a documentação anexada pela empresa só serviu para reforçar que o reclamante foi efetivamente contratado como seu empregado. E ela concluiu que a ré, de fato, deixou de pagar diversas parcelas contratuais ao reclamante, principalmente o pagamento pontual dos salários. Por essa razão, deferiu o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos da letra d do artigo 483 da CLT. A ré foi condenada a pagar ao reclamante férias em dobro com 1/3, saldos de salários, 13º salário proporcional, aviso prévio indenizado e FGTS com a multa de 40%.
Não houve recurso e o processo encontra-se em fase de execução.

SOCIALIZAÇÃO DOS EMPREGADOS FRAUDE PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO

A sociedade com sócio minoritário detentor de 2% das cotas e a possibilidade do vínculo empregatício desse sócio com empresa do mesmo grupo econômico

Matéria publicada por Jessica Thuany Moura Lima, Advogado

s

Este trabalho tem como principal objetivo estabelecer o cenário geral sobre o assunto respectivo a sociedade em que um sócio minoritário com apenas 2% das cotas e a possibilidade de contratação pelo mesmo grupo societário, ou seja, a constituição do vínculo empregatício com a empresa do grupo econômico ao qual o trabalhador é sócio minoritário e através desse vínculo, abordar as fraudes decorrentes da relação em que um empregador com o objetivo de burlar a legislação trabalhista contrata o empregado como sócio cotista para não reconhecer o vínculo de trabalho, prática conhecida como “socialização” dos empregados.
Ementa
Sócio cotista minoritário e a possibilidade de contratação. Vínculo empregatício com sócio minoritário do Grupo Econômico. Fraudes no contratado de trabalho. “Socialização dos empregados”.
Palavras-chave: Sócio minoritário. Empresa. Grupo Econômico. Fraude. Socialização dos empregados.
Introdução
O Direito do trabalho pode ser conceituado de forma bem resumida como o ramo do direito privado disciplinador das relações entre empregado e empregador no ambiente de trabalho. Para esse fim, tem-se a figura de três elementos, o empregado, o empregador e o trabalho.
Com base nesses elementos é possível se chegar aos requisitos necessários a contratação de um empregado por um determinado empregador e as características provenientes dessa relação que caracterizam o trabalho e consecutivamente o vinculo empregatício.
Dessa maneira, ao longo dos anos as características provenientes desse vinculo bem como as relações em sociedade deram origem a praticas fraudulentas na contratação de determinados ofícios trabalhistas, ou seja, o empregador levando em consideração seu poder econômico de mercado e de mando acaba encontrando no meio social formas de contratar seus empregados burlando regras com a finalidade de fraudar as leis trabalhistas impossibilitando que os empregados não obtenham direitos provindos da relação de trabalho.
Uma das práticas fraudulentas tidas como contratação irregular que será o objeto de estudo desse trabalho é a “socialização de empregados” situação em que o empregador propõe ao empregado cotas minoritárias da empresa ao invés da contratação regular com a carteira assinada.
Assim, conforme será abordado de forma aprofundada ao longo desse trabalho, o Direito de Trabalho modernizou-se para alcançar a deflagração de tal instituto e bani-lo através da possibilidade do vínculo empregatício aos empregados detentores de cotas minoritárias de um mesmo grupo econômico.
1 Visão Geral - Contrato de Trabalho - Vínculo empregatício e as Contratações irregulares
O contrato de Trabalho nada mais é do que o acordo firmado entre o empregado e empregador afim de que se preste determinado serviço e assim tem-se a relação de trabalho.
O Vínculo empregatício se tem a partir dessa relação. A Consolidação das leis Trabalhistas (CLT) disciplina em seu texto o que vem a ser a figura do empregado, empregador e os requisitos para que seja possível se chegar a concretização desse vínculo.
Dessa forma a CLT entende como empregador:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
E como empregado:
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Para que haja relação de trabalho devidamente comprovadas é necessário que esse vínculo traga em sua decorrência alguns requisitos, são eles: trabalho realizado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação.
Diante desses elementos tem-se a caracterização da relação jurídica contratual ligada ao vínculo empregatício, porém, a falta de qualquer uma dessas características descaracteriza o referido vínculo.
Ademais, muito embora o Direito do Trabalho tenha evoluído muito nos últimos anos afim de conseguir abranger qualquer tipo de relação trabalhista com vistas a banir qualquer meio de contratação irregular.
Ainda assim, alguns empregadores insistem em se utilizar de práticas fraudulentas na contratação dos seus empregados, agindo de forma errônea e ilegal com a principal finalidade de não arcar com os direitos trabalhistas dos seus empregados como as verbas legalmente justas decorrente daquele trabalho, as horas de trabalho indicadas na CTL (oito horas diárias) bem como inúmeros outros direitos ao trabalhador assegurado.
CLT em seu artigo  disciplina acerca das fraudes no contrato trabalhista e a nulidade dos atos decorrentes dela:
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Assim, quando um empregador pratica ato fraudulento quanto aos direitos trabalhistas do empregador tais atos serão nulos de pleno direito.
A identificação de uma fraude trabalhista muitas vezes não é fácil de ser comprovada, mas é possível identifica-la a partir de um dos princípios que rege o direito do trabalho, qual seja: O princípio da realidade sobre a forma, pois, segundo esse princípio a realidade do que acontece no meio trabalhista é mais importante para o direito do trabalho do que está escrito.
Maurício Godinho Delgado ao explanar esse princípio como “contrato realidade”, informa ainda da ampliação da norma civilista “de que o operador jurídico, no exame das declarações volitivas, deve atender mais à intenção dos agentes do que ao envoltório formal através do qual transpareceu a vontade – art. 112 do CC/02”.
Dessa forma, a doutrina e a jurisprudência vem evoluindo no sentido de descobrir quando uma relação de trabalho está sujeita a fraude, ou seja, quando aquilo que está formalmente escrito não corresponde com o que acontece não realidade.
Uma das formas de burlar o vínculo trabalhista atualmente reconhecida é quando o empregador não querendo reconhecer um empregado oferece-lhe a cota de participação na sociedade. Assim, o trabalhador transforma-se um sócio cotista, mas na verdade preenche todas os requisitos da relação de emprego, e, diferentemente do que se espera, ele não se sujeita diretamente ao risco do negócio. Ou seja, ele é um trabalhador disfarçado de sócio.
2 A fraude na contratação por meio da “Socialização de Empregados”
Atualmente a prática da contratação de um empregado como sócio vem sendo conhecida com uma forma sofisticada de praticar a usurpação no contrato de trabalhado. Isto porque, o contrato de sociedade nada mais é do que um instituto jurídico pelo qual pessoas se obrigam a contribuir com bens e serviços para o exercício da atividade econômica e a partilhar entre si, os resultados. Conforme o Art. 981 do Código Civil disciplina:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
No entanto, o que se espera no contrato de sociedade eivado de ilegalidade na contratação de trabalhador, qual seja: a “Socialização dos Empregados” não ocorre na prática. Isto porque, o sócio cotista contratado como “empregado” não recebe a sua cota de participação, mas sim um salário e, muito embora ele esteja relacionado como sócio presta serviço e é subordinado ao empregador como todo e qualquer trabalhador com vínculo empregatício normal.
Dessa forma, o divisor de águas para se detectar um contrato de trabalho nesses casos é saber se existe relação affectio societatis ou seja, se existe um espírito de comunhão recíproca entre os sócios, se o sócio minoritário realmente participa das despesas e lucros e consecutivamente do risco do negócio ou se ele está ali simplesmente desempenhando uma função para ao final do mês receber a sua contraprestação pelo serviço prestado.
Tem-se que um dos requisitos primordiais para averiguação dessa fraude na contratação é apurar se está ou não havendo a subordinação. Ou seja, se o sócio exerce suas funções subordinado a alguém dentro da sociedade.
Conforme descarta Ronaldo Lima dos Santos “por meio da socialização, o trabalhador é materialmente inserido na estrutura orgânica da empresa com todos os requisitos da relação de emprego e formalmente inserido no contrato social do empreendimento na condição de sócio minoritário”.
Assinala ainda, Maurício Godinho Delgado, embora não sejam, em princípio, incompatíveis as figuras de sócio e de empregado, que podem ser sintetizadas numa mesma pessoa física (como nas sociedades anônimas, sociedades limitadas ou comanditas por ações), a dinâmica judicial trabalhista vem registrando o uso do contrato de sociedade como instrumento simulatório, com o intuito de transparecer, formalmente, uma situação fático-jurídica de natureza civil/comercial, conquanto oculte uma efetiva relação empregatícia.
De forma bem sintática tem-se que, os empregadores que fazem a prática de tal fraude inserem materialmente o trabalhador em uma relação empregatícia com o status de sócio, com sua inclusão no contrato social da empresa.
Tal fraude vem sendo praticada principalmente em ambientes profissionais qualificados predominantemente por profissionais liberais, tais como médicos, arquitetos e até mesmo em sociedade de advogados.
Importante denotar que para que se reconheça esse tipo de contrato fraudulento basta vislumbrar a sociedade como um todo e o nível de cotas de cada sócio, perceber se entre eles há subordinação dos sócios com mais cotas para com aqueles que detém menos cotas naquela sociedade, se a relação de subordinação, há também um forte indício de que ali está existindo um contrato de trabalho usurpado em forma de sociedade.
Essa prática é conhecida pela justiça do trabalho somente quando o “empregado” deseja sair da sociedade, ou seja, deseja reincidir a relação de trabalho ali existente em que é sócio minoritário e não tem nenhum dos seus direitos trabalhistas reconhecidos no momento da demissão. Por conseguinte, o sócio minoritário é obrigado a retirar seu nome da sociedade, mas não recebe em troca disso nenhuma “verba rescisória” de que lhe era devida se tivesse assinado um contrato de trabalho normal previsto na legislação trabalhista. Assim, não tendo outra saída senão ingressar com uma demanda judicial afim de ter reconhecido seus direitos como trabalhador prevalecidos.
Já existem inúmeros julgados com a constatação do vínculo de emprego por parte de sócios minoritários, conforme a seguir exposto:
VÍNCULO DE EMPREGO. SÓCIO COTISTA MINORITÁRIO – FRAUDE – Não pode ser considerado sócio, mas autêntico empregado, aquele que detém participação mínima no capital da sociedade, especialmente quando não restou demonstrado nos autos qualquer tipo de gestão na atividade empresarial, revelando, ainda, os autos o labor como empregado antes e após o período consignado no contrato social (TRT 3ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 211.2007.001.03.00-7, 1ª Turma, rel. Juíza Maria Laura Franco Lima de Faria, DJMG de 20.6.2008).
SÓCIO – NÃO CONFIGURAÇÃO – VÍNCULO DE EMPREGO– Evidenciado nos autos que o autor, após ter sido contratado como empregado, veio a fazer parte do quadro societário da empresa/reclamada, continuando a exercer a mesma função e em iguais condições, tem-se que sua inclusão como sócio teve por escopo apenas mascarar a continuidade do liame empregatício. Reconhece-se a fraude, nos termos do art.  da CLT, assim como a unicidade contratual (TRT 3ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 00856.2006.067.03.00-0, rel. Juíza Maria Cristina Diniz Caixeta, DJMG de 1º.9.2007).
VÍNCULO JURÍDICO DE EMPREGO. SÓCIO MINORITÁRIOcomprovado que, apesar de figurar como sócio minoritário da primeira reclamada, o reclamante trabalhava como empregado, correta a sentença ao reconhecer a existência do liame empregatício, condenando as reclamadas, de forma solidária, ao pagamento das verbas trabalhistas devidas, uma vez que inequívoca a existência de grupo econômico entre ambas as empresas. Recurso não provido.
(TRT-4 - RO: 00004874720115040551 RS 0000487-47.2011.5.04.0551, Relator: MARIA MADALENA TELESCA, Data de Julgamento: 13/11/2013, Vara do Trabalho de Frederico Westphalen, )
Outra forma de se chegar a constatação desse meio de fraude na contratação é a análise das disposições contratuais no contrato social da entidade. Para isso é possível perceber se trata-se ou não de uma autêntica forma de sociedade.
A primeira observação que se tem para se chegar no objeto da fraude é a de que o sócio majoritário funciona como o empregador, e, dependendo da forma com que as cotas estão distribuídas poderá haver a divisão de funções a retirada de pró labore como forma de formalização da fraude sendo a onerosidade computada não por meio das cotas sociais distribuídas e a participação nos lucros e resultados, mas sim, por meio das horas trabalhadas equiparando-se ao contrato de trabalho.
De forma resolutiva, para que se tenha a fraude da “socialização dos empregados” é preciso que se perceba que nessa relação fraudulenta a condição de sócio é alcançada excluindo a relação de emprego inserindo o trabalhador na composição societária da entidade empresaria, e, ao invés de aferir lucros e resultados decorrente dessa relação societária ele vai receber tão somente um salário.
3 A Possibilidade de vínculo empregatício com sócio minoritário detentor de 2% das cotas do mesmo grupo Econômico
Uma questão relevante a ser estudada é quanto ao instituto do vínculo empregatício para com sócio cotista com apenas 2% das cotas e o reconhecimento do vínculo empregatício no mesmo grupo econômico ou empresa.
Existem decisões contrárias ao entendimento de que um sócio minoritário possa ser empregado, conforme julgado do TST do ano de 2001, a seguir colacionado:
RELAÇÃO DE EMPREGO. SÓCIO MINORITÁRIO. MATÉRIA FÁTICA 1. Hipótese em que as instâncias ordinárias, com fundamento no conjunto fático-probatório dos autos, concluíram inexistir, concomitantemente à relação societária, vínculo empregatício entre as partes, visto que não comprovado o trabalho subordinado e mediante remuneração.2. Conquanto admissível, em tese, conforme o tipo de sociedade, a caracterização concomitante de vínculo empregatício e contrato de sociedade, inviável concluir pela existência dos elementos tipificadores da relação de emprego, se isso implica o revolvimento dos elementos fáticos e das provas dos autos, cujo reexame em sede extraordinária afigura-se inviável, a teor da Súmula nº 126 do TST.3. Recurso de revista não conhecido.
(TST - RR: 3261431819965175555 326143-18.1996.5.17.5555, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 14/03/2001, 1ª Turma,, Data de Publicação: DJ 14/05/2001.)
Porém, é necessário que se tenha o entendimento de que um sócio minoritário com por exemplo, 2% das cotas conforme acima mencionado pode ter sido contratado como sócio mas exerce suas atividades na sociedade ou grupo econômico como empregado, estabelecendo, portanto, uma relação de emprego usurpada por um contrato de sociedade é o fenômeno da “socialização do empregado” exaustivamente explicado no tópico anterior.
Assim, há que se ter o entendimento de que em determinadas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, nas sociedades anônimas e em outros tipos de sociedade é possível que um sócio seja também empregado dessa mesma empresa, pois são pessoas de naturezas distintas.
Enquanto a sociedade é pessoa jurídica, seus membros são pessoas físicas, havendo, portanto, compatibilidade entre as duas figuras jurídicas. Essa foi a base do fundamento utilizado pela juíza Rita de Cássia Barquette Nascimento, titular da Vara do Trabalho de Cataguases, ao reconhecer o vínculo empregatício entre uma empresa e o sócio cotista do grupo econômico do qual ela faz parte, conforme segue o caso explicado abaixo:
O caso ocorreu da seguinte forma: na petição inicial, o reclamante informou que foi admitido pela reclamada em 2008, na função de administrador. Porém, a partir de abril de 2010, teve seu salário reduzido e desde novembro de 2011 deixou de receber qualquer remuneração. Por isso, pleiteou a rescisão indireta do seu contrato de trabalho. Em sua defesa, a reclamada afirmou que o reclamante era sócio cotista do grupo econômico formado pela própria ré e mais três empresas e, por essa razão, não se poderia falar em relação contratual empregatícia.
Após fazer uma análise do caso, a juíza observou que uma das empresas do grupo econômico, além de ser sócia da reclamada, tem significativa participação no número de cotas desta. É dessa empresa que o reclamante figura como sócio, com amplos poderes de gerência e, inclusive, de uso da denominação social. Contudo, ela destacou que, ao se manifestar sobre a defesa, o reclamante informou que, a partir de maio de 2008, passou a atuar como empregado da empresa, conforme contrato de trabalho.
No entender da julgadora, as argumentações da ré não se sustentam porque o contrato social em que o reclamante aparece como sócio é antigo, não sendo incompatível com a sua contratação como empregado de uma das empresas do grupo econômico, que, no caso, é a reclamada. Segundo frisou a magistrada, nada impede que um sócio seja também empregado da empresa.
A magistrada registrou que toda a documentação anexada pela empresa só serviu para reforçar que o reclamante foi efetivamente contratado como seu empregado. E ela concluiu que a ré, de fato, deixou de pagar diversas parcelas contratuais ao reclamante, principalmente o pagamento pontual dos salários. Por essa razão, deferiu o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos da letra d do artigo 483 da CLT. A ré foi condenada a pagar ao reclamante férias em dobro com 1/3, saldos de salários, 13º salário proporcional, aviso prévio indenizado e FGTS com a multa de 40%.
Conforme é possível perceber com a análise da decisão da Juíza Rita de Cássia Barquette, constitui um caso em que o sócio deixou de ser tratado como sócio e passou a ser visto pela empresa como um empregado, configurando assim, o vínculo de emprego.
A contradição entre o julgado do TST acima colacionado e a Juíza em sua sentença de mérito é para que se perceba que a fraude conhecida como “socialização dos empregados” só será vislumbrada na observação do caso a caso. Tendo em vista que existem casos em que o sócio preenche todos os requisitos da relação de emprego como também existe casos em que ele não está sujeito a um desses requisitos que por si só, desconfigura o vínculo empregatício e o transforma em empregado.
Também, em que se pese a análise do TST quanto a relação do vínculo empregatício ou não por parte do empregado, demonstra-se dificultosa uma vez que, para a observação da relação de emprego é imprescindível a averiguação de fatos e provas e tal matéria é insuscetível de apreciação por parte da instancia superior.
Dessa forma, nos casos em que se tem um sócio cotista minoritário e a possível relação de emprego eivada dessa relação se levadas ao crivo da instancia superior, essa costuma seguir o entendimento do TRT, uma vez que nesse tribunal é possível a apreciação de fatos e provas, conforme decisão a seguir colacionada:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - VÍNCULO EMPREGATÍCIO - REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. O Tribunal Regional atestou que ficou demonstrada a existência de relação de emprego entre as partes. É inadmissível recurso de revista em que, para se chegar à conclusão pretendida pela recorrente, é imprescindível o reexame do contexto fático-probatório. Incide a Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento desprovido.
(TST - AIRR: 944040322007512 944040-32.2007.5.12.0036, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 31/08/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/09/2011)
Segundo a decisão acima transcrita, fundamentada na Súmula 126 do TST é inadmissível se chegar a Recurso de Revista em causas cuja conclusão necessite do reexame das provas juntadas. Assim, em que o TST e julgamento da matéria decorrente do vínculo ou não gerado da relação de sociedade entre o sócio e a empresa ou grupo econômico tem levado em consideração a análise do TRT.
E resolutivamente, acerca da possibilidade de contratação ou não do sócio minoritário com 2% das cotas sociais o TRT vem entendendo que uma vez preenchido os requisitos da relação de emprego (pessoalidade, subordinação, não eventualidade, onerosidade) é possível o reconhecimento do vínculo empregatício. Afim de provar tal configuração, tem-se inúmeros julgados do TRT no mesmo sentido:
VÍNCULO DE EMPREGO. INSTRUTOR DE INFORMÁTICA. SÓCIO MINORITÁRIO. A existência de contrato de sociedade comercial não obsta o reconhecimento do liame empregatício, na medida em que a prova produzida demonstra que o autor desempenhava trabalho subordinado e essencial ao objetivo social da reclamada. FGTS E DAS PARCELAS RESCISÓRIAS. Confirmada a sentença condenatória que reconheceu a relação de emprego e a rescisão sem justa causa, impõe-se a manutenção da sentença em seus exatos termos. SEGURO-DESEMPREGO. INDENIZAÇÃO. Não comprovado pelo autor o direito à percepção do benefício de seguro-desemprego, pelo preenchimento dos requisitos legais exigidos, entende-se incabível a conversão da obrigação relativa à entrega das guias de seguro-desemprego em indenização pecuniária. DA INDENIZAÇÃO RELATIVA AOS VALES-TRANSPORTE. A concessão do benefício do vale-transporte implica na aquisição pelo empregador dos vales-transporte necessários aos desl (...)
(TRT-4 - RO: 1403004919955040002 RS 0140300-49.1995.5.04.0002, Relator: ROGER LIMA LANGE, Data de Julgamento: 28/05/1998, 2ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, )
RELAÇÃO DE EMPREGO - SÓCIO MINORITÁRIO - CONFISSÃO DO PREPOSTO ACERCA DA AUSÊNCIA DA INTEGRALIZAÇÃO DAS COTAS - PARTICIPAÇÃO ÍNFIMA - FRAUDE - A distinção entre a figura do sócio e do empregado nem sempre é tarefa fácil ao julgador, havendo casos que se situam na chamada "zona gris". Assim, cabe perquirir acerca dos aspectos fáticos que tornam peculiar o caso concreto, extraindo-se a conclusão que mais adequadamente o enquadre em face das normas legais. No caso em exame, vários são os elementos que levam ao convencimento de que a qualidade de sócio do reclamante não passava de máscara para o vínculo empregatício, que já existia previamente e permaneceu, na realidade, mesmo com a dispensa perpetrada pela reclamada. O reclamante detinha apenas 1% das cotas de uma sociedade componente do grupo econômico, em relação às quais não teve qualquer dispêndio financeiro, segundo o depoimento do próprio preposto da reclamada. Portanto, não arcava com os riscos do empreendimento econômico, não se equiparando ao outro sócio, a quem era atribuída a gerência da sociedade, revelando a inexistência da "affectio societatis". O fato de deter certo grau de autonomia, com poderes para realizar negócios em nome da sociedade, não é causa excludente da relação de emprego, pois a legislação prevê a hipótese do empregado com poderes de mando e gestão (art. 62II, da CLT). Enfim, resta configurada a fraude à legislação trabalhista (art. 9o. Da CLT), ensejando o reconhecimento da continuidade da relação empregatícia por todo o período.
(TRT-3 - RO: 2075503 00225-2003-017-03-00-2, Relator: Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta, Terceira Turma, Data de Publicação: 07/02/2004 DJMG. Página 3. Boletim: Sim.)
4 Os efeitos da fraude na contratação irregular por meio de “socialização dos empregados”
As contratações de qualquer empregado de forma irregular com a finalidade de fraudar os direitos trabalhistas geram sérios problemas para a sociedade. Por consequência, essa contratação irregular por meio da socialização dos empregados gera malefícios inestimáveis aos direitos trabalhistas bem como a transcendência social, econômica e política repercutindo assim, em diversas searas da sociedade como um todo.
Isto porque, ao fazer essa contratação irregular enseja sonegação de direitos sociais dos trabalhadores tais como: férias, 13º salário, jornada de trabalho regular, fgt, e até mesmo os direitos provindos da previdência em vista a possibilidade de aposentadoria. Com isso, a prática dessa fraude reduz a capacidade financeira do sistema de seguridade impossibilitando a manutenção do sistema financeiro da seguridade social.
Além disso, enseja também, concorrência desleal para com aquelas empresas que pagam corretamente seus trabalhadores e asseguram os seus direitos trabalhistas.
Dessa forma, não há outra saída senão a justiça trabalhista através do Ministério Público do Trabalho bem como através do poder Judiciário constatar onde estão existindo esse tipo de fraude e punir os culpados e consecutivamente reconhecer o vínculo empregatício proveniente dessa relação.
Considerações Finais
A fraude decorrente da “socialização dos empregados” é perceptível quando o empregador (sócio majoritário) visando o não reconhecimento dos direitos trabalhistas dos seus empregados contrata-o para exercer atividade remunerada, porém pede para que o trabalhador assine o contrato de sociedade como sócio. Esse trabalhador vai ser pago através de pro labore disfarçando a relação de emprego ali existente porque na verdade ele estará diante do seu salário.
Para constatação dessa relação fraudulenta é necessário que se observe se estão presentes os requisitos da relação de emprego, especialmente a subordinação.
Dessa forma, no exame do caso concreto a juiz chegará a constatação se aquele vinculo é de trabalho ou pura e simplesmente é uma sociedade.
Conclui-se, portanto, que o sócio minoritário com apenas 2% das cotas pode ser tido como empregado do mesmo grupo econômico se o mesmo exercer todos os requisitos da relação de trabalho.
Bibliografia Consultada
OLIVEIRA, N. M.; ESPINDOLA, C. R. Trabalhos acadêmicos: recomendações práticas. São Paulo: CEETPS, 2003.
PÁDUA, E. M. M. De. Metodologia científica: abordagem teórico-prática. 10 ed. Ver. Atual. Campinas, SP: Papirus, 2004.
GODINHO, Maurício Delgado. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. 7º ED. LTR. 2008. P. 208
LIMA DOS SANTOS, Ronaldo. FRAUDES NAS RELAÇÕES DE TRABALHO. Boletim Ciêntifico, ano 2008.

PLANO DE SAÚDE COLETIVO NÃO PODE RESCINDIR CONTRATO DE BENEFICIÁRIO EM TRATAMENTO ATÉ ALTA MEDICA

DECISÃO
20/02/2020 06:50

​​Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível a rescisão unilateral e imotivada de contrato coletivo de plano de saúde, desde que cumprida a vigência de 12 meses e feita a notificação prévia do contratante com antecedência mínima de 60 dias, e respeitada, ainda, a continuidade do vínculo contratual para os beneficiários que estiverem internados ou em tratamento médico, até a respectiva alta.


Com esse entendimento, o colegiado decidiu que uma operadora de seguro-saúde pode rescindir unilateral e imotivadamente o contrato firmado com empresa de transportes, contanto que os beneficiários em tratamento médico continuem assegurados. 
"Não obstante seja possível a resilição unilateral e imotivada do contrato de plano de saúde coletivo, deve ser resguardado o direito daqueles beneficiários que estejam internados ou em pleno tratamento médico, observando-se, assim, os princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana", afirmou o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze.

Cláusulas anu​​ladas

No caso analisado, uma empresa ajuizou ação em desfavor da operadora de seguro-saúde para garantir a manutenção do contrato de plano coletivo e da respectiva cobertura médico-hospitalar para os seus 203 funcionários.
Em primeiro grau, a ação foi julgada parcialmente procedente para obrigar a seguradora a manter como beneficiários apenas os funcionários em tratamento médico.
O Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença, condenando a operadora a não cancelar a cobertura médico-hospitalar de nenhum funcionário e declarando nulas as cláusulas e condições gerais do contrato que autorizavam sua rescisão unilateral e imotivada.
Ao recorrer ao STJ, a operadora pediu a reforma da decisão alegando tratar-se de resilição unilateral de contrato de plano coletivo, e não individual.

Função s​​ocial

De acordo com o relator, o artigo 13, inciso II, da Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) – que veda a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não pagamento da mensalidade por mais de 60 dias – incide apenas nos contratos individuais ou familiares. No caso dos planos coletivos, a jurisprudência pacífica do STJ admite a rescisão unilateral e imotivada.
Todavia, segundo Bellizze, a liberdade de contratar não é absoluta, devendo ser exercida nos limites da função social dos contratos. Ele destacou que a saúde e a vida do beneficiário do plano se sobrepõem a cláusulas de natureza eminentemente contratual, impondo-se, no caso analisado, a manutenção do vínculo entre as partes até o fim do tratamento médico.
O ministro lembrou que a Lei dos Planos de Saúde estabelece ainda que as operadoras privadas poderão, voluntariamente, requerer autorização para encerramento de suas atividades, desde que garantam a continuidade da prestação de serviços aos beneficiários internados ou em tratamento.
"Tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica da referida lei, em observância aos princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, é de se concluir que o referido dispositivo legal – artigo 8º, parágrafo 3º, "b", da Lei 9.656/1998 –, que garante a continuidade da prestação de serviços de saúde aos beneficiários internados ou em tratamento médico, deverá ser observado não só nos casos de encerramento das atividades da operadora de assistência à saúde, mas também quando houver resilição unilateral do plano de saúde coletivo, como ocorrido na espécie", afirmou.
Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1818495