quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

USO DA TECNOLOGIA: JUIZ MANDA SOLTAR PRESO POR E-MAIL

Juiz manda soltar preso por e-mail no Acre

O juiz de Direito Edinaldo Muniz dos Santos, titular da Vara Criminal de Plácido de Castro, e que responde pela Comarca de Acrelândia, determinou a imediata soltura de um homem, por e-mail. Ao ser preso em Rio Branco, o homem pagou praticamente toda a pensão.

O advogado Wilpido Hilário de Souza Júnior enviou o e-mail para o juiz. Pediu a expedição de alvará de soltura de seu cliente e anexou o comprovante do pagamento digitalizado.

“Se não fosse o uso da tecnologia atualmente disponível, o réu teria que passar o Natal longe da família, em uma cela em Rio Branco. É preciso buscar inovações, medidas criativas e todas as soluções possíveis que beneficem a sociedade e garantam os seus direitos”, disse Muniz.

O juiz disse, no e-mail, que a cópia da mensagem, autenticada com certidão pelo funcionário plantonista da comarca de Acrelândia deveria servir de alvará de soltura. Uma audiência foi marcada para que o restante do débito seja negociado.

Não é a primeira vez que o juiz utiliza da tecnologia. Em novembro, ele usou um torpedo de celular para proferir uma sentença e expedir alvará de soltura. Ele estava em Rio Branco quando foi informado pelo cartório que um devedor de pensão alimentícia havia quitado o débito referente ao processo.

Imediatamente, o juiz postou pelo celular ao cartório a seguinte sentença: "Sentença: (...) Pago o debito, declaro extinta a execução. Esta, certificada, deverá servir de alvará em favor do executado. Sem custas e sem honorários. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Arquivem-se. Rio Branco/AC, 30 de outubro de 2009, às 14h24. Edinaldo Muniz dos Santos, Juiz de Direito." Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-AC.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PROÍBE JUIZ FEDERAL DE SANCTIS DE ATUAR NA OPERAÇÃO SATIAGRAHA

O juiz Fausto Martin De Sanctis poderá ser afastado de mais um polêmico processo. Desta vez, da condução da Ação Penal contra investigados na Operação Satiagraha. Por enquanto, o ministro Arnaldo Esteves, do Superior Tribunal de Justiça, decidiu suspender o andamento do processo até o julgamento do Habeas Corpus em que a defesa de Daniel Dantas argui a suspeição do juiz — o que deve acontecer em fevereiro.

Pela Emenda Constitucional 45, os juízes de primeiro grau têm férias individuais e só folgam no Natal e Ano Novo, voltando em janeiro. Já os tribunais param e voltam em fevereiro. Neste período, De Sanctis está proibido de praticar qualquer ato no processo.

A 5ª Turma do STJ, da qual é integrante Arnaldo Esteves, está analisando outro pedido da defesa de Daniel Dantas: o bloqueio das ordens de busca e apreensão. A votação na Turma está em 2 x 2. A ministra Laurita Vaz pediu vista e deverá votar em fevereiro também.

Na semana passada, o titular da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializado em lavagem de dinheiro, foi afastado cautelarmente da condução do julgamento no caso do fundo MSI, suspeito de ter usado o Corinthians para lavar dinheiro, por suspeita de falta de distanciamento para analisar a questão. Também neste caso a preocupação é a de proteger o processo. Se o juiz for considerado parcial, posteriormente, seus atos poderão ser anulados.

A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região tomou a decisão no contexto de quatro pedidos de afastamento do juiz feitos pelos advogados. A exceção de suspeição contra o juiz foi apresentada pela defesa dos responsáveis pelo fundo, Boris Berezovski, Kia Joorabichian e Nojan Bedroun. Diante da plausibilidade da tese dos advogados (da falta de distanciamento adequado do juiz no caso), mesmo sem julgar o mérito, os desembargadores acharam por bem afastá-lo para evitar que, futuramente, os atos praticados por ele sejam todos anulados — o que inviabilizaria o processo.

No início de dezembro, o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, determinou que fossem enviados à Brasília todos os arquivos originais contidos em meio digital (discos rígidos, DVDs e pen drives) apreendidos pela Polícia Federal durante a Operação Satiagraha. Na decisão, por duas vezes, o ministro observou ao juiz da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo que caso a ordem não fosse cumprida em um “prazo improrrogável” de 48 horas se estaria diante de crime de desobediência.

Eros Grau acolheu pedido do advogado Antônio Sérgio Pitombo, que defende o presidente do grupo Opportunity, Dório Ferman, e a instituição. A defesa do banco alegou ao STF não ter tido acesso a todos os arquivos.

Com a decisão, o Supremo passa a ter a guarda exclusiva de todas as provas digitais que foram apreendidas pela PF ao longo do processo.

Em novembro, De Sanctis informou que a defesa do Opportunity teve acesso irrestrito às provas, com exceção de alguns arquivos corrompidos, que por isso não puderam ser copiados, ou arquivos simplesmente vazios. De Sanctis informou que há, nos autos, pelo menos 603 pedidos de vista ou produção de cópias apresentados pelas partes.

A conduta do juiz criminal vem sendo questionada há tempos, em diferentes esferas por investigados, réus, advogados e também por colegas dele. O Conselho Nacional de Justiça vai julgar no primeiro semestre se De Sanctis ludibriou o TRF, o STJ e o STF para sonegar informações em Habeas Corpus no mesmo caso Dantas. Recentemente, mais duas queixas foram feitas por conta de decisão do juiz em relação a fazendas no Pará.

O fogo cerrado contra o juiz atinge por tabela as varas especializadas em crimes financeiros. Os defensores dessas varas as têm como trincheiras para combater a impunidade do crime organizado. Seus críticos veem nelas núcleos de "justiceiros". Para forçar o direcionamento de processos para esses endereços, o Ministério Público manobraria acusações como no caso em que se suscitou uma inexistente prática de lavagem de dinheiro em prostíbulo. De Sanctis é acusado pela juíza Silvia Maria Rocha, da 2ª Vara Especializada em Crimes Financeiros, de ter usurpado a sua competência tanto na Satiagraha quanto no chamado "Castelo de Areia". Nos dois casos ela estaria preventa por ter despachado nos momentos iniciais das duas investigações.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

COMPENSAÇÃO DE MULTAS E JUROS NOS PARCELAMENTOS DA LEI Nº 11.941/2009-REFIS/IV

Compensação de multas e juros nos parcelamentos da Lei 11.941/2009

18/12/09

A adesão dos contribuintes ao parcelamento de débitos federais instituído pela Lei 11.941/2009, vulgarmente denominado “Refis/IV”, superou o número de inscrições nos demais parcelamentos federais similares que o precederam. E vale destacar que, no projeto de conversão em lei da Medida Provisória 470, há proposição para reabertura do prazo de adesão.

Um dos aspectos que mais atraiu as empresas foi a possibilidade de liquidação de multas e juros com créditos apurados sobre prejuízos fiscais e as bases de cálculo negativas da Contribuição Social sobre o Lucro. Neste e noutros pormenores, a regulamentação empreendida pela Secretaria da RFB (Receita Federal do Brasil) e pela PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional) não foi capaz de eliminar as dúvidas e controvérsias suscitadas pelos contribuintes.

A primeira delas diz respeito ao fato de que, diversamente do prazo para confissão de dívidas, não houve especificação quanto ao período a ser considerado para efeito de apuração dos saldos de prejuízos fiscais e às bases de cálculo negativa de CSLL que serão utilizadas na quitação de débitos fiscais. De fato, a Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 6/2009 estabelece que apenas são passíveis de compensação os valores “relativos aos períodos de apuração encerrados até a publicação da Lei 11.941, de 2009” e “devidamente declarados à RFB”.

Na referida Portaria, consta ainda que o contribuinte, “no momento da consolidação”, informará os montantes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa de CSLL “disponíveis” e aqueles que serão utilizados na compensação, consignando ainda que esta compensação se dará após a recepção de todas as “correspondentes” DIPJ “em relação aos períodos de apuração encerrados até a publicação da Lei 11.941, de 2009”.

É nosso entendimento que os saldos de prejuízos fiscais e de bases negativas encerrados até 31.12.2008 não apresentam restrição para a quitação de débitos no âmbito da Lei nº 11.941/09, posto que o prazo para a entrega da respectiva DIPJ na qual os mesmos serão declarados se verificou em data anterior à formalização da opção de pagamento dos débitos.

Contudo, um aspecto que merece esclarecimento está no caso de contribuintes optantes pelo cálculo do lucro real trimestral. Isto é, como se assegurar o direito à compensação dos prejuízos e das bases de cálculo referentes ao primeiro trimestre de 2009, haja vista que a entrega da correspondente DIPJ está pendente da liberação do programa específico de preenchimento, o que provavelmente só ocorrerá em meados de 2010?

Ora, estes valores preenchem os requisitos estabelecidos pela Lei nº 11.941/2009 para a compensação com as multas e juros, ou seja, foram apurados anteriormente à vigência desta lei e só não podem ser utilizados para compensação, porque a própria RFB não permite aos contribuintes declará-los! Neste sentido, nas “Perguntas e Respostas” constantes do site da RFB, é este o fundamento que ampara o direito à compensação de encargos com saldos de prejuízos fiscais acumulados até 31/12/2008.

Assim, a nosso ver, diante do silêncio das Autoridades Fiscais, os contribuintes não podem sofrer restrições em seu direito, e, se for o caso, até o momento da consolidação, devem buscar junto ao Poder Judiciário o direito à compensação das multas e juros parcelados com os créditos advindos das perdas fiscais auferidas até 31 de março de 2009.

E cabe alertar: na hipótese de exclusão do Refis IV, diversamente do consignado na Portaria 6/2009, há de se manter a compensação efetuada, uma vez que a liquidação é definitiva e não se trata de benefício ou anistia, como pretendem entender as autoridades fiscais. Deveras, consiste em forma de extinção do crédito tributário na modalidade de compensação, sujeita à disciplina própria

Finalmente, saliente-se ainda que as empresas devem analisar outros aspectos polêmicos envolvendo a adesão ao Refis IV, como por exemplo: os valores pagos a título de juros durante a vigência do Refis, Paes e Paex foram deduzidos do montante parcelado? Como assegurar aos contribuintes o direito de desconstituírem o arrolamento de bens ou as garantias administrativas relacionadas a parcelamentos anteriores? É possível a afastar a taxa Selic no cálculo das prestações do parcelamento?

Diante destes questionamentos, cabe, então, verificar se haverá algum cerceamento por parte do Fisco que possa, inclusive, gerar a necessidade de intervenção do Poder Judiciário para garantir o direito dos contribuintes.
POR Angelo de Souza Valladares
Fonte: Última Instância

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Em debate o conceito de organização criminosa

Por Lilian Matsuura

O julgamento no Supremo Tribunal Federal do Habeas Corpus que pede o trancamento da Ação Penal por lavagem de dinheiro contra o casal Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo, fez renascer a discussão sobre o conceito de organização criminosa e a possibilidade de o Ministério Público usar, em suas denúncias, esse conceito como crime antecedente para justificar denúncia de lavagem de dinheiro.

No julgamento do caso no Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio sustentou que não existe crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, conforme o inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal. Em seu voto, o ministro diz que é necessária a edição de lei para dizer o que é uma organização criminosa. Ratificar a convenção, no seu entendimento, não foi o mesmo que criar o tipo penal. O ministro Dias Toffoli acompanhou o relator. O julgamento foi interrompido por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia, no último dia 10 de novembro.

Integrantes do MP têm declarado que se o STF concluir que a formação de organização criminosa não compõe a ordem jurídica, por não haver lei específica que trate do assunto, as denúncias por lavagem de dinheiro podem cair. Criminalistas dizem que não é bem assim, já que a maior parte das denúncias traz outros tipos de acusação, como forma de emplacar alguma delas. No entanto, se elas forem trancadas, a falha deve ser atribuída exclusivamente aos propositores das denúncias.

Em denúncias de lavagem de dinheiro, o Ministério Público afirma que o conceito de organização criminosa existe e está devidamente explicado na Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil através do Decreto 5.015, de 2004. Sustenta que a A ligação entre lavagem de dinheiro e organização criminosa é feita porque, de acordo com a legislação brasileira (Lei 9.613/98), a ocultação de bens ilícitos sempre é antecedida por outro crime, aquele que gerou os bens ilícitos.

Má-fé processual - Para o criminalista Antônio Sérgio Pitombo, se os ministros do Supremo chegarem à conclusão de que é preciso lei para que uma pessoa seja acusada e condenada por integrar organização criminosa, o MP tem de admitir que as denúncias foram feitas de forma errada. “De fato, essa decisão vai ter efeitos em alguns processos. Mas ninguém, a não ser o MP, tem culpa que estejam errados.”

Pitombo diz que “essa discussão é pobre e já está definida desde a Revolução Francesa”, quando se entendeu que uma pessoa não pode ser condenada por um crime que não existe. Para ele, aceitar denúncias em que a acusação é de formação de organização criminosa trata-se de “uma exegese salvacionista”. Isto é, juízes que querem salvar o processo. O STF, alerta, está aí para dizer como os juízes devem fazer e eles devem aceitar as suas decisões.

O criminalista afirma que a Convenção de Palermo não criou nenhum tipo penal. “O fato de ratificar uma convenção internacional não quer dizer que ela cria um tipo penal. O procedimento de criação de um tipo penal é outro”, afirma. Pitombo afirma que quem defende que uma convenção pode criar um tipo penal revela baixo conhecimento de Direito Penal e de Direito Internacional Público. No caso do MP, entende que no caso de denúncias por formação de organização criminosa, trata-se de má-fé processual, uma forma de conseguir cooperação internacional. “É um argumento que chama a atenção.”

Falta de antecedente - A procuradora-regional da República da 3ª Região, Janice Ascari entende que o ministro Marco Aurélio perdeu o foco ao votar pelo trancamento da ação penal contra o casal Hernandes. Para Janice, o ministro deveria ter deixado a acusação de formação de quadrilha de lado e analisado se de fato o casal praticou crime e se houve a ocultação dos bens. O MP acusa os Hernandes de comandar uma organização criminosa, que se valeria da estrutura de entidade religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar grandes valores em dinheiro, desviando os numerários oferecidos pelos fiéis em proveito próprio e de terceiros, além de lucrar na condução das diversas empresas, algumas por meio de testas-de-ferro, desvirtuando as atividades eminentemente assistenciais.

“Espero que essa orientação do ministro Marco Aurélio seja revista. É um problema conceitual. O casal pode ser alvo de ação penal pelo crime que a organização criminosa cometeu, o que permite a acusação por lavagem de dinheiro. E não pela formação de organização criminosa”, diz.

“O Supremo precisa ter sensibilidade para o que acontece na sociedade hoje em dia. A delinquencia financeira é muito mais danosa para a sociedade que a violência física nas ruas”, pede a integrante do Ministério Público Federal em São Paulo.

Em sua opinião, não é necessária a edição de lei para conceituar organização criminosa, porque a Convenção de Palermo já o fez, mesmo que de forma ampla. O tratado internacional afirma que a organização para o crime trata-se de um “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.

O que é preciso, entende a procuradora-regional, é uma modernização da Lei 9.613/98, que só prevê oito crimes como antecedentes da lavagem de dinheiro: tráfico de drogas, terrorismo, tráfico de armas, extorsão mediante sequestro, crime contra a administração pública (nacional e estrangeira), crime contra o sistema financeiro nacional e crime praticado por organização criminosa.

No caso da Igreja Renascer, contudo, se não for considerado o crime de formação de organização criminosa, não há crime antecedente da lavagem de dinheiro, já que os valores supostamente lavados têm origem lícita, que é a doação dos fiéis.

O advogado do casal Hernandes e presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D'Urso, afirma que o foco da Convenção de Palermo são os crimes transnacionais, o que não suprime a necessidade de o Brasil editar lei com previsão expressao do que venha a ser uma organização criminosa. "Não se admite que possa haver no Brasil, sem previsão legal, acusação ou até eventual condenação lastreada em lavagem de dinheiro, cujo crime antecedente seja a organização criminosa. Por causa disso é que impretramos essa ordem de HC nas várias instâncias, alcançando agora o STF, objetivando o trancamento da Ação Penal movida contra o casal Hernandes", declarou.

O conceito - Heloisa Estelita, especialista em Direito Penal Econômico, entende que o conceito de organização criminosa não é um conceito jurídico. Segundo ela, nasceu nos estudos da criminologia, não do Direito. O que dá margem aos mais diversos tipos de interpretação tanto entre advogados, como entre juízes e até membros do Ministério Público.

Alguns entendem que se trata de um grupo de pessoas que age de forma empresarial para praticar crimes. Outros acrescentam que é necessário o uso de violência física. Há ainda aqueles que dizem que para ficar caracteriza a formação de uma organização criminosa é imprescindível que haja corrupção e o envolvimento de servidores públicos. “Cada estudioso pensa como quiser.”

Por isso, Heloisa defende que é preciso lei para que haja apenas uma definição e também para dizer quem deve ser punido: “o motorista deve ser punido? Da mesma forma que o administrador do grupo?”, questiona. Não há norma que acabe com a dúvida. “A Convenção de Palermo deu uma pauta indicativa, mas não tem o objetivo de definir o conceito. Os Estados têm a obrigação de fazer isso, porque nunca vai existir um consenso entre todos os países que a ratificaram.”

A advogada diz que a tendência a aceitar o conceito criminológico, e que cada juiz poderia usar a sua interpretação, começou no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Sul). E, hoje, a maior parte dos juízes que atuam em varas especializadas em lavagem de dinheiro aceitam que a Convenção de Palermo serve para dizer o que é uma organização criminosa.

Mas se o conceito for automático, alerta, “acabamos com o país. Nenhuma grande empresa tem menos de quatro pessoas na direção”.

MAL-ESTAR NO SUPREMO ESTÁ VISÍVEL

Por Joaquim Falcão

Mas afinal, o que se passa com o Supremo? Há visível mal-estar no ar, público desconforto entre ministros. Serenidade e colegialidade parecem diminuir. O Supremo hesita, se autoproblematiza, é controvertido, mas goza do respeito de todos. Tem o do Legislativo, Executivo, sociedade, mídia, profissionais jurídicos e cidadãos. Porém se revela insatisfeito consigo mesmo. Poderoso como nunca.

Índices de confiabilidade nos políticos e no Congresso são insuficientes. A confiança na pessoa do presidente se sobrepõe à confiança na instituição Poder Executivo. Mais do que nunca, o país precisa do Supremo. O princípio do artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura se faz mais necessário: o magistrado tem que ser independente e sereno.

O grau de conflitualidade potencial em qualquer organização não depende apenas do fator humano. Existem formatos organizacionais mais propícios ao conflito do que outros. O Supremo adotou decisões nos últimos anos que estimularam ambiente não cooperativo e intraconcorrencial.

Primeiro foi permitir ministros falarem fora dos autos e das sessões de julgamento. Esse padrão começou como defesa dos interesses orçamentários e administrativos do Judiciário perante críticas do Congresso. Depois se ampliou para pronunciamentos isolados, que pretendiam ser opiniões em tese, mas são cada vez mais relacionados a casos concretos e divergências doutrinárias entre ministros.

Revelando, sugerindo ou insinuando pré-opiniões, pré-posicionamentos, prejulgamentos.
Esse comportamento faz o instante da celebridade individual a erosão da legitimidade institucional.

Esse padrão se expandiu e contamina inclusive instâncias inferiores. Muita vez o julgamento começa em entrevistas em jornais e TV, concretiza-se ou não em votos e continuam em opiniões na mídia. Alguns ministros ainda seguem o conselho de Disraeli: nunca se desculpar, nunca se explicar, nunca se queixar. A não ser, é claro, nos autos. Mas o abandono do silêncio e recato é crescente.

Esse comportamento organizacional acabou por agravar um clima de insegurança jurídica perante a opinião pública, que dificilmente distingue o ministro do Supremo da instituição. Aquele se incorpora nesta.

A segunda decisão foi se abrir ao Brasil e ao mundo, transmitindo ao vivo suas sessões. Política de transparência total de objetivos meritosos.Estimularia a compreensão popular da interpretação constitucional. O cidadão tocaria com os olhos o fazer da Constituição. Avançariam a educação cívica, a obediência à lei e a implantação do Estado de Direito.

Acontece que, no Estado de Direito, o Supremo enfrenta paradoxo que exige delicada cautela. Sua maior contribuição é assegurar que decisões sejam recebidas como imparciais e racionais. Entretanto, sabemos que não o são. Existe margem de discricionariedade inerente ao ato de julgar, em que múltiplas opções políticas, balizadas pelas formas legais, se traduzem em doutrinas jurídicas diferentes. E estas, em votos divergentes. Todos plausíveis, diria Eros Grau.

A intensa publicização da individualização das divergências gera custos políticos, pretenda-se ou não. Massifica compreensões e incompreensões na sociedade. Revela preferências e individualismos. A simbologia política da impessoalidade e imparcialidade, ao se desfazer no ar, de tão sólida, estimula uma deslegitimação. Não existe direito fora de sua comunicação.

A terceira decisão organizacional pode contribuir para esse mal-estar: o presidente do Supremo é também o do CNJ. Às vezes, este tem que falar, aquele tem que calar. Às vezes o CNJ decide numa direção e o Supremo o corrige noutra. O presidente de ambos envia mensagem diferente à opinião pública.

O fato é que a autoridade do Supremo reside também na raridade de sua fala, alerta Paulo Daflon. Reside não apenas na incerteza legal da decisão mas também na previsibilidade e no rigor do rito decisório, que deve ser cada vez mais colegiadamente institucionalizado, cada vez menos autonomamente individualizado.

Quando se abandona esse padrão, a sociedade reage. Propostas para mudar o mandato dos ministros, acabar com a vitaliciedade terrena eterna e tornar mais rigoroso o processo seletivo no Congresso ganham força.

Na democracia, o STF é lócus das divergências interpretativas. Sem divergências, estaríamos na ditadura judicial. É bom também que a cidadania entenda cada vez melhor de opções políticas judicializadas. Mas é indispensável que isso seja feito em ambiente organizacional colaborativo, com limites claros para comportamentos individuais.Do contrário, mal está.

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo deste domingo (6/12).

AS DIFERENÇAS ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA

As diferenças entre prescrição e decadência tributária

Por Silvia Bellandi Paes de Figueiredo

O professor Agnelo Amorin Filho, em texto publicado na RT 300,[1] elaborou, através da abordagem científica, critérios que determinam a diferença entre prescrição e decadência, mudando de forma significativa o entendimento sobre estes institutos.
Segundo o emérito Professor:
o critério mais divulgado para se fazer a distinção entre os dois institutos é aquele segundo o qual a prescrição extingue a ação, e a decadência extingue o direito. Entretanto, tal critério, além de carecer de base científica, é absolutamente falho e inadequado, uma vez que pretende fazer a distinção pelos efeitos ou conseqüências.
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Segundo CHIOVENDA (Instituições, 1/35 e segs.), os direitos subjetivos se dividem em duas grandes categorias:
A primeira compreende aqueles direitos que têm por finalidade um bem da vida a conseguir-se mediante uma prestação, positiva ou negativa, de outrem, isto é, do sujeito passivo. Recebem eles, de CHIOVENDA, a denominação de "direitos a uma prestação", e como exemplos poderíamos citar todos aqueles que compõem as duas numerosas classes dos direitos reais e pessoais.
Nessas duas classes há sempre um sujeito passivo obrigado a uma prestação, seja positiva (dar ou fazer), como nos direitos de crédito, seja negativa (abster-se), como nos direitos de propriedade.
A segunda grande categoria é a dos denominados "direitos potestativos", e compreende aqueles poderes que a lei confere a determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras, sem o concurso da vontade dessas.
Para o professor, todas as vezes que se tem uma pretensão condenatória, sua ação estará sujeita à prescrição.
Por outro lado, se a pretensão é constitutiva, negativa ou positiva, a ação correspondente se sujeita a decadência.
Assim, na Prescrição temos a suposição de um direito que ainda não pode ser exercido, para seu exercício se faz mister à propositura da ação. Uma vez não exercido esse direito, ou seja, não cobrado esse direito judicialmente, opera-se a prescrição. Daí comumente atrelar a prescrição a axioma: “a perda do direito de ação”.
Na decadência, a ação e o direito nascem concomitantemente. Portanto, ocorrendo a decadência, extinto está o direito potestativo e seu pleno exercício.
A doutrina moderna estabelece que os dois institutos, em verdade, atingem a esfera da pretensão.
Por sua vez, na seara tributária, a diferença cinge-se ao lançamento, a constituição do crédito tributário. Uma vez constituído o crédito tributário, não há que se falar em decadência, mas ainda pode-se aduzir a prescrição.
O artigo 173 do Código Tributário Nacional assim dispõe:

O direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
........................................... .............................................
Parágrafo Único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
Por sua vez, o artigo 174 do Código Tributário Nacional, assim dispõe:
Art. 174. A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data de sua constituição definitiva.
A decadência ou prescrição no âmbito tributário, prima facie, está associada ao comportamento da autoridade tributante, da autoridade administrativa lançar o crédito tributário tempestivamente, (art.173 do CTN) ou mesmo de executá-lo judicialmente (174 do CTN).
Pune-se a inércia, o comportamento omissivo da autoridade administrativa. Tal se deve, além da previsão legal, em razão do princípio da segurança jurídica.
Um comportamento omissivo da autoridade não tem o condão de renovar a possibilidade de cobrar os créditos tributários ad eternum.
Por outro lado, o direito também não acolhe o comportamento omissivo do contribuinte, uma vez que, recolhendo tributo seja este indevido, a maior, mediante erro da autoridade, cálculo, não promova a medida cabível no tempo devido, seja a restituição do tributo pago a maior no prazo de cinco anos, nos termos do art. 168 do CTN. [2]
Como se vê, o lapso temporal, o momento de sua ocorrência está adstrito à constituição do crédito tributário, bem como à possibilidade de sua exigência, o que nos leva a discorrer brevemente sobre o lançamento do crédito tributário.
Do lançamentoConsoante art. 142 do CTN o crédito tributário é constituído pelo lançamento, senão vejamos:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional’.
Da leitura do artigo acima, depreende-se que o lançamento é uma atividade do agente público. É um ato administrativo vinculado, um poder–dever da autoridade administrativa, para o qual não cabe a discricionariedade sob pena de responsabilização.
Muito embora seja um ato típico da administração pública, cabe exceção, qual seja com a figura do lançamento por homologação também chamado de “autolançamento”.
Nos termos do art. 147 do CTN vê-se a exceção acima mencionada, a possibilidade de tanto a administração pública quanto o contribuinte realizarem o lançamento. Isto porque o contribuinte provocará a autoridade fiscal mediante apresentação de sua declaração.
Assim, após o recebimento da declaração do contribuinte pelo Fisco, e com base nela efetuará o cálculo do valor devido a título de imposto.
Insta notar que o lançamento não se limita a declarar a existência da obrigação tributária, ele também confere a esta liquidez e certeza à referida, possibilitando sua cobrança.
Consoante Ruy Barbosa Nogueira, a notificação do contribuinte “é o último ato do procedimento de constituição formal do crédito tributário que o torna oponível ao contribuinte.” [3]
Para o Professor Paulo de Barros Carvalho, na verdade, temos três modalidades de procedimento e não de lançamento. [4]
A doutrina classifica as modalidades de lançamento em três:
- lançamento de ofício (art. 149 do CTN)
- lançamento por declaração (art. 147 do CTN)
- lançamento por homologação (art. 150 do CTN)
Lançamento de OfícioNo lançamento de ofício, o contribuinte não participa do ato. Em geral, esse tipo de lançamento é efetuado diante da omissão do contribuinte em prestar a declaração na forma e prazos estipulados pela legislação, dentre outras hipóteses, previstas no art. 149 do CTN.[5]
Se o contribuinte não apresentou a declaração no devido tempo, a autoridade administrativa efetuará o lançamento de Ofício.
Se a autoridade fiscal não lançar o tributo, no tempo oportuno estará sujeita à decadência. Por sua vez, se efetuado o lançamento, e notificado o contribuinte o lançamento se torna eficaz, sendo incabível a arguição de decadência.
Como expresso no parágrafo único, a revisão do lançamento de ofício somente caberá se não estiver extinto o direito da Fazenda Pública, enquanto não decaído o crédito tributário.
Notificado o contribuinte, inicia-se com este o prazo prescricional previsto no art. 174 do CTN, para a cobrança do crédito tributário.
Lançamento por declaraçãoO lançamento por declaração[6], como denuncia o nome, é feito mediante declaração prestada pelo contribuinte ou por terceiro responsável, sem que haja a obrigação de pagamento antecipado. De posse das informações prestadas pelo contribuinte, a administração: verificará a ocorrência do fato gerador, identificará o sujeito passivo, aferirá o valor do imposto a pagar, formalizando o crédito, e por fim notificará o contribuinte para o pagamento.
Nesta registra-se todos os dados exigidos de acordo com a lei do tributo, relevantes para a autoridade administrativa efetuar o ato de lançamento. Omissões ou fraudes impedem a autoridade administrativa de aferir corretamente os valores devidos bem como efetivar o lançamento, importando em fiscalização e lançamento por arbitramento.
O contribuinte poderá retificar suas declarações, (art. 147, parágrafo único 1º do CTN) e deverá fazê-lo até a notificação, sob pena de ter que mover a revisão por outros meios.
Não será admitida qualquer retificação, se esta objetivar reduzir ou excluir o tributo, somente será admissível se comprovado erro de fato e antes da notificação do lançamento.
Consoante o Professor Paulo de Barros Carvalho, “o erro do lançamento, entretanto, pode ser de direito. Quer os elementos do fato jurídico tributário, no antecedente, quer nos elementos da relação obrigacional, no conseqüente, quer em ambos, podem perfeitamente, estar em desalinho com os enunciados da hipótese ou da conseqüência da regra-matriz do tributo, acrescendo-se, naturalmente, a possibilidade de inadequação com outras normas gerais e abstratas, que não a regra padrão de incidência.”[7]
E exemplifica o professor: “A autoridade administrativa, ao invés de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário.”

Lançamento por homologaçãoNo lançamento por homologação,[8] por força de lei, o contribuinte deverá verificar a ocorrência do fato gerador e efetuar o pagamento. À administração caberá a conferência e sua homologação.
O lançamento por homologação engloba a maioria dos tributos, e há uma delegação imprópria da atividade prevista no art. 142, inerente à autoridade administrativa fiscal ao contribuinte. Imprópria, pois como anteriormente explicitado o lançamento constitui ato administrativo vinculado, nos termos do artigo 142 , § Ú do CTN.
No lançamento por homologação o prazo decadencial (5 anos) conta-se da ocorrência do fato gerador nos termos do art. 150, §4º do CTN.
Depreende-se, portanto, que com a efetividade do lançamento e a notificação do contribuinte se inicia o prazo prescricional para a Fazenda Pública efetuar a sua cobrança, que é quinquenal.


DecadênciaConsoante esclarece o Ministro Humberto Martins: “no direito tributário, o Código Tributário Nacional diferenciou decadência e prescrição, tratando da primeira no art. 173 e da segunda no art. 174. A concepção dominante é de que existe a decadência do direito de lançar, ou seja, de constituir o crédito tributário, nos prazos estabelecidos no primeiro dispositivo acima, enquanto a prescrição relaciona-se, posteriormente, com o exercício da ação dê cobrança pelo Fisco do crédito tributário já devidamente constituído.”[9]
Em tese, o prazo decadencial, se inicia no primeiro dia do exercício financeiro seguinte àquele em que o tributo poderia ter sido lançado. Cabem as ressalvas aos tributos submetidos ao lançamento por homologação, se houve antes da notificação do sujeito passivo, medida preparatória indispensável ao lançamento, o início do prazo decadencial é antecipado para a data dessa notificação. A notificação feita depois de iniciado o prazo decadencial não o interrompe nem o suspende.

No que tange a decadência, seu prazo inicial conta-se, nos termos do art. 150, § 4º, para os casos sujeitos ao lançamento por homologação da ocorrência do fato gerador.

Para os demais tipos de lançamento, inicia-se do primeiro dia do exercício seguinte à aquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos termos do art. 173, I do CTN.
Se o lançamento foi anulado por vício formal, contar-se-á da data em que se tornar definitiva a decisão anulatória, nos termos do art. 173, II do CTN.
Por sua vez, se houve a notificação de medida preparatória do lançamento, antes de iniciado o curso da decadência, contar-se-á da data da notificação, nos termos do art. 173, § único do CTN.

Da prescriçãoComo já exposto, constituído definitivamente o crédito tributário, mediante lançamento, com a notificação do contribuinte inicia-se o prazo prescricional.
O termo inicial é o primeiro dia do exercício seguinte em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Por sua vez, a questão não é pacífica, uma vez que temos as seguintes divergências teóricas quanto ao momento da constituição do crédito, no que tange ao seu marco inicial, vejamos:
1ª - Da notificação do sujeito passivo para pagar o impugnar o lançamento;
2ª – Da decisão de primeira instância administrativa;
3ª – Da decisão de segunda instância administrativa;
4ª - Da decisão definitiva na esfera administrativa
5ª – Da inscrição na Dívida Ativa.
Consoante o Professor Kiyoshi Harada, a decisão administrativa não tem o condão de constituir o crédito, posto que já estava constituído nos termos dos artigos 142 e 145 do CTN[10], ora transcrito :
Esta fase administrativa de solução da lide nada tem a ver com o procedimento administrativo do lançamento em que não se cogita de aplicação do princípio contraditório e ampla defesa, por se tratar de direito potestativo da Fazenda de constituir o crédito tributário.
Há um equivoco na tese sustentada por parte da doutrina e da jurisprudência no sentido de que o crédito tributário só se constitui definitivamente com a decisão irreformável na esfera administrativa, porque o recurso administrativo poderá resultar em modificação do lançamento.
Ora, a decisão administrativa não tem o condão de constituir o crédito que já estava constituído nos termos dos artigos 142 e 145 do CTN. Essa decisão tem o condão apenas de desconstituir o crédito tributário extinguindo-o (art. 156, IX do CTN) caso o lançamento tenha incorrido em alguma irregularidade formal ou material.
Assim, o prazo prescricional deverá será contado a partir do dia em que a ação de exigência do tributo pode ser praticada.
Uma vez efetuada a notificação e o tributo não tiver sido impugnado na fase administrativa, o contribuinte terá prazo de 30 dias para efetuar seu pagamento.
Não o fazendo, o crédito torna-se exigível, momento incidirá o dies a quo do prazo prescricional.
Não há, contudo que se falar em transcurso de prazo prescricional, nesse interregno, posto que o contribuinte poderá recolher o tributo, inexistindo, portanto interesse processual à Fazenda para ajuizar a execução fiscal.
A dificuldade está na verificação do termo inicial - dies a quo.

O Ministro Luis Fux em voto de sua lavra elucida a questão declinando expressamente em Agravo Regimental no Ag. 898911/PR que :
3. Deveras, assim como ocorre com a decadência do direito de constituir o crédito tributário, a prescrição do direito de cobrança judicial pelo Fisco encontra-se disciplinada em cinco regras jurídicas gerais e abstratas, a saber:
(a) regra da prescrição do direito do Fisco nas hipóteses em que a constituição do crédito se dá mediante ato de formalização praticado pelo contribuinte (tributos sujeitos a lançamento por homologação);
(b) regra da prescrição do direito do Fisco com constituição do crédito pelo contribuinte e com suspensão da exigibilidade;
(c) regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento tributário ex officio;
(d) regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento e com suspensão da exigibilidade; e
(e) regra de reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco decorrente de causas interruptivas do prazo prescricional.” [11] (instituídas pela LC 118/05)
E conclui: Consoante cediço, as aludidas regras prescricionais revelam prazo qüinqüenal com dies a quo diversos.
O dies a quo para os tributos declarados pelo contribuinte, mediante DCTF, GIA, tributos sujeitos à homologação, em que não houve o pagamento antecipado, se dará na data do vencimento para o pagamento da obrigação. (desde que não haja qualquer causa suspensiva de sua exigibilidade).
Se o Fisco constitui o crédito tributário, mediante lançamento, inexistindo quaisquer causas de suspensão da exigibilidade ou de interrupção da prescrição, o prazo prescricional conta-se da data da notificação do contribuinte, do lançamento tributário, nos termos dos artigos 145 e 174 do CTN.
Se, por outro lado sobrevier causa de suspensão de exigibilidade, antes do vencimento do prazo para pagamento do crédito tributário (lançamento por homologação), se não reiniciado o prazo nos termos do Parágrafo Único do art. 174, será o reinício se dará a partir da data do desaparecimento da suspensão da exigibilidade.
Havendo causa interruptiva da prescrição, ou mesmo de reinicio da contagem do prazo, também deverá ser contado o novo prazo prescricional do momento em que o Fisco deveria exigir o tributo e não o fez.
Assim, contar-se-á com o vencimento do crédito tributário, regularmente constituído por declaração formal do contribuinte, pelo lançamento ou após julgamento de recurso administrativo. Nesse sentido as decisões: REsp nº 673.585/PR, Rel. Minª Eliana Calmon, REsp nº 671.219/RS, Rel.Min. Teori Albino Zavascki; REsp nº 671043/PR, Rel. Minª Denise Arruda do STJ.
A prescrição na seara tributária, ainda gera uma gama imensa de dúvidas, seja por ser tratada como forma de extinção do crédito tributário, seja em razão de sua suspensão ou interrupção, ou mesmo diante da suspensão da exigibilidade do tributo enquanto pendente de julgamento na fase administrativa.
Dentre elas, há a divergência quanto ao prazo do reconhecimento da prescrição intercorrente na execução fiscal, após as edições das Leis 11.051/2004 e Complementar 118/05.
Da prescrição intercorrenteA prescrição intercorrente, por seu turno, ocorre no curso da Execução Fiscal, tendo-se em vista a inércia da Fazenda Pública em localizar o contribuinte e promover o devido andamento do feito.
Uma vez suspenso o processo executivo fiscal pelo art. 40 da LEF, por um ano, reiniciava-se o prazo prescricional de 5 anos, isto, antes da edição da Lei Complementar 118/05.
A Lei Complementar nº 118/05 promoveu uma série de alterações no CTN, objetivando a sua adaptabilidade à nova Lei de Falências (Lei nº 11.101/05).
Dentre as mudanças fundamentais instituídas pela referida Lei, temos a modificação da redação do artigo 174, § único, inciso I, do CTN, estabelecendo a causa interruptiva do prazo prescricional para a propositura de ação de cobrança do crédito tributário.
Isso foi feito, declinando o prazo prescricional será interrompido pelo despacho do Juiz que determinar a citação do devedor, dentro do prazo de 5 (cinco) anos, está interrompido o prazo prescricional.
A Ministra Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça, em relatório e voto proferido em sede REsp 1034191 (2008/0041920-0 - 26/05/2008) assim se manifestou:

“Sobre a prescrição intercorrente, a jurisprudência do STJ sempre foi no sentido de que, em execução fiscal, o despacho que ordenar a citação não interrompe a prescrição, uma vez que somente a citação pessoal tem esse efeito, devendo prevalecer o disposto no artigo 174 do CTN sobre o artigo 8º, § 2º, da Lei n. 6.830/80.
Conseqüentemente, somente a citação regular interrompe a prescrição, mas esta, quando tratar de direitos patrimoniais, não pode ser decretada de ofício.
Ocorre que, com o advento da Lei n. 11.051, de 29.12.2004, que acrescentou o §4º ao art. 40 da Lei n. 6.830/80, tornou-se possível à decretação ex officio da prescrição pelo juiz, mas somente nos casos de prescrição intercorrente, após ouvido o representante da Fazenda Pública, consoante o texto da Lei n. 11.051/2004 abaixo trasladado, in verbis:
"Art. 6o - O art. 40 da Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 40 (...)
§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato."
Registre-se, ainda, que, com o advento da Lei n. 11.280, de 16.2.2006, com vigência a partir de 17.5.2006, o art. 219, § 5º, do CPC passou a viger com a seguinte redação: "O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição ."
Cumpre, antes de tudo, entender que a prescrição intercorrente, consoante aplicação, é resultante de construção doutrinária e jurisprudencial para punir a negligência do titular de direito e também para prestigiar o princípio da segurança jurídica, que não se coaduna com a eternização de pendências administrativas ou judiciais. Assim, quando determinado processo administrativo ou judicial fica paralisado por um tempo longo, por desídia da Fazenda Pública, embora interrompido ou suspenso o prazo prescricional, este começa a fluir novamente. Portanto, a prescrição intercorrente pressupõe a preexistência de processo administrativo ou judicial, cujo prazo prescricional havia sido interrompido pela citação ou pelo despacho que ordenar a citação, conforme inciso I, do parágrafo único do art. 174 do CTN, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar nº 118, de 9-2-2005. Portanto, a prescrição intercorrente é aquela que diz respeito ao reinício da contagem do prazo extintivo após ter sido interrompido.” (grifos nossos)
Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, o processo será suspenso por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente. (Súmula 314 do STJ)[12] Insta observar, contudo que a aplicação da Lei Complementar 118/05, não é retroativa.
A disparidade verifica-se no processo administrativo, uma vez que neste não há que aduzir a prescrição intercorrente, consoante entendimento uníssono do STJ, para quem a exigibilidade do crédito encontra-se suspensa – art. 151, III do CTN[13].
Estando suspensa a exigibilidade do crédito tributário, não há que se aduzir a sua prescrição, posição essa que muitos contribuintes contestam diante da morosidade dos processos administrativos fiscais, e diante da ordem pública da natureza da norma instituidora da prescrição e decadência.
[1] RT 300, outubro de 1960 – pág. 7
[2] Art. 168 – O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
[3] Nogueira, Ruy Barbosa – Curso de Direito Tributário. Ed. Saraiva, 1995.
[4] Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 8ª edição – Saraiva.
[5] Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I - quando a lei assim o determine;
II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;
IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
[6] Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.
§ 1º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento.
§ 2º Os erros contidos na declaração e apuráveis pelo seu exame serão retificados de ofício pela autoridade administrativa a que competir a revisão daquela
[7] Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18 edição. Editora Saraiva. Pág. 433.
[8] Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação
[9] BDJUR – revista do Superior Tribunal de Justiça – fonte: site do STJ
[10] Revista Jus navegandi - http://jus2.uol.com.br/doutrina
[11] Referência expressa no acórdão - In: Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad, págs. 224/252.
[12] Execução Fiscal - Não Localizados Bens Penhoráveis - Suspensão do Processo - Prazo da Prescrição Qüinqüenal Intercorrente
[13] Art.151 – Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

PRORROGAÇÃO INJUSTIFICADA DE GRAMPOS ANULA PROVAS

Prorrogação injustificada de grampos anula provas

São ilegítimas em inquérito policial escutas telefônicas feitas por quase um ano, que foram prorrogadas por decisões mal fundamentadas. A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça assim justificou a decisão de tirar de um processo criminal provas colhidas por meio de grampos autorizados judicialmente. De acordo com os ministros, é “inaceitável a violação das garantias constitucionais dos cidadãos sob o pretexto da aplicação do princípio da proporcionalidade”. A Procuradoria-Geral da República deu parecer no mesmo sentido.
A “proporção” alegada pelo Ministério Público e pela Polícia se referia à gravidade dos crimes atribuídos a Osni Muccellin Arruda, acusado de contrabando de eletrônicos no país. Osni foi preso em 2006 em uma operação da Polícia Federal e da Receita Federal. Segundo a acusação, o grupo de Osni vendia produtos paraguaios pela internet e lavava o dinheiro. Os crimes imputados a Osni foram de descaminho, falsificação de documentos, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha. A polícia afirmou que a quadrilha movimentou mais de R$ 100 milhões apenas em 2005, driblando o fisco federal em mais de R$ 10 milhões.
“Ilegítima é a prorrogação por quase um ano sem específica indicação da necessidade e indispensabilidade dessa gravosa medida, e inclusive contrariando a desimportância apontada pela própria autoridade policial acerca de terminais não utilizados pelos investigados”, diz a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, quem primeiro concedeu o Habeas Corpus. Os “terminais não utilizados” foram telefones grampeados não usados pelos acusados. “A própria autoridade policial, por meio de seus relatórios, deixou certo que alguns dos números investigados não tiveram maiores relações com o delito”, diz o voto do relator no TRF.
Segundo a corte do Sul, foram nada menos que 16 pedidos de prorrogação aceitos pelo juiz de instrução, sem a fundamentação necessária. Pelo menos 15 decisões tiveram argumento idêntico. A única exceção foi uma autorização que, no entanto, copiava os termos do decreto inicial feito pelo juiz, que autorizou a quebra de sigilo telefônico. Para os desembargadores, as provas foram “genéricas” e feitas “prolongadamente”.
Embora o TRF-4 tenha considerado as provas ilícitas, não determinou que fossem retiradas do processo, motivo que levou o HC ao STJ. O TRF entendeu que a manipulação das provas no processo ficaria a cargo do juiz responsável pela sentença. Para o STJ, no entanto, as transcrições das escutas feitas por meio das prorrogações deveriam ser excluídas do processo, “o que, no caso, ante a existência de outros elementos probatórios válidos, não inviabiliza a continuidade da Ação Penal”, disse o ministro Napoleão Nunes Maia, da 5ª Turma do STJ. Os demais ministros seguiram o voto, em acórdão publicado em outubro.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO EXIGE RIGOR PARA AUTORIZAR GRAMPO

Por Fernando Porfírio

O Tribunal de Justiça de São Paulo está revendo sua posição sobre casos que envolvem renovação seguida de prazos de interceptações telefônicas, principalmente quando a matéria trata de autorização genérica de grampos. É como se alguns desembargadores retornassem sobre seus próprios passos. Há um ano, essa posição era minoritária, hoje já recebe a adesão até de julgadores reconhecidamente rigorosos. Numa linguagem menos formal se diz na Seção Criminal que quem não muda de camisas, nem de idéias, é porque não tem nem umas nem outras.
Esses julgadores defendem que estão ocorrendo abusos. Para alguns, o Judiciário está enveredando pela banalização da autorização judicial para escutas telefônicas. Eles sustentam que o chamado grampo telefônico foi criado como último recurso da investigação policial – principalmente para fazer frente às organizações criminosas. Mas, de acordo com os defensores da nova visão, estão sendo usadas – com autorização judicial – para iniciar apuração de eventuais crimes.
“São inúmeros os casos de juízes que concederam autorização apenas com base em expedientes policiais”, afirma o desembargador Penteado Navarro, membro do Órgão Especial do TJ paulista. “Isso é preocupante”, emenda o desembargador que também atua na 9ª Câmara Criminal e presidiu o extinto Tribunal de Alçada Criminal (Tacrim).
Navarro destaca que o combate à criminalidade organizada exige um instrumento eficaz como a interceptação telefônica, mas, para ele a banalização desse meio de investigação é um abuso intolerável em um Estado de Direito.
O desembargador Pinheiro Franco, da 5ª Câmara Criminal, seguiu o mesmo entendimento no julgamento do pedido de Habeas Corpus preventivo apresentado por um gerente da Oi contra decisão da juíza da 2ª Vara criminal de Botucatu. A magistrada concedeu autorizações genéricas de quebra de sigilo para que policiais civis, por meio de senhas, tivessem acesso a dados de cidadãos, com o objetivo de investigação.
A juíza atendeu pedido feito em representação de delegados do Dise (Delegacia de Investigação de Entorpecentes) para suposta investigação de atentado que destruiu o prédio onde funcionava aquela delegacia. O atentado acontecera seis meses antes. No entendimento da 5ª Câmara Criminal, a reclamação dos delegados não tinha como objetivo a elucidação desse delito, mas a reorganização do Setor de Inteligência Policial.
A juíza justificou sua decisão afirmando que esse procedimento tem se mostrado um importante meio de investigação e instrumento eficaz para elucidar crimes e combater a criminalidade organizada. Alegou também a necessidade de rapidez nas investigações.
Ordem fundamentadaO desembargador discordou de seus argumentos. Reconheceu que a o direito à inviolabilidade não é absoluto, mas que a quebra desta só pode se dar por ordem judicial fundamentada em fato concreto. A turma julgadora entendeu também que a rapidez não pode justificar prática ofensiva ao devido processo legal, incluindo a fase de investigação, até para que se possa tornar válida a colheita de indícios e provas.
“E não há nos autos indicação de que, as ordens emanadas da alta autoridade Judiciária [a juíza] tenham origem em fatos concretos, de sorte que o mandamento genérico acaba por violar, sim, o sigilo que cobre os dados cadastrais do cidadão, ofendendo a inviolabilidade da intimidade”, afirmou Pinheiro Franco.
A mesma posição foi defendida pelo desembargador Ericson Maranho, da 6ª Câmara Criminal, ao julgar matéria semelhante. “A quebra de sigilo, pelo abalo que causa à intimidade, só se permite em hipóteses em que se sobreponha o interesse público, devendo a decisão apresentar-se especificamente fundamentada, a fim de que não se exponham clientes que envolvimento algum tenham com quaisquer investigações“, disse o desembargador.
A adesão à nova tese no Judiciário paulista se consolidou depois que ganhou um aliado de peso, no julgamento do Habeas Corpus 76.868, capitaneado pelo ministro Nilson Naves, da 6ª Turma do STJ. Naquele julgamento, o ministro afirmou que de acordo com a Lei 9.296/96, a interceptação não deve ultrapassar o limite de 15 dias, sendo renovável por igual período, quando comprovada a necessidade. Para Nilson Naves, período superior ao estabelecido pela norma, quando não fundamentado e justificado, não é investigação, mas sim devassa.
Quebra totalEm abril deste ano, a 9ª Câmara Criminal do Tribunal paulista disse que ordem ilegal não se cumpre e concedeu salvo conduto a uma gerente da Brasil Telecom. Ela se negou a cumprir ordem judicial de quebrar o sigilo telefônico de todos os usuários da companhia em 1309 municípios do interior paulista, além de clientes da empresa de outros cinco Estados e do Distrito Federal.
Esta semana de novo a 9ª Câmara se debruçou sobre o mesmo tema. Desta vez o julgamento envolveu pedido de HC de um gerente da TNL PCS S/A, nome oficial da operadora Oi no estado de São Paulo. A empresa uma das principais provedoras de serviços de telefonia móvel e pioneira no uso de tecnologia GSM no Brasil.
O gerente da operadora recebeu o ofício judicial 95/2009, que determinava a quebra do sigilo telefônico de todos os clientes da empresa pelo prazo de seis meses. O pedido foi feito pela Delegacia de Investigação sobre Entorpecentes e autorizado pelo juiz corregedor da Polícia Judiciária de Sorocaba. O grampo serviria para ajudar a Polícia a apurar supostos crimes de seqüestro e cárcere privado.
Chamado pelo Tribunal de Justiça para explicar uma decisão tão ampla e genérica de autorização de quebra de sigilo telefônico, o juiz disse que a Polícia pediu a habilitação de senha junto à Oi. Segundo ele, sua autorização se restringiu ao conhecimento da senha, sem permissão de acesso ao histórico de chamadas feitas ou recebidas pelos clientes da empresa. Explicou que a senha dá à Polícia apenas acesso a dados cadastrais dos assinantes e localização e ERBs (Estações Rádio-Base) e que sua decisão, portanto, não constituiria quebra de sigilo telefônico.
A turma julgadora não aceitou as justificativas do juiz nem os argumentos do Ministério Público em defesa da medida. “A ordem [Habeas Corpus] merece ser concedida, porquanto a autorização de quebra de sigilo telefônico contida no ofício emanado da autoridade apontada como coatora é extremamente ampla, genérica e com prazo muito além do permitido”, afirmou Penteado Navarro, relator do recurso apresentado pelo gerente da Oi.
Lei do grampoO grampo telefônico é regulamentado pela Lei 9.296/96. A norma determinou que a quebra de sigilo tem duração de 15 dias, mas prevê uma renovação pelo mesmo prazo, desde que seja comprovada que este meio de prova na investigação criminal é indispensável. Para isso, por ser um medida de exceção, o juiz deve especificar e individualizar os destinatários do grampo e fundamentar sua decisão.
“Ora, inexistindo na lei prazo superior a 30 dias, não há como admitir que a interceptação telefônica se prolongue pelo período de seis meses, como autorizado pelo magistrado de primeiro grau”, completou o relator.
A tese apresentada pela defesa, a cargo dos advogados Elisa Lima Alonso, Rodrigo Bittencourt Mudrovitsch e Raquel Botelho Santoro era a de que a ordem judicial é abusiva, pois não individualizou as pessoas que teriam seus telefones interceptados. Esse método, no entendimento dos advogados, viola a Constituição Federal,que garante o sigilo das comunicações.
Ainda de acordo com a defesa do gerente da Oi, o juiz de Sorocaba não fundamentou a necessidade da medida de exceção, principalmente por conta de sua amplitude e generalidade. Os advogados sustentaram que era lícita a decisão de seu cliente de desobedecer a ordem judicial que não tinha amparo legal e pediu ao Tribunal de Justiça que reconhecesse a desnecessidade do cumprimento.
O Ministério Público paulista defendeu que o prazo legal de 15 dias pode ser renovado por igual período, conforme a lei, mas que não existe restrições quanto à quantidade de prorrogações. Segundo o MP, há precedentes nesse sentido tanto no Tribunal de Justiça como no STJ.
Em abril, a mesma 9ª Câmara Criminal concedeu HC preventivo para uma gerente da Brasil Telecom que se negou a cumprir ordem judicial de quebrar o sigilo telefônico de todos os usuários da companhia em 139 municípios do interior paulista, além dos clientes de outros cinco estados e do Distrito Federal.
Além de conceder o salvo conduto, a turma julgadora cancelou o decreto do juiz corregedor da Polícia Judiciária de São José do Rio Preto (no noroeste paulista) por entender que ele era ilegal e absurdo. A ordem do grampo partiu do juiz Robledo Mattos de Moraes, de São José do Rio Preto, e dava poder absoluto ao delegado de São José do Rio Preto que presidia a investigação.
O decreto determinava que a empresa entregasse à Polícia os dados cadastrais dos assinantes junto com os CPFs, os extratos telefônicos de ligações feitas e recebidas em qualquer período solicitado, o rastreamento em tempo real de estações de rádio (ERB), o histórico das chamadas, além de dados dos IPs requisitados pela autoridade policial.
O decreto judicial atendeu pedido do delegado Guerino Solfa Neto, da Unidade de Inteligência Policial do Deinter-5, de São José do Rio Preto, e do Ministério Público que investigam a atuação de organizações criminosas e o tráfico de drogas em 139 municípios da região. A Polícia queria ter acesso às senhas gerais de telefones fixos e móveis de usuários de 16 companhias de telefonia com atuação nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina, além do Distrito Federal.
A gerente regional da Brasil Telecom, Andréia da Silva Frotta, que responde pelos estados de Goiás e Tocantins e pelo Distrito Federal, se negou a cumprir a ordem do juiz. A defesa da gerente, a cargo da advogada, Elisa Lima Alonso, sustentou que o ofício do juiz corregedor, encaminhado à empresa, violava a privacidade dos usuários e a Lei Geral das Telecomunicações (Lei 9.472/97). Alegou, ainda, que seria impossível a quebra de sigilo de forma genérica, sem individualização. Temendo responder a processo civil, criminal e administrativo, a gerente entrou com pedido de HC preventivo alegando a licitude da desobediência.
Império do abusoEm sua decisão, o Tribunal paulista considerou a ordem judicial genérica e com prazo que viola a norma que autoriza interceptações telefônicas. “Esse caso é emblemático, pois retrata o abuso que impera hoje na nação de sem justificativa, bisbilhotar a vida das pessoas”, disse o desembargador Penteado Navarro. “A Justiça não pode permitir que se instale no país um estado policial em nome da defesa do Estado”, completou o presidente da 9ª Câmara Criminal, desembargador Souza Nery.
O desembargador disse que a lei obriga que a autoridade policial identifique quais telefones quer ouvir e explique os motivos do pedido. Segundo ele, é amparada em ordens judiciais genéricas e sem limites que vem se cometendo toda ordem de abusos contra o cidadão.
“É dessa maneira que se faz com que as escutas telefônicas atinjam até as mais altas autoridades do país, como ministros do Supremo, senadores, deputados e ministros de Estado”, completou Penteado Navarro, que abriu divergência, com o relator. Segundo ele, não é possível permitir que as interceptações fujam dos limites da razoabilidade.
“Ordem ilegal não se cumpre”, ressaltou o desembargador Souza Nery, que decidiu o julgamento como terceiro juiz. Ele destacou a atitude da gerente da Brasil Telecom que se rebelou contra o decreto do magistrado de São José do Rio Preto. “Se anteriormente outras pessoas tivessem tomado a mesma atitude [da gerente] não teríamos assistido os escândalos de grampos telefônicos patrocinados por autoridades federais”, concluiu Souza Nery.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

JUIZES DO MARANHÃO SÃO INVESTIGADOS POR LIBERAR MULTAS

Reportagem da Folha de S.Paulo informa que a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Maranhão ordenou a abertura de processos administrativos disciplinares contra sete juízes que atuam em 4 das 9 varas cíveis de São Luís (MA). Na maioria dos casos investigados, os juízes aplicaram multas contra bancos e fundos de pensão por supostas decisões não cumpridas, bloquearam o dinheiro nas contas dos réus e, em seguida, liberaram os recursos sem que o beneficiado pela decisão apresentasse "caução idônea" — garantia de que, caso perdesse o processo, pudesse restituir os valores.

Levantamento do jornal, a partir das 134 páginas do relatório final da correição feita pela Corregedoria entre janeiro e fevereiro últimos, apontou o pagamento de R$ 38,4 milhões em 27 ações judiciais do gênero. Ao liberar o dinheiro, os juízes costumam exigir, como caução, notas promissórias (documentos pelos quais a pessoa se compromete a pagar determinado valor). Entre os casos considerados suspeitos há seis pessoas que obtiveram tais indenizações milionárias e atuavam por meio da justiça gratuita, o que, para os corregedores, configura "estado legal de pobreza", ou seja, não teriam condições financeiras de dar nenhuma garantia.

Treze juízes coordenados pelo corregedor Jamil de Miranda Gedeon Neto investigaram, por amostragem, cerca de 12 mil processos que tramitavam nas 2ª, 3ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª varas. Não foram apontados problemas na 3ª e na 8ª varas. A maioria das irregularidades foi detectada em processos que envolviam altas somas, penhoras online e saques em espécie.

De acordo com a Corregedoria, foram abertos oito processos disciplinares, sendo um para cada juiz e um para apurar indícios de fraudes na distribuição de ações — em vez de passarem pelo sorteio eletrônico, 14 processos foram enviados indevidamente aos juízes.

AposentadoriaUm dos casos investigados envolve o pagamento de R$ 2,99 milhões na 6ª vara cível. Em um período de seis dias em dezembro passado, o juiz Abrahão Lincoln Sauáia bloqueou R$ 2,99 milhões da conta da Funcef, o fundo de previdência dos funcionários da Caixa Econômica, transferiu o dinheiro para a conta bancária da vara e autorizou o saque, em espécie, pelo advogado do bancário José Antônio Ibiapina Mendonça, que alegava perdas no cálculo de sua aposentadoria.

O dinheiro foi retirado pelo advogado Gilliano Nascimento Cutrim, sobrinho do presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão, Raimundo Cutrim, e filho do vice-presidente do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Edmar Cutrim.

A ordem foi depois revista, após a Funcef ter entrado com recurso no TJ. Em fevereiro, o juiz que então respondia pela vara, Vicente de Paula Gomes de Castro, exigiu de Mendonça a devolução do dinheiro, num prazo de 24 horas, sob pena de prisão. A ordem, até agora, foi inócua.

Cutrim disse ao TJ ter entregue cerca de R$ 2,39 milhões a Mendonça e ter ficado com o resto a título de honorários advocatícios, enquanto Mendonça disse que nada recebeu.

O advogado obteve no TJ uma liminar que cassou multa diária de R$ 5 mil imposta por atraso na devolução, mas permanece a ordem judicial para que devolva o que sacou. O dinheiro nunca voltou à conta da 6ª vara, e advogados da Funcef ainda tentam a restituição.

A Justiça chegou a ordenar uma varredura nas agências bancárias, atrás de contas abertas em nome de Cutrim e de Mendonça. No relatório, a Corregedoria afirma que "merece apuração a conduta do titular, dr. Abrahão [Sauáia], que, depois de declarar findo o processo, com manifestação expressa do autor concordando com a extinção e arquivamento (25/4/2007), em 28/11/2008 "ressuscita" o processo sem maiores justificativas e em prazo recorde, apesar dos anos de existência do processo e centenas de outros aguardando despachos".

O juiz autorizou o saque sem caução e assim justificou a decisão que ele próprio chamou de "interpretação reversa": "Exigir-se a prestação de caução para levantamento de valor decorrente de execução definitiva de decisão judicial constitui imposição odiosa e discriminatória, inadmissível no Estado democrático de Direito".

Outro ladoA Folha também publica que os juízes que foram alvo da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Maranhão contestaram as conclusões da correição. O juiz da 6ª vara, Abrahão Lincoln Sauáia, atacou os resultados, mas disse que passou a rever a prática de acolher nota promissória como garantia para a liberação de recursos bloqueados.

"Acho que na medida em que o procedimento que o magistrado adota, mesmo sendo legal, é questionado dessa forma que foi questionado, acho que é hora de, talvez, rever esse posicionamento. (...) Embora esse procedimento seja legal, ele é questionado tão veementemente pelo órgão correicional daqui... Eu até já tenho adotado uma postura diferente, desde essa correição que só tenho aceitado cauções reais", disse Sauáia, que é juiz há 29 anos.

O juiz defendeu a promissória como caução: "O Código de Processo Civil autoriza. (...) A concessão da justiça gratuita informa que o sujeito não tem condições de pagar as custas, então o próprio Judiciário sustenta, mas não quer dizer que ele não tenha patrimônio para suportar eventual ressarcimento".

O advogado Gilliano Fred Nascimento Cutrim disse, a respeito do processo pelo qual obteve R$ 2,99 milhões para seu cliente [Antônio Ibiapina Mendonça], que não pode "especificar o que aconteceu com os mesmos [recursos], visto que, após o desconto dos honorários advocatícios, os valores foram repassados ao sr. Ibiapina".

Cutrim disse que sua família, que possui "vários parentes graduados em direito, magistrados e membros do Ministério Público", tem "origem humilde, venceu na vida pelo estudo e trabalho" e que ele "jamais se beneficiou de qualquer tipo de parentesco".

O advogado afirmou que os recursos não foram ainda devolvidos porque a questão está sendo discutida no TJ do Maranhão, onde ele obteve decisão favorável.

O juiz Nemias Nunes Carvalho, da 2ª vara, disse que a questão das cauções já "foi objeto de representação e ficou constatado que não há qualquer ato ilícito de minha parte". "Isso foi ressuscitado por essa malfadada correição, em boa hora avocada pelo Conselho Nacional de Justiça, pois eu sabia que lá haveria total isenção de ânimo para ser efetuado o julgamento", afirmou Carvalho.

O juiz disse que não responde mais a procedimento no CNJ. Procurado, o CNJ não confirmou nem contradisse a informação, sob alegação de sigilo nos autos. "Felizmente o conselho não afastou ninguém, o que foi uma frustração para muita gente que tinha esse interesse, e quando mandou instaurar [processo], não mandou contra a minha pessoa", disse Carvalho.

O juiz Sérgio Antonio Barros Batista, há 20 anos na magistratura, disse que está "tranquilo" sobre as decisões que tomou. "Não tenho nenhum constrangimento. Jamais prejudiquei alguém intencionalmente e as decisões foram tomadas com base em critérios técnicos e jurídicos." Para ele, a correição cometeu equívocos. "Os homens são capazes de se equivocar, em algum momento, naquele contexto de fazer correição açodada, apressada." Disse que já esclareceu as acusações.

Procurados, os juízes Douglas Amorim, José de Arimatéia Correia Silva, Luís Carlos Nunes Freire e José Raimundo Sampaio Silva não foram localizados para comentar o assunto, segundo a Folha.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

TRIBUNAL DO JÚRI "A ARTE DO CONVENCIMENTO"

Técnicas linguísticas-discursivas, paráfrases e tribunal do júri: a arte do convencimento


O presente trabalho tem como objetivo elucidar a importância do conhecimento e a conseqüente utilização de alguns recursos lingüísticos em situações cujo resultado tende a advir de intensa atividade dialética. Nesse liame, encontra-se no tribunal de júri palco perfeito para apreciação da aplicação dos conceitos e técnicas discursivas.

Far-se-á, primeiramente, uma análise sobre o desenvolvimento da palavra falada e escrita; após, breve conceituação sobre as formas de apuração das infrações; até se chegar à presente estruturação do Tribunal de Júri no sistema jurídico brasileiro.

Em uma última etapa, desenvolver-se-á a temática discursiva, especialmente a utilizada pelos atores de acusação e defesa no âmbito dos tribunais, levando-se em conta a forma como é dirigida a palavra para o auditório predeterminado e as conseqüências que o bom uso desta podem trazer no desfecho do julgamento perante o Tribunal popular.

1. Os humanos, a fala e os tribunais: linguagem, língua e discurso.

Antes de adentrar no cosmos jurídico, especialmente no sistema dos tribunais ditos "populares", mister se faz atingir um nível satisfatório de compreensão sobre a atuação dos personagens que, através de suas ações e omissões, falas e representações, operam e constituem o cenário do julgamento, dotando de realidade toda essa reconstrução secular a cada dia renovada.

Nós, seres humanos, ao longo dos séculos desenvolvemos formas diferentes para conseguir um canal eficiente de comunicação com nossos semelhantes. Nos primórdios, alguns gestos e ruídos animalescos traduziam as vis idéias que a mente símia conseguia produzir. Depois, foram desenvolvidas a palavra falada, a palavra escrita, os meios de comunicação em massa e outras fontes tantas cujas citações não se fazem necessárias. Tudo isso com um objetivo: transmitir o conteúdo que criamos ou entendemos justo para outros, informando-os ou persuadindo-os a se aliarem aos nossos ideais.

O tribunal do júri encontra nessa "interpretação teatral" sua fonte de subsistência: as alegorias apregoadas pelos advogados de defesa ou pela acusação visam convencer um auditório delimitado de que as teses apresentadas são as mais corretas entre as possíveis e passíveis de aplicação ao caso guerreado.

Nesse contexto, desenvolve-se a interlocução: trata-se de um espaço de produção da linguagem e de constituição dos sujeitos; uma ação individual com finalidade orientada; uma verdadeira e íntima relação entre um "eu" e um "tu". Através da interlocução, opera-se uma reconstrução da linguagem, ao mesmo tempo em que o sujeito se completa e se constrói nas falas apresentadas.

Fenômeno social, a interlocução, como tal, necessita de um palco, de um contexto hábil a recebê-la, para que possa produzir os efeitos e atingir os objetivos aos quais se propõe. É, pois, a situação histórico social o centro do espetáculo onde se processam as interações entre os sujeitos. Interações essas incapazes de operarem no campo metafísico sem constrições. A partir disso, o sujeito e a linguagem unem-se de distintas maneiras: há a possibilidade daquele realizar ações "sobre" a linguagem ou mesmo "com" a linguagem, ora produzindo sistemas de referência, ora recebendo ações próprias da linguagem.

Nesse campo, o estudo da análise discursiva costuma classificar as atividades da fala, tanto oral quanto escrita:

a) atividades lingüísticas: referem-se ao assunto em pauta, há progressão do assunto; b) atividades epilinguísticas: operam uma reflexão sobre os recursos expressivos; c) atividades metalingüísticas: reconhecem na linguagem o próprio objeto de estudo.

Classificadas as atividades da fala, passa-se à aplicação de seus conceitos no cosmus jurisdicional.

2. O sistema judiciário e sua relação com seus destinatários.

Amado, odiado, compreendido ou simplesmente aceito. A visão da população é amplamente divergente quando o tema é a justiça ou sua administração. Inicialmente, o sistema fora implantado como mecanismo de controle: os administrados eram sujeitos passivos, apáticos, excluídos, sem interação. A "busca da verdade" rompia a barreira do racional e invocava uma suposta intervenção divina como fonte de justiça. E isso não podia causar outra coisa se não indignação. A Idade Média, compreendida por alguns como "idade das trevas" e por outros como "depressão necessária à iluminação" contribuiu amplamente para a construção dessa imagem negativa da justiça que subsiste até os dias de hoje. Juntamente com a evolução cultural e racional da sociedade, o sistema jurídico buscou também o aperfeiçoamento: não seria mais uma mão pesada que abateria inocentes, mas sim um jogo de discursos, saberes e pressões, no qual os destinatários das normas não pudessem ser visualizados concretamente, numa clara apegação ao princípio romano "in dubio pro reo".

A norma jurídica, para KELSEN (2000), era uma prescrição. A lei, por outro lado, era a luva que revestia a norma no âmbito de um ordenamento jurídico. Nesse sentido, a lei era vista como fonte do direito na medida em que traduzia o revestimento estrutural da norma jurídica. Essa norma, na visão de FAGUNDES (2001), é bi-direcionada: a) ao próprio grupo legislador (coesão, credibilidade interna e eficácia); b) grupos sociais (controle à luz dos valores impostos pelos grupos dominantes).

Porém, nem tudo é perfeito na linda história da evolução do direito...O sistema de normas trouxe consigo uma segurança nunca dantes vista. Mas também cedeu espaço para lacunas e antinomias. E é exatamente sobre essas que pairam os esforços habilidosos e ardilosos de advogados e acusadores, usando o sistema de forma contrária à qual fora (im)posto: abre-se o campo da argumentação e subversão; do (des)entendimento e do livre convencimento; do justo e do aplicável.

BARTHES, deleitando-se sobre o assunto, reforça a diferença entre raciocínios argumentativos e meros argumentos: enquanto esses são formas públicas de raciocínios impuros e dramatizáveis, opiniões obtidas através de uma prévia identificação emocional, valorativa e ideológica, aqueles são reflexões processadas a partir de uma ideologia, uma inversão do real suficiente para obter a adesão dos interlocutores em relação ao argumentado.

Toda essa polêmica, que parece invenção das sociedades pós-modernas, teve suas raízes fixadas por ARISTÓTELES, por meio de sua teoria axiológica: abandonando o campo do idealismo e adentro no do empirismo, determinava a aceitação de princípios iniciais como sendo verdadeiros para poder ao longe chegar. Anos mais tarde, PERELMAN (1988) deu nova visão à linguagem e aos axiomas aristotélicos: a demonstração passava a travar uma árdua batalha contra a argumentação. No intuito de ampliar e melhor fundamentar a base teórica da Teoria da Argumentação através do método da Nova Retórica, Perelman passou a utilizar como objeto a Razão Prática. Esta estava mais bem relacionada com a teoria do direito por mostrar-se dinâmica tal qual este deve ser, extrapolando os limites de uma razão analítico-descritiva a fim de se adequar como guia de ação do homem. Em torno da razão prática desenvolveu-se a Filosofia Prática, capaz de estabelecer parâmetros para o plano de ação da esfera humana. Em continuidade, esta filosofia requisitava aprovação, ao invés da prova requerida pela razão teórica. A razão prática tinha na razoabilidade o critério da necessária aprovação das argumentações. A aprovação era dada pelo consentimento do auditório universal, destinatário ideal.

3. O Tribunal do Júri no sistema processual penal pátrio.

O conselho de sentença, constituído por sete jurados, escolhidos entre vinte e um cidadãos de reputação ilibada previamente sorteados dentre os catalogados na lista de jurados da comunidade onde residem, juntamente com o juiz de direito, apresentam-se como soberanos para proferir o edito aos submetidos à sua apreciação. Desta feita, compete ao Tribunal de Júri julgar os crimes dolosos praticados contra a vida, tanto em suas formas consumadas quanto nas formas tentadas. É essa a informação trazida pelo Código de Processo Penal:

"Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1o e 2o, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados".

Todo o procedimento relacionado ao julgamento está muito bem discriminado no CPP, e não convém, nesse momento, adentrar nos detalhes atinentes às regras protocolais desse antigo e resistente instituto. O propósito, aqui, é mergulhar nas fábulas criadas; inundar-se na maré argumentativa advinda da representação e parafraseamento dos atores envolvidos no espetáculo que tende a produzir uma única certeza: a justiça do convencimento!

Os principais personagens envolvidos na (re)construção dos fatos figuram como adversários no campo oratório: enquanto o representante ministerial opera a acusação e tenta convencer a platéia sobre a admissibilidade do emprego de uma sanção por parte do estado-juiz, o defensor utiliza-se das mais variadas técnicas para desmantelar os fatos narrados na denúncia, peça inicial do processo crime instaurado mediante ação pública. Note-se que a platéia mencionada é ampla e diversificada; nela estão presentes gabaritados juristas e cidadãos de "ilibada reputação", que não necessariamente dispõem de conhecimento teórico sobre as instituições jurídicas.

Em razão dessa discrepância, o discurso é carregado de figuras que ora lhe dão suporte, ora lhe complementam: são jargões, figuras lúdicas, formas estereotipadas e paráfrases que "enriquecem" o vocabulário do emissor. Essas formas lingüísticas utilizadas pelos interlocutores na construção de seus enunciados (recursos expressivos) visam, em um primeiro momento, demonstrar habilidades técnicas e domínio do conteúdo e, posteriormente, induzir o público a compactuar com a história versada.

Uma destas técnicas consiste no emprego do dito "jargão". Em uma conceituação semântica, tem-se que se trata de uma terminologia específica da profissão que a emprega. Assim como no terreno das ciências médicas o termo "cianótico" faz parte do vocabulário diário dos especialistas em salvar vidas, no campo do direito há algumas palavras que por si só expressam o conteúdo de todo um entendimento prévio, sejam elas vocábulos técnicos ou os chamados "brocados jurídicos".

A utilização dos brocados traz conseqüências diversas ao interlocutor, dado as formas distintas pelas quais serão aceitos pelos receptores. Neste liame, observa-se que, no jogo travado perante o Tribunal, duas são as espécies de espectadores envolvidos:

a) o juiz togado que preside a sessão e o(s) procurador(es) da parte contrária; b) os jurados, que não necessariamente detém conhecimento acerca das regras e postulados jurídicos perpetrados e consolidados no transcorrer dos anos.

Segundo FAGUNDES (2001), são três as implicações ou funcionalidades advindos do uso dos jargões:

1. mostrar a (b) que eu (a) sei sobre o que estou falando; 2. mostrar a (a) que também sou do ramo (a); 3. limitar a interpretação de (b) à tese do locutor (a).

Assim, um jargão muito comum e quase sempre presente nos debates orais perante o Tribunal do Júri é o que se liga ao princípio da presunção de inocência, pilar basilar que, juntamente com o princípio da legalidade, sustentam o aparato repressivo estatal, que tem na justiça criminal sua conseqüência natural. Desta feita, enquanto cabe à acusação provar de forma inequívoca e inconteste os fatos articulados na denúncia e no libelo-crime acusatório, à defesa cabe tão-somente desconstruir a possibilidade de reconhecimento da autoria do denunciado no crime a ele imputado, sem a necessidade de fazer prova do contrário. Resta, portanto, a alegação da dúvida; e, em havendo dúvida, esta deve ser resolvida em favor do réu. Isto porque o direito penal tem incidência sobre o bem maior do ser humano, qual seja, sua liberdade. Imortaliza-se, então, dessa forma, o uso do postulado "in dubio pro reo"!

São inúmeros os julgados que acolhem essa tese defensiva, que culmina com a absolvição do denunciado e a conseqüente improcedência da peça vestibular. A titulo de exemplo, transpõe-se aqui um julgado proferido pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO TENTADO. AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS DA TENTATIVA. DÚVIDA QUANTO À OCORRÊNCIA DA CONDUTA TÍPICA. ILEGALIDADE DA CONDENAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO RECONHECIDA NA SENTENÇA E NO ACÓRDÃO. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Não cabe condenação por tentativa, sob pena de configurar constrangimento ilegal, quando não se demonstram – com base no conjunto probatório produzido durante a instrução criminal – os atos de execução, a não-consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente e o dolo do delito consumado.

2. A dúvida quanto ao efetivo início da execução do comportamento punível não autoriza a condenação por tentativa, tendo em vista que sua presença sempre se resolve em favor do agente, em observância ao princípio in dubio pro reo.

3. Ordem concedida para restabelecer a sentença do Juízo de 1º grau" (HC 41621 / RJ; 2005/0019019-0. Data da decisão: 6/12/2005).

O supracitado julgado demonstra, de forma clara e límpida, o largo uso desse recurso, mesmo em não se tratando de delito sujeito ao rito especial do júri; porém, em virtude disso, não há um tratamento próprio aos jurados: há apenas a aplicação de conceitos estritamente focados na literalidade argumentativa da linguagem jurídica.

É nesse ponto que nasce a especialidade e a diferenciação do julgamento perante um tribunal popular formador de um conselho de sentença: não basta ao advogado ou ao acusador despejar conhecimentos adquiridos ao longo da experiência jurídica em um papel destinado a outro jurista: além de demonstrar conhecimento na área, o locutor deve fazer-se entender pelos interlocutores que povoam a platéia (b). Nessa árdua tarefa, o emprego de um recurso lingüístico estereotipado faz-se mister: trata-se da paráfrase.

Diferentemente da ironia, que busca a desconstrução do sentido para constituição da linguagem, ou da paródia, que consiste na produção de novos sentidos tendentes a desestruturar a prática jurídica através de uma espécie de imitação, a paráfrase tem como função primordial a supressão das ambigüidades decorrentes da livre interpretação de uma tese pré-existente, através de sua retomada e releitura por um outro viés, o qual tende induzir o interlocutor a receber de forma pacífica e sem restrições a nova tese criada pelo locutor. Nesse sentido, a paráfrase jurídica não se conceitua como mera reforma do pré-dito ou simples exclusão de outros já-ditos possíveis: trata-se de uma forma de trabalho discursivo responsável pela multiplicação dos enunciados em circulação; opera uma reconstrução do já-dito.

Nesse liame, aplica-se à paráfrase o conceito de transposição de sentido, que para PARRET nada mais é do que indispensável condição de possibilidade do próprio sentido. Situando a paráfrase nesse campo interpretativo, PARRET cria seguinte esquema de transposições:

a) discursiva: paráfrase ("atividade natural onde a semelhança do sentido transposto e do sentido transpositor está mais ou menos intuitivamente posta");
b) hermenêutica: interpretação (saber de um texto);
c) científica: metalinguagem (conhecimento da ciência).

No transcorrer de uma sessão de julgamento, facilmente identificam-se as três formas de transposições preconizadas pelo citado autor: no momento em que o acusador aplica conceitos concernentes à ciência jurídica para induzir o auditório leigo a acatar sua tese discursiva, como, por exemplo, diferenciar dolo, culpa, legítima defesa direta e legítima defesa putativa, aplica ao seu discurso uma transposição cientifica; por outro lado, quando interpreta a lei geral e aplica-a ao caso em deslinde, faz uso de uma transposição hermenêutica reducionista; mas quando, diferentemente das ações anteriores, cria um embate com o defensor, utilizando as próprias teses daquele para fazer valer as articuladas pelo órgão de acusação, emprega a transposição discursiva.

A paráfrase, no cenário do julgamento, pode adquirir quatro funções:

a) função didática: explica o funcionamento judicial e os episódios do processo, tendo como destinatário o conselho de sentença;
b) função definitória: dirigida ao juiz presidente e ao advogado da parte contrária, aproxima-se da metalinguagem, pois direciona a argumentação a uma interpretação que antecede a própria definição;
c) função explicativa: explica os fatos elucidados em (b) para os mesmos destinatários de (a); não há confusão entre a forma (a) e a forma (c): enquanto esta "traduz" conceitos jurídicos aplicáveis ao caso sub judice, aquela leciona conceitos básicos sobre o funcionamento do julgamento pelo tribunal popular;
d) função explicitativa: conduz o interlocutor ao sentido que interessa ao locutor.

Dentre as funções acima apontadas, a que maior influência opera sobre o resultado final do julgamento é a elucidada na letra "d". Ao se apropriar do discurso alheio, o interlocutor, numa ação não destruidora, mas sim reconstrutiva, busca, com fundamento no próprio enunciado anterior, apontar seus defeitos e, dentre as possibilidades existentes, escolher a que melhor se encaixa à situação guerreada, apoiando sobre ela toda sua tese argumentativa. O uso desse mecanismo tem por escopo principal convencer a platéia de que a tese anterior apresenta irregularidades e, ao mesmo tempo, soluções diversas das inicialmente pretendidas. Num mecanismo de explicitação, reconstrói a própria tese fundante da argumentação apropriada de forma que aquela se adapte aos anseios pretendidos pelo locutor apropriante.

Toda essa dialética desenvolve-se na fase dos debates orais, em que as partes conflitantes utilizam-se de todos os meios disponíveis para obter o apoio do conselho de sentença às teses apresentadas. Findo os debates, com base nas alegações sustentadas e nas hipóteses criadas, o juiz presidente elaborará os quesitos de julgamento, que serão submetidos à votação do conselho. Os quesitos devem reproduzir fielmente os argumentos elencados pelas partes, sob pena de invalidar-se todo o procedimento judicial, consoante dispõe o art. 563, III, "k", do Código de Processo Penal.

Votados os quesitos e não existindo regularidades, publica-se a sentença em audiência, cujo resultado "premia" quem melhor desempenhou as ações de convencimento dos jurados e (re)construiu a história passada da forma mais próxima à realidade plausível.

(POR Diego Roberto Barbiero)

AGU É CONTRA PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

AGU é contra poder investigatório do MP

Por Fernando Porfírio

A redação dada pelo Constituinte não deixa dúvidas de que é atribuição do Ministério Público promover investigação na proteção de direitos difusos e coletivos, todos de natureza civil, e que cabe às polícias federal e civil dos Estados as atividades de polícia judiciária.
O entendimento é do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que enviou parecer sobre o assunto ao Supremo Tribunal Federal. Ele rejeita a constitucionalidade de dispositivos que, em tese, poderiam permitir que membros do MP façam investigações criminais em substituição às Polícias Judiciárias.
Em debate no STF está a constitucionalidade da Lei Complementar Federal 75/93, que permite aos membros do Ministério Público da União, nos procedimentos de sua competência, fazer inspeções e diligências investigatórias e requisitar o auxílio de força policial. Além disso, a lei permite a livre entrada de promotores e procuradores de Justiça nos estabelecimentos policiais e prisionais e o acesso a qualquer documento que trate da atribuição do controle externo da Polícia.
Também se discute na Ação Direta de Inconstitucionalidade a Lei Federal 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que determina a aplicação subsidiária da norma ao Ministério Público dos Estados e, ainda, a Resolução 20/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que disciplina o controle externo da atividade policial.
O parecer 102.446/2009, com 35 páginas, foi juntado à ADI 4.271 proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil no STF. A associação argumenta que os poderes de investigação seriam de atribuição exclusiva dos delegados de polícia.
Na ação, a Adepol pede a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993, da Lei 8625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e da Resolução 20, de 28 de maio de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público. A entidade argumenta que esses dispositivos afrontariam a Constituição Federal. Alega ainda que a atuação da polícia judiciária estaria comprometida ao envolver a atuação direta e coordenada de membros do MP na investigação de ilícitos penais.
A AGU rebateu, no parecer apresentado ao Supremo, argumentos de que a Constituição Federal teria dotado o órgão ministerial de “poderes implícitos” para conduzir investigações criminais. Para ele, “não se pode considerar implícita uma competência quando a Constituição a outorgou – de modo explícito – a outro órgão”.
Toffoli fez considerações históricas a respeito da função do Ministério Público nas investigações criminais no Brasil e da tradição pátria que “outorga apenas à polícia o exercício desse mister”.
Alegou, ainda, que “restou fracassada a tentativa de se incluir, no texto originário da Constituição da República de 1988, tal atribuição ao Ministério Público”, o que evidenciaria “a vontade do Constituinte de afastar do órgão ministerial público das atividades de investigação criminal”.
Nas palavras de Toffoli, “revela-se fora de dúvida que o ordenamento constitucional não reservou o poder investigatório criminal ao Ministério Público, razão pela qual as normas que disciplinam tal atividade devem ser declaradas inconstitucionais”.
O processo segue agora, com vista, à Procuradoria-Geral da República, que deve também emitir parecer sobre o assunto. O relator da ação é o ministro Ricardo Lewandowski.
Antecedentes na PGR
Em parecer emitido em outra ADI, no final do ano passado, o então procurador-geral da República Antonio Fernando Souza se manifestou pela improcedência da ADI 3.806, também proposta pela Adepol. O ex-procurador entendeu que a investigação conjunta ou paralela aperfeiçoa o sistema de apuração porque reúne as exigências de punibilidade e o respeito aos direitos fundamentais.
O ex-procurador não concordou com o argumento da Adepol de exclusividade do poder de investigação criminal da polícia. Segundo ele, diversos órgãos públicos, como a Receita Federal ou o Banco Central, fazem diligências investigatórias dentro de seus âmbitos de atuação, que podem terminar com a coleção de documentos para o ajuizamento de ação penal pelo Ministério Público.
Como exemplo, citou investigações de sonegação fiscal ou de evasão de divisas feitas por esses órgãos e que geram ação penal, sem necessidade de passar por investigação policial. Para o ex-chefe do MPF, deve-se complementar a investigação criminal. Segundo ele, a apuração dos fatos, ainda que sustentem a propositura de ação penal, pode ocorrer em outros procedimentos, além dos comandados pelo delegado de polícia.