quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

COBRANÇA INDEVIDA - BANCOS NÃO PODEM COBRAR TARIFA POR EMISSÃO DE BOLETO

Bancos não podem cobrar tarifa por emissão de boleto

FONTE: STJ

A cobrança de tarifa pela emissão de boleto bancário ou ficha de compensação é abusiva e constitui vantagem exagerada dos bancos em detrimento dos consumidores. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou recurso ajuizado pelo ABN Amro Real S/A e o Banco do Nordeste do Brasil S/A contra acórdão do Tribunal de Justiça do Maranhão.

Com base no voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, a Turma reiterou que, como os serviços prestados pelo banco são remunerados pela tarifa interbancária, a cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento mediante boleto ou ficha de compensação causa enriquecimento sem causa por parte das instituições financeiras, pois há “dupla remuneração” pelo mesmo serviço, importando em vantagem exagerada dos bancos em detrimento dos consumidores, conforme dispõe os artigos 39, inciso V, e 51, parágrafo 1°, incisos I e III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC)

No caso julgado, o Ministério Público do Maranhão ajuizou Ação Civil Pública contra vários bancos que insistiam em cobrar indevidamente tarifa pelo recebimento de boletos e fichas de compensação em suas agências. Para o MP, a ilegalidade de tal prática já foi reconhecida pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), por conta da existência de tarifa interbancária instituída exclusivamente para remunerar o banco recebedor.

Na primeira instância, os bancos foram proibidos de fazer tal cobrança sob pena de multa diária de R$ 500 por cada cobrança, em favor de fundo público a ser indicado pelo Ministério Público. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça estadual.

Os bancos recorreram ao STJ. Sustentaram, entre outros pontos, que a cobrança de tarifa sob a emissão de boleto bancário é legal, e que o Ministério Público não tem legitimidade para propor tal ação, já que os alegados direitos dos clientes não são difusos, coletivos e, tampouco, individuais homogêneos.

Em seu voto, o ministro ressaltou que cabe ao consumidor apenas o pagamento da prestação que assumiu junto ao seu credor, não sendo razoável que ele seja responsabilizado pela remuneração de serviço com o qual não se obrigou, nem tampouco contratou, mas que é imposto como condição para quitar a fatura recebida. Para ele, tal procedimento gera um desequilíbrio entre as partes, pois não é fornecido ao consumidor outro meio para o pagamento de suas obrigações.

Segundo o relator, a legitimidade do Ministério Público é indiscutível, pois a ação busca a proteção dos direitos individuais homogêneos e a defesa do consumidor, conforme prevêem os artigos 127 da Constituição Federal e 21 da Lei 7.327/85. Ao rejeitar o recurso dos bancos, a Turma manteve a multa diária pelo descumprimento da obrigação de não fazer em favor de fundo público, uma vez que não é possível determinar a quantidade de consumidores lesados pela cobrança indevida da tarifa. Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

REsp 794.752

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

OAB JOGA CRIMINALISTAS DA DEFESA ÀS FAVAS

OAB joga criminalistas da defesa às favas

Por Paulo Sérgio Leite Fernandes e Técio Lins e Silva

Pela primeira vez na sua história acidentada, a OAB, capitaneada pelo primeiro ato do novo presidente do Conselho Federal, pede a prisão de alguém. Fundamentada em princípios válidos inscritos na luta contra a corrupção e a imoralidade grassando em vários setores do poder público, o “barreau”, irmanando-se com o Ministério Público, pleiteou e obteve a prisão preventiva do Governador do Distrito Federal.

Se de um lado a atitude da OAB federal, seguida por muitas seccionais, tem premissa em fundamentos altamente recomendáveis, provoca, de outra parte, dose grande de perplexidade, pois nunca se viu, no trajeto da corporação, o pleito consistente na castração da liberdade de alguém. Na verdade, o entusiasmo que leva o povo brasileiro em geral e os censores em particular a buscarem a manutenção dos pressupostos éticos inspiradores da arte de governar funciona como uma avassaladora mensagem de reerguimento dos pilares sobre os quais deve repousar a administração pública. Em termos rudes, o ser humano, isolado ou em comunidade, tem movimentos oscilando entre o bem e o mal, constituídas, tais estruturas, em permanentes estimuladores da conduta.

Obviamente, coexistindo ambas as qualidades em conflito, deve haver um componente externo servindo de moderador, a fim de que um dos requisitos (o mal) não se sobreponha ao outro (o bem) a ponto de gerar transtorno incontrolável aos indispensáveis relacionamentos entre os indivíduos e a comunidade maior. Dentro do contexto, e disto não escapam as grandes associações, nestas incluídos os estados, ocorre às vezes um desnivelamento, prevalecendo o comportamento dito negativo sobre as condutas de natureza positiva, valendo notar que o conceito de bem e de mal se modifica no tempo. Exemplo bastante é o holocausto, colocado entre uma das maiores atrocidades cometidas sob o pretexto de preservação ou implantação do arianismo. Não se fugindo do tragicômico, ou até do dramático puro, parta-se para indicação mais burguesa: Oscar Wilde foi preso por homossexualismo ou pederastia. Censura-se hoje, inclusive sob ameaça de ação penal, qualquer tendência, movimento ou atitude ofensiva às opções sexuais. Razão tinha Dori Caymmi (só para não se mencionar filósofo posto nas alturas) ao afirmar: “Guardo em mim o Deus, o louco, o santo, o bem e o mal...!”.

O mundo é assim. Ophir Cavalcante (o filho), mal eleito, partiu numa cruzada moralista, braços dados com o Ministério Público Federal, instituição extremamente honrada mas que nunca esteve em posições correlatas às da OAB, principalmente naquilo condizente com as manutenções das liberdades. Aqui a exceção justifica a regra. Dentro da provocação extravagante, a Ordem dos Advogados e o Ministério Público pediram o encarceramento do governador.

O “batonnier” pontificou, contrariamente ao procurador-geral da República, que manteve atitude discreta. De qualquer forma, é mais ou menos como a igreja apoiando a “inquisição”, embora, mais tarde, houvesse arrependimento ainda não purgado, porque os papas que o fizeram têm seus nomes no “índex”.

A grande maioria das seccionais do país aplaude a iniciativa da OAB federal. Convenha-se, na hipótese vertente, que não foi necessária muita coragem para fazê-lo porque, sob um determinado prisma, o governador já fora transformado naquela “Geni” cantada por Chico Buarque de Holanda, ou no infeliz que justifica o “não se chuta cachorro morto”. De outra parte, com certeza, Ophir Cavalcante deve ter precisado vencer suas angústias noturnas enquanto decidia ferir profundamente as tradições da corporação, não só aquelas estruturadas sobre a luta contra a ditadura, nas quais a OAB corria sério risco por defender o estado de inocência dos cidadãos, mas aquele passado em que a sociedade maior dos advogados tinha seu berço na própria crença da plenitude do direito de defesa. Entre os dois conceitos do bem e do mal, o noviço presidente da corporação optou pelo que lhe parecia o benefício maior: estimulou medidas tendentes à prisão preventiva do governador.

Deve tê-lo feito bem porque, no final das contas, as lideranças da advocacia brasileira, sem exceção de São Paulo, engrossam o movimento que encarcera o hoje predador-mor da moralidade nacional. Tocante à especialidade da advocacia criminal, e respeitados os parâmetros estatutários que impedem a um advogado a intromissão nas causas entregues à defesa de outro, proíbe-se ao profissional qualquer medida ou opinião tendenciosa. Tal interdito incorpora a universalidade, sem exceção qualquer. Posto o parâmetro, a Ordem dos Advogados do Brasil não só deixa o preso entregue às baratas mas força, firmada na boa moral, o encarceramento do mesmo. Deve ter pairado sobre o novo presidente do Conselho Federal, enquanto exercia seu primeiro ato de império, o aperto emocional de sentir que enquanto pressionava pela prisão do investigado — que nem indiciado é — verrumava profundamente o passado da advocacia brasileira, mandando às favas, inclusive, aquele ou aqueles criminalistas que estão a defender o preso, fazendo-o com muita dificuldade aliás, porque, na melhor hipótese, a própria instituição que deveria proteger-lhes as prerrogativas está a deixá-los descalços na solidão.

Vai isto para o jovem presidente (hoje, cinquentenários, jovens ainda somos). Se o “Bastonário” tem, enquanto visita pela vez primeira o átrio da corporação, o aplauso de algumas entre as mais potentes seccionais do país, encontra nos criminalistas, poucos é bem verdade, um sinal de preocupação muito elevada e uma estranha sensação de que alguma coisa gera perplexidade na iniciativa vertente. Obteve-se, é bem verdade, o direcionamento dos holofotes da notoriedade, mas tudo tem preço na opção entre o bem e o mal, e nem sempre a imaculabilidade chega sem um tisnamento qualquer. Digam-no, machucados nas prerrogativas que a OAB deveria defender, os companheiros encarregados da dificílima defesa do infausto administrador do Distrito Federal.

USO ABUSIVO DA PRISÃO PREVENTIVA DEVE SER DISCUTIDO

Uso abusivo da prisão preventiva deve ser discutido

Por Flavia Alves

O governo brasileiro está deixando muito a desejar no cumprimento das obrigações constitucionais que garantem os direitos humanos aos quais todos os brasileiros têm direito, diz Juan Mendez, presidente do International Bar Association's Human Rights Institute. A crise corrente também está se tornando uma preocupação de segurança pública, que vem de encontro com as tentativas do estado de reduzir a criminalidade.

O relatório clama por reformas imediatas, incluindo alternativas à prisão preventiva, aumento do acesso à representação legal, e um tratamento judicial adequado. Organizações de sociedade civil e instituições judiciais precisam cobrar a responsabilidade dos governos por estas mudanças essenciais.

Com o quarta maior população carcerária do mundo, muitos brasileiros passam anos em prisão preventiva ou são mantidos na prisão depois de cumpridas suas sentenças, tudo graças ao sistema incompetente e burocrático além das falhas sistêmicas. Super lotação, condições sanitárias deploráveis, violência de gangues e tortura não são situações raras.

O rápido crescimento da população prisional, perto de 3.000 novos prisioneiros por mês, está exaurindo um sistema já em colapso, levando a um enorme número de casos reincidência e um atraso incalculável nos julgamentos. 80% dos prisioneiros não podem pagar por um advogado e o baixo número de defensores públicos no país é inadequado para lidar com aqueles que necessitam de sua assistência, gerando uma preocupação sobre a justiça dos vários julgamentos sendo conduzidos.

O relatório será apresentado na conferência da IBA em parceria com a AASP em São Paulo em 26 de Fevereiro de 2010. Dentre os palestrantes destacamos: Juan Mendez, Presidente do IBAHRI, e Márcio Thomaz Bastos, presidente do Instituto Innovare e ex-ministro da Justiça.

A International Bar Association (IBA), fundada em 1947, é a maior organização internacional do mundo de profissionais do direito, associações de classe e sociedades civis. A IBA influencia o desenvolvimento da reforma jurídica internacional e dá forma ao futuro da profissão nas diversas jurisdições mundo afora.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

PRISÃO DE GOVERNADOR DIVIDE MINISTROS DO STJ

Prisão de governador divide ministros do STJ

Por Eurico Batista

Foi tudo muito rápido. Às 13 horas, o ministro Fernando Gonçalves, que relatou o inquérito sobre o caso conhecido como panetonegate, recebeu a petição do Ministério Público do Distrito Federal. Às 14 horas já havia feito seu relatório e telefonou para o presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, que convocou a sessão extraordinária da Corte Especial. Às 17h15m o Superior Tribunal de Justiça determinou a prisão preventiva do governador José Roberto Arruda e secretários.

A denúncia do Ministério Público foi de que o governador e seus auxiliares estavam coagindo testemunhas e impedindo os trabalhos de instrução do processo para a abertura de ação penal contra ele. O ministro Fernando Gonçalves relatou uma série de fatos que segundo ele seriam suficientes para decretar a prisão preventiva do governador. Tão logo Fernando Gonçalves terminou a leitura do relatório, o ministro decano do STJ, Nilson Naves, levantou questão preliminar sobre a possibilidade de o tribunal determinar prisão de governador sem ouvir o Legislativo local, no caso a Câmara Legislativa do DF.

A questão levantada pelo ministro Nilson Naves gerou bastante polêmica. Naves argumentou que não sendo o STJ competente para iniciar a ação penal contra o governador, não pode, portanto, determinar prisão preventiva, pois o inquérito presidido neste Tribunal já foi concluído. Foi acompanhado pelo ministro Teori Zavascki, que alegou pouco tempo para refletir sobre o assunto, mas que não entendia qual a necessidade de um governador ser preso nessa fase do processo.

Zavascki abriu uma pequena lista de ministros que seguiu a questão levantada pelo decano do STJ, enumerando vários habeas corpus julgados no Supremo Tribunal Federal, onde ficou decidido que é indispensável ouvir o Legislativo local para processar o governador. “Vamos ter de enfrentar a questão de constitucionalidade”, argumentou Teori Zavascki. Os ministros João Otávio de Noronha e Castro Meira também votaram pela incompetência do STJ de determinar a prisão do governador nessa situação.

A luz da discussão veio com questão levantada pela ministra Eliana Calmon. Ela buscou no site do STF e encontrou o HC 89.417, relatado pela ministra Cármen Lúcia, que relativizou a necessidade de se ouvir o Legislativo local para decretar prisão de governador. Eliana Calmon convenceu pelo menos dois dos que estavam contrários à prisão de Arruda. João Otávio Noronha e Castro Meira se renderam aos fatos relatados pelo ministro Fernando Gonçalves, e embora vencidos na preliminar, acompanharam a decisão de decretar a prisão de José Roberto Arruda. Teori Zavascki votou a favor somente da prisão preventiva dos secretários do governador relacionados pelo Ministério Público.

O ministro Nilson Naves não se convenceu. “Não consigo me livrar da questão constitucional, não vejo necessidade de se impor prisão de governador”, afirmou o decano do STJ. Para ele, não seria possível decretar a prisão nem dos secretários. “A regra para mim é a liberdade, a exceção é a prisão, pois presume-se que a pessoa é inocente até a sentença condenatória”, afirmou o ministro Naves.

Nilson Naves entende que a denúncia de que o governador estaria coagindo testemunhas e impedindo o andamento do processo não é suficiente. Para ele, o Ministério Público “tem meios para evitar que isso continue acontecendo”. O ministro Luiz Fux argumento que “a prisão preventiva não pressupõe o recebimento da denúncia ou o recebimento da ação penal, mas pressupõe exatamente coligir os elementos para a propositura da ação penal”. Já a ministra Eliana Calmon foi mais incisiva e considerou que a prisão preventiva ocorre quando há flagrante. “É um caso de formação de quadrilha, em que o flagrante é permanente”, afirmou.

Para decidir pela prisão preventiva de José Roberto Arruda, vários ministros alegaram que não decretar seria “uma homenagem à impunidade”.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

STF TERÁ PRESIDENTE SAMBISTA

Publicado no JORNAL DO COMMERCIO em 07.02.2010


Entusiasta da obra de Pixinguinha e Noel Rosa, Cezar Peluso, que assume a presidência do STF em maio, é conhecido por suas posições conservadoras

Carolina Brígido
Agência O Globo

BRASÍLIA – Quem vê o homem cantarolando e batucando timidamente um samba antigo numa roda de amigos é capaz de esquecer que ele ocupa, com sobriedade, uma das 11 cadeiras do Supremo Tribunal Federal (STF). Se nos fins de semana Cezar Peluso se permite relaxar, nos dias úteis é um juiz daqueles tradicionais: passa o tempo inteiro estudando os processos, não dá entrevista, mantém a discrição sobre a vida pessoal e se agarra aos aspectos técnicos dos processos durante os julgamentos.

Será o homem discreto, e não o sambista improvisado, quem assumirá, aos 66 anos, a presidência do STF em maio. Diferente do atual ocupante do cargo, Gilmar Mendes, que costuma opinar sobre a vida política, econômica e social do país, Peluso deverá prezar pelo silêncio no tribunal. “Um juiz não deve dar opinião sobre tudo”, costuma dizer a pessoas próximas.

Longe da Corte, o apreço pela música brasileira é exercitado em eventos promovidos por amigos. Por exemplo, a empresária Vera Brant, que abre as portas de sua casa, em Brasília, para um sarau a cada três meses. Entre os convidados ilustres estão Peluso, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Ellen Gracie — todos ministros do STF. Ayres Britto logo toma a frente dos trabalhos dedilhando um violão e cantando. Quando o repertório é samba antigo, Peluso logo se aproxima e, discretamente, tamborila o ritmo na mesa, mexendo o corpo. Identifica composições de Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola, Adoniran Barbosa. Tudo regado a um bom vinho tinto.

“Lá a gente espairece. Ele conhece todas as músicas e fica ali atento, feliz, satisfeito”, conta Ayres Britto sobre o colega.

A cena se repete a cada dois meses na casa do casal de juízes Carlos Olavo e Mônica Sifuentes. Nessas ocasiões, Ayres Britto e Peluso também exercitam outra verve em comum: os trocadilhos. “Ele é bom no jogo de palavras. Nos divertimos com isso”, diz Ayres Britto.

O talento com as palavras já rendeu a Peluso premiações na juventude. Em 1960, ganhou a Maratona Intelectual Euclidiana, promovida pela Casa de Cultura Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo (SP), com texto sobre a vida e a obra do escritor. Em 1962, em Santos (SP), foi o primeiro colocado no concurso literário Penas de Ouro, do jornal A Tribuna. No ano seguinte, obteve a mesma láurea.

No STF, Peluso é o único juiz de carreira. Seus colegas vieram todos do Ministério Público e da advocacia. Nascido em Bragança Paulista (SP), foi aprovado em 1967, em segundo lugar, no concurso para juiz do Estado de São Paulo. Desde então, não trocou de profissão. Foi juiz de primeira instância por 14 anos e de segunda instância por 21 anos. Chegou ao STF em julho de 2003 pelas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem se lembrou de Peluso para a vaga foi o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

Nos julgamentos, é incisivo com suas opiniões e, por vezes, não mede palavras para criticar ou para fazer valer seu ponto de vista. Pagou pelo excesso em agosto de 2008, quando criticou duramente, em público, uma juíza que proibira um réu de tirar as algemas durante seu julgamento. Chamou a juíza de inexperiente por ter tomado tal atitude. Só depois ficou sabendo o nome da juíza: Glaís de Toledo Piza Peluso, sua própria filha.

SEM BATE-BOCA

O próximo presidente do STF é amigo de Gilmar Mendes, com quem tem o pensamento alinhado nas decisões judiciais, e de Eros Grau. Peluso não é de discutir em público com os colegas por motivos que não sejam processuais. Os bate-bocas acalorados devem sumir do plenário ao longo dos próximos dois anos, período de seu mandato. O ministro costuma dizer que acha muito desagradável deixar o público assistir a discussões desse tipo pela TV Justiça.

Na Corte, Peluso não é unanimidade. Os principais críticos, que evitam declarações públicas, consideram o ministro muito conservador em suas posições jurídicas. Recentemente, votou pela extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti e pelo arquivamento do inquérito contra o deputado Antonio Palocci (PT-SP). Na vida pessoal, mantém a tradição: católico fervoroso, é casado com a advogada Lúcia, que foi sua colega de turma na graduação, concluída em 1966 na Faculdade Católica de Direito de Santos.

Um dos fãs mais entusiastas de Peluso é o advogado Saulo Ramos, que foi ministro do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), hoje presidente do Senado. No livro Código da vida, ele conta ter convivido com Peluso quando ele ainda era um jovem juiz da primeira instância de São Paulo. Ramos descreve Peluso com adjetivos como excepcional, fabuloso, competente, correto, culto e inteligente.

“O Dr. Antônio Cezar Peluso é um dos melhores magistrados e juristas deste país. O Supremo foi premiado com sua nomeação. O Brasil precisava de um homem assim naquela corte”, escreveu Ramos.

Prestes a alcançar o topo da carreira, Peluso ainda guarda um sonho não realizado: passar uma noite dançando num ensaio da Estação Primeira de Mangueira, no Rio de Janeiro. Ele não quis informar seus planos para este Carnaval.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

STF MANDA TIRAR EXCESSO DE LINGUAGEM EM SENTENÇA DE PRONÚNCIA

Para evitar que os jurados do Tribunal do Júri de São Gonçalo, na Baixada Fluminense, sejam influenciados por excesso de linguagem na sentença de pronúncia de dois acusados de roubar e assassinar um motorista de táxi, o juiz presidente do Tribunal do Júri da comarca e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro terão de retirar, da sentença e do respectivo acórdão, a afirmação de que o crime teria sido cometido por meio cruel.

A decisão, tomada nessa terça-feira (2/2) pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento de um pedido de Habeas Corpus, confirma, no mérito, liminar concedida em maio de 2008 pelo relator do processo, ministro Cezar Peluso. Na época, o ministro suspendeu a realização do júri, marcado para julho daquele ano, até julgamento do HC no mérito.

Os acusados foram pronunciados para ser julgados por júri popular pelos crimes de homicídio qualificado e roubo em concurso de pessoas e material, previstos nos artigos 121, parágrafo 2º, incisos, II, III e IV, e 157, parágrafo 2º, incisos I e II, combinados com os artigos 29 e 69, do Código Penal.

A Defensoria Pública da União recorreu da sentença no TJ-RJ, para excluir do julgamento a qualificadora do homicídio por meio cruel, alegando que o laudo pericial não tinha apontado a qualificadora. Mesmo assim, o TJ-RJ confirmou a sentença. Embora reconhecendo que, “no presente caso, o laudo pericial está carente de fundamentação”, entendeu que o juiz da pronúncia pode rejeitá-lo, ao apreciar livremente as provas.

Contra essa decisão, a Defensoria pediu HC ao Superior Tribunal de Justiça. Alegou ter havido “excesso de linguagem” pelo TJ-RJ, que indeferiu o pedido de liminar. Entretanto, o STJ também confirmou a sentença. Negou que tivesse havido excesso por parte do TJ, observando que “apenas se constatou a ausência de fundamentação do laudo cadavérico” e “que o juiz não está a ele adstrito, podendo formar sua convicção com base em outros elementos probatórios”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

FONTE: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

PRESCRIÇÃO ANTECIPADA DA PENA EVITA PERDA DE TEMPO

Por Renato de Moraes

O Ano Judiciário 2009 ficará marcado pelas louváveis iniciativas do Conselho Nacional de Justiça e dos presidentes dos tribunais do país de recomendarem a priorização no julgamento de todos os processos judiciais distribuídos — em primeiro, segundo grau e nos tribunais superiores — até 31/12/2005, de modo a descongestionar as pautas.

As metas nacionais de nivelamento (MNN), validadas no 2º Encontro Nacional do Judiciário, em Belo Horizonte, e alcançadas, parcialmente, abrirão espaço para conferir-se eficácia à garantia constitucional. “A todos, no âmbito judicial e administrativo”, da “razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, incluída pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004.

Evidentemente, não se imagina que, a fim de dar cumprimento às metas, se tenham procedido a julgamentos de cambulhada, abandonando o cuidado e a boa técnica pelas estatísticas. Isto, decerto, não aconteceu.

Mas as preocupações, externadas pelo CNJ, nos fazem retomar a reflexão sobre o instituto da prescrição da pena, em perspectiva — ou antecipada, presumida, virtual —, pois obstar a deflagração de processos inúteis se torna tão relevante quanto priorizar o julgamento de feitos distribuídos, há muito, ainda sem solução.

A prescrição, em perspectiva, representa um trabalho de antevisão da pena, com segurança e prudência, que pode ser feito pelas partes e, até mesmo, de ofício, pelo juiz.

Na leitura do ex-integrante do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, José Antônio Paganella Boschi: “Além do magistrado, também o promotor e o defensor estão capacitados a avaliar o caso que tem diante de si e a formular prognósticos razoavelmente seguros sobre o desfecho do eventual processo, haja vista que todos conhecem e dominam os critérios legais relacionados com a produção e valoração das provas e a individualização das penas. Se é do juiz, também é do Ministério Público, igualmente, o dever de preservar o status dignitatis do indiciado, evitando sujeitá-lo a processo desprovido de qualquer sentido ou finalidade”.

Maurício Antônio Ribeiro Lopes, por sua vez, trata como “uma quimera aos olhos do Judiciário” considerar a pena máxima cominada para regular a prescrição, quando, desde logo, já se positiva que a sanção extrema, em hipótese alguma, será alcançada.

Os tribunais superiores, porém, são os maiores desestimuladores da aplicação da prescrição, em perspectiva, ao argumento recorrente de que carece de amparo jurídico, em nosso sistema processual penal, a denominada prescrição antecipada da pena.

Infindáveis os provimentos de recursos especiais, interpostos pelo Ministério Público, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, nos quais foram reformadas decisões de cortes estaduais e regionais que reconheceram a incidência da prescrição, em perspectiva.

A alegada falta de previsão legal, contudo, não se presta a vedar a aplicação do instituto. Vários são os fundamentos que validam a incidência pontual da prescrição antecipada da pena: interesse de agir; instrumentalidade do processo; economia material; preservação do prestígio da Justiça; dignidade da pessoa humana; da razoabilidade e da duração do processo, como destacado por Igor Teles Fonseca de Macedo, no livro “Prescrição Virtual”.

O Juiz Tourinho Neto, integrante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com brilhantismo, enfrentou a problemática quanto à suposta falta de base legal, apregoando, em alto e bom som, que “é chegada a hora (...) do novo triunfar”:

“(...) A doutrina e a jurisprudência divergem, predominando, no entanto, a orientação que não aceita a prescrição antecipada. É chegada a hora, todavia, do novo triunfar. 2. A prescrição antecipada evita um processo inútil, um trabalho para nada, chegar-se a um provimento jurisdicional de que nada vale, que de nada servirá. Desse modo, há de reconhecer-se ausência do interesse de agir. 3. Não há lacunas no Direito, a menos que se tenha o Direito como lei, ou seja, o Direito puramente objetivo. Desse modo, não há falta de amparo legal para aplicação da prescrição antecipada. 4. A doutrina da plenitude lógica do direito não pode subsistir em face da velocidade com que a ciência do direito se movimenta, de sua força criadora, acompanhando o progresso e as mudanças das relações sociais. Seguir a lei ‘à risca’, quando destoantes das regras contidas nas próprias relações sociais, seria mutilar a realidade e ofender a dignidade mesma do espírito humano, porfiosamente empenhado nas penetrações sutis e nos arrojos de adaptação consciente" (Pontes de Miranda)”.

A quadra, por que passa o Judiciário, não poderia ser mais propícia para o “novo triunfar”.

Nesse contexto, significativo avanço já se divisa com as conclusões dimanadas do I FONACRIM — Fórum Nacional dos Juízes Federais —, realizado em abril de 2009. No enunciado n. 15, a assembleia dos Juízes Federais consolidou o entendimento de que “a falta de interesse em razão da prescrição pela pena em perspectiva pode ser reconhecida quando manifesta e admitida com prudente valoração de segurança acerca da pena máxima admissível e da extrapolação do tempo para sua ocorrência”.

Constata-se que o movimento de racionalização das pautas partiu de baixo para cima, isto é, do primeiro grau de jurisdição para os tribunais, reconhecendo os juízes, aqueles que labutam no cotidiano forense, a possibilidade de decretar a extinção da punibilidade, pela prescrição antecipada da pena, “quando de logo se sabe, induvidosamente, que a sentença a ser proferida, se der pela condenação, não terá nenhuma eficácia. Hipótese em que, cessando o interesse de agir, de forma intercorrente, o processo revela-se tal como um ‘natimorto’".

Diante do aceno dos juízes, cumpre ao CNJ difundir o enunciado para que os tribunais, mormente o STJ e o STF, também como meta, “com prudente valoração de segurança”, de forma realista, apliquem a prescrição, em perspectiva, que não se cuida de um exercício de futurologia. Mas “de análise e cálculo prévio do julgador atento, que não tem dúvidas, no momento do exame dos autos, sobre a ineficiência do processo, já fulminado por causa extintiva de punibilidade”, conforme assinalado pelo Desembargador Roque Miguel, membro do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Fixar balizas objetivas, como o transcurso de lapso temporal, sem marco interruptivo, superior ao dobro da pena mínima cominada ao delito, em demanda envolvendo réu primário, pode ser um caminho. Mas aguardar resultar, em lei, o anteprojeto, coordenado pelo ministro Hamilton Carvalhido, de reforma do Código de Processo Penal, em que, no artigo 37, na seção VII, “Do arquivamento”, faculta ao Ministério Público pedir o arquivamento do inquérito policial, “com fundamento na provável superveniência de prescrição que torne inviável a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas que orientarão a fixação da pena”, não parece necessário. Quer pela distância natural da efetiva mudança legislativa, quer pela própria prescindibilidade de normatização para aplicar-se o instituto, à luz, por exemplo, do artigo 395, incisos II e III, do CPP, com redação introduzida pela Lei 11.719, de 2008.

Um último artigo doutrinário, pela pertinência temática, merece registro. Em “Prescrição Pela Pena Presumida”, René Ariel Dotti tratou do congestionamento das pautas forenses e das soluções para o problema, exaltando as decisões judiciais “que admitem uma nova hipótese de prescrição, não mais pela pena concretizada, mas pela sanção que, em tese, seria aplicável”. Eis um trecho do excelente trabalho elaborado pelo ilustre jurista paranaense:

"(...) O reconhecimento antecipado da prescrição, longe de ser mera tese doutrinária, é um dado da realidade. Integrantes do Ministério Público têm preferido requerer o reconhecimento antecipado da prescrição a ofertar a denúncia. Juízes de primeira instância, agindo por provocação ou de ofício, têm reconhecido essa espécie de prescrição, no curso da ação penal ou até mesmo antes do recebimento da peça acusatória. Alguns Tribunais do País, no julgamento de recursos ou habeas corpus, vêm admitindo essa modalidade prescricional. (...) Há necessidade dos agentes estatais — Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário — cumprirem os mandamentos do devido processo legal, dignidade da pessoa humana e caráter instrumental do processo. (...) A declaração da razoável duração do processo não é meramente teórica. Ela tem substância material quando o enunciado do princípio se completa com a referência aos 'meios que garantam a celeridade de sua tramitação' —CF, artigo 5º, LXXVIII. É elementar que entre tais meios pode-se incluir a solução judicial da prescrição pela pena presumida. Mas enquanto essa emergente causa extintiva da punibilidade não ingressar no sistema positivo, o movimento liderado por escritores lúcidos e decisões sensatas constitui uma reação adequada aos excessos danosos que se cometem em nome e através da Justiça Criminal. (...) O Estado, que exige dos cidadãos o cumprimento da lei sob ameaça da pena, não pode transgredir a Constituição e as normas do devido processo, mantendo-o aberto, não mais como um meio para a realização da Justiça, porém como um instrumento de opressão desproporcional à gravidade do mal do delito".

A suprir a aventada carência de suporte legal, invocada pelos tribunais superiores, eclodem provimentos jurisdicionais, nas instâncias ordinárias, “que se projetam para muito além das folhas do processo que os documenta. Há decisões judiciais que, pela sua clarividência, se convertem em preceitos normativos quando o sistema legal é revisto e atualizado”, consoante muito bem advertiu o mestre René Dotti.

Ao CNJ, presidido pela autoridade máxima do Supremo Tribunal Federal, será oportuno navegar nas águas do I FONACRIM e estimular os tribunais, inclusive, repita-se, o próprio STF, “em face do caráter finalístico do processo e da utilidade do seu resultado”, a exercitar a antevisão da pena, evitando, assim, o estabelecimento de relações processuais “natimortas”,[10] tudo a possibilitar, de fato, um Ano Judiciário 2010 com pautas verdadeiramente descongestionadas.

NOVO PRESIDENTE DA ORDEM: "DESAFIO É PUNIR QUEM VIOLA PRERROGATIVA"

Apesar dos avanços na defesa das prerrogativas dos advogados, como a edição da lei que prevê a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, o desafio da classe é fazer com que quem as viole seja efetivamente punido. A declaração é do advogado Ophir Cavalcante, eleito presidente do Conselho Federal da OAB.

"Tivemos grandes avanços na gestão passada, como a edição da lei prevê a inviolabilidade dos escritórios de advocacia. Mas para assegurar a tranquilidade do trabalho de milhares de advogados militantes em todo o país é necessário que não fiquemos restritos a campanhas."

Na entrevista, Ophir também falou sobre o Exame de Ordem e o ensino do Direito no país. “Como tem ocorrido nos últimos anos, iremos pautar nossa gestão em defesa da qualidade do ensino e denunciando qualquer instituição que faça dele um mero objeto comercial. A mercantilização do ensino jurídico deve ser tratado como um estelionato educacional, que lança no mercado pessoas sem nenhuma qualificação para exercer a advocacia ou outras carreiras do Direito.”

Ele entende que o Exame de Ordem é uma maneira de aferir a qualidade do ensino. “Para a OAB, não seria problema ter dois milhões de advogados associados. Porém, a que custo para a sociedade? Que tipo de profissionais estariam atuando, tratando de questões que podem alterar rumos de vidas e de patrimônios?”, pergunta.

O presidente eleito da OAB também afirmou que, durante o ano eleitoral, a OAB e suas seccionais estará atenta e com ações que visem o combate a corrupção. "Estamos em uma fase importante da democracia brasileira, de modo que essas eleições não podem refletir o anseio particular deste ou daquele grupo. As eleições devem refletir o anseio da sociedade como um todo."

Leia a entrevista:

O que se pode esperar da Ordem dos Advogados do Brasil nos próximos três anos de sua gestão?
Ophir Cavalcante Junior — A Ordem continuará fiel às lutas históricas em favor da sociedade brasileira, lutas essas que a marcaram, de forma efetiva, como legítima representante de todos os segmentos democráticos de nosso país. A Ordem tem grandes responsabilidades no cenário nacional, pois, infelizmente, na arena política muitos dos que foram eleitos para defender o povo não conseguem fazê-lo. É uma triste realidade. Vivemos uma crise ética e moral que precisa ser atacada nos seus fundamentos e princípios.

A OAB se vincula a partido político?
Ophir Cavalcante — Não. É importante ressaltar que a OAB não se vincula a nenhum partido político ou a ideologias. Seu objetivo é um só, em poucas palavras: defender a Constituição, o Estado Democrático de Direito, as instituições, os direitos humanos e a paz social. Se necessário caracterizar nossa gestão, então que seja a de uma luta sem trégua a todas as formas de corrupção e contra a impunidade. É justamente a impunidade que faz com que a sociedade perca a confiança nas instituições. E com razão, na medida em que muitas delas não correspondem aos anseios mínimos da população, seja por mera leniência no trato da coisa pública, seja por incúria, desleixo e irresponsabilidade, fazendo do público o privado. Isso gera um reflexo negativo de grandes proporções. Mas queremos enfrentar esse problema com propostas efetivas, ampliando cada vez mais nosso diálogo com a sociedade para que o sentimento de indignidade não se perca.

E com relação ao exercício da advocacia?
Ophir Cavalcante — Estatutariamente, a Ordem possui uma missão institucional, de defesa da Constituição, das instituições e das leis, sem, no entanto, descuidar da classe que representa. Nesse sentido, nossa prioridade é o fortalecimento da advocacia, que se traduz no respeito às suas prerrogativas profissionais. Fortalecer a advocacia é fortalecer a Justiça. Um depende do outro. No final, é a cidadania quem se beneficia desse elo. Por preceito constitucional, o advogado é essencial à administração da Justiça, e não podemos imaginar um Judiciário enfraquecido, prisioneiro de um corporativismo atrasado. Para termos segurança jurídica, precisamos de um Judiciário independente, efetivo e eficiente. Ainda há muito o que fazer no que se refere a várias questões estruturais do Judiciário, mas para isso acreditamos no trabalho que vem sendo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, neste momento um grande aliado da sociedade para o fortalecimento da Justiça. Queremos avançar também nos problemas relativos aos tribunais estaduais, regionais e federais. A OAB, com assento no CNJ, não vai abrir mão disso.

O desrespeito às prerrogativas profissionais ainda é um desafio para a Ordem?
Ophir Cavalcante — Tivemos grandes avanços na gestão passada, como a edição da lei prevê a inviolabilidade dos escritórios de advocacia. Mas para assegurar a tranquilidade do trabalho de milhares de advogados militantes em todo o país é necessário que não fiquemos restritos a campanhas. As prerrogativas profissionais dos advogados representam um bem jurídico de toda a sociedade, e, sendo assim, exige, de imediato, a criação de um sistema nacional, interligado com todas as seccionais e subseções, para dar efetividade a esse trabalho. O desrespeito às prerrogativas do advogado é crime, é abuso de autoridade. Os abusos estão a olhos vistos, mas desafio é quem mostre uma autoridade sendo processada por essa razão. Portanto, não iremos transigir nessa questão.

E quando é o advogado quem é acusado de abusar de privilégios?
Ophir Cavalcante — Infelizmente, ainda há quem confunda as prerrogativas com privilégios. São setores atrasados, que não enxergam a real dimensão desse valor jurídico nem o equilíbrio que o advogado promove para a paz social. Não se pode falar em democracia sem advocacia, nem de isonomia entre iguais em um processo sem advogado para defender essa ou aquela tese. Isto é feito dentro de balizamentos éticos indispensáveis. Tão indispensáveis que a Ordem não hesita em punir o profissional que ferir esse princípio. Para isso temos o Código de Ética e Disciplina, cuja aplicação pode ser acompanhada por toda a sociedade.

O seu primeiro ano de gestão vai coincidir com o ano eleitoral brasileiro. Qual vai ser o papel da OAB no acompanhamento das eleições de outubro?
Ophir Cavalcante — Entendemos que o voto é o instrumento, por excelência, de libertação da sociedade. O voto precisa ser exaltado e prestigiado porque reflete os anseios da sociedade. A OAB, ao lado de outras entidades representativas da sociedade civil brasileira, foi signatária da primeira emenda popular à Constituição estabelecendo o crime de abuso de poder econômico nas eleições. Em todo o país, a OAB está presente em comitês de combate à corrupção, mas certamente este ano, ante a expectativa geral em torno das eleições, iremos intensificar nossa participação. Estamos em uma fase importante da democracia brasileira, de modo que essas eleições não podem refletir o anseio particular deste ou daquele grupo. As eleições devem refletir o anseio da sociedade como um todo.

Mesmo com tantos escândalos envolvendo políticos, ainda vale a pena defender o voto?
Ophir Cavalcante — A democracia cobra um preço, e talvez esse preço seja o da eterna vigilância. Dá trabalho, sim, mas os avanços e recuos, os erros e os acertos, fazem parte da construção democrática. Eu diria que os lamentáveis recuos que ocorrem hoje são reflexos da ausência de reformas políticas estruturais. Há políticos sérios, mas existem aqueles que fazem do mandato um negócio particular. É contra estes que devamos nos mobilizar.

De que maneira?
Ophir Cavalcante — De várias maneiras. Um passo importante seria a adoção do financiamento público das campanhas. Muitos acham que isso só serviria para sangrar ainda mais o erário, porém acredito que com esse mecanismo estimularíamos boas vocações e fortaleceríamos os partidos, evitando que se transformem em apêndices de alguns caciques que se julgam seus donos. Seria também uma forma de acabar com o “caixa dois”, embora saibamos que a corrupção é um fenômeno difícil de erradicar. Entretanto, tenho certeza que a sociedade comunga desse mesmo pensamento da OAB, de jamais aceitar esse tipo de venda de consciência, de venda de sua soberania e de sua independência. A sociedade brasileira quer partidos fortes, quer contar com políticos sérios e quer sentir-se verdadeiramente representada, o que, lamentavelmente, não ocorre nos dias de hoje.

E a reforma política?
Ophir Cavalcante — Este seria o outro passo. A reforma política continua sendo, mais do que uma aspiração, um sonho. Se corretamente conduzida e trabalhada, certamente vai ajudar a reduzir a descrença da sociedade na política. Vamos trabalhar bastante em busca da realização desse sonho, e não estaremos sozinhos. Precisamos ir ao Parlamento para convencer e pressionar os políticos brasileiros para que eles façam essa reforma, ou pagaremos o preço da estagnação.

O senhor não receia que o descrédito na política possa alimentar vocações autoritárias ou aventuras golpistas?
Ophir Cavalcante — Não podemos retroceder na democracia. Desconheço um modelo mais equilibrado e menos injusto do que a democracia. Além disso, tenho plena convicção de que a sociedade civil brasileira está unida em torno do caminho democrático, ela jamais permitiria um retrocesso. A Constituição de 1988 serviu para reforçar a liberdade. Temos uma geração inteira vivendo sob a égide da igualdade e da Justiça, em que o pobre e o rico tem o mesmo valor. Claro que há distorções, muitos problemas sociais, injustiças, desigualdades e outras mazelas. Mas é essa liberdade que nos permite denunciá-las e corrigi-las. Liberdade que se tem apenas quando se respira democracia. Por essa razão, a OAB defende o acesso à Justiça efetivo, com as defensorias públicas fortalecidas para que o cidadão, sobretudo o menos favorecido, tenha igualdade de tratamento.

Cadeia é a melhor solução para combater a corrupção?
Ophir Cavalcante — Embora algumas pessoas entendam que cadeia é solução para tudo, o nosso sistema penitenciário tem demonstrado que quem ali entra volta pior para sociedade. Nos casos dos crimes do colarinho branco, de corrupção, penso que surtiria melhor efeito se a punição ocorresse no bolso. Corrupção se combate no bolso, sobretudo daquele que roubou dinheiro público. A pena eficaz nesses casos é empobrecer o corrupto. Igualmente importante é a certeza da punição. A impunidade talvez seja o maior incentivador da corrupção.

De ver tanta impunidade, criou-se na sociedade um sentimento de vingança, do tipo olho por olho, que chega, inclusive à pena de morte...
Ophir Cavalcante — Historicamente nós temos visto que a lei da selva não resolve o problema de relação entre os homens. Também a Lei do Talião, que pregava “dente por dente, olho por olho”, não foi suficiente. Sou contra a pena de morte e entendo que a todo homem que errou, e teve a privação da liberdade, deve ser dada a chance de se recuperar. O crime deve ser punido exemplarmente, mas cobrar essa punição com a morte é outra história. Além disso, nenhuma estatística demonstra que houve redução dos crimes violentos graças à aplicação da pena de morte. Pelo contrário. E por essa razão ela já foi abolida em muitos países.

Qual deve ser a pena do juiz que vende sentença?
Ophir Cavalcante — Lamentavelmente, a Lei Orgânica da Magistratura não permite a exoneração sumária ou a exoneração após o devido processo legal, melhor dizendo, de um juiz que vende sentença. A maior penalidade aplicada é a aposentadoria compulsória. Ou seja, o juiz que prevarica, é corrupto, acaba sendo sustentado pela sociedade. O magistrado precisa exercer suas funções com independência e autonomia, mas ele precisa saber que é um servidor, com deveres para com a sociedade e sujeito a sanções. Se cometer o crime, a demissão deve ocorrer a bem do serviço público. O que acontece se um trabalhador for denunciado por um crime contra o patrimônio da empresa? Ele se submete a um processo, se defende, mas, uma vez constatado o crime, é demitido por justa causa. Por que com um juiz precisa ser diferente? O juiz é um ser humano como nós, não está acima da lei.

Os direitos humanos são respeitados no Brasil?
Ophir Cavalcante — O Estado brasileiro, sobretudo o aparato policial, ainda guarda resquícios do autoritarismo, fazendo com que a pessoa investida de poderes de repressão tenha a sensação de que pode tudo. Isso acontece principalmente na relação com o cidadão de baixa renda, muitas vezes desinformado, sem acesso à defesa. É quando o Estado mostra a sua face desumana. Mas devamos reconhecer que esse quadro está mudando, sobretudo em razão da introdução de disciplinas ligadas aos direitos humanos nas academias de Polícia. É preciso evoluir mais, para que a repressão aos crimes, à violência e outras práticas danosas à sociedade se dê com inteira compreensão da realidade social. O cidadão, que já vive assustado com a violência que o cerca, não pode agora se apavorar com quem tem obrigação de protegê-lo.

Qual a sua avaliação sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra?
Ophir Cavalcante — O MST se originou no meio de trabalhadores rurais sem terra, como forma de pressionar o Estado a promover uma reforma agrária. Infelizmente, entra governo e sai governo, fala-se muito, discute-se muito, mas nunca se fez uma reforma agrária para valer. O que vemos é o assentamento de famílias inteiras em grandes extensões de terras sem, no entanto, oferecer nenhuma infra-estrutura. Vem sendo assim desde o regime militar: cada governo apresenta números sobre uma suposta reforma agrária. Esse descrédito fez com que um movimento originalmente legítimo se perdesse no caminho, motivado em parte por influências ideológicas, e adotando práticas violentas e danosas ao país. Tenho certeza de que se o MST retomar o seu caminho natural, a sociedade brasileira estará junto, apoiando-o.

O regime de 1988 se esgotou? O Brasil precisa de uma nova Constituinte?
Ophir Cavalcante — Não. O regime de 1988 ainda está em construção e nossa Constituição já foi chamada, inclusive, de “Constituição Cidadã”. Uma nova Constituinte não acrescentará muito ao que se vem discutindo hoje. O nosso grande problema não são as instituições, mas a condição humana. São as desigualdades sociais, decorrente de uma perversa distribuição de renda, que mais nos afligem. Não será um novo instrumento jurídico que fará essa revolução. Os instrumentos dessa revolução estão à disposição do Estado, basta vontade política para utilizá-los. E utilizá-los bem.

Qual a responsabilidade do Conselho Federal da OAB com o meio ambiente?
Ophir Cavalcante — Somos um país privilegiado com relação a esse tema, pois ainda temos uma natureza exuberante. E, sendo assim, temos a responsabilidade de alertar a sociedade brasileira para as consequências de políticas que possam causar desmatamentos ou qualquer tipo de agressão ao meio ambiente, destruindo-o. Devemos preservar e saber explorar seus recursos de forma racional, inclusive para beneficiar uma população muito pobre que vive ao lado das florestas. Há inúmeras possibilidades para que essa convivência ocorra sem destruir a mata. Tenho certeza de que o nosso papel é alertar sobre isso, é discutir com a sociedade, debater com poder público, na luta para encontrar e viabilizar soluções.

O senhor é a favor da transformação do Supremo Tribunal Federal em Corte Constitucional?
Ophir Cavalcante — O Supremo, a cada dia que passa, vem encontrando a sua verdadeira vocação, que é a vocação para a qual ele foi criado, de ser o grande intérprete constitucional deste país. O Supremo não pode ser uma Corte revisora ou recursal. Seu papel é de Corte constitucional, deixando para os demais tribunais o julgamento dos casos concretos. É claro que há um aspecto importante, do qual o Supremo jamais poderá abrir mão, que trata da liberdade das pessoas.

Os ministros do STF devem ter mandato?
Ophir Cavalcante — Se o Supremo passar a ser uma Corte eminentemente constitucional, vejo com bons olhos a questão do mandato fixo, mas isso ainda precisa ser muito debatido. Não existe uma posição da OAB a esse respeito. Acho, no entanto, que se trata de um serviço relevante, que pode ser prestado de forma episódica, como ocorre na Justiça Eleitoral.

Como o senhor vê a questão do ensino jurídico e do Exame de Ordem?
Ophir Cavalcante — Exame de Ordem e ensino jurídico são as duas faces de uma mesma moeda. Como tem ocorrido nos últimos anos, iremos pautar nossa gestão em defesa da qualidade do ensino e denunciando qualquer instituição que faça dele um mero objeto comercial. A mercantilização do ensino jurídico deve ser tratado como um estelionato educacional, que lança no mercado pessoas sem nenhuma qualificação para exercer a advocacia ou outras carreiras do Direito. Daí a importância e a responsabilidade do Exame de Ordem. Uma responsabilidade que vai muito além da luta de uma entidade pelo mercado. Para a OAB, não seria problema ter dois milhões de advogados associados. Porém, a que custo para a sociedade? Que tipo de profissionais estariam atuando, tratando de questões que podem alterar rumos de vidas e de patrimônios? O Exame de Ordem entra nessa luta como um instrumento para aferição da qualidade do ensino, e graças a ele hoje sabemos o quanto o ensino ainda precisa melhorar.