terça-feira, 30 de abril de 2013

Tamanho do imóvel é irrelevante em penhora

A lei que estabelece a impenhorabilidade do imóvel considerado bem de família não leva em consideração seu tamanho. Com base nesse entendimento, a 5ª Turma Suplementar do TRF da 1ª Região negou apelação ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que pedia o desmembramento de um lote de 1.750 m² de uma contribuinte em dívida com a autarquia.
A devedora comprovou que o terreno é seu único bem, que possui uma residência composta de diversos cômodos. O lote é registrado em cartório. O INSS alegava a possibilidade de desmembramento do terreno, dado seu tamanho, pois a Lei 8.009/1990 protege a dignidade e funcionalidade do imóvel, não a suntuosidade e ostentação.
O relator, juiz federal convocado Grigório Carlos dos Santos, demonstrou que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento no sentido de que “a concessão do benefício da impenhorabilidade do bem de família, instituído pela Lei 8.009/1990, depende, de forma imprescindível, da comprovação de que o referido bem seja o único imóvel do casal ou da entidade familiar e de que seus membros nele residam”. De acordo com o juiz, tais requisitos efetivamente foram atendidos pela devedora, tanto que em relação a isso a parte exequente sequer manifestou insurgência.
O juiz acrescentou que, presentes tais circunstâncias, deve ser reconhecida a impenhorabilidade, conforme o disposto no artigo 1º da Lei 8.009/1990, não importando que seja um imóvel valorizado ou de alto padrão, conforme já se manifestou o TRF da 4ª Região.
Além disso, o juiz acrescentou que apesar das alegações do INSS, a jurisprudência não prevê a tese sobre a impenhorabilidade ao limite da dignidade e funcionalidade do imóvel e que não há, no processo, registro de divisão do terreno, conforme pretende a autarquia. Diante disso, o relator negou provimento à apelação do INSS. O voto foi acompanhado por unanimidade. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-1.
Processo 0011067-74.2002.4.01.9199

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Redução da maioridade pena só agrava o problema

Diante da situação carcerária que temos no Brasil, a redução da maioridade penal só vai agravar o problema”, afirma o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Em entrevista publicada no blog Direto da Fonte, da jornalista Sonia Racy, o ministro critica a discussão, diz que qualquer tentativa de mudança na lei é inconstitucional e que os presídios brasileiros são escolas de criminalidade
“A Constituição prevê inimputabilidade penal até os 18 anos de idade. É um direito consagrado e uma cláusula pétrea da Constituição do Brasil”, afirma. Segundo Cardozo, muitas pessoas acabam ingressando em grandes organizações criminosas pela condições carcerárias. “Porque, para sobreviver, é preciso entrar no crime organizado”, diz.
Para Cardozo, a criminalidade não tem respostas simplistas. “Quem achar que, com uma varinha mágica, com um projeto de lei, vai resolver o problema da criminalidade, está escondendo da sociedade os reais problemas que a afligem.”
Leia os principais trechos da entrevista:
O Brasil voltou a discutir a redução da maioridade penal. O senhor é a favor?José Eduardo Cardozo — Tenho uma posição consolidada há muitos anos: sou contra a redução da maioridade penal. A Constituição prevê inimputabilidade penal até os 18 anos de idade. É um direito consagrado e uma cláusula pétrea da Constituição do Brasil. Nem mesmo uma emenda pode mudar isso. Qualquer tentativa de redução é inconstitucional. Essa é uma discussão descabida do ponto de vista jurídico. No mérito, também sou contra. Mesmo que pudesse, seria contra. Diante da situação carcerária que temos no Brasil, a redução da maioridade penal só vai agravar o problema.
Por quê?José Eduardo Cardozo — Porque nossos presídios são verdadeiras escolas de criminalidade. Muitas vezes, pessoas entram nos presídios por terem cometido delitos de pequeno potencial ofensivo e, pelas condições carcerárias, acabam ingressando em grandes organizações criminosas. Porque, para sobreviver, é preciso entrar no crime organizado.
Não há o que fazer?José Eduardo Cardozo — Temos de melhorar nosso sistema prisional. Reduzir a maioridade penal significa negar a possibilidade de dar um tratamento melhor para um adolescente. Vai favorecer as organizações criminosas e criar piores condições. Boa parte da violência no Brasil, hoje, tem a ver com essas organizações que comandam o crime de dentro dos presídios. Quem não quer perceber isso é alienado da realidade. Quem quer encontrar outras explicações para os fatos ignora que, nos presídios brasileiros, existem os grandes comandos de criminalidade. Criar condições para que um jovem vá para esses locais, independentemente do delito cometido, é favorecer o crescimento dessa criminalidade e dessas organizações. É uma política equivocada e que trará efeitos colaterais gravíssimos.
E qual é a solução?José Eduardo Cardozo — Desenvolver políticas em diversos campos. A criminalidade não tem respostas simplistas. Quem achar que, com uma varinha mágica, com um projeto de lei, vai resolver o problema da criminalidade, está escondendo da sociedade os reais problemas que a afligem. Por que existe a criminalidade? Há vários fatores. A exclusão social e a impunidade são dois deles. Três: é preciso combater os grupos de extermínio. Quatro: o crime organizado se enfrenta com coragem e determinação, não com subterfúgios. O governo federal tem desenvolvido programas em todas essas áreas. Mas é uma luta difícil e que tem de ser discutida com profundidade, sem políticas cosméticas.
Há uma briga entre o Legislativo e o Judiciário?José Eduardo Cardozo — Não tenho por hábito, desde que assumi o ministério, comentar situações que dizem respeito a outros poderes — embora tenha opinião sobre elas.
A política brasileira de vistos para haitianos foi alvo de críticas internacionais. Como o senhor recebeu essas críticas?José Eduardo Cardozo — São infundadas. Nosso objetivo não é barrar os haitianos. Temos uma tradição de acolhimento e respeito aos direitos dos imigrantes, especialmente em situações humanitárias como a do Haiti. Queremos incentivar a entrada legal no país — o que permite ter controle de fronteiras, respeitar a lei, combater as máfias e evitar que criminosos entrem pela mesma porta que os haitianos. Estamos discutindo acabar com o teto dos cem vistos emitidos por mês em Porto Príncipe. A perspectiva de haitianos virem ao Brasil é maior do que isso. Também vamos criar outros postos de atendimento.
A PF tem autonomia para investigar qualquer pessoa?José Eduardo Cardozo — A PF tem total autonomia para cumprir seu papel e sua missão constitucional. Ela atua de acordo com a Constituição e as leis, sem interferência política. Ela pode investigar quem quer que seja, desde que o faça nos termos da lei e em cumprimento a ordens judiciais.
O senhor foi consultado sobre a investigação e a quebra de sigilo do ex-assessor de Lula?José Eduardo Cardozo — Não fui, não sou e não devo ser consultado. As autoridades policiais têm competência para presidir os inquéritos e propor as medidas cabíveis. O ministro da Justiça só deve intervir nos casos em que perceba algum abuso ou desvio.
Como está o processo para a substituição do ministro Ayres Britto no Supremo?José Eduardo Cardozo — A vaga no STF está em aberto, e a presidenta Dilma está refletindo. Temos muitos bons nomes. Grandes juristas homens e grandes juristas mulheres que podem ser nomeados para esse cargo. Com certeza, a presidenta escolherá a melhor alternativa. Ela costuma refletir bastante em relação a essas questões. Não é uma escolha fácil, é uma escolha que tem de ser feita de maneira bastante amadurecida, porque se trata de um cargo vitalício.

O Nome da Rosa mostra Igreja dominada por intrigas

O filme O Nome da Rosa foi lançado em 1986. Dirigido por Jean-Jacques Arnaud (que também conduziu Sete Anos no Tibet), é baseado em romance histórico do escritor italiano Umberto Eco. O roteiro é de Andrew Birkin. Sean Connery interpretou o personagem principal, William de Baskerville. Cristian Slater fez o papel de Adso de Melk (o narrador da história, religioso aprendiz que acompanhava William). No filme também trabalham Elya Baskin (Severino), Ron Perlman (que interpretou o intrigante Salvatore, “que falava todas as línguas e não falava nenhuma”), Valentina Vargas (que interpretou a intrigante garota), Michael Habeck (no papel de Berengar), William Hickey (no papel de Ulbertino de Casale) e F. Murray Abraham (interpretando o terrível inquisidor Bernardo de Guy).
O filme mantém a inteligentíssima intertextualidade do romance de Umberto Eco. O título nos remete à discussão medieval em torno das universais. Isto é, se o que vale mais são as coisas ou os nomes que damos às coisas. Há tradição que nos dá conta de texto canônico no qual se leria que nomes seriam mais importantes do que coisas. Afinal, segundo esta tradição, no dia em que no mundo não existirem mais rosas, restará entre os homens a lembrança do nome da rosa... Segundo Eco,
A ideia de O nome da rosa veio [...] quase por acaso e agradou [...] porque a rosa é uma figura simbólica, tão densa de significados que quase não tem mais nenhum: rosa mística, e rosa ela viveu e vivem as rosas, a guerra duas rosas, uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa, os rosa-cruzes, grato pelas magníficas rosas, rosa fresca cheia de olor. Isso acabaria despistando o leitor, que não poderia realmente escolher uma interpretação; e ainda que tivesse percebido as possíveis leituras nominalistas do verso final, já teria chegado justamente ao final, após ter feito as mais variadas escolhas. Um título deve confundir as ideias, nunca discipliná-las[1].
Na obra de Eco há inúmeras referências simbólicas de conteúdo interminável. Jorge de Burgos, o guardião cego da livraria, é homenagem explícita ao escritor argentino Jorge Luís Borges. Há também inegáveis semelhanças entre o conto A Biblioteca de Babel, de Borges, e alguns pontos temáticos de O Nome da Rosa, a exemplo da recorrência a espelhos e labirintos, construções comuns na temática borgeana. O que não deixa de ser uma brincadeira, bem ao estilo de Borges.
William de Baskerville (nome do personagem principal) é referência a William de Ockham (importantíssimo filósofo medieval), bem como ao livro de Artur Conan Doyle, Os Cães de Baskerville, publicado em 1902, que deu início à série de Sherlock Holmes. Também há semelhança entre Adso (auxiliar de William) e Watson (auxiliar de Sherlock). Elementar...
E porque para Eco “os livros falam sempre de outros livros e toda história conta uma história já contada”[2], o enredo centrou-se na Idade Média, em torno de uma série de assassinatos, colocando-nos uma dúvida sobre pretensa e supostamente perdida obra de Aristóteles. O filme mostra-nos também final apocalíptico, marcado por um grande e esperado incêndio. Ainda segundo Eco, imaginar uma história medieval sem incêndio é como imaginar um filme de guerra no Pacífico sem um avião de caça precipitando-se em chamas”[3].
O Nome da Rosa é adaptação para o cinema de romance ostensivamente reputado como pós-moderno. Trata-se de uma colagem descarada de textos, fontes, alusões, referências, tomadas num sentido absurda e anacronicamente contemporâneo. Trata-se de um serial killer ambientado na Idade Média. É uma denúncia a falsos problemas da racionalidade.
Nesse sentido, permite que pensemos o pós-modernismo como uma atitude cética para com a racionalidade construída pelo pensamento iluminista. Aparente negativismo, que dá o tom de um niilismo que truisticamente não aponta para lugar nenhum, é que propicia o eixo temático das considerações pós-modernas. O pensamento pós-moderno opõe-se à racionalidade e às promessas do que se entende por moderno, que acenou com a objetividade, a neutralidade e o progresso ilimitado de uma ciência redentora e soteriológica. É que as promessas da modernidade, por não terem sido cumpridas, transformaram-se em problemas para os quais parece não haver solução.
O pós-moderno rejeita o fundacionalismo da modernidade, definido como a âncora epistemológica e ontológica do iluminismo. Essa referência foi construída em torno de um sujeito definido pelo cogito cartesiano e pelo transcendentalismo kantiano. O iluminismo sinalizou com compromissos que não cumpriu, com uma sociedade livre e solidária que não conseguiu transcender dos textos das constituições programáticas. Realimentou-se a retórica salvacionista, usando-se da liberdade para matá-la e da razão para desracionalizá-la.
Em O Nome da Rosa explora-se também um pormenor no contexto da discussão da racionalidade no ambiente medieval. É que o racionalismo qualificava uma ameaça à teologia[4]. Por isso, partindo-se da premissa de que a razão melhor iluminava a compreensão do divino, defendeu-se que a racionalidade também era caminho para a comprovação da existência de Deus. William de Baskerville — aparentemente cético — porque racional, procura, a todo tempo, demonstrar a plausibilidade da experiência da fé. E Sean Connery deu-se muito bem no papel do frade doublé de detetive.
Os fatos narrados em O Nome da Rosa passam-se em 1327, num mosteiro beneditino. Certo clima escatológico domina quase todos os monges que desfilam pelo filme. No livro, os fatos se passam em exatos sete dias, divididos ordinariamente de acordo com a concepção de tempo dos mosteiros medievais: prima, sexta, moa, vésperas e completas. O filme mantém um passo muito parecido com a construção cronológica do livro.
O mosteiro, localizado idealisticamente em algum lugar do norte da Itália, será o palco de uma importantíssima discussão a respeito da pobreza de Jesus. Iria se discutir se Jesus seria dono (ou não) das próprias roupas que usava. Os franciscanos defendiam que Jesus não era dono de seus trajes, o que explicitava visão absolutamente desinteressada de bens seculares, característica na ordem de São Francisco, tradição que remontava ao próprio santo, que pretendia perdoar sem ser perdoado, e amar sem ser amado. As demais ordens religiosas, especialmente a dominicana, insistiam na necessidade da Igreja possuir bens na terra. O debate (aparentemente teológico) apontava para um confronto político, que se traduzia também numa discussão jurídica[5].
Os franciscanos eram vigiados pela Santa Inquisição. O Tribunal da Igreja remete-nos a uma primeira concepção de criminologia, centrada em textos que revelam autores “delirantes e perigosos, com gravíssimas fixações sexuais”[6]. Refiro-me, especialmente, a O Martelo das Feiticeiras[7] e ao Manual dos Inquisidores[8]; é neste último que se lê, por exemplo, que “é de fundamental importância prender a língua deles [dos acusados de heresia] ou amordaçá-los, antes de acender o fogo, porque, se têm possibilidade de falar, podem ferir, com suas blasfêmias, a devoção de quem assiste a execução”[9].
Os interrogatórios da Inquisição eram baseados na lógica da “alquimia ou inversão valorativa dos fatos”, técnica explicada por autor argentino, em tradução livre minha:
Quando uma mulher suportava a dor da tortura era porque o diabo havia lhe dado força; se confessasse, a queimavam de qualquer maneira, porém poderia salvar-se numa outra vida. Porém, se a mulher em desespero pela dor se enforcasse depois de ter confessado, era porque o diabo era responsável por sua condenação. Se enlouquecesse e começasse a rir enquanto torturada, era porque o diabo motejava dos inquisidores. Se se arrepende-se, é porque estava fingindo[10].
O inimigo era quem quer que pensasse de modo contrário ao dogma prevalecente[11]. No caso, o grupo dos franciscanos, cujo representante no debate seria William de Baskerville. Fatos estranhos, no entanto, começam a se multiplicar no mosteiro. Vários mortos foram encontrados. Um aspecto comum parecia ligar todos os casos. Os mortos apresentavam a língua e um dos polegares manchados de tinta.
É a investigação em torno dos intrigantes crimes que conduz o eixo temático do filme. Tem-se a impressão também de que Adso contempla várias visões[12]. Reconstrói-se um mundo imaginário da Idade Média, numa concepção historiográfica ostensivamente comprometida com ideário romântico, comum, principalmente, entre historiadores do Direito[13]. O espectador do filme tem a impressão de visitar a longa noite da história...
O inquisidor Bernardo de Guy, dominicano, é abertamente inimigo de William de Baskerville. Sua predisposição para condená-lo era objetivamente constatada pelo modo como as arguições eram conduzidas. Teimoso, William enfrentou o perigo da própria condenação, e demonstrou que os homicídios decorriam de leitura proibida de livro perdido de Aristóteles, no qual o estagirita pregava que ao homem não era proibido rir. Simplesmente. De alguma maneira já se intuíra que é rindo que castigamos os costumes.
A divulgação e o conhecimento deste pormenor do pensamento de Aristóteles, defesa do riso e da alegria, seria (no contexto do enredo de O Nome da Rosa) um perigo para a Igreja, que deveria engajar todas suas forças (principalmente junto à Inquisição) com o objetivo de evitar o conhecimento de tal livro. Os livros também matam, parece ser outra mensagem de Eco...
Adso de Melck sentiu-se atraído por uma moça que, como as demais moças do vilarejo, vendia-se aos monges, em troca de comida. Manteve relações íntimas com ela, circunstância que lhe provocou os horrores do pecado, do qual fora prosaicamente absolvido por William. Na cena final do filme, Adso foi obrigado a optar. Ou seguia-se mestre ou permanecia no local onde os fatos se passaram, e onde os familiares da moça viviam na mais absoluta miséria.
E porque a vida é uma opção permanente, e porque nunca sabemos quanto optamos corretamente, o dilema de Adso parece ser o problema de todos nós. Adso seguiu em frente, acompanhado William, relatando todos os fatos mais tarde na velhice. Um incêndio consumiu a biblioteca e o mosteiro. Talvez como uma epigramática referência de que os livros que conhecemos chegaram até por acaso, que não são necessariamente os melhores, e que há no processo de seleção dos referenciais de nossa cultura uma série de interferências, que jamais poderemos perfeitamente entender.
O Nome da Rosa é também um filme de Ciência Política, denunciando uma Igreja cheia de vícios, dominada por intrigas e querelas. Porém, é substancialmente também um raro propósito para que entendamos, definitivamente, que não há problemas exclusivamente jurídicos debaixo do sol. O que temos, sempre, são questões de economia e de política, cujas soluções passam por intrincadas formulações normativas e discursivas. Pode ser esta, mais uma, entre tantas mensagens que nos sugere O Nome da Rosa.

[1] Eco, Umberto, Pós-escrito a O Nome da Rosa, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 9. Tradução de Letizia Zini Antunes e Álvaro Lorencini.
[2] Eco, Umberto, cit., p. 20.
[3] Eco, Umberto, cit., p. 27.
[4] Cf. Ward, Ian, Umberto Eco's the Name of the Rose, in Ward, Ian, Law and Literature- Possibilities and Prospectives, Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p. 174.
[5] Eco, Umberto, O Nome da Rosa, Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 399 e ss. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini e de Homero Freitas de Andrade.
[6] Zaffaroni, Eugenio Raul, La Palabra de los Muertos- Conferências de Criminologia Cautelar, Buenos Aires: Ediar, 2011, p. 29. Versão livre para o português de minha responsabilidade.
[7] Kramer, Heinrich e Sprenger, James, O Martelo das Feiticeiras- Malleus Maleficarum, Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 2007. Tradução de Paulo Fróes.
[8] Eymerick, Nicolau, Manual dos Inquisidores- Directorium Inquisitorum, Brasília: Editora da UnB, 1993. Tradução de Maria José Lopes da Silva.
[9] Eymerick, Nicolau, cit., p. 48.
[10] Zaffaroni, Eugenio Raul, cit., p. 31.
[11] Cf. Zaffaroni, Eugenio Raul, El Enemigo en el Derecho Penal, Buenos Aires: Ediar, 2009.
[12] Cf. Haft, Adele J., White, Jane G. e White, Robert J., The Key to the Name of the Rose, Ann Harbor: The University of Michigan Press, 1999, p. 179.
[13] Cf. Posner, Richard, Frontiers of Legal Theory, Cambridge: Harvard University Press, 2004, pp. 145 e ss.

domingo, 28 de abril de 2013

Normas da Receita e do Coaf violam privacidade

*Artigo publicado no jornal O Globo deste sábado (27/4)
Em questão de poucos dias, uma instrução normativa da Receita Federal e uma resolução do Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf) confirmaram a tendência autoritária do governo federal. Uma violação da privacidade, na definição do tributarista Everardo Maciel, ex-secretário da Receita. Um Big Brother multiplicado por milhões, segundo o advogado tributarista Brasil do Pinhal Pereira Salomão, do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, que deu o alerta em seu site.
A resolução do Coaf determina que pessoas físicas ou jurídicas que vendam itens com preço maior que R$ 10 mil precisam, obrigatoriamente, fazer um cadastro de seus clientes, com nome, CPF ou CNPJ, documento de identidade e endereço completo, que deve ser mantido por cinco anos.
Se o cliente, no período de seis meses, fizer aquisições de serviços ou produtos em valor superior igual ou superior a R$ 30 mil, o vendedor ou prestador está obrigado a comunicar o Coaf, pelo site.
Já a instrução normativa da Receita Federal exige que quem gaste mais de U$ 20 mil dólares por mês com serviços no exterior informe onde esses valores foram gastos, com notas fiscais. A regra vale para hospedagem, transportes, alimentação ou mesmo saúde para as pessoas físicas, e viagens, honorários advocatícios, treinamentos, licenciamento, direitos, software, prestação de serviços em geral para as jurídicas.
A declaração deve ser feita no site da Receita, no centro virtual de atendimento ao contribuinte (e-CAC) e ficará no Siscoserv (sistema criado no ano passado para monitorar compra e venda de serviços de pessoas físicas e jurídicas no exterior).
O advogado tributarista Brasil Salomão diz que a primeira regra, referente aos gastos de R$ 10 mil já é extremamente gravosa para o empresário, mas não o transforma em "agente" do governo. No segundo caso, “serei obrigado a comunicar o COAF, dando início a um expediente administrativo de verificação da vida do cliente. É terrível”.
Ele considera a medida “uma violação inconteste aos artigos 1º e 170 da Constituição, que enaltecem, como fundamento do Estado democrático de Direito, a livre iniciativa”. Salomão está aconselhando a seus clientes que questionem essa nova regra na Justiça. A Ordem dos Advogados do Brasil já conseguiu isentar os advogados no exercício da profissão dessa obrigação.
Brasil Salomão vê ainda “uma violação ao sigilo de dados porque em toda operação empresarial (prestação de serviços ou venda de mercadorias) há um contrato, entre pelo menos duas partes, ainda que verbal, e, alguns dos seus dados estão protegidos pela Carta Constitucional”.
Já Everardo Maciel, ex-secretário da Receita, classifica as medidas como “tentativas de controlar a vida das pessoas”, e compara com o que foi feito na Argentina, “coisa de país subdesenvolvido”. Maciel cita o advogado Paulo José da Costa, autor do livro “O direito de estar só”, para falar da “violação da privacidade das pessoas” que essas medidas representam: “São contra nosso direito de estar só”.
Por que elas não correspondem ao dever fundamental de pagar impostos, nem a nenhuma obrigação fiscal, Maciel as considera “uma violência, bisbilhotagem desnecessária”. Ele diz que o que estão fazendo na área tributária é inacreditável. “Lido com isso há 40 anos e nunca vi uma coisa tão desastrada como essa. Há uma sinfonia das loucuras, crise da estupidez desassistida”.
Há diferenças entre as duas novas regras. Enquanto o advogado Brasil Salomão alerta que “a nova e draconiana regra, se não atendida, poderá gerar multas pecuniárias de até R$ 200 mil, cassação de registro profissional e, para o comércio, vedação do exercício da atividade”, Everardo Maciel lembra que a instrução normativa da Receita Federal é inócua para as pessoas físicas, pois a Receita não tem autorização para multar os que se recusarem a colocar os dados no Siscoserv. A portaria prevê apenas multa para as pessoas jurídicas, de R$ 1,5 mil por mês.

sábado, 27 de abril de 2013

Lei do Cartório facilita a vida do cidadão

Por Ivone Zeger

Você já percebeu a quantidade de leis, normas, decretos, projetos de lei, resoluções, que são lançadas diariamente e que podem e transformam nossas vidas! Algumas positivas, outras nos transtornam, muitas “não pegam”. Entretanto outras tantas não são lembradas e poderiam fazer a grande diferença!
É por esse motivo que fiz questão de escrever este artigo para recorda-lo da popularmente chamada “Lei do Cartório”. Lembra-se! É a lei que permite a realização de separações, divórcios, inventários e partilha de bens em cartório e foi saudada como uma oportuna medida para agilizar esses processos, reduzindo a burocracia, os custos e, conseqüentemente, o tempo de duração. No entanto, tenho notado que ainda pairam muitas dúvidas por parte do público sobre como se beneficiar dessa medida. Refiro-me a Lei 11.441 de Janeiro de 2007 e sua regulamentação, cujas dúvidas foram solucionadas pela Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 24 de abril de 2007.
O primeiro ponto a esclarecer é quem pode se beneficiar com a nova lei. Divórcios e separações só podem ser feitos em cartório se forem consensuais, ou seja, se ambos os cônjuges estiverem de acordo em relação a todos os aspectos do procedimento – como divisão de bens do casal e o pagamento de pensões alimentícias, por exemplo. Todas essas informações constarão em escritura pública a ser lavrada pelo tabelião. Se houver litígio, a separação ou o divórcio só poderão ser realizados pela via judicial, pois, evidentemente, cabe ao juiz arbitrar as disputas, e não ao tabelião. Outra condição é que o casal não possua filhos menores ou incapazes (caso dos deficientes mentais). Se possuir, é obrigatório recorrer ao judiciário, que tem o dever de zelar para que os interesses dos menores e dos incapazes sejam respeitados. Cumpridas essas exigências, tanto a separação quanto o divórcio direto – bem como a conversão da separação em divórcio – podem ser feitos extrajudicialmente.
Outro detalhe esclarecido pela Resolução diz respeito à mudança de sobrenome. Se o cônjuge quiser mudar seu sobrenome de casado para o de solteiro após a separação ou divórcio, poderá fazê-lo na própria escritura pública. A alteração pode ser feita no ato ou posteriormente – mediante declaração unilateral do interessado (isto é, o ex-cônjuge não precisa estar presente nem se manifestar a respeito) e com assistência de advogado. E tem mais. Se os cônjuges voltarem atrás e decidirem retomar seu casamento, o restabelecimento da sociedade conjugal também pode ser feito por escritura pública, ainda que a separação tenha sido judicial. Contudo, os que optarem pela separação ou divórcio extrajudicial devem estar cientes de que não há sigilo nas escrituras públicas desses procedimentos. Se o casal fizer questão de manter em segredo os termos de sua separação, então deverá recorrer à via judicial.
As condições para a realização de inventários e partilhas de herança em cartório são semelhantes. É necessário que haja comum acordo entre os herdeiros e todos devem ser maiores de idade e capazes. Além disso, é preciso que o falecido – ou o autor da herança – não tenha deixado testamento. Se deixou, o inventário e a partilha terão de ser feitos judicialmente.
Uma dúvida que até pouco tempo atrás causou divergências entre os juristas diz respeito à necessidade ou não de que esses procedimentos sejam posteriormente homologados, ou ratificados, pelo juiz. A Resolução 35 do CNJ de 24 de abril de 2007 esclareceu a questão ao estabelecer que as escrituras públicas de inventário e partilha, separação e divórcios consensuais não dependem de homologação judicial, sendo títulos válidos para o registro civil e imobiliário e para a transferência de bens e direitos (Detran, Junta Comercial, bancos, telefônicas etc.).
A Resolução também traz uma boa notícia para os que vivem em união estável. A pessoa que tiver direito à herança do companheiro (ou companheira) falecido pode, desde que não seja o único herdeiro ou herdeira, realizar os procedimentos de inventário e partilha em cartório. Para que isso ocorra, porém, é necessário que todos os demais herdeiros (que devem ser maiores e capazes) estejam de acordo – inclusive no que diz respeito ao reconhecimento da união estável.
Cabe lembrar, ainda, que mesmo aqueles que se enquadram nas exigências necessárias para recorrer à via extrajudicial continuam tendo o direito de optar pelo judiciário, se assim desejarem. E os que optaram por realizar esses procedimentos em cartório continuam tendo o direito de apelar aos tribunais caso surja alguma divergência posterior – como, por exemplo, a revisão do valor da pensão alimentícia. Porém, se a revisão da pensão for decidida amigavelmente, é possível retificar o valor na própria escritura, sem a necessidade de ir aos tribunais.
Todos esses procedimentos podem ser feitos em qualquer cartório de notas escolhido pelos interessados, em qualquer cidade ou estado. Os valores cobrados pelos tabeliães podem variar de um lugar para outro, mas é importante ressaltar que a Resolução proíbe cobranças sob a forma de porcentagens sobre os valores relativos à divisão de bens do casal ou da herança. E se, mesmo assim, os interessados não puderem pagar, serão isentos dos custos mediante a apresentação de uma declaração de que não possuem condições de arcar com as despesas – ainda que estejam sendo assistidos por um advogado contratado. A presença do advogado, aliás, é obrigatória, pois esses procedimentos extrajudiciais não dispensam a participação desse profissional. O tabelião não pode indicar um advogado aos interessados. Pode, no entanto, recomendar aos que não dispõem de recursos para contratar um advogado que recorram à Defensoria Pública ou, onde não houver, à Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.
Em relação às atribuições dos tabeliães face à nova lei, é interessante observar que eles podem se negar a lavrar a escritura de separação ou divórcio caso percebam que os termos do acordo estão lesando os direitos de um dos cônjuges, ou que um deles está sendo coagido a aceitar condições que lhe são prejudiciais – uma medida que contribui para tornar o procedimento mais seguro.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas” e “Família: Perguntas e Respostas” – da Mescla Editorial www.ivonezeger.com.br

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Exclusão de sócios enfrenta insegurança jurídica

Por Armando Luiz Rovai

Sabe-se que desde o ano de 2002, com a entrada em vigor do Código Civil, há enormes dificuldades para se operacionalizar uma expulsão extrajudicial de sócio minoritário, mesmo que esse sócio esteja colocando em risco a continuidade das atividades negociais. Em outras palavras, expulsar extrajudicialmente um sócio minoritário, mesmo que haja previsão contratual, tem sido uma tarefa árdua, delicada e que requer, principalmente, muita, muita sorte.
Consigno isso sem qualquer tipo de ironia, mas porque, efetivamente, vivencio no dia a dia a aflição dos operadores do direito que buscam uma via que deveria ser facilitadora e alternativa ao já saturado Poder Judiciário. A realidade apresentada é uma legislação cheia de dubiedades e entraves burocráticos, combinados a um hórrido preparo técnico das juntas comerciais, o que gera uma verdadeira loteria registrária, onde alguns documentos passam e outros não!
Por uma questão metodológica, vou aqui relacionar apenas algumas das várias ambiguidades que residem na operacionalização da expulsão extrajudicial de sócio, o que facilitará a compreensão do leitor. O primeiro ponto encontra-se na redação dada ao artigo 1.085 do CC. Pela letra da lei, se houver uma sociedade com dois sócios, um com 99,9% das quotas e o minoritário for aquele que estiver praticando atos de inegável gravidade, mesmo que prevista a cláusula de exclusão, a mesma não poderá ocorrer, em razão da necessidade de constar mais de dois sócio sno quadro societário.
Registre-se, contudo, que na recente 1ª Jornada de Direito Comercial do Superior Tribunal de Justiça, tal desacerto legislativo foi objeto de retificação pelo Enunciado 17 dos enunciados aprovados. Depreende-se do aludido documento que: na sociedade limitada com dois sócios, o sócio titular de mais da metade do capital social pode excluir extrajudicialmente o sócio minoritário desde que atendidas as exigências materiais e procedimentais previstas no artigo 1.085, caput e parágrafo único, do CC.
Cumpre dizer, entretanto, que inobstante esses enunciados serem integrados à doutrina e muitas vezes considerados tanto nas vias administrativas, como por magistrados nas suas decisões, é necessário saber se as juntas comerciais permitirão que esses expedientes sejam incorporados no seu dia a dia ou, se, mais uma vez, darão de ombros aos avanços do Direito Comercial. Aliás, esse é um questionamento que também deve ser feito ao Departamento Nacional de Registro do Comércio.
Outro elemento complicador acerca da expulsão extrajudicial está no que o legislador quis dizer no caput do artigo 1085 do CC com a expressão "desde que prevista neste a exclusão por justa causa". Desde já, deixando de lado o conceito de justa causa da Justiça do Trabalho, uma vez que não há hierarquia entre os sócios, o legislador não deixou claro seu significado.
Mesmo com previsão contratual, é uma tarefa árdua, delicada e requer sorte
Numa tentativa de desvendar esse mistério e propor um significado a esse arcano, uma singela construção de pensamentos inspirada em Norberto Bobbio pode auxiliar: Bobbio, em seu último livro, Elogio à Serenidade, insiste que a tolerância é recíproca: "para que exista tolerância é preciso que se esteja ao menos em dois. Uma situação de tolerância existe quando um tolera o outro". Embasado, pois, no pensamento de Bobbio, tenho que a "justa causa" se caracteriza pela falta de tolerância e o surgimento do estado de prepotência - quando o estado de tolerância deixa de estar presente, surge, entre os sócios, o estado de prepotência, acarretando o desajuste que gera o conflito.
Ora, uma sociedade possui estado de harmonia quando seus pares (sócios) possuem uma convivência regida pelo estado de tolerância; caso contrário, está configurada a justa causa para expulsão. Mais uma vez o legislador não andou bem ao obrigar a inserção e detalhamento da justa causa para as operações de expulsão extrajudicial de sócios; pois não cabe ao instrumento que vai para registro – com ampla publicidade (uma vez que essa é umas das principais atribuições do Registro Mercantil) -, escancarar as entranhas da sociedade.
Por último, naquilo que chamo de liturgia desnecessária, a exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. Verdadeira panaceia, considerando que o legislador pretendeu uma medida capaz de sarar os males acusatórios que pudessem recair no sócio expulso, mas especificamente ineficaz, vez que independentemente de suas razões e por melhor que fosse a capacidade de retórica de seu advogado (se estivesse acompanhado na reunião ou assembleia), o que lhe restaria seria discutir haveres em juízo.
Na prática, a convicção dos sócios majoritários já está formada desde antes da instalação da reunião. Tudo não passa de um pueril jogo de cena, servindo apenas para cumprir uma burocracia custosa para a empresa, a pretexto de proteger o direito de defesa do sócio minoritário que na prática inexiste. Vê-se, pois, quanto falha e ambígua é a expulsão extrajudicial de sócio. O direito societário merece um sistema jurídico melhor, mais rápido, moderno e com maior segurança jurídica. Oxalá melhores dias, com melhores leis.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Lei de Lavagem não se aplica à advocacia, diz Coaf

O presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Antonio Gustavo Rodrigues, declarou que o artigo 9º da Lei 12.683/2012, conhecida como Lei da Lavagem de Dinheiro, não deve se aplicar ao exercício da advocacia. O entendimento foi reforçado em reunião com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, nessa terça-feira (23/4). Os dispositivos se referem à obrigação de prestadores de serviço, inclusive advogados, de comunicarem ao Coaf operações na relação com seus clientes.
Na encontro, foi unânime o entendimento de que o artigo 9º da lei não se aplica à classe ao contencioso judicial e administrativo e nem aos honorários revertidos aos advogados que patrocinam as causas em defesa dos direitos do cliente. “A garantia constitucional de proteção ao sigilo profissional e a relação de confidencialidade entre o advogado e o cliente, que é norma essencial e inerente à advocacia, estão preservadas”, afirmou Marcus Vinicius. A nova regra  que alterou a Lei 9.613/98.
Outra regulação debatida na audiência foi a Resolução 24 do COAF, de 16 de janeiro de 2013, que dispõe sobre os procedimentos a serem adotados com relação à Lei da Lavagem de dinheiro por pessoas físicas ou jurídicas que prestam serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência. Tal resolução também não incide sobre a advocacia porque a classe possui órgão regulador próprio encarregado de reger suas atividades — no caso a OAB — e o Coaf não tem competência para tratar dos assuntos relacionados à categoria.
De acordo com o presidente do Coaf, seria considerado um avanço para o sistema seria a regulamentação, pela OAB, da atividade do advogado que administra recursos financeiros de empresas em transações comerciais, como uma espécie de gestor ou facilitador de negócios. "A regulamentação dessa atividade pela OAB seria um grande avanço sentido da enorme mudança cultural que essa nova lei propõe e para a proteção da própria advocacia”, afirmou Antonio Gustavo Rodrigues. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Ato com conteúdo decisório permite recurso, aponta STJ

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que é possível interpor recurso de Agravo de Instrumento contra ato de juiz, independentemente do nome dado ao provimento jurisdicional — se despacho ou decisão interlocutória —, bastando que possua conteúdo decisório capaz de gerar prejuízo às partes.
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi esclareceu que diferentemente das decisões interlocutórias, os despachos, por conta da sua função eminentemente ligada à promoção do andamento do feito, sem carga efetivamente decisória, não são sujeitos a recurso. Independentemente do nome que se dê ao provimento jurisdicional, é importante deixar claro que, para que ele seja recorrível, basta que possua algum conteúdo decisório capaz de gerar prejuízo às partes.
Segundo a ministra, tal entendimento é partilhado por juristas como Nelson Nery Junior e José Carlos Barbosa Moreira, citados no voto. Nery afirma que “todo despacho é de mero expediente. São atos do juiz destinados a dar andamento ao processo, não possuindo nenhum conteúdo decisório. Se contiver nele embutido um tema decisório capaz de causar gravame ou prejuízo à parte ou ao interessado, não será despacho, mas sim decisão interlocutória”. Nancy Andrighi citou ainda jurisprudência do STJ.
No caso, um espólio ajuizou pedido de anulação de contrato de compra e venda e cancelamento de registro imobiliário contra o Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás (Idago). O órgão foi extinto e no polo passivo foi incluído o estado de Goiás. Ao aceitar o pedido do espólio, o juiz determinou o cancelamento da transcrição imobiliária relativa ao título de domínio expedido pelo Idago em 1991.
Na fase de cumprimento da sentença, o espólio requereu o cancelamento de outros dois registros imobiliários. O novo pedido foi atendido pelo juiz, que determinou o cancelamento das duas matrículas no registro de imóveis. Como entendeu que a medida lhe causava prejuízo, pois essa diminuição em seu patrimônio não estaria prevista na sentença, o estado interpôs recurso de agravo de instrumento.
O Tribunal de Justiça de Goiás negou seguimento ao agravo afirmando que o juízo de primeiro grau havia apenas determinado o cumprimento da sentença, tratando-se de despacho “de mero expediente”, o qual não estaria sujeito a recurso.
Com a nova negativa, o estado de Goiás recorreu ao STJ, alegando violação ao artigo 162, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC). Afirmou que a decisão combatida pelo agravo resolveu questão incidental. Sustentou que o cancelamento das duas matrículas foi além do determinado pela sentença e, portanto, não se trata de despacho de mero expediente, mas de decisão interlocutória, passível de ser atacada por Agravo de Instrumento.
Segundo o estado de Goiás, “a decisão em estudo, a pretexto de dar cumprimento à sentença judicial transitada em julgado, acabou por elastecê-la, para incluir o cancelamento de matrículas imobiliárias decorrentes de negócios jurídicos não discutidos na ação judicial que a originou”. Tal fato não poderia ser confundido com despacho de mero expediente.
A 3ª Turma, seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, concordou que o provimento judicial atacado pelo agravo de instrumento possuiu claramente carga decisória. Também reconheceu a existência de prejuízo ao estado de Goiás, decorrente do cancelamento dos registros imobiliários.
Os ministros concluíram que o direito de ter o agravo conhecido e apreciado no mérito pelo tribunal de segunda instância não deveria ter sido tolhido, com a alegação de que “o juiz de primeiro grau proferiu despacho de mero expediente”. A partir desse entendimento, determinaram o retorno dos autos ao TJ-GO, para análise do mérito do agravo de instrumento. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.219.082

DEFESA DA ADVOCACIA - "Advogado tem o dever de não delatar o cliente"

O Movimento de Defesa da Advocacia, ou MDA, surgiu em 2002, como forma de protesto e instrumento de defesa dos advogados diante das recorrentes invasões de escritórios pela Polícia Federal. Passados mais de dez anos, a instituição continua sua luta em defesa das prerrogativas profissionais. As frentes de batalha são várias: mais tempo para sustenções orais, não restrição ao Habeas Corpus, defesa dos conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), honorários, processo eletrônico, posição da advocacia nos tribunais em relação ao MP e outras.
O MDA é relativamente pequeno se comparado com a Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo. São cerca de 400 membros e 66 conselheiros. Sua força, porém, está na qualidade de seus quadros: presidentes e ex-presidentes da OAB, de suas comissões e das seccionais e de entidades como o Instituto dos Advogados de São Paulo, a Associação dos Advogados de São Paulo e o Centro de Estudos das Sociedades dos Advogados.
Para o presidente do MDA, Marcelo Knopfelmacher, mais conhecido como "Marcelo K", ao congregar numa única entidade os representantes das diversas áreas de atuação da advocacia, os problemas enfrentados pela classe são compartilhados de maneira rápida e combatidos de modo eficaz.
Uma das principais lutas da entidade é pela inviolabilidade dos departamentos jurídicos das empresas. “Não é porque o advogado é interno que ele não é advogado. Ele também está sujeito ao Estatuto da Advocacia, tem os mesmos direitos, prerrogativas e garantias”, diz.
Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, ele detalhou a atuação do MDA e falou sobre questões como honorários, exame de Ordem, lavagem de dinheiro e delação. Sobre esse último tópico, é taxativo: “O advogado tem o dever de não delatar o cliente, sob pena de incorrer na prática de crime previsto pelo artigo 154 do Código Penal, que define a revelação sem justa causa de segredo profissional”.
ConJur — Quando surgiu o MDA?Marcelo Knopfelmacher — O MDA surgiu em 2002, de uma necessidade momentânea de combater invasões aos escritórios de advocacia. Depois vieram portarias do Ministério da Justiça disciplinando a questão, e a alteração da Lei da Advocacia mencionando isso.
ConJur — Como ele está estruturado?Marcelo Knopfelmacher — Temos quatro comissões. Prerrogativas, que é a espinha dorsal de toda a entidade representativa da classe dos advogados; Direito Penal; Direito Tributário; e Direito Empresarial. Presidem essas comissões Rodrigo Jorge Moraes (prerrogativas); Fabio Tofic Simantob (Direito Penal); Walter Carlos Cardoso Henrique (Direito Tributário), que é ex-presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem; e o Guilherme Setoguti (Direito Empresarial).
ConJur — Vocês têm quantos associados?Marcelo Knopfelmacher — Sessenta e seis conselheiros, 400 associados aproximadamente. Estão em alguns dos estados da federação e temos representações nas principais capitais: Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre. Muitas vezes, [o MDA] funciona no próprio escritório do representante, mas com representação formal nessas localidades.
ConJur — Quando foram as eleições?Marcelo Knopfelmacher — Dia 27 de fevereiro. Fui reeleito presidente, o Romeu Amaral foi eleito diretor adjunto, Humberto Gouveia foi eleito diretor financeiro, Adriano Salles Vanni, criminalista, o presidente do nosso conselho, Rodrigo Rocha Monteiro de Castro, societário, vice-presidente do conselho. Criamos a figura do conselheiro honorário, aquele que pelas suas próprias ações já fez muito pela advocacia ou já fez muito pelo MDA.
ConJur — Poderia citar alguns?Marcelo Knopfelmacher — Antonio Cláudio Mariz de Oliveira; Braz Martins Neto; Arystóbulo de Oliveira Freitas; Márcio Kayatt; Eduardo Salusse; Sérgio Rosenthal, que foi primeiro presidente do MDA, atualmente presidente da AASP; Roberto Podval, que foi presidente do conselho do MDA.
ConJur — Muitos ex-presidentes ou da OAB ou da AASP.Marcelo Knopfelmacher — Atualmente, temos o privilégio de contar no nosso conselho com os presidentes atuais da Aasp, Sérgio Rosenthal; do Iasp, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro; do Cesa, o Carlos Mateucci; o ex-presidente da Ordem Antonio Cláudio Mariz de Oliveira; e o ex-secretário geral da Ordem, na gestão anterior, Braz Martins. Mateucci também é tesoureiro da atual gestão da Ordem.
ConJur — O que significa ter tantas entidades reunidas no MDA?Marcelo Knopfelmacher — O MDA é uma entidade que congrega os demais presidentes, portanto, tem uma representatividade muito significativa. Isso faz com que os problemas da advocacia sejam compartilhados de maneira muito rápida e eficaz.
ConJur — Em quais frentes o MDA atua?Marcelo Knopfelmacher — Estamos trabalhando muito pelo Projeto de Lei que visa equiparar os departamentos jurídicos das empresas aos escritórios de advocacia do ponto de vista da sua inviolabilidade. Não é só o espaço físico que deve ser delimitado dentro das empresas. A gente viu operações da Polícia Federal nas empresas e não havia essa separação do jurídico com as demais áreas. Tivesse havido, não teriam tido o acesso indiscriminado aos computadores dos advogados que estão lá trabalhando. Da mesma forma também não teriam acesso aos computadores dos psiquiatras do RH, que têm contato com informações sigilosas. Também não teriam contato com a parte de assessoria e de relações institucionais, em que o jornalista deveria preservar o sigilo da sua fonte. Por não haver uma delimitação de espaço, houve abusos.
ConJur — Poderia detalhar mais a proposta?Marcelo Knopfelmacher — O que se propõe é que a mesma inviolabilidade que há para os escritórios de advocacia seja estendida aos departamentos jurídicos devidamente delimitados e também as comunicações entre os advogados internos e os seus constituintes. Não é porque o advogado é interno que ele não é advogado. Ele também está sujeito ao Estatuto da Advocacia, tem os mesmos direitos, prerrogativas e garantias.
ConJur — O advogado de departamento jurídico trata basicamente de Direito Empresarial ou questões conexas. Não são questões criminais. Por que a inviolabilidade desses departamentos? São as questões comerciais que estão em jogo?Marcelo Knopfelmacher — Há questões de segredo de mercado, portanto de natureza concorrencial. Há também questões de natureza fiscal que muitas vezes podem resvalar em questões de natureza penal. Às vezes essas questões de natureza fiscal podem fragilizar o balanço das empresas com a própria compreensão do valor da empresa.
ConJur — Mas isso não pode trazer um risco de o departamento jurídico das empresas ser utilizado como um biombo para práticas ilícitas?Marcelo Knopfelmacher — Precisamos fazer uma separação muito clara entre a prática profissional lícita da prática profissional ilícita. Nós não queremos transformar o departamento jurídico nem o escritório de advocacia em um local no qual pode ser escondido o produto do crime. O que se propõe é que haja uma sensibilidade, um cuidado para que naquela área delimitada os mesmos direitos e garantias previstas para o profissional que trabalha fora sejam estendidos ao profissional que trabalha lá dentro, que ele seja visto como profissional e não como um executivo, apesar de muitas vezes acumular as funções. Isso tem que ser visto caso a caso, mas é muito importante haver essa conceituação.
ConJur — O MDA também atua em questões tributárias?Marcelo Knopfelmacher — O MDA teve uma destacada e muito bem noticiada atuação na defesa intransigente dos conselheiros do Carf. Fomos procurados por inúmeros conselheiros que estavam se sentindo acuados no exercício da sua judicatura administrativa em função daquele posicionamento inicial que a procuradoria da Fazenda Nacional tinha adotado de perseguir cegamente o crédito tributário, sem atentar para a definitividade das decisões proferidas em âmbito do Carf. Isso consta no artigo 45 do decreto 70.235. As decisões do Carf são definitivas em relação a União. Se o particular se sente prejudicado pelas decisões do Carf, ele pode procurar o Judiciário, a União não.
ConJur — As ações populares incluíam o nome pessoal dos conselheiros.Marcelo Knopfelmacher — Alguns conselheiros do Carf que também são conselheiros do MDA estavam muito desconfortáveis com essa situação. Não podemos transformar a atividade judicante, tanto por parte dos representantes do contribuinte como por parte dos representantes do fisco, em uma atividade de risco.
ConJur — O MDA tem alguma atuação no Tribunal de Impostos e Taxas?Marcelo Knopfelmacher — Temos no nosso conselho alguns juízes do TIT, da Câmara Superior, e estamos lutando para ampliar o exíguo prazo de cinco minutos para produção de sustentação oral no TIT São Paulo. Vamos propor a alteração do decreto que trata disso, a lei não estabelece o prazo.
ConJur — Como é essa norma?Marcelo Knopfelmacher — É um decreto. A lei trata do processo administrativo tributário. Ela confere o direito de produzir sustentação oral, mas a regulamentação se deu por decreto e ele fala em cinco minutos. É incompatível com o Estatuto da Ordem e com os regimentos internos de todos os demais tribunais judiciários e administrativos.
ConJur — Qual é o tempo dado nos tribunais?Marcelo Knopfelmacher — Todos falam em 15 minutos. Fizemos um levantamento. O CNJ tem um prazo de dez minutos para a sustentação oral, mas estamos falando aqui do prazo geral de 15 minutos, que é conferido pelos tribunais de Justiça do país, pelos cinco TRFs, pelo Supremo e pelo STJ.
ConJur — Por que a sustentação no TIT precisa de mais que cinco minutos?Marcelo Knopfelmacher — Cinco minutos é muito pouco. Os autos de infração contemplam vários itens acusatórios. Muitas vezes é necessário compulsar provas, documentos. São processos volumosíssimos. Não se consegue em cinco minutos nem pedir para um filho arrumar um quarto, que dirá defender os direitos daquele que está sendo acusado e cujo resultado daquela defesa pode inclusive resvalar em um processo criminal.
ConJur — Vocês também atuam no Conselho Municipal de Tributos?Marcelo Knopfelmacher — O MDA está avaliando a conveniência de fazer um ofício respeitosamente ao Conselho Municipal de Tributos, sugerindo que a marcação dos julgamentos ocorra com maior antecedência. Hoje são só dois dias.
ConJur — E qual seria o prazo adequado?Marcelo Knopfelmacher — Um prazo de no mínimo uma semana, dez dias corridos, seria justo para que todos possam se organizar.
ConJur — Nesses órgãos administrativos, em caso de empate, a decisão é pelo voto de qualidade. Isso não os torna uma espécie de ficção?Marcelo Knopfelmacher — Absolutamente não. Os três tribunais, Carf, TIT São Paulo e Conselho Municipal de Tributos, são tribunais em que efetivamente se produz justiça fiscal. Não necessariamente os representantes do Fisco acompanham as posições dos autos de infração. Falo isso por experiência própria, profissional e também institucional.
ConJur — E em relação às punições?Marcelo Knopfelmacher — No que diz respeito à penalidade, se há empate, não pode ter o voto de qualidade desempatando. Isso consta no Código Tributário Nacional. Na dúvida, sempre em favor do acusado. Mas não podemos estender isso para o imposto, para a contribuição ou para o tributo. No TIT, tem os presidentes ímpares do fisco e as câmaras pares do contribuinte. Pode ter um voto de qualidade vindo de um representante do contribuinte, por exemplo. As coisas têm andado bem. Esses tribunais têm desempenhado um trabalho importante.
ConJur — Em questões tributárias, é comum o Executivo dizer ao ministro do Supremo que aquela causa irá gerar um impacto bilionário no Orçamento. O Fisco está ganhando a queda de braço por causa desses elementos de pressão sobre os julgadores?Marcelo Knopfelmacher — Os elementos numéricos e os argumentos econômicos sempre foram considerados pelos julgadores de todos os nossos tribunais. Às vezes o tamanho não é exatamente aquele que está expresso nos números, mas é importante ter a dimensão do impacto da causa. Os argumentos econômicos não só podem como devem influenciar um julgamento. Aí entra a necessidade de ter uma racional, razoável e efetiva modulação dos efeitos dessas decisões. Não podemos imaginar que a partir de uma decisão do Supremo tenha-se a falência do governo brasileiro. Há de se reconhecer que aquela norma ou que aquela questão é inconstitucional, que aquela cobrança é inválida perante o ordenamento jurídico, mas há de se reconhecer também um mecanismo justo que permita fazer com que os litigantes sejam ressarcidos pelo recolhimento indevido.
ConJur — O Conselho de Controle da Atividades Financeiras (Coaf) encerrou a polêmica sobre a obrigatoriedade de informar em casos de lavagem?Marcelo Knopfelmacher — A resolução número 24 esclarece o que já consta da lei e diz o seguinte: os órgãos reguladores próprios tratarão do dever de informar. Para situações em que não houver órgão regulador próprio ou para situações em que o órgão regulador próprio não se pronunciar ou não regulamentar, o Coaf lhes fará as vezes. O Conselho Federal da OAB, respondendo a uma consulta provocada pela seccional de São Paulo, normatizou a questão no sentido de que os advogados não devem se sujeitar ao cadastro, não devem promover o dever de informar. Com estes arcabouços — nova lei de lavagem, a regulamentação do Conselho Federal e a própria resolução do Coaf confirmando aquilo que já está na lei, a questão está encerrada.
ConJur — Se o advogado souber que os valores são ilícitos, quais são os procedimentos que ele deve seguir?Marcelo Knopfelmacher — Existe um princípio chamado pecunia non olet, dinheiro não tem cheiro. Se o Estado tributa o IPTU do criminoso, se o criminoso paga a escola da criança com dinheiro ilícito, se ele paga assinatura do seu jornal de manhã com produto do dinheiro ilícito, a sociedade não pode se transformar em um órgão de investigação de lavagem de dinheiro. Como é que eu posso afirmar que aqueles valores que o cliente está pagando ao advogado têm origem ilícita? Isso é a consagração de um Estado de terror, ninguém trabalha. A questão dos honorários está de ligada à incompreensão sobre a atividade. O médico sabe que a pessoa tem problemas de saúde, mas vai deixar de receber os seus honorários por ter feito uma cirurgia no acusado de ser o grande praticante de atividade ilícita? O resort onde se hospeda o acusado da prática da atividade ilícita está praticando lavagem ao aceitar aquela reserva? Como é que ficam essas questões?
ConJur — Mas a sociedade não tem obrigação de coibir quando sabe da existência de crimes de corrupção e de lavagem de lavagem de dinheiro?Marcelo Knopfelmacher — A sociedade tem o dever de vigilância e o dever de informar aos órgãos competentes que vão fazer essa apuração. No caso da advocacia muitas pessoas são tratadas em uma relação de confiança. São segredos que o advogado vai levar para o túmulo. O advogado não tem o dever de delatar o cliente. Ele tem o dever de não delatar o cliente, sob pena de incorrer na prática de crime previsto pelo artigo 154 do Código Penal, que define a revelação sem justa causa de segredo profissional. O jornalista em relação à sua fonte também tem seus direitos assegurados. Isso está previsto pela Constituição, uma grande conquista de uma sociedade democrática. O advogado funciona como porta voz de alguém, assim como a imprensa. Nós somos, como diz o doutor Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, “boqueiros”, nós falamos em nome dos outros, nós não falamos em nome próprio. Aquilo que nos é confiado em segredo profissional deve ser mantido como tal.
ConJur — Quais são as outras bandeiras do MDA?Marcelo Knopfelmacher — Nós tomamos a frente na questão da pretensão de abolição do Habeas Corpus substitutivo de Recurso Ordinário. No dia 17 de setembro de 2012 oficiamos o então presidente do Supremo, ministro Ayres Britto. Depois levamos cópia do nosso ofício a todos os demais ministros, manifestando a nossa grande preocupação em decisões até então na 1ª Turma, no sentido de abolir ou restringir o uso do Habeas Corpus.
ConJur — E que avaliação o MDA faz dessa questão do HC?Marcelo Knopfelmacher — O Supremo volta a admitir o uso do Habeas Corpus substitutivo, que de certa forma foi um alento, mas a gente continua vigilante. O Habeas Corpus não é uma conquista da advocacia, mas da cidadania. Qualquer pessoa pode impetrar um Habeas Corpus, não precisa ser advogado. É um instrumento que nos resguarda, que nos traz liberdade. Quem viveu a época da ditadura, não é o nosso caso, nos conta que, com a abolição do Habeas Corpus, nós estávamos vivendo uma época de barbárie, tempos sombrios que não queremos nem rememorar.
ConJur —Há de fato então uma restrição ao uso do Habeas Corpus?Marcelo Knopfelmacher — Procurou-se criar uma vedação ao uso do Habeas Corpus substitutivo de Recurso Ordinário, mas a jurisprudência do Supremo está sendo revista para permitir novamente o uso do Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário.
ConJur — Como vocês veêm a discussão quanto à posição que os advogados ocupam nos tribunais em relação ao MP?Marcelo Knopfelmacher — Fomos admitidos como amicus curiae na reclamação proposta por um juiz federal de São Paulo, em que questiona com toda razão o assento do Ministério Público nas audiências criminais. Nas causas de natureza criminal ou nas causas em que o Ministério Público figura como parte e não como custos legis, não portanto como fiscal da lei, o Ministério Público deve ocupar o mesmo patamar físico que os advogados. A expressão parquet significa tablado em francês. Na França os membros da Promotoria sempre falavam a partir de um tablado, que era abaixo da bancada dos juízes, mas isso já os diferenciava.
ConJur — Por que essa questão é importante?Marcelo Knopfelmacher — É fundamental que se tenha uma verdadeira paridade de armas. Quando uma testemunha entra em uma audiência e verifica a figura do juiz ao lado do promotor, sentados na mesma bancada, automaticamente se sente muito intimidada quando perguntada por essa autoridade. Pode influenciar um julgamento.
ConJur — A ideia dessa reclamação é colocar o promotor na tribuna junto com o advogado ou de dar assento para o advogado ao lado do juiz?Marcelo Knopfelmacher — Tem algumas propostas: ou se fazer um “U”, ou se fazer um “T”. No “T” o magistrado estaria em cima, e o advogado e o promotor frente a frente.
ConJur — Como funciona nos tribunais dos Estados Unidos?Marcelo Knopfelmacher — Sim. No “U” há também o magistrado no centro, e o advogado e o promotor também frente a frente, no mesmo nível. A advocacia não pode estar simbolicamente em um patamar menor ou menos significativo do que o órgão acusador. Isso é injusto.
ConJur — Quem mais está como interessado?Marcelo Knopfelmacher — A Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais, a Defensoria Pública da União, o Conselho Federal da Ordem. Além disso, também estamos atuando na questão da tramitação direta dos inquéritos entra a Polícia Federal e o Ministério Público.
ConJur — Por que essa questão é importante?Marcelo Knopfelmacher — A Resolução 63 [do Conselho de Justiça Federal], a pretexto de tornar mais célere o inquérito, acaba por banalizar os prazos para a conclusão dos inquéritos policiais. Na Justiça Estadual, são dez dias para acusados presos, 30 dias para soltos. Na Federal, 15 dias prorrogáveis por igual período, o que acarreta grave violação dos direitos e garantias do investigado, das prerrogativas dos advogados, da polícia judiciária e o próprio Poder Judiciário, que se pretende agora que permaneça alheio ao controle e trâmite dos inquéritos policiais, sendo chamado a manifestar-se somente em casos excepcionais.
ConJur — Alguns juízes continuam se negando a receber advogados, apesar da determinação do Estatuto da OAB. Já outros, como o ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, dizem só receber se a outra parte também esteja. Como o senhor vê essas restrições?Marcelo Knopfelmacher — Isso ainda lamentavelmente acontece, inclusive no estado de São Paulo. Temos recebido reclamações na nossa Comissão de Prerrogativas. Existe muita incompreensão e intolerância com a atividade do advogado. O advogado é visto como um mal necessário, e isso é ruim. Quanto a atender o advogado junto com a outra parte, não vejo grandes problemas, desde que isso não impeça o próprio exercício profissional. Se a situação for de urgência, deve estar dispensada a presença da contraparte, mas se não houver essa necessidade e puder ter um agendamento, não vejo isso como uma restrição indevida. Acho até salutar.
ConJur — Vocês brigaram muito por causa do horário de atendimento no fórum central aqui no TJ de São Paulo. Essa história acabou?Marcelo Knopfelmacher — Essa história não acabou, e está sendo encampada mais diretamente pela Ordem de São Paulo, pela Aasp e pelo Iasp. Nós deliberamos por aguardar. Estamos nos sentido representados pelas demais entidades nessa questão.
ConJur — Qual sua opinião sobre isso?Marcelo Knopfelmacher — Se há um funcionário dentro das repartições públicas, um servidor, nos termos do artigo 7º, inciso VI, alínea "c" do Estatuto da Advocacia, é garantido ao advogado ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova, ou informação útil ao exercício da atividade profissional. Se há funcionários trabalhando, necessariamente o advogado tem que ser atendido.
ConJur — Temos um CPC que fala de uma margem de 10% a 20% do valor da condenação como honorário para advogado, mas esse limite não é respeitado. Em que uma nova proposta para o CPC pode resolver esse problema?Marcelo Knopfelmacher — Está-se querendo consagrar o desrespeito. As pessoas têm muito preconceito em relação a essa questão de honorários. Os honorários representam a remuneração do profissional. Se ele contribuiu para o resultado, é justo que o juiz arbitre entre 10% e 20% do valor da condenação. O que se vê, lamentavelmente, é que em causas de altíssima complexidade, em que o profissional teve de levar o caso até as mais altas instâncias, os honorários são fixados em valores irrisórios. Uma causa de R$ 10 milhões, ou de R$ 5 milhões pode ensejar honorários de R$ 2 mil. É uma questão de proporcionalidade. Estamos atuando no Congresso Nacional para fazer valer a aplicação da verba honorária mínima. Isso é uma questão de dignidade.
ConJur — Mesmo em questões tributárias em que a Fazenda Pública sofreria um impacto bilionário?Marcelo Knopfelmacher — Os casos que geram impacto bilionário normalmente são causas cujo valor da causa é baixo. Mil reais. Dois mil reais. Tem que ter uma regra geral, e ela deve ser cumprida. Se tiver uma exceção, vamos tratá-la como tal.
ConJur — Nos últimos anos, houve um boom nos cursos superiores, especialmente nos de Direito. Isso refletiu na qualidade da formação?Marcelo Knopfelmacher — Essa questão nos remete, necessariamente, à questão do exame de Ordem. A advocacia é uma das carreiras que ainda tem esse exame, e ainda bem que o tem, porque funciona como um filtro. Em todas as demais carreiras jurídicas é necessário fazer um exame, um concurso público rigoroso com tantas provas, com tantos certames, com tantas exigências, e para advogar se discute tanto sobre a necessidade do exame de Ordem. A advocacia é uma carreira jurídica tão importante quanto às demais. Quem defende o fim do exame de Ordem deveria defender também o fim dos concursos públicos.
ConJur — O exame de Ordem é equivalente a um concurso público?Marcelo Knopfelmacher — Ele faz as vezes. Talvez não seja tão rigoroso quanto um concurso público, mas deveria ser o mais rigoroso possível dentro de uma intenção de trazer as pessoas para a profissão, e não de afastar. Temos que trazer as pessoas que têm preparo.
ConJur — A proposta do novo CPC diminui a possibilidade de recursos. O advogado e o excesso de recursos são realmente os culpados pela morosidade?Marcelo Knopfelmacher — Não há multiplicidade de recursos. Pode haver um mau uso, e existe uma carência tanto de recursos como de infraestrutura como de pessoal no Poder Judiciário. “Justiça tardia não é Justiça, senão injustiça qualificada”, já dizia Rui Barbosa. Justiça rápida demais é irresponsabilidade. Tem que ter um meio termo. Se realmente configurada a prática de reiteração desnecessária, isso pode ser combatido com imposição de multas e sanções processuais. Muitas vezes, o Judiciário, amparado em uma interpretação de que tal matéria já foi objeto de Recurso Repetitivo ou de alguma decisão final das cortes superiores, acaba em uma interpretação equivocada decidindo outros casos sob o manto daquilo que já está decidido, quando na verdade é uma causa nova.
ConJur — Os institutos da Repercussão Geral e dos Recursos Repetitivos são bem aplicados pelos tribunais?Marcelo Knopfelmacher — Há casos em que acontece má aplicação, e há casos em que realmente é necessário ter a aplicação desses filtros, porque o volume é muito grande. Mas os erros são muito difíceis de serem reparados. Tudo cai sob o manto do assunto, quando o mesmo assunto pode ser encaminhado por diversos pontos de vista.
ConJur — Acabaram-se as grandes teses tributárias?Marcelo Knopfelmacher — Tese é uma discussão, debate, e debate nunca vai acabar. Mas as teses massificadas praticamente acabaram. Hoje prevalecem as questões pontuais.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Mandado de Segurança suspendeu inquérito que investigava advogados no MT por cobrança excessiva de honorários

Uma liminar da Justiça suspendeu, nesta semana, Inquérito Civil Público que investigava sete advogados da cidade de Sinop, a 505 quilômetros de Cuiabá. O Ministério Público Federal apurava a cobrança abusiva de honorários advocatícios em causas previdenciárias na Justiça Federal. De acordo com o juiz federal substituto da 1ª Vara de Sinop, Murilo Mendes, a prerrogativa de controlar o pagamento dos advogados não é do MPF, mas da própria categoria.
O Mandado de Segurança contra o ato do procurador da República de Sinop, Adriano Barros Fernandes, foi de autoria da seccional mato-grossensse da Ordem dos Advogados do Brasil. A entidade questionava os argumentos para transformar o processo administrativo de investigação em Inquérito Civil Público, por meio da Portaria 35. O Ministério Público Federal também emitiu comunicado em março que recomendava o limite de 30% — somados os valores contratuais e de sucumbência — para os honorários nas disputas judiciais que envolvam a Previdência.
O presidente da OAB-MT, Maurício Aude, disse que é dever da entidade assegurar os direitos da advocacia, se respeitado o Código de Ética. Para ele, a contratação de honorários dos advogados é livre e não há ordenamento jurídico que regule o assunto. “Os contratos objetos do Inquérito são todos quotalícios, cada qual fixando no percentual apto a atender os custos e as peculiaridades da demanda, pois como podemos observar, os contratantes não dispõem de recursos financeiros para custear as despesas das ações a fim de assegurar os seus direitos negligenciados pelo Estado, sendo o advogado obrigado a custear essas despesas”, disse.
Suspensão de inquéritoAutor da decisão, o juiz Murilo Mendes afastou a alegação de impertinência do MPF para a investigação, mas questionou a legitimidade do Ministério Público para sugerir restrições aos honorários. “Com todo o respeito aos bons propósitos que inspiram a ação ministerial, a recomendação feita não passa de simples recomendação, sem eficácia alguma do ponto de vista jurídico”, pondera.
O juiz lembrou que o artigo 6º do Estatuto da OAB determina não haver hierarquia entre magistrados, advogados e os membros do Ministério Público. O controle dos profissionais, adverte Murilo Mendes, deve respeitar a conduta autônoma da própria categoria. Para ele, o MPF não conseguiu mostrar quais direitos coletivos pretendia defender com a instauração do procedimento.
"Além de pretender usurpar função legislativa, o critério apontado não se sustenta sequer do ponto de vista lógico. Para que o estatuto constitucional de cada qual seja respeitado, o melhor é que, detectando o juiz, em cada caso concreto, situação de abuso, comunique à Ordem e ao Ministério Público, para que cada qual exerça a sua função institucional, um apurando eventual infração ética, e outro eventual infração criminal." Baseado em jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região sobre o assunto, o juiz deu razão ao apelo da seccional mato-grossense da OAB.
Entendimento do CNJO Conselho Nacional de Justiça, também nesta semana, reafirmou que é competência exclusiva da OAB fiscalizar o exercício irregular da profissão. A decisão foi proferida após o julgamento de um recurso administrativo sobre a atuação profissional de advogado por um desembargador aposentado no Mato Grosso do Sul.
O presidente nacional da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, participou dessa sessão do CNJ. Ele elogiou a decisão tomada pelo Conselho, que recomendeu aos juízes alertar a Ordem sobre suspeitas de irregularidades. "Foi vitorioso o entendimento segundo o qual a conduta ética do advogado deve ser analisada pelo órgão de classe e que o CNJ não possui competência para tal análise”, declarou Coêlho. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB-MT, do MPF-MT e do CNJ.

Banco do Brasil aceitará procuração simples para levantar alvarás

A partir do dia 2 de maio, o Banco do Brasil aceitará procurações simples dos advogados para o levantamento de depósitos judiciais, precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) em nome de seus clientes. Na última quinta-feira (18/4), a Caixa também anunciou que aceitará a procuração simples.
A informação foi repassada nesta segunda-feira (22/4) ao presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado, e pelo presidente da seccional da OAB do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que recebeu ofício da diretoria do BB sobre os novos procedimentos. “É uma conquista muito grande, principalmente para os advogados militantes de todo o país”, disse Marcus Vinicius.
A orientação do Banco do Brasil às agências atende pedido formulado pela OAB Nacional após reclamação de um grande número de advogados que encontram dificuldades para o recebimento de alvarás liberatórios de recursos na Justiça em nome de seus clientes.
Algumas unidades do BB vinham exigindo procurações recentes, com assinatura com firma reconhecida em cartório, e até mesmo comprovante de residência do advogado. “Tais exigências são descabidas e despropositadas, ferem a relação de confiabilidade que existe entre o advogado e seu cliente, além de trazer muitos transtornos no dia-a-dia dos advogados”, ressaltou o presidente nacional da OAB.
A partir do próximo dia 2 de abril, bastará que o advogado apresente a procuração nos autos e certidão emitida pelo cartório da Vara responsável pelo respectivo processo judicial, atestando a habilitação do profissional para representar seu cliente, para que seja liberado o levantamento de depósitos judiciais, precatórios e RPVs.
“Esse é o papel efetivo da OAB, na busca de um advogado respeitado e valorizado, trazendo a confiabilidade no processo como um princípio que rege a atividade profissional”, comemorou Ibaneis Rocha. Com informações da Assessoria de Imprensa do Conselho Federal da OAB.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

STF aceita "dolo eventual" por morte no trânsito

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal negou Habeas Corpus pedido de um frentista que pretendia a nulidade de sua condenação de seis anos de prisão em regime semiaberto pelo atropelamento e morte de uma idosa em 2009. De acordo com o relator do HC, ministro Ricardo Lewandowski, as circunstâncias do crime não são favoráveis e não contribuem para a tese da defesa. Ele concordou com a interpretação de que, ao dirigir embriagado, o motorista assumiu o risco de matar, o que configura o chamado "dolo eventual".
O frentista estava em alta velocidade e havia ingerido bebida alcoólica, pelo que foi condenado por homicídio doloso.
No HC, a defesa do frentista buscava a desclassificação da conduta de homicídio doloso para homicídio culposo na direção de veículo automotor, delito previsto no artigo 302 do Código Brasileiro de Trânsito; a anulação da ação penal que resultou na sua condenação, desde o oferecimento da denúncia; o encaminhamento dos autos para a Vara dos delitos de Trânsito de Taguatinga, e a consequente expedição de alvará de soltura em seu favor. A defesa alegou que o frentista “não agiu com dolo de matar nem mesmo fez uso da bebida alcoólica para encorajar-se a cometer o delito pelo qual foi condenado.”
Ainda de acordo com o ministro Lewandowski, prevalece a soberania das decisões do Tribunal do Júri. “O juízo competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, que é o Tribunal do Júri, analisando o conjunto probatório da causa e o elemento volitivo da conduta do agente, entendeu que o paciente, ao conduzir o veículo em velocidade excessiva e ainda sob efeito do álcool, assumiu o risco da ocorrência do resultado, e concluiu assim pela sua condenação. E essa conclusão não se mostrou divorciada da prova dos autos, tendo sido mantida no julgamento da Apelação”, concluiu. A decisão da foi unânime. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
HC 115.352

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Supremo (con)fundiu gestão temerária e fraudulenta?

Por Alana Abílio Diniz Vila-Nova

O presente artigo tem como propósito analisar algumas das repercussões jurídicas do julgamento da Ação Penal 470, especificamente no que diz respeito ao enquadramento legal do delito de gestão fraudulenta e sua distinção em relação ao delito de gestão temerária
Para alcançar esse objetivo final, num primeiro momento, far-se-ão algumas considerações sobre a relevância histórica, política e jurídica do caso. É importante elencar algumas premissas metodológicas da análise, observado o fato de que, embora o acórdão ainda não tenha sido publicado, a cobertura jornalística realizada durante todo o processo permite a identificação de algumas das controvérsias penais no julgamento.
Ação Penal 470: um divisor de águas.No dia 2 de agosto de 2012, o Supremo Tribunal Federal, deu início ao mais extenso – e mais midiático – julgamento ocorrido desde a promulgação da Constituição de 1988: a Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão (cuja repercussão internacional levou a revista The Economist, a denominá-lo pela expressão big monthly stipend).
Do ponto de vista histórico, o julgamento do mensalão foi um verdadeiro marco, afinal, pela primeira vez uma persecução penal foi iniciada, instaurada, processada e julgada integralmente perante o Supremo Tribunal Federal. Ademais, jamais a Corte havia recebido uma denúncia com um número tão expressivo de acusados.
Do ponto de vista político, não foi diferente. Afinal, o número expressivo de denunciados não era composto por “pessoas comuns”. Figuravam entre os réus: José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e outros integrantes do Partido dos Trabalhadores (PT), partido do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva[1], além de outros acusados que compunham a cúpula do Poder Executivo Federal e vários detentores de mandatos parlamentares no Congresso Nacional. Além disso, há pelo menos dois aspectos políticos internos interessantes: i) a maioria da composição da Corte, ou melhor, seis ministros – das 11 vagas –, foi alterada durante o processamento e julgamento do caso (cinco aposentadorias: Sepúlveda Pertence, Eros Grau, Ellen Grace, Cezar Peluso e Ayres Britto e a lamentável morte de Menezes Direito); e ii) houve alteração na Presidência da Corte durante as sessões de julgamento ocorridas no segundo semestre de 2012 (transição da gestão de Ayres Britto para a atual de Joaquim Barbosa).
Do ponto de vista jurídico – e aqui está o cerne deste artigo –, pode-se dizer que o julgamento da Ação Penal 470 afigura-se como um precedente paradigmático para o enfrentamento de casos penais. Embora se trate de caso de típico exercício de controle difuso, a complexidade desse julgamento ancora-se não só no fato de que as condutas imputadas aos agentes envolviam elevadosníveis políticos e econômicos de organização, mas, também, no aspecto de que havia um número extenso de tipos penais em discussão e de bens jurídicos penais tutelados. O caso torna-se, por isso mesmo,um divisor de águas para sentenças e acórdãos penais proferidos pelos diversos juízos e tribunais do país.
Dentre as inúmeras questões jurídicas relevantes[2], este artigo pretende se direcionar para um aspecto bem específico: o estudo da distinção técnico-jurídica entre os delitos de gestão fraudulenta e gestão temerária (respectivamente, os tipos penais previstos pelo art. 4º, caput; e paragrafo único do mesmo art. 4º da Lei 7.492/1986).
Para alcançar tal finalidade, deve-se ressalvar que, até o presente momento, não foi disponibilizado o acórdão da Ação Penal 470, e, como destacado pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, durante o julgamento, apenas os votos do relator e do revisor foram lidos e “os demais votos foram simplesmente comentados, sintetizados ou resumidos, tanto que os Ministros Vogais expressamente afirmaram, a cada manifestação, que traziam alentado ou substancioso voto, que passavam às mãos do presidente para posterior publicação”[3]. Apesar disso, a cobertura durante todo o julgamento permite a identificação de uma relevante controvérsia penal: afinal, teria o Supremo Tribunal Federal realizadodistinção adequada entre as condutas de gestão fraudulenta e gestão temerária ao condenar os dirigentes do Banco Rural?
Gestão Fraudulenta versus Gestão temerária: houve distinção adequada?
A Lei 7.492/1986, que trata sobre os crimes contra o sistema financeiro, é diploma legal extremamente criticado pela doutrina especializada. Para o advogado Manoel Pedro Pimentel, a norma está no grupo de “leis imperfeitamente redigidas e defeituosamente concebidas[4]. Segundo o advogado, a mencionada lei utilizou-se de combinação dos mais desfavoráveis métodos para o enquadramento legal de seuscrimes: i) tipos penais abertos (art. 4º, caput e parágrafo único); ii) tipos de mera conduta e perigo abstrato (art. 17, caput); iii) normas penais em branco (art. 22, caput) e, por fim;iv) responsabilização objetiva (art. 25, caput).[5]
Obviamente, não se pretende aqui fazer uma crítica, em tese, à Lei 7.492/1986. O que se pretende, em verdade, é verificar como o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, interpretou a referida lei e quais os elementos levaram o tribunal a condenar os dirigentes do Banco Rural, no caso concreto, pelo crime de gestão fraudulenta – e não pelo crime de gestão temerária.
Elias de Oliveira, um dos primeiros criminalistas a analisar a distinção entre as condutas de gestão fraudulenta e gestão temerária, sustenta que: “por gestão fraudulenta deve entender-se todo ato de direção, administração ou gerência, voluntariamente consciente, que traduza manobras ilícitas, com emprego de fraudes, ardis e enganos. Ao passo que gestão temerária significa a que é feita sem a prudência ordinária ou com demasiada confiança no sucesso que a previsibilidade normal tem como improvável, assumindo riscos audaciosos em transações perigosas ou inescrupulosamente arriscando o dinheiro alheio.[6]
No mesmo sentido, preceitua o professor Cezar Roberto Bitencourt sobre a gestão fraudulenta: “gerir fraudulentamente, isto é, alterando a verdade ou a natureza de fatos, documentos, operações ou quaisquer ações diretivas, sempre tem a finalidade de enganar alguém, induzindo-o ou mantendo-o em erros.”[7] Em complementação, o professor Luiz Régis Prado aduz que, para haver caracterização do crime de gestão fraudulenta, a instituição acusada deve “enganar investidores”[8].Nota-se, portanto, que há uma preocupação doutrinária em distinguir, do ponto de vista do elemento subjetivo (dolo), a conduta mais grave (gestão fraudulenta) da conduta menos grave (gestão temerária). Tal diferenciação é, inclusive, perceptível pelas diferentes penas cominadas a tais delitos, respectivamente: de três a 12 anos de reclusão e multa; e de dois a oito anos de reclusão e multa.
Além dessas considerações doutrinárias, é certo que a jurisprudência pátria não desconhece a diferença entre tais tipos penais. Sobre a gestão temerária, opróprio Superior Tribunal de Justiça, órgão do Poder Judiciário que tem como função primordial zelar pela uniformidade das interpretações da legislação federal brasileira, possui inúmeros julgados que reconhecem a autonomia normativa do delito de gestão temerária. A título meramente ilustrativo, veja-se o seguinte precedente unânime da 5ª Turma do STJ:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. GESTÃO TEMERÁRIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO CONFIGURADA. ORDEM DENEGADA.
1. A descrição de condutas que excedem o limite inerente aos riscos da atividade negocial na denúncia – como a concessão de empréstimos sem constituição das garantias consideradas suficientes pela praxe do mercado e em favor de sociedades empresárias reconhecidamente impontuais no cumprimento de suas obrigações, não obstante reiterada advertência do Banco Central do Brasil – são suficientes para, em tese, configurar o crime de gestão temerária de instituição financeira, não havendo como afastar a responsabilidade penal sem a realização da instrução criminal.
2. A verificação da existência de culpa stricto sensu ou dolo revela-se incompatível com a via estreita do habeas corpus.
3. Satisfazendo a peça acusatória os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, a elucidação dos fatos nela narrados depende da regular instrução criminal, pois o trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus, somente é possível quando verificada, de plano, atipicidade da conduta, extinção da punibilidade ou ausência de mínimos indícios de autoria e prova da materialidade.
4. Ordem denegada. (STJ, HC 56800/PE, 5ª Turma, Votação Unânime, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 16/10/2006).
Voltando ao caso da Ação Penal 470, é necessário destacar quais foram as condutas objetivamente imputadas aos réus pela acusação. Narra a denúncia “em relação ao Banco Rural, a análise de todo o acervo documental acima demonstrou as seguintes situações, caracterizadoras da má gestão dessa instituição: renovações sucessivas das operações, visando a impedir que apresentem atrasos, ocultando o real risco dos créditos concedidos; aumento do limite de contas garantidas, com renovações a cada 90 dias, e o aumento dos limites existentes ou concessões de novas operações de crédito na mesma modalidade; liquidação de operações de crédito com outras em modalidades diferentes da primeira, onde a instituição, por exemplo, concedia um mútuo de capital de giro para liquidar operações de crédito rotativo ou outros empréstimos em atraso; concessões de crédito temerárias; geração de resultados fictícios com operações de crédito; operações autorizadas pelo Comitê de Crédito apesar de parecer contrário do analista de crédito; indícios de desvio de recursos do Banco para empresas pertencentes ou ligadas ao Controlador do Conglomerado Financeiro Rural; transferência de ativos para fundo de direitos creditórios administrado pelo Banco Rural; exigência de reciprocidade para as concessões de crédito; empréstimos a empresas nacionais cujo controle acionário é de empresas localizadas em paraísos fiscais, com possibilidade de possuírem relacionamento entre si e entre o Controlador do Banco Rural; e; indícios de utilização de Cédulas de Produtor Rural – CPRs para desviar recursos para empresas não financeiras”. A acusação conclui, por fim, que “procedendo de modo livre e consciente, na forma do art. 29 do Código Penal, JOSÉ ROBERTO SALGADO, AYANNA TENÓRIO, VINÍCIUS SAMARANE e KÁTIA RABELLO estão incursos nas penas do artigo 4º da Lei n.º 7.492/1986.[9]
Verifica-se, que o Ministério Público Federal, em sua narrativa, ora sustenta a hipotética ocorrência de irregularidades administrativas – que configurariam inclusiveilícito administrativo –, ora afirma a existência de dados incompatíveis com uma gestão responsável – que caracterizariam, segundo a doutrina e a jurisprudência do STJ, o crime de gestão temerária. Aliás, o MPF faz menção expressa ao elemento do tipo do crime de gestão temerária ao afirmar que o Banco Rural realizou “concessões de crédito temerárias”, mas, acaba por imputar aos réus – coletivamente e sem a identificação precisa do papel de cada um dos denunciados – o crime de gestão fraudulentae as “penas do artigo 4º da Lei n.º 7.492/1986”, sem realizar qualquer distinção entre os tipos penais.
Diante da manifesta ausência desses detalhamentos na imputação, não parece lógica, nem tampouco premissa automática, a conclusão de que tais condutasjustificariam, por si sós, a condenação pelo crime de gestão fraudulenta (e não pelo crime de gestão temerária). A propósito, o art. 383 do Código de Processo Penal prevê o instituto da emendatio libelli, que é aplicável quando o juízo competente verifica que a definição jurídica dada ao fato na denúncia está equivocada, fazendo a correção em sua sentença, julgando o réu conforme o adequado enquadramento jurídico-penal.
Portanto, diante da imperfeição da peça acusatória, caberia ao Supremo Tribunal Federal diferençar o enquadramento do art. 4º, caput (gestão fraudulenta),em relação ao tipo do parágrafo único (gestão temerária). Em razão da pendência da divulgação dos votos dos ministros, aparentemente, a contradição e confusão conceitual quanto à distinção dos tipos penais envolvidos em relação a essa acusação específica, senão vejamos:
“Em flagrante descumprimento desses preceitos normativos, os então principais dirigentes do Banco Rural procederam a rolagem de dívidas com incorporação de encargos. Realizavam estornos relativos a encargos financeiros devidos em virtude de atrasos e mantiveram a mesma classificação de risco”, disse Joaquim Barbosa.[10]
O ministro Gilmar Mendes retomou aspectos abordados por outros ministros que o antecederam. O ministro citou como evidência dos crimes atribuídos aos réus o fato de as “concessões temerárias de crédito” terem ocorrido a partir de cadastros incompletos dos contraentes e por meio de “manobras contábeis e escriturais”, que maquiavam a não amortização dos empréstimos.[11]
“O Banco Rural não cumpriu as prescrições do Banco Central, e isso está estampado no processo. O empréstimo ao PT ocorreu sem que houvesse sequer cadastro no estabelecimento bancário”, disse Marco Aurélio.[12]
Dada a incorreta classificação dos riscos das operações, os dirigentes acobertaram voluntariamente a fraude por trás dos empréstimos. “Nem gestão temerária, nem gestão fraudulenta, mas tenebrosa, pelos riscos que acarreta para a economia popular”, disse Luiz Fux.[13]
Nota-se, a partir dessa cobertura jornalística, que há indícios de que os ministros do Supremo Tribunal Federal, a todo o momento, fundiram conceitos típicos dos dois crimes distintos, sem, contudo, distingui-los devidamente. Tal fato nos leva a pensar, salvo a apresentação de adequada fundamentação pelo acórdão pendente de publicação, que ao julgar a Ação Penal 470, os Ministros desconsideram a complexidade decorrente da abertura descritiva dos tipos previstos na Lei 7.492/1986: “gerir fraudulentamente instituição financeira” (art. 4º, caput); e “se a gestão é temerária” (parágrafo único).
Além dessa questão, há outro elemento bastante relevante ressaltado pelo ministro Marco Aurélio – em seu voto já disponível – com relação à necessidade constitucional da individualização da responsabilidade penal. Acerca desse ponto, o ministro ponderou quanto ao artigo 25, caput, da Lei 7.492/1986, ao votar pela absolvição do réu Vinicius Saramane, que:
“Descabe generalizar, descabe partir para uma nova doutrina, que seria a admissão do crime por presunção. Subscreveu os relatórios, ocupou o cargo – em um primeiro passo, nomeado, depois, eleito estatutariamente – de diretor interno e, por isso, apenas por isso, é responsável pela gestão fraudulenta.”[14]
Ou seja, não é possível deduzir, automaticamente, que a simples condição de controlador, administrador, diretor ou gerente de instituição financeira enseje hipótese de responsabilização penal objetiva. Assim como o dever de descrição objetiva e adequada do tipo penal aplicável às condutas imputadas, é ônus da acusação a comprovação individualizada da responsabilidade penal dos acusados.
Uma vez que persiste a indefinição quanto à distinção entre as figuras jurídicas da gestão fraudulenta e da gestão temerária, surge fundada preocupação em que os demais tribunais e juízos penais do Brasil efetuem generalização e confusão entre condutas normativas distintas. Além do risco de insegurança jurídica, surge, também, a possibilidade concreta de que casos típicos de gestão temerária sejam punidos, indevidamente, como gestão fraudulenta. Tudo indica que, de fato, a Ação Penal 470 é um divisor de águas. Em matéria da distinção penal tratada por este artigo, contudo, essas águas continuam procelosas.


[1]A denúncia foi apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) no dia 30 de março de 2006: http://www.conjur.com.br/2006-abr-11/ministerio_publico_denuncia_40_causa_mensalao
[2]Como ressaltado pelo advogado Rodrigo Lago, em seu artigo intitulado “O mensalão e a Prerrogativa de Foro por Conexão”, a verdade é que “após este julgamento, várias questões ainda suscitam controvérsias, tanto em matéria penal, como também em matéria constitucional, incentivando os debates” (disponível em http://www.osconstitucionalistas.com.br/o-mensalao-e-a-prerrogativa-de-foro-por-conexao)
[4]PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes contra o sistema financeiro nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 11.
[5]PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes contra o sistema financeiro nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 10 -24.
[6]OLIVEIRA, de Elias. Crimes contra a economia popular, Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1952, p. 154.
[7]BITENCOURT, Cezar Roberto. BREDA, Juliano. Crimes contra o sistema financeiro nacional e contra o mercado de capitais. Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2010, p. 40.
[8]PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico. 5ª Edição. São Paulo: Editora RT, 2012, p. 228.