sábado, 18 de julho de 2020

Secap simplifica autorização das promoções comerciais




O Ministério da Economia está empenhado em simplificar, unificar e desburocratizar o processo de autorização de promoções comerciais, como sorteios, vale-brindes e concursos.

O compromisso se insere no contexto em que as autorizações exigidas legalmente para esse tipo de atividade passaram a ser concentrada pelo Ministério da Economia em função da Lei 13.756 de 12 de dezembro de 2018, conhecida como a nova Lei de Loterias.
Anteriormente, essas autorizações também eram concedidas pela Caixa Econômica Federal. Atualmente, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) mantém competência para a emissão deste tipo de autorização, de modo complementar.
O conceito de promoção comercial – também conhecido como distribuição gratuita de prêmios – se refere a uma estratégia de marketing que visa alavancar a venda de produtos, serviços, promoção de marcas ou imagens.
“A nossa expectativa é que possamos colher ideias que contribuam para que possamos caminhar para uma lei de promoção comercial efetivamente mais simples e menos burocrática”, enfatizou o secretário.
Segurança jurídica
Para o subsecretário de Loterias da Secap é fundamental garantir segurança jurídica para o setor: “Precisamos estar muito próximos: regulador, operadores e consumidores para que possamos garantir a segurança jurídica necessária, uma vez que estamos trabalhando para unificar a legislação”, destacou.
“Nosso intuito é sempre proteger o consumidor e permitir que o mercado possa exercer sua atividade de forma plena. A ideia desse novo governo é desburocratizar, oferecer liberdade econômica. Queremos que o setor tenha liberdade para trabalhar, exercendo a promoção comercial de forma segura e sem ferir a legislação”.
O subsecretário ressaltou, ainda, a importância do debate entre governo e mercado para que se possa chegar a alternativas que assegurem um controle mínimo necessário ao Estado e, ao mesmo tempo, ofereça uma autorização rápida e eficiente.
Números
De janeiro a junho de deste ano, o Ministério da Economia concedeu 2.671 autorizações de iniciativas de promoção comercial. O tempo médio interno para esse processo é de seis dias. O objetivo da Secap é que com iniciativas de simplificação e desburocratização esse procedimento possa se tornar ainda mais eficiente. (Imprensa Ministério da Economia)

quarta-feira, 15 de julho de 2020

PANDEMIA COVID 19 - PARA GARANTIR E PROTEGER A SAÚDE DOS ELEITORES TSE DEVERÁ VETAR USO DA BIOMETRIA NAS ELEIÇÕES DE 2020

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seguirá recomendação apresentada na noite desta terça-feira (14/7) pelos infectologistas que prestam consultoria sanitária para as eleições municipais, e vai excluir a necessidade de identificação biométrica no dia da votação.
A decisão foi tomada pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, após ouvir os médicos David Uip, do Hospital Sírio Libanês, Marília Santini, da Fundação Fiocruz, e Luís Fernando Aranha Camargo, do Hospital Albert Einstein, que integram o grupo que presta a consultoria.
Técnicos do tribunal também participaram da primeira reunião da consultoria sanitária, que é prestada de forma gratuita e pretende estabelecer um protocolo de segurança, que deverá ser replicado em todas as seções eleitorais do Brasil.
Para decidir excluir a biometria, médicos e técnicos consideraram dois fatores: a identificação pela digital pode aumentar as possibilidades de infecção, já que o leitor não pode ser higienizado com frequência; e aumenta as aglomerações, uma vez que a votação com biometria é mais demorada do que a votação com assinatura no caderno de votações. Muitos eleitores têm dificuldade com a leitura das digitais, o que aumenta o risco de formar filas.
A questão deverá ser incluída nas resoluções das Eleições 2020 e levada a referendo do plenário do TSE após o recesso do Judiciário.
Ficou definido também na reunião que a cartilha de recomendação sanitária para o dia da eleição levará em conta cuidados para: eleitores (com regras diferenciadas para os que têm necessidades especiais); mesários; fiscais de partido; higienização do espaço físico das seções; policiais militares e agentes de segurança; movimentação interna de servidores e colaboradores no TSE e Tribunais Regionais Eleitorais (TREs); populações indígenas/locais de difícil acesso; e população carcerária.
O grupo deve se reunir semanalmente para definir as regras e a cartilha de cuidados.
Durante a reunião, os três médicos afirmaram ter a avaliação de que, em novembro - quando ocorrerá a eleição - a situação da pandemia estará em condição bastante inferior à registrada atualmente.
O objetivo do grupo será “proporcionar o mais alto grau de segurança possível para os eleitores, mesários e demais colaboradores da Justiça Eleitoral” por conta da pandemia da Covid-19.
O trabalho consistirá na avaliação de todos os riscos à saúde pública durante a votação, além do desenvolvimento e divulgação dos procedimentos e protocolos sanitários e ambientais a serem adotados.
O adiamento das eleições de outubro para novembro, aprovado pelo Congresso, foi defendido pelo TSE para atender as recomendações médicas e sanitárias de que postergar o pleito por algumas semanas seria mais seguro para eleitores e mesários. Conforme a emenda constitucional, o primeiro turno será no dia 15 de novembro, e o segundo turno no dia 29 de novembro. Com informações da assessoria de imprensa do TSE.

terça-feira, 19 de maio de 2020

GUARDA DOS FILHOS EM TEMPOS DE PANDEMIA

A situação da guarda dos filhos em tempos de pandemia da Covid-19


A pandemia da Covid-19 alcançou o Brasil, aproximadamente, em 13 de março deste ano, surpreendendo a todos com a notícia do seu alto contágio, da sua letalidade, da ausência de remédio para combatê-lo e da inexistência de vacina.
Por tais razões, as autoridades sanitárias recomendaram o confinamento social, desaconselhando o trânsito de pessoas e o contato com quem tivesse efetuado, qualquer viagem, pelo período mínimo de 14 dias (quarentena).
Ante esse fenômeno, presenciamos mães (em sua grande maioria) entendendo que as crianças, mesmo as que se encontravam sob o regime de guarda compartilhada, não poderiam conviver com seus dois genitores e com suas famílias extensas, sob o argumento de que a alternância de locais as deixariam mais expostas ao contágio.
Por serem, muitas vezes, decisões unilaterais, os pais passaram a buscar o Poder Judiciário para garantir seu direito de convivência com os filhos, resguardadas as orientações da saúde pública.
Nos primeiros dias, notaram-se decisões liminares que mantiveram o status quo da criança, fazendo com que ela permanecesse, por tempo indeterminado, com quem ela estivesse no momento em que a pandemia se instalou.
Um outro argumento utilizado, na ocasião, foi a necessidade de preservação dos avós, já que se alertava para o fato de as crianças poderem ser hospedeiras do vírus, de maneira assintomática, colocando em risco a população idosa, que se apresenta como mais vulnerável à gravidade da doença.
No entanto, com o passar dos dias, reconheceu-se que a permanência indiscriminada das crianças com apenas um guardião, por longo tempo, não se afinava com o princípio da proteção integral devida à população infanto-juvenil e que o trabalho a ser feito era o de análise particular de cada caso, com o objetivo de se apurar as melhores condições de proteção e cuidado dos filhos em cada família.
Os juízes passaram, então, a apreciar cada pedido de convívio sob a ótica do modelo legal vigente, que é o compartilhamento do tempo dos filhos com seus dois genitores e, não havendo diferenciação das condições entre pais e mães, tais como a ausência de comorbidades, a custódia física de ambos restou garantida, sempre com a adoção dos cuidados de higiene e de prevenção recomendados pela OMS e as autoridades nacionais.
Percebeu-se, também, que não se podia generalizar a situação dos avós, porque ser avô não é sinônimo de ser idoso, ante à existência de um grande contingente de jovens avós. Esse mais um fator a ser verificado caso a caso.
Olhando as inúmeras ações que têm chegado à Justiça, era de se estimar que, dada à excepcionalidade da situação atualmente vivida, os pais e mães buscassem um consenso, evitando-se a judicialização, em ocasião de notória transitoriedade, já que uma nova demanda gera ônus para as partes, ônus para o Poder Judiciário e elevado desgaste para os filhos. Porém, não tem sido essa a prática observada, até o momento, restando ao Poder Judiciário a tarefa de analisar as várias circunstâncias que envolvem as questões familiares postas à sua apreciação.
Os riscos da guarda unilateral durante o confinamento
O compartilhamento equilibrado do tempo do filho com seus dois genitores é o modelo legal a ser garantido, então, para que ele ocorra de forma segura, alguns critérios devem ser observados, tais como:
1) Evitar-se o translado das crianças e adolescentes em espaços muito curtos de tempo, ou seja, priorizar uma convivência mais concentrada, sem alternância breves e frequentes;
2) Verificação da situação de saúde dos genitores e, destacadamente, da criança;
3) Verificação de situações especiais de risco (genitores ou familiares que estejam em trabalho essencial; que se desloquem com frequência por viagens de trabalho ou por outros motivos; que residam em condições de menor salubridade, como por exemplo comunidade de alto índice populacional e pouco espaço físico); que sejam idosos, etc.
4) Se o genitor cuida sozinho da criança ou se recebe apoio de terceiros (parentes ou funcionários);
5) Se o translado da criança é feito por transporte público ou particular, entre outros.
Sobre os critérios é importante destacar que a permanência da criança somente com um genitor e aqui, diremos a mãe, já que o número de mães que têm permanecido com os filhos é bem superior, pode trazer consequências danosas para a segurança e o desenvolvimento dos filhos, assim como perpetuar uma desigualdade entre homens e mulheres. Isso porque:
1) Provoca sobrecarga à mãe, fazendo com que o confinamento se restrinja ao cuidado e atenção ao filho, sem descanso, sem espaço pessoal e de privacidade;
2) As incertezas sociais e econômicas geram ansiedade e tensões nos adultos, propiciando a reprovável aplicação de castigos físicos às crianças que igualmente se encontram confinadas e irrequietas;
3) O tempo indefinido de afastamento do outro responsável provoca sofrimento e angústia nos filhos, principalmente para as crianças pequenas que não entendem as razões do "desaparecimento" do pai, associando o seu sumiço à sua morte;
4) A angústia experimentada pelas crianças e seu elevado estado de ansiedade podem avançar para um estágio de depressão, como também provocar redução imunológica em tempos de pandemia;
5) Privação de alimento, decorrente de diminuição ou interrupção do pagamento de pensão alimentícia, restando prejudicado, também, o tempo em que a criança se alimentaria no lar paterno, durante o convívio. Agravamento aqui pelas dificuldades econômicas que a mãe, igualmente, pode estar atravessando, como por exemplo em decorrência de desemprego.
6) Diminuição ou perda do vínculo paterno-filial de afeto, com a impossibilidade do contato físico e acompanhamento/participação da rotina da criança.
7) Perda do direito da criança de possuir dupla referência e acolhimento de suas duas famílias.
8) Exposição à violência doméstica por desentendimento entre genitor(a) e padrasto/madrasta, outros irmãos, uso de álcool e drogas pelos adultos, em razão do confinamento;
9) Risco de as crianças permanecerem sozinhas ou nas ruas, já que não há escola, quando seu guardião exclusivo tem de sair para trabalhar, ainda que na informalidade.
Tendo em mente que os itens acima são meros exemplos, uma vez que muitas outras consequências poderão ser enfrentadas e que, também, durante a pandemia, a guarda compartilhada deve ser implementada pelo princípio da corresponsabilidade existente entre pais e mães e para se garantir o desenvolvimento integral dos filhos.
Pandemia e alienação parental
Com a vigência da Lei nº 13.058/2014 estabeleceu-se no país o reconhecimento expresso da igualdade parental entre os genitores, o que significa que, estando ambos aptos ao exercício do poder parental, não há razão para se priorizar um guardião em detrimento do outro, no que se refere à convivência parental.
Aliás, o artigo 1583, §2º, do Código Civil determina que, na hipótese de dissenso entre os pais, o Poder Judiciário deverá ser chamado à tarefa de harmonização do convívio, promovendo uma divisão equilibrada do tempo dos filhos com os dois guardiões [1].
Isso porque a aptidão para o poder familiar é presumida pela lei. Trata-se de presunção juris tantum e, por isso, para o seu afastamento, torna-se necessária a apresentação de indícios ou provas da possível inaptidão.
Inexistindo na petição inicial qualquer alegação de risco, o juiz deve, prontamente, disciplinar o compartilhamento de forma equilibrada, não determinando estudos ou outras diligências prévias que somente deverão ser efetivadas ao longo da instrução processual, ou seja, depois que a criança tenha, liminarmente, garantido o seu direito de acolhimento e cuidado de seus dois genitores, afastando-se a hipótese de ausência ou quebra de vínculo com um deles ou a instalação de alienação parental. A determinação de estudo psicológico e social no início do processo é desaconselhada, também, porque desfavorece a possibilidade de um acordo, já que, muitas vezes, o conteúdo dos laudos acirra os ânimos entre os demandantes.
Além disso, a demora judicial traz um custo emocional alto para todos os envolvidos, especialmente, para os vulneráveis. A demora gera nas pessoas elevada angústia, solidão e, principalmente, o sentimento de impotência, podendo levar, até mesmo, a problemas de saúde em decorrência do alto nível de ansiedade e desalento.
A guarda é uma estrutura de poder e o compartilhamento rompe com essa estrutura. Lembro aqui o trágico caso no menino Bernardo que, impossibilitado de convívio com suas duas famílias, restou desprotegido da ânsia de seu guardião exclusivo e de sua família, até a morte aos nove anos de idade.
A alienação parental é um fenômeno psíquico, advindo, muitas vezes, da frustração pelo rompimento da união e pelo processo de luto pós-separação. No período de elevado sofrimento é possível e até comum que a pessoa se afaste de seus projetos existenciais e de suas realizações pessoais, colocando o filho em um lugar delicado e perigoso, o de única gratificação daquele(a) genitor(a). Esvaziado, aquele guardião pratica a alienação parental até mesmo de forma inconsciente e, o que é mais grave, sob um discurso de amor e proteção.
Por isso o tempo é tão importante. A alienação parental necessita de tempo para se instalar e se consolidar.
Além do tempo, um segundo fator se mostra determinante para o incremento e persistência da prática alienadora que diz respeito à rede de apoio ao alienador. Sem a conivência e o suporte de familiares, amigos, vizinhos, professores e de até agentes de saúde e terapeutas, o liame da alienação parental não tem como se sustentar.
Atualmente, a pandemia tem se revelado como um forte elemento que passa a compor o discurso do alienador que quer demonstrar que sua obstrução ao convívio do outro se dá por cuidado para com o filho. O risco de contágio e o desconhecimento de antídoto para o coronavírus têm perpassado nossas análises, reações e decisões, por isso o risco de se tornar um argumento de fácil aceitação e enganosa boa-fé de quem o propaga.
Desse modo, inexistindo situações de desigualdade entre as condições oferecidas pelos dois responsáveis legais ou perigo diferenciado de contágio, por situação peculiar, nenhuma razão persiste para que a criança, durante o tempo de pandemia, fique impedida de conviver com seu pai, com sua mãe e com suas famílias extensas, evitando-se, assim, a possibilidade de violência, retratada pelo abuso emocional que é alienação parental. O Poder Judiciário tem de se afastar dessa armadilha.
Alguns têm afirmado que o tempo exclusivo de um genitor durante o período de isolamento social pode vir a ser compensado, posteriormente, argumento que não se sustenta. Primeiro, porque se estamos falando de situação de alienação parental em que há uma elevada dificuldade de se fazer o compartilhamento existir na prática da vida, imagine se este convívio tiver de ser diferido, em desfavor do alienador, em momento futuro. Segundo, porque o tempo de vida não é compensável, uma vez que, perdido este, não volta e as fases passadas não se repetem.
Conclusão
Imersos numa nova realidade, é dever de todos buscar, o quanto possível, a consensualidade como forma de solução rápida e particular para cada situação familiar apresentada. Com as alterações das condições fáticas, tem de se prestigiar a cláusula geral da boa-fé objetiva, contida no Código Civil, assim como o princípio constitucional da solidariedade social [2], que fundamentam o dever de renegociar [3] para se construir uma solução rápida, segura e justa, sem depender exclusivamente do Poder Judiciário.
Essa responsabilidade geral é destinada a todos os atores jurídicos, porém um relevo é atribuído aos advogados e defensores que, como diz o professor Darlan Barroso, são os "porteiros do Sistema Multiportas". Muitas alternativas podem ser apresentadas às partes que não necessariamente a judicialização. Temos as práticas colaborativas, conciliações, mediações, o Direito sistêmico, a Justiça restaurativa, entre outras.
A contemporaneidade apresenta desafios que só poderão ser superados se mudarmos nosso mindset com projetos inovadores que incluem seres humanos renovados. A era da litigiosidade está sendo substituída pela cooperação e pela consensualidade, até porque hoje o Brasil enfrenta o contingente de 220 milhões de processos para 18 mil juízes.
As famílias nos seus múltiplos formatos têm como base a convivência, direito constitucionalmente amparado, devendo os seus integrantes serem os protagonistas de seus projetos de felicidade, deixando para o Judiciário apenas as situações de proteção às vulnerabilidades. Os filhos devem ser cuidados e protegidos por seus dois genitores. Essa convivência compartilhada deve significar um espaço valioso de humanização das novas gerações. O modelo passado de negligência ao convívio amplo já demonstrou seus severos prejuízos.
Há de se amadurecer... e esse é o momento. Com a pandemia percebemos nossa finitude e submissão às intempéries da vida. Mudemos! O porvir é hoje.


[1] "Artigo 1583 — A guarda será unilateral ou compartilhada.
...
§2º — Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada, com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos". (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
[2] Artigo 3º, I da Constituição da República
[3] Aplicação do dever de negociar ao Direito das Famílias, defendida pelo professor Anderson Schreiber, live, ABDCONST – 8/5/2020

quarta-feira, 29 de abril de 2020

PANDEMIA CORONAVÍRUS: efeitos jurídicos nas relações de consumo

I - Introdução
A epidemia do Coronavírus (COVID-19), em razão de seu alto grau de contágio, disseminou-se por todo o planeta. Imprevisível e inimaginável que um vírus, nascido do outro lado do Mundo, na cidade de Wuhan, província de Hubei – China, provocasse eventos de tamanha magnitude no mercado econômico global.
Os números apresentados até o presente momento são alarmantes, com os óbitos aumentando a cada dia. Além do temor pelas mortes, a pandemia trouxe incertezas, interrupções de contratos e uma das maiores ondas de desemprego da Idade Contemporânea. Analistas econômicos apontam que a crise econômica pode ser ainda maior que a da quebra da Bolsa de Valores em 1929.
Na tentativa de conter o avanço do vírus, os países determinaram uma série de medidas restritivas à população, pautadas basicamente no isolamento e distanciamento social, com o fechamento compulsório de estabelecimentos comerciais com atividades não essenciais, fechamento de fronteiras, cancelamento de eventos e contratos em geral, impossibilitando milhões de pessoas de exercerem suas atividades laborais. Nesse contexto, coloca-se a questão: O que fazer com os contratos celebrados antes do aparecimento da pandemia?
Segundo Norberto Bobbio, vivemos em uma sociedade pautada no contrato. De modo esclarecedor, na obra “Crise de la Democrazia e Neocontrattualiusmo” (1984), trabalha o conceito de “neocontratualismo” como o direito de contratualizar as relações interpessoais. Em seu “Dicionário de Política” (1998), conceitua contrato como “uma relação jurídica obrigatória entre duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, em virtude da qual se estabelecem direitos e deveres recíprocos: são elementos essenciais, portanto, os sujeitos e o conteúdo do contrato, isto é, as respectivas prestações a que são obrigados sob pena de sanção”.
O contrato é condição formal para a segurança jurídica das relações sociais, por garantir o cumprimento das obrigações pactuadas. Tal segurança é a tal ponto essencial que, do contrato, originou-se o conhecido brocardo pacta sunt servanda (o pacto deve ser cumprido). O contrato deve ser honrado sempre, sendo irrelevante a alteração das condições, qualquer que seja a interferência externa.
Com o passar do tempo, atenuou-se o rigor desse postulado para os contratos de prestação prolongada no tempo, sujeitos às incertezas do futuro, com a lei estabelecendo mecanismos de reequilíbrio contratual, com fundamento na vedação ao enriquecimento sem causa. Deste modo, contratos afetados por circunstâncias futuras que onerem excessivamente um dos lados, não podem ficar sujeitos à inflexibilidade do pacta sunt servanda, aplicando-se o princípio rebus sic stantibus (o contrato só mantém as mesmas condições enquanto as coisas permanecerem do mesmo modo). A excessiva onerosidade provocada por evento posterior imprevisível impõe a revisão das cláusulas que constituíam a base do negócio. Preserva-se, assim, o equilíbrio entre os contratantes, restituindo-se o status quo ante.
II – Caso fortuito externo e força maior
Essa pandemia servirá como paradigma para uma mudança comportamental e econômica da sociedade, com importantes repercussões na esfera jurídica. Como circunstância imprevisível e irresistível, o Coronavírus pode ser classificado como hipótese de caso fortuito ou força maior e, assim, invocar o art. 393 do CC: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.
O caso fortuito se caracteriza por sua imprevisibilidade, ao passo que a força maior reside na irresistibilidade do evento. A distinção, in casu, é irrelevante. Trata-se de evento imprevisível (fortuito) e irresistível (força maior), tornando por qualquer desses motivos, impossível o cumprimento da obrigação. Em qualquer das hipóteses, elimina-se a culpa e o nexo causal, inexistindo dever de indenizar de nenhum dos lados contratantes.
É certo que o Código de Defesa do Consumidor, ao contrário do Código Civil, não incluiu o caso fortuito e a força maior como excludentes do nexo causal (CDC, art. 14, § 3º). Mesmo assim, a doutrina identifica o caso fortuito externo como hipótese de isenção de responsabilidade. Assim, embora o caso fortuito interno (inerente à própria atividade) e a força maior (acontecimento irresistível) não excluam o dever de indenizar na relação consumerista, o mesmo não se aplica à circunstância imprevisível externa à atividade (caso fortuito externo).
Essa a arguta lição de Rizzatto Nunes, em precioso artigo publicado em 16 de março desse ano (Site Migalhas: www.migalhas.com.br.):
“E, quando o Código de Defesa do Consumidor afasta a força maior e o caso fortuito, certamente os está afastando quando digam respeito aos elementos intrínsecos ao risco da atividade do transportador, ou seja, o fortuito interno.
Contudo, quando se trata de fortuito externo, está se fazendo referência a um evento que não tem como fazer parte da previsão pelo empresário na determinação do seu risco profissional. A erupção de um vulcão é típica de fortuito externo porque não pode ser previsto. Ocorre igualmente em caso de terremoto ou maremoto (ou, como se diz modernamente, tsunami). E, claro, o mesmo se dá na eclosão de uma pandemia, como está da Covid-19.”
A pandemia, nas relações contratuais simétricas regidas pela legislação comum, exclui o dever de indenizar pelo influxo do caso fortuito e da força maior. Nas relações de consumo também, ante sua caracterização como caso fortuito externo.
III – Equilíbrio contratual: teoria da imprevisão e onerosidade excessiva
Excluído o dever de indenizar, resta a questão da resolução dos contratos e seus respectivos efeito. Entra aqui, a questão da quebra do equilíbrio contratual.
A manutenção da base do negócio é um princípio geral a nortear a solução de conflitos entre as partes, devendo ser evitadas mudanças unilaterais que privilegiem um dos lados.
Nesse sentido já decidiu o STF, em acórdão relatado pelo Min. Luis Roberto Barroso, orientando-se pela inaplicabilidade da revisão unilateral das cláusulas econômicas, mesmo entre particular e Administração Pública:
“(...) No que concerne às cláusulas econômicas, ou seja, aquelas que estabelecem a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração e dispõem acerca da equação econômico-financeira do contrato administrativo, estas são inalteráveis, unilateralmente, pelo Poder Público sem que se proceda à devida compensação econômica do contratado, visando restabelecer o equilíbrio financeiro inicialmente ajustado entre as partes”. (STF - RE 938578/PR – 1ª Turma. Rel. Min. Luis Roberto Barroso, j.29.02.2016)
Havendo alteração da base do negócio, deve-se garantir a preservação do status quo ante, evitando-se que uma das partes leve vantagem sobre a outra. José Fernando Simão, em precioso artigo publicado em 03 de abril desse ano (Site Migalhas: www.migalhas.com.br.), trata da necessidade de preservação das condições vigentes ao tempo do contrato e analisa os efeitos da alteração da base do negócio. A preservação do ponto de equilíbrio do negócio protege a parte contra a onerosidade excessiva, que levar ao enriquecimento sem causa da outra.
Código Civil, ao prever a teoria da imprevisão, com base no princípio rebus sic stantibus, estatuiu em seu art. 317: Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação”. Não mencionou a irresistibilidade (força maior), contentando-se com a imprevisibilidade (caso fortuito).
Em outra passagem, seu art. 478 dispõe: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato”.
A imprevisibilidade futura autoriza a revisão do contrato.
Código de Defesa do Consumidor é bem mais permissivo e protege o consumidor, ao não exigir nem imprevisibilidade, nem irresistibilidade para a revisão contratual, bastando que o evento gere onerosidade excessiva ao consumidor. Assim, seu art. 6º, inciso V, autorizou a revisão contratual quando fatos supervenientes tornarem excessivamente onerosa a obrigação ao consumidor. Não exigiu nem irresistibilidade, nem imprevisibilidade. Tal diferenciação é corroborada pelo STJ:
“A teoria da base objetiva, que teria sido introduzida em nosso ordenamento pelo Art. 6º, V do CDC, difere da teoria de imprevisão por prescindir da imprevisibilidade de fato que determine oneração excessiva de um dos contratantes... foi acolhida em nosso ordenamento apenas para as relações de consumo, que demandam especial proteção” (STJ – REsp 1.321.614/SP, 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 16.12.2014, DJ 03.03.2015).
Esse entendimento é corroborado por Rizzatto Nunes, em sua obra Comentários ao Código de Defesa do Consumidor (Saraiva, 8ª ed, 2015, p. 240/241):
Na sistemática do CDC não há necessidade desse exercício todo. Para que se faça a revisão do contrato, basta que após ter ele sido firmado surjam fatos que o tornem excessivamente oneroso. Não se pergunta, nem interessa saber, se, na data de seu fechamento, as partes podiam ou não prever os acontecimentos futuros. Basta ter havido alteração substancial capaz de tornar o contrato excessivo para o consumidor.” (pgs. 240/241)
Na mesma esteira, Mirella D’Angelo Caldeira, em seu Código de Defesa do Consumidor Interpretado artigo por artigo (ed. Manole, 2013, p. 138), interpretando o inciso V do artigo 6º do CDC, diz:
“De fato, a força obrigatória dos contratos -- princípio vigente no CC — perde força no CDC e a ideia de que o contrato não pode ser modificado ou suprimido foi afastada. O “pacta sunt servanda” caiu por terra. (...) não havendo a imposição da necessidade de que o fato gerador do desequilíbrio seja imprevisível. Basta, tão somente, que fatos supervenientes ao momento da contratação alterem o equilíbrio das posições contratuais, impondo obrigações iníquas e excessivamente onerosas”.
Deste modo, a imprevisibilidade, essencial para a revisão dos contratos firmados perante a legislação civil, não tem relevância para o CDC, que se contentou com a onerosidade excessiva, em razão da vulnerabilidade do consumidor (CDC, art. 4º, I) e da regra de hermenêutica de que a interpretação lhe seja sempre favorável (CDC, art. 47). Fornecedor e consumidor não estão em posições simétricas, como os contratantes regidos pelo Código Civil, daí a diferença no tratamento da questão.
O Coronavírus, seja como caso fortuito externo, força maior ou fato gerador de onerosidade excessiva ao consumidor, qualquer que seja o ângulo analisado, exige o reexame para reequilíbrio das cláusulas do contrato.
IV – Efeitos jurídicos nas relações de consumo
Diante da nova e extraordinária situação, todos parecem convergir para a mesma conclusão: ninguém estava preparado para enfrentá-la. A legislação não estava preparada para um evento de proporções catastróficas que já provocou mais de 200 mil mortes e afetou de uma só vez todos os contratos em vigor. A solução pelos princípios e regras tradicionais do CDC implicaria na resolução dos contratos e reembolso ao consumidor. O Coronavírus acarretou onerosidade excessiva, foi imprevisível e irresistível, autorizando a extinção do contrato e o retorno à situação anterior ao mesmo.
O desafio a ser enfrentado, no entanto, é outro. Consiste em como enfrentar os graves e irreversíveis efeitos econômicos decorrentes da solução jurídica tradicional, com o encerramento de todos os contratos e a restituição dos valores recebidos. O Direito não é uma ciência isolada da realidade, nem pode propor soluções irrealizáveis. A exigência simultânea de devolução de todas as quantias pagas em todos os contratos ao mesmo tempo levaria a consequências indesejáveis: intensa judicialização; prognóstico incerto e imprevisível do conflito; resistência dos fornecedores à devolução, como forma de assegurar a preservação econômica de suas empresas; quebradeira geral no comércio e em toda a cadeia produtiva, tornando impossível tanto a futura restituição dos valores, quanto o cumprimento posterior da prestação contratada; a extinção de empresas, levando a um cenário pós crise de formação de oligopólios e elevação de preços, com prejuízos ao consumidor.
Examinados os aspectos econômicos da pandemia, o melhor encaminhamento da solução coletiva deve se pautar pelo equilíbrio, serenidade, bom senso, boa-fé objetiva, transparência e harmonização das relações de consumo. A composição amigável, o bom entendimento e a transação, são métodos mais adequados de solução dos conflitos que estão surgindo, mais eficazes e céleres do que a jurisdição conflitiva.
Nesse sentido foi emitida a Nota Técnica da Fundação Procon de São Paulo, cuja íntegra se encontra em seu site oficial (www.procon.sp.gov.br). Nesse momento, preferível evitar a exigência de reembolso ou a interrupção contratual, e optar pela fruição posterior do crédito adquirido. Assim, por exemplo, em vez de processar a companhia aérea para exigir a devolução do valor pago pela passagem, melhor opção será a remarcação da viagem, aguardar nova data para usufruir do pacote turístico e da hospedagem no hotel, manter o bilhete de ingresso para posterior participação no evento ou show cancelado e assim por diante.
Da parte do fornecedor, incumbe aceitar a remarcação dos compromissos sem a cobrança de nenhuma taxa adicional. No caso das mensalidades escolares, a orientação é pela manutenção do pagamento, aguardando-se a reposição das aulas ainda no ano letivo ou sua oferta alternativa por meio de recurso tecnológico à distância. Essas são opções inteligentes que ajudarão a preservar, mais do que as empresas, a sua capacidade de prestar o serviço contratado ou devolver o valor pago após a normalização da situação.
Ao prudente operador do Direito cabe evitar o tecnicismo e a tentação da retórica jurídica, apegando-se antes, aos princípios de caráter teleológico e funcionalista. O importante, nesse momento, é resolver a situação.
Numa guerra ou catástrofe, todos terão que perder um pouco para que todos possam ganhar. Somente com harmonia e solidariedade conseguiremos superar essa crise, preservando as estruturas econômicas capazes de reativar as relações contratuais no futuro. Boa fé e harmonia, no lugar de conflito. Caminho mais seguro para sairmos da crise com o menor prejuízo que nos for possível.
 é Procurador de Justiça do MP paulista, mestre pela USP, doutor pela PUC-SP, coordenador da Uninove, professor da FAM, autor de diversas obras jurídicas, foi deputado estadual por três mandatos e presidente da Assembleia Legislativa de SP. Atualmente, é diretor executivo do Procon-SP.
Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2020

segunda-feira, 13 de abril de 2020

DIVERGÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE AUTONOMIA DOS ESTADO E MUNICÍPIOS PERANTE O GOVERNO FEDERAL

Toffoli, ignora decisão de Moraes, mantém a AMBEV em funcionamento e “autonomia” de estados e municípios pode cair



Uma decisão do ministro Dias Toffoli parece ir em absoluto confronto contra o que decidiu o ministro Alexandre de Moraes, no sentido de que governos estaduais e municipais têm autonomia para determinar o isolamento social.
Em ação impetrada pela AMBEV, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu o seguinte:
“Estado ou Município só pode impor restrição à circulação de pessoas se houver específica recomendação técnica da ANVISA”.
Eis a decisão de Toffoli, exarada no último dia 7 de abril, numa ação em que o município de Teresina buscava derrubar uma liminar concedida pelo TJ do Piauí em favor da AMBEV:


O teor da decisão de Toffoli parece ser bem claro. Eis um trecho:
“Nenhuma das normas então arroladas pelo requerente autoriza a imposição de restrições ao direito de ir e vir de quem quer que seja.
Tampouco em âmbito federal, existe determinação semelhante, sendo certo que a Lei no 13.979/20, determina, em seu artigo 3o, inciso VI, alínea ‘b’, possível restrição à locomoção interestadual e intermunicipal, que teria sempre o caráter de excepcional e temporária e sempre seguindo recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Para impor tal restrição à circulação de pessoas, deveria ele estar respaldado em recomendação técnica e fundamentada da ANVISA, o que não ocorre na espécie."
Assim, como neste sábado (11) o advogado-geral da União, André Mendonça, declarou que o órgão pode entrar na Justiça para flexibilizar medidas de isolamento social estabelecidas por governadores e prefeitos para combater a disseminação do coronavírus, impõe-se que isto seja feito imediatamente, pois tudo indica que não haverá nenhuma dificuldade, notadamente em função da decisão de Dias Toffoli.
"Medidas isoladas, prisões de cidadãos e restrições não fundamentadas em normas técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa abrem caminho para o abuso e o arbítrio", declarou o advogado-geral da União.
Para o procurador da República Guilherme Schelb, a decisão de Toffoli consuma uma posição, e restabelece a autonomia do Governo Federal.

terça-feira, 7 de abril de 2020

PANDEMIA CORONAVÍRUS - AUXÍLIO EMERGENCIAL DO GOVERNO FEDERAL



Quem tem direito, como receber? 



1) O que é o auxílio emergencial?
É um benefício no valor de R$ 600 (que pode chegar a R$ 1.200 em alguns casos) destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e tem por objetivo fornecer proteção emergencial no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia do coronavírus. 
2) Quem tem direito ao auxílio?
Pode solicitar o benefício quem atender a todos os seguintes requisitos:
a) tiver mais de 18 anos;
b) Esteja desempregado ou exerça atividade na condição de:
- Microempreendedores individuais (MEI);
- Contribuinte individual da Previdência Social;
- Trabalhador Informal.
c) Pertença à família cuja renda mensal por pessoa não ultrapasse meio salário mínimo  (R$ 522,50), ou cuja renda familiar total seja de até 3 (três) salários mínimos (R$ 3.135,00).
3) Quem não tem direito ao auxílio?
- Quem tem emprego formal ativo;
- Quem pertence à família com renda superior a três salários mínimos (R$ 3.135,00) ou cuja renda mensal por pessoa maior que meio salário mínimo (R$ 522,50);
- Quem está recebendo Seguro Desemprego;
- Quem está recebendo benefícios previdenciários, assistenciais ou benefício de transferência de renda federal, com exceção do Bolsa Família;
- Quem recebeu rendimentos tributáveis acima do teto de R$ 28.559.70 em 2018, de acordo com declaração do Imposto de Renda.
4) Como receber o auxílio emergencial?
Primeiro é preciso atender a todas as regras para receber este auxílio.
Atendidas essas condições, quem já estiver cadastrado no Cadastro Único (CadÚnico) até o dia 20 de março de 2020, ou recebe o benefício Bolsa Família, receberá o benefício automaticamente, sem precisar se cadastrar.
As pessoas que não estão cadastradas no Cadastro Único, mas que têm direito ao auxílio, poderão se cadastrar no aplicativo e site que serão divulgados pela CAIXA nesta terça-feira (7).
5) Como sei se estou no Cadastro Único (CadÚnico)?
​Para consultar o seu cadastro, o Ministério da Cidadania disponibilizou o aplicativo para celular Meu CadÚnico, que está disponível para baixar nas lojas Android e Apple. A mesma consulta pode ser acessada também na internet. O ministério da cidadania esclarece que esse aplicativo não serve para fazer a inscrição no cadastro, mas apenas para consultar se está nele.
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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

SOCIALIZAÇÃO DOS EMPREGADOS E O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Juíza reconhece vínculo empregatício entre empresa e sócio cotista do mesmo grupo econômico


Nas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, nas sociedades anônimas e em outros tipos de sociedade é possível que um sócio seja também empregado dessa mesma empresa, pois são pessoas de naturezas distintas. Enquanto a sociedade é pessoa jurídica, seus membros são pessoas físicas, havendo, portanto, compatibilidade entre as duas figuras jurídicas. Essa foi a base do fundamento utilizado pela juíza Rita de Cássia Barquette Nascimento, titular da Vara do Trabalho de Cataguases, ao reconhecer o vínculo empregatício entre uma empresa e o sócio cotista do grupo econômico do qual ela faz parte.
Para entender o caso: na petição inicial, o reclamante informou que foi admitido pela reclamada em 2008, na função de administrador. Porém, a partir de abril de 2010, teve seu salário reduzido e desde novembro de 2011 deixou de receber qualquer remuneração. Por isso, pleiteou a rescisão indireta do seu contrato de trabalho. Em sua defesa, a reclamada afirmou que o reclamante era sócio cotista do grupo econômico formado pela própria ré e mais três empresas e, por essa razão, não se poderia falar em relação contratual empregatícia.
Ao analisar o caso, a juíza observou que uma das empresas do grupo econômico, além de ser sócia da reclamada, tem significativa participação no número de cotas desta. É dessa empresa que o reclamante figura como sócio, com amplos poderes de gerência e, inclusive, de uso da denominação social. Contudo, ela destacou que, ao se manifestar sobre a defesa, o reclamante informou que, a partir de maio de 2008, passou a atuar como empregado da empresa, conforme contrato de trabalho.
No entender da julgadora, as argumentações da ré não se sustentam porque o contrato social em que o reclamante aparece como sócio é antigo, não sendo incompatível com a sua contratação como empregado de uma das empresas do grupo econômico, que, no caso, é a reclamada. Segundo frisou a magistrada, nada impede que um sócio seja também empregado da empresa.
A magistrada registrou que toda a documentação anexada pela empresa só serviu para reforçar que o reclamante foi efetivamente contratado como seu empregado. E ela concluiu que a ré, de fato, deixou de pagar diversas parcelas contratuais ao reclamante, principalmente o pagamento pontual dos salários. Por essa razão, deferiu o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos da letra d do artigo 483 da CLT. A ré foi condenada a pagar ao reclamante férias em dobro com 1/3, saldos de salários, 13º salário proporcional, aviso prévio indenizado e FGTS com a multa de 40%.
Não houve recurso e o processo encontra-se em fase de execução.

SOCIALIZAÇÃO DOS EMPREGADOS FRAUDE PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO

A sociedade com sócio minoritário detentor de 2% das cotas e a possibilidade do vínculo empregatício desse sócio com empresa do mesmo grupo econômico

Matéria publicada por Jessica Thuany Moura Lima, Advogado

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Este trabalho tem como principal objetivo estabelecer o cenário geral sobre o assunto respectivo a sociedade em que um sócio minoritário com apenas 2% das cotas e a possibilidade de contratação pelo mesmo grupo societário, ou seja, a constituição do vínculo empregatício com a empresa do grupo econômico ao qual o trabalhador é sócio minoritário e através desse vínculo, abordar as fraudes decorrentes da relação em que um empregador com o objetivo de burlar a legislação trabalhista contrata o empregado como sócio cotista para não reconhecer o vínculo de trabalho, prática conhecida como “socialização” dos empregados.
Ementa
Sócio cotista minoritário e a possibilidade de contratação. Vínculo empregatício com sócio minoritário do Grupo Econômico. Fraudes no contratado de trabalho. “Socialização dos empregados”.
Palavras-chave: Sócio minoritário. Empresa. Grupo Econômico. Fraude. Socialização dos empregados.
Introdução
O Direito do trabalho pode ser conceituado de forma bem resumida como o ramo do direito privado disciplinador das relações entre empregado e empregador no ambiente de trabalho. Para esse fim, tem-se a figura de três elementos, o empregado, o empregador e o trabalho.
Com base nesses elementos é possível se chegar aos requisitos necessários a contratação de um empregado por um determinado empregador e as características provenientes dessa relação que caracterizam o trabalho e consecutivamente o vinculo empregatício.
Dessa maneira, ao longo dos anos as características provenientes desse vinculo bem como as relações em sociedade deram origem a praticas fraudulentas na contratação de determinados ofícios trabalhistas, ou seja, o empregador levando em consideração seu poder econômico de mercado e de mando acaba encontrando no meio social formas de contratar seus empregados burlando regras com a finalidade de fraudar as leis trabalhistas impossibilitando que os empregados não obtenham direitos provindos da relação de trabalho.
Uma das práticas fraudulentas tidas como contratação irregular que será o objeto de estudo desse trabalho é a “socialização de empregados” situação em que o empregador propõe ao empregado cotas minoritárias da empresa ao invés da contratação regular com a carteira assinada.
Assim, conforme será abordado de forma aprofundada ao longo desse trabalho, o Direito de Trabalho modernizou-se para alcançar a deflagração de tal instituto e bani-lo através da possibilidade do vínculo empregatício aos empregados detentores de cotas minoritárias de um mesmo grupo econômico.
1 Visão Geral - Contrato de Trabalho - Vínculo empregatício e as Contratações irregulares
O contrato de Trabalho nada mais é do que o acordo firmado entre o empregado e empregador afim de que se preste determinado serviço e assim tem-se a relação de trabalho.
O Vínculo empregatício se tem a partir dessa relação. A Consolidação das leis Trabalhistas (CLT) disciplina em seu texto o que vem a ser a figura do empregado, empregador e os requisitos para que seja possível se chegar a concretização desse vínculo.
Dessa forma a CLT entende como empregador:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
E como empregado:
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
Para que haja relação de trabalho devidamente comprovadas é necessário que esse vínculo traga em sua decorrência alguns requisitos, são eles: trabalho realizado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação.
Diante desses elementos tem-se a caracterização da relação jurídica contratual ligada ao vínculo empregatício, porém, a falta de qualquer uma dessas características descaracteriza o referido vínculo.
Ademais, muito embora o Direito do Trabalho tenha evoluído muito nos últimos anos afim de conseguir abranger qualquer tipo de relação trabalhista com vistas a banir qualquer meio de contratação irregular.
Ainda assim, alguns empregadores insistem em se utilizar de práticas fraudulentas na contratação dos seus empregados, agindo de forma errônea e ilegal com a principal finalidade de não arcar com os direitos trabalhistas dos seus empregados como as verbas legalmente justas decorrente daquele trabalho, as horas de trabalho indicadas na CTL (oito horas diárias) bem como inúmeros outros direitos ao trabalhador assegurado.
CLT em seu artigo  disciplina acerca das fraudes no contrato trabalhista e a nulidade dos atos decorrentes dela:
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Assim, quando um empregador pratica ato fraudulento quanto aos direitos trabalhistas do empregador tais atos serão nulos de pleno direito.
A identificação de uma fraude trabalhista muitas vezes não é fácil de ser comprovada, mas é possível identifica-la a partir de um dos princípios que rege o direito do trabalho, qual seja: O princípio da realidade sobre a forma, pois, segundo esse princípio a realidade do que acontece no meio trabalhista é mais importante para o direito do trabalho do que está escrito.
Maurício Godinho Delgado ao explanar esse princípio como “contrato realidade”, informa ainda da ampliação da norma civilista “de que o operador jurídico, no exame das declarações volitivas, deve atender mais à intenção dos agentes do que ao envoltório formal através do qual transpareceu a vontade – art. 112 do CC/02”.
Dessa forma, a doutrina e a jurisprudência vem evoluindo no sentido de descobrir quando uma relação de trabalho está sujeita a fraude, ou seja, quando aquilo que está formalmente escrito não corresponde com o que acontece não realidade.
Uma das formas de burlar o vínculo trabalhista atualmente reconhecida é quando o empregador não querendo reconhecer um empregado oferece-lhe a cota de participação na sociedade. Assim, o trabalhador transforma-se um sócio cotista, mas na verdade preenche todas os requisitos da relação de emprego, e, diferentemente do que se espera, ele não se sujeita diretamente ao risco do negócio. Ou seja, ele é um trabalhador disfarçado de sócio.
2 A fraude na contratação por meio da “Socialização de Empregados”
Atualmente a prática da contratação de um empregado como sócio vem sendo conhecida com uma forma sofisticada de praticar a usurpação no contrato de trabalhado. Isto porque, o contrato de sociedade nada mais é do que um instituto jurídico pelo qual pessoas se obrigam a contribuir com bens e serviços para o exercício da atividade econômica e a partilhar entre si, os resultados. Conforme o Art. 981 do Código Civil disciplina:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
No entanto, o que se espera no contrato de sociedade eivado de ilegalidade na contratação de trabalhador, qual seja: a “Socialização dos Empregados” não ocorre na prática. Isto porque, o sócio cotista contratado como “empregado” não recebe a sua cota de participação, mas sim um salário e, muito embora ele esteja relacionado como sócio presta serviço e é subordinado ao empregador como todo e qualquer trabalhador com vínculo empregatício normal.
Dessa forma, o divisor de águas para se detectar um contrato de trabalho nesses casos é saber se existe relação affectio societatis ou seja, se existe um espírito de comunhão recíproca entre os sócios, se o sócio minoritário realmente participa das despesas e lucros e consecutivamente do risco do negócio ou se ele está ali simplesmente desempenhando uma função para ao final do mês receber a sua contraprestação pelo serviço prestado.
Tem-se que um dos requisitos primordiais para averiguação dessa fraude na contratação é apurar se está ou não havendo a subordinação. Ou seja, se o sócio exerce suas funções subordinado a alguém dentro da sociedade.
Conforme descarta Ronaldo Lima dos Santos “por meio da socialização, o trabalhador é materialmente inserido na estrutura orgânica da empresa com todos os requisitos da relação de emprego e formalmente inserido no contrato social do empreendimento na condição de sócio minoritário”.
Assinala ainda, Maurício Godinho Delgado, embora não sejam, em princípio, incompatíveis as figuras de sócio e de empregado, que podem ser sintetizadas numa mesma pessoa física (como nas sociedades anônimas, sociedades limitadas ou comanditas por ações), a dinâmica judicial trabalhista vem registrando o uso do contrato de sociedade como instrumento simulatório, com o intuito de transparecer, formalmente, uma situação fático-jurídica de natureza civil/comercial, conquanto oculte uma efetiva relação empregatícia.
De forma bem sintática tem-se que, os empregadores que fazem a prática de tal fraude inserem materialmente o trabalhador em uma relação empregatícia com o status de sócio, com sua inclusão no contrato social da empresa.
Tal fraude vem sendo praticada principalmente em ambientes profissionais qualificados predominantemente por profissionais liberais, tais como médicos, arquitetos e até mesmo em sociedade de advogados.
Importante denotar que para que se reconheça esse tipo de contrato fraudulento basta vislumbrar a sociedade como um todo e o nível de cotas de cada sócio, perceber se entre eles há subordinação dos sócios com mais cotas para com aqueles que detém menos cotas naquela sociedade, se a relação de subordinação, há também um forte indício de que ali está existindo um contrato de trabalho usurpado em forma de sociedade.
Essa prática é conhecida pela justiça do trabalho somente quando o “empregado” deseja sair da sociedade, ou seja, deseja reincidir a relação de trabalho ali existente em que é sócio minoritário e não tem nenhum dos seus direitos trabalhistas reconhecidos no momento da demissão. Por conseguinte, o sócio minoritário é obrigado a retirar seu nome da sociedade, mas não recebe em troca disso nenhuma “verba rescisória” de que lhe era devida se tivesse assinado um contrato de trabalho normal previsto na legislação trabalhista. Assim, não tendo outra saída senão ingressar com uma demanda judicial afim de ter reconhecido seus direitos como trabalhador prevalecidos.
Já existem inúmeros julgados com a constatação do vínculo de emprego por parte de sócios minoritários, conforme a seguir exposto:
VÍNCULO DE EMPREGO. SÓCIO COTISTA MINORITÁRIO – FRAUDE – Não pode ser considerado sócio, mas autêntico empregado, aquele que detém participação mínima no capital da sociedade, especialmente quando não restou demonstrado nos autos qualquer tipo de gestão na atividade empresarial, revelando, ainda, os autos o labor como empregado antes e após o período consignado no contrato social (TRT 3ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 211.2007.001.03.00-7, 1ª Turma, rel. Juíza Maria Laura Franco Lima de Faria, DJMG de 20.6.2008).
SÓCIO – NÃO CONFIGURAÇÃO – VÍNCULO DE EMPREGO– Evidenciado nos autos que o autor, após ter sido contratado como empregado, veio a fazer parte do quadro societário da empresa/reclamada, continuando a exercer a mesma função e em iguais condições, tem-se que sua inclusão como sócio teve por escopo apenas mascarar a continuidade do liame empregatício. Reconhece-se a fraude, nos termos do art.  da CLT, assim como a unicidade contratual (TRT 3ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 00856.2006.067.03.00-0, rel. Juíza Maria Cristina Diniz Caixeta, DJMG de 1º.9.2007).
VÍNCULO JURÍDICO DE EMPREGO. SÓCIO MINORITÁRIOcomprovado que, apesar de figurar como sócio minoritário da primeira reclamada, o reclamante trabalhava como empregado, correta a sentença ao reconhecer a existência do liame empregatício, condenando as reclamadas, de forma solidária, ao pagamento das verbas trabalhistas devidas, uma vez que inequívoca a existência de grupo econômico entre ambas as empresas. Recurso não provido.
(TRT-4 - RO: 00004874720115040551 RS 0000487-47.2011.5.04.0551, Relator: MARIA MADALENA TELESCA, Data de Julgamento: 13/11/2013, Vara do Trabalho de Frederico Westphalen, )
Outra forma de se chegar a constatação desse meio de fraude na contratação é a análise das disposições contratuais no contrato social da entidade. Para isso é possível perceber se trata-se ou não de uma autêntica forma de sociedade.
A primeira observação que se tem para se chegar no objeto da fraude é a de que o sócio majoritário funciona como o empregador, e, dependendo da forma com que as cotas estão distribuídas poderá haver a divisão de funções a retirada de pró labore como forma de formalização da fraude sendo a onerosidade computada não por meio das cotas sociais distribuídas e a participação nos lucros e resultados, mas sim, por meio das horas trabalhadas equiparando-se ao contrato de trabalho.
De forma resolutiva, para que se tenha a fraude da “socialização dos empregados” é preciso que se perceba que nessa relação fraudulenta a condição de sócio é alcançada excluindo a relação de emprego inserindo o trabalhador na composição societária da entidade empresaria, e, ao invés de aferir lucros e resultados decorrente dessa relação societária ele vai receber tão somente um salário.
3 A Possibilidade de vínculo empregatício com sócio minoritário detentor de 2% das cotas do mesmo grupo Econômico
Uma questão relevante a ser estudada é quanto ao instituto do vínculo empregatício para com sócio cotista com apenas 2% das cotas e o reconhecimento do vínculo empregatício no mesmo grupo econômico ou empresa.
Existem decisões contrárias ao entendimento de que um sócio minoritário possa ser empregado, conforme julgado do TST do ano de 2001, a seguir colacionado:
RELAÇÃO DE EMPREGO. SÓCIO MINORITÁRIO. MATÉRIA FÁTICA 1. Hipótese em que as instâncias ordinárias, com fundamento no conjunto fático-probatório dos autos, concluíram inexistir, concomitantemente à relação societária, vínculo empregatício entre as partes, visto que não comprovado o trabalho subordinado e mediante remuneração.2. Conquanto admissível, em tese, conforme o tipo de sociedade, a caracterização concomitante de vínculo empregatício e contrato de sociedade, inviável concluir pela existência dos elementos tipificadores da relação de emprego, se isso implica o revolvimento dos elementos fáticos e das provas dos autos, cujo reexame em sede extraordinária afigura-se inviável, a teor da Súmula nº 126 do TST.3. Recurso de revista não conhecido.
(TST - RR: 3261431819965175555 326143-18.1996.5.17.5555, Relator: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 14/03/2001, 1ª Turma,, Data de Publicação: DJ 14/05/2001.)
Porém, é necessário que se tenha o entendimento de que um sócio minoritário com por exemplo, 2% das cotas conforme acima mencionado pode ter sido contratado como sócio mas exerce suas atividades na sociedade ou grupo econômico como empregado, estabelecendo, portanto, uma relação de emprego usurpada por um contrato de sociedade é o fenômeno da “socialização do empregado” exaustivamente explicado no tópico anterior.
Assim, há que se ter o entendimento de que em determinadas sociedades por cotas de responsabilidade limitada, nas sociedades anônimas e em outros tipos de sociedade é possível que um sócio seja também empregado dessa mesma empresa, pois são pessoas de naturezas distintas.
Enquanto a sociedade é pessoa jurídica, seus membros são pessoas físicas, havendo, portanto, compatibilidade entre as duas figuras jurídicas. Essa foi a base do fundamento utilizado pela juíza Rita de Cássia Barquette Nascimento, titular da Vara do Trabalho de Cataguases, ao reconhecer o vínculo empregatício entre uma empresa e o sócio cotista do grupo econômico do qual ela faz parte, conforme segue o caso explicado abaixo:
O caso ocorreu da seguinte forma: na petição inicial, o reclamante informou que foi admitido pela reclamada em 2008, na função de administrador. Porém, a partir de abril de 2010, teve seu salário reduzido e desde novembro de 2011 deixou de receber qualquer remuneração. Por isso, pleiteou a rescisão indireta do seu contrato de trabalho. Em sua defesa, a reclamada afirmou que o reclamante era sócio cotista do grupo econômico formado pela própria ré e mais três empresas e, por essa razão, não se poderia falar em relação contratual empregatícia.
Após fazer uma análise do caso, a juíza observou que uma das empresas do grupo econômico, além de ser sócia da reclamada, tem significativa participação no número de cotas desta. É dessa empresa que o reclamante figura como sócio, com amplos poderes de gerência e, inclusive, de uso da denominação social. Contudo, ela destacou que, ao se manifestar sobre a defesa, o reclamante informou que, a partir de maio de 2008, passou a atuar como empregado da empresa, conforme contrato de trabalho.
No entender da julgadora, as argumentações da ré não se sustentam porque o contrato social em que o reclamante aparece como sócio é antigo, não sendo incompatível com a sua contratação como empregado de uma das empresas do grupo econômico, que, no caso, é a reclamada. Segundo frisou a magistrada, nada impede que um sócio seja também empregado da empresa.
A magistrada registrou que toda a documentação anexada pela empresa só serviu para reforçar que o reclamante foi efetivamente contratado como seu empregado. E ela concluiu que a ré, de fato, deixou de pagar diversas parcelas contratuais ao reclamante, principalmente o pagamento pontual dos salários. Por essa razão, deferiu o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos da letra d do artigo 483 da CLT. A ré foi condenada a pagar ao reclamante férias em dobro com 1/3, saldos de salários, 13º salário proporcional, aviso prévio indenizado e FGTS com a multa de 40%.
Conforme é possível perceber com a análise da decisão da Juíza Rita de Cássia Barquette, constitui um caso em que o sócio deixou de ser tratado como sócio e passou a ser visto pela empresa como um empregado, configurando assim, o vínculo de emprego.
A contradição entre o julgado do TST acima colacionado e a Juíza em sua sentença de mérito é para que se perceba que a fraude conhecida como “socialização dos empregados” só será vislumbrada na observação do caso a caso. Tendo em vista que existem casos em que o sócio preenche todos os requisitos da relação de emprego como também existe casos em que ele não está sujeito a um desses requisitos que por si só, desconfigura o vínculo empregatício e o transforma em empregado.
Também, em que se pese a análise do TST quanto a relação do vínculo empregatício ou não por parte do empregado, demonstra-se dificultosa uma vez que, para a observação da relação de emprego é imprescindível a averiguação de fatos e provas e tal matéria é insuscetível de apreciação por parte da instancia superior.
Dessa forma, nos casos em que se tem um sócio cotista minoritário e a possível relação de emprego eivada dessa relação se levadas ao crivo da instancia superior, essa costuma seguir o entendimento do TRT, uma vez que nesse tribunal é possível a apreciação de fatos e provas, conforme decisão a seguir colacionada:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - VÍNCULO EMPREGATÍCIO - REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. O Tribunal Regional atestou que ficou demonstrada a existência de relação de emprego entre as partes. É inadmissível recurso de revista em que, para se chegar à conclusão pretendida pela recorrente, é imprescindível o reexame do contexto fático-probatório. Incide a Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento desprovido.
(TST - AIRR: 944040322007512 944040-32.2007.5.12.0036, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 31/08/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/09/2011)
Segundo a decisão acima transcrita, fundamentada na Súmula 126 do TST é inadmissível se chegar a Recurso de Revista em causas cuja conclusão necessite do reexame das provas juntadas. Assim, em que o TST e julgamento da matéria decorrente do vínculo ou não gerado da relação de sociedade entre o sócio e a empresa ou grupo econômico tem levado em consideração a análise do TRT.
E resolutivamente, acerca da possibilidade de contratação ou não do sócio minoritário com 2% das cotas sociais o TRT vem entendendo que uma vez preenchido os requisitos da relação de emprego (pessoalidade, subordinação, não eventualidade, onerosidade) é possível o reconhecimento do vínculo empregatício. Afim de provar tal configuração, tem-se inúmeros julgados do TRT no mesmo sentido:
VÍNCULO DE EMPREGO. INSTRUTOR DE INFORMÁTICA. SÓCIO MINORITÁRIO. A existência de contrato de sociedade comercial não obsta o reconhecimento do liame empregatício, na medida em que a prova produzida demonstra que o autor desempenhava trabalho subordinado e essencial ao objetivo social da reclamada. FGTS E DAS PARCELAS RESCISÓRIAS. Confirmada a sentença condenatória que reconheceu a relação de emprego e a rescisão sem justa causa, impõe-se a manutenção da sentença em seus exatos termos. SEGURO-DESEMPREGO. INDENIZAÇÃO. Não comprovado pelo autor o direito à percepção do benefício de seguro-desemprego, pelo preenchimento dos requisitos legais exigidos, entende-se incabível a conversão da obrigação relativa à entrega das guias de seguro-desemprego em indenização pecuniária. DA INDENIZAÇÃO RELATIVA AOS VALES-TRANSPORTE. A concessão do benefício do vale-transporte implica na aquisição pelo empregador dos vales-transporte necessários aos desl (...)
(TRT-4 - RO: 1403004919955040002 RS 0140300-49.1995.5.04.0002, Relator: ROGER LIMA LANGE, Data de Julgamento: 28/05/1998, 2ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, )
RELAÇÃO DE EMPREGO - SÓCIO MINORITÁRIO - CONFISSÃO DO PREPOSTO ACERCA DA AUSÊNCIA DA INTEGRALIZAÇÃO DAS COTAS - PARTICIPAÇÃO ÍNFIMA - FRAUDE - A distinção entre a figura do sócio e do empregado nem sempre é tarefa fácil ao julgador, havendo casos que se situam na chamada "zona gris". Assim, cabe perquirir acerca dos aspectos fáticos que tornam peculiar o caso concreto, extraindo-se a conclusão que mais adequadamente o enquadre em face das normas legais. No caso em exame, vários são os elementos que levam ao convencimento de que a qualidade de sócio do reclamante não passava de máscara para o vínculo empregatício, que já existia previamente e permaneceu, na realidade, mesmo com a dispensa perpetrada pela reclamada. O reclamante detinha apenas 1% das cotas de uma sociedade componente do grupo econômico, em relação às quais não teve qualquer dispêndio financeiro, segundo o depoimento do próprio preposto da reclamada. Portanto, não arcava com os riscos do empreendimento econômico, não se equiparando ao outro sócio, a quem era atribuída a gerência da sociedade, revelando a inexistência da "affectio societatis". O fato de deter certo grau de autonomia, com poderes para realizar negócios em nome da sociedade, não é causa excludente da relação de emprego, pois a legislação prevê a hipótese do empregado com poderes de mando e gestão (art. 62II, da CLT). Enfim, resta configurada a fraude à legislação trabalhista (art. 9o. Da CLT), ensejando o reconhecimento da continuidade da relação empregatícia por todo o período.
(TRT-3 - RO: 2075503 00225-2003-017-03-00-2, Relator: Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta, Terceira Turma, Data de Publicação: 07/02/2004 DJMG. Página 3. Boletim: Sim.)
4 Os efeitos da fraude na contratação irregular por meio de “socialização dos empregados”
As contratações de qualquer empregado de forma irregular com a finalidade de fraudar os direitos trabalhistas geram sérios problemas para a sociedade. Por consequência, essa contratação irregular por meio da socialização dos empregados gera malefícios inestimáveis aos direitos trabalhistas bem como a transcendência social, econômica e política repercutindo assim, em diversas searas da sociedade como um todo.
Isto porque, ao fazer essa contratação irregular enseja sonegação de direitos sociais dos trabalhadores tais como: férias, 13º salário, jornada de trabalho regular, fgt, e até mesmo os direitos provindos da previdência em vista a possibilidade de aposentadoria. Com isso, a prática dessa fraude reduz a capacidade financeira do sistema de seguridade impossibilitando a manutenção do sistema financeiro da seguridade social.
Além disso, enseja também, concorrência desleal para com aquelas empresas que pagam corretamente seus trabalhadores e asseguram os seus direitos trabalhistas.
Dessa forma, não há outra saída senão a justiça trabalhista através do Ministério Público do Trabalho bem como através do poder Judiciário constatar onde estão existindo esse tipo de fraude e punir os culpados e consecutivamente reconhecer o vínculo empregatício proveniente dessa relação.
Considerações Finais
A fraude decorrente da “socialização dos empregados” é perceptível quando o empregador (sócio majoritário) visando o não reconhecimento dos direitos trabalhistas dos seus empregados contrata-o para exercer atividade remunerada, porém pede para que o trabalhador assine o contrato de sociedade como sócio. Esse trabalhador vai ser pago através de pro labore disfarçando a relação de emprego ali existente porque na verdade ele estará diante do seu salário.
Para constatação dessa relação fraudulenta é necessário que se observe se estão presentes os requisitos da relação de emprego, especialmente a subordinação.
Dessa forma, no exame do caso concreto a juiz chegará a constatação se aquele vinculo é de trabalho ou pura e simplesmente é uma sociedade.
Conclui-se, portanto, que o sócio minoritário com apenas 2% das cotas pode ser tido como empregado do mesmo grupo econômico se o mesmo exercer todos os requisitos da relação de trabalho.
Bibliografia Consultada
OLIVEIRA, N. M.; ESPINDOLA, C. R. Trabalhos acadêmicos: recomendações práticas. São Paulo: CEETPS, 2003.
PÁDUA, E. M. M. De. Metodologia científica: abordagem teórico-prática. 10 ed. Ver. Atual. Campinas, SP: Papirus, 2004.
GODINHO, Maurício Delgado. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. 7º ED. LTR. 2008. P. 208
LIMA DOS SANTOS, Ronaldo. FRAUDES NAS RELAÇÕES DE TRABALHO. Boletim Ciêntifico, ano 2008.