quinta-feira, 26 de agosto de 2010

PUBLICIDADE EM EXCESSO DOS AUTOS ATRAPALLHA A DEFESA

Por Mariana Ghirello

A forma e a insistência da imprensa ao cobrir um caso criminal podem definir o futuro de um réu — culpado ou inocente. Quando há um conflito de interesses, como o da publicidade do processo versus garantias individuais, nenhum direito é absoluto. É o que afirma a advogada Flávia Rahal ao criticar a publicidade e o sigilo excessivo dos autos. “A publicidade do processo penal precisa ser repensada”, assevera. Para ela, o direito à informação tem limites e não deve ferir garantias e direitos individuais.

No 16° Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que acontece em São Paulo, a advogada palestrou sobre a opressão da publicidade no processo criminal. Acompanhada da juíza federal Simone Shreiber, da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, elas mencionaram julgados que demonstram que direito à informação é tão importante quanto garantir que a defesa de um acusado seja efetiva.

De acordo com Flávia Rahal, o direito à publicidade dos atos processuais surgiu na França, o que significava algo mais amplo: acesso à Justiça e direito de defesa. Em muitos períodos sombrios da sociedade, o réu não tinha direito de defesa. “Na inquisição, os autos eram absolutamente sigilosos”, lembra. “Mas, o que em princípio parecia ter somente pontos positivos se tornou com o passar do tempo tão acusatório quanto a própria inquisição. Hoje, os inquéritos e ações penais abastecem a imprensa com a justificativa de dar transparência à Justiça”, diz.

Ela destaca que casos que ganham as páginas dos jornais e ocupam as inserções na televisão geralmente atrapalham a realização da Justiça. “A mesma Justiça que prende arbitrariamente por pressão pública um acusado, irá mais tarde soltá-lo”, indica. A advogada, em sua exposição, relembrou casos amplamente noticiados que resultaram em espetáculos midiáticos sem se levar em conta os direitos e garantias individuais.

No mais recente deles, o do goleiro Bruno, ela aponta que os jornais tiveram acesso aos depoimentos dos réus antes dos advogados, que precisaram ainda recorrer às instâncias superiores para poderem exercer a defesa. Além disso, vazamentos de vídeos não autorizados pelo réu dentro do avião, quando estava sendo transferido para Minas Gerais, na sala do delegado e ainda dentro da penitenciária são cenas sem qualquer interesse para a sociedade, de acordo com a advogada. “Elas expõe e violam diretos”, completa.

“Mesmo com as delegadas afastadas, outros vazamentos aconteceram”, critica. Ela cita que o artigo 20 do Código de Processo Penal diz que cabe a autoridade policial decretar o sigilo do processo. Dessa forma, ela garante que o responsável é quem quebra o sigilo e não a imprensa que publica. “Quem tem acesso aos autos, deve respeitá-lo”, recomenda.

Flávia Rahal afirma que o sigilo processual deve ter a função de proteger os réus e não cometer irregularidades, como no caso citado, no qual os advogados sabiam por meio da imprensa o que a Polícia alegava. “Nestes casos, o sigilo oprime a defesa”, reforça.

O caso da morte da menina Isabella Nardoni é apontado pela advogada como outro exemplo de cobertura da imprensa que atrapalha a Justiça. “Tvs divulgaram em tempo real a reconstituição do crime, que foi feito em um domingo à tarde. E a sentença condenatória do casal foi lida, com a ajuda de altos falantes, na porta do Fórum e recebida com palmas e fogos pelas pessoas que estavam ali acompanhando de perto o Júri”, comenta.

Não ficou de fora da palestra da advogada o emblemático caso da Escola Base, no qual os donos de uma escola infantil foram acusados pela Polícia de abusarem sexualmente dos alunos. Jornais publicaram inúmeras reportagens com base em depoimentos de mães e afirmações de um delegado. Posteriormente, ficou comprovada a inocência dos acusados. Eles entraram na Justiça e conseguiram indenização contra veículos de comunicação.

“Casos como estes, muito repercutidos pela imprensa, têm consequências catastróficas”, lamenta. “Quando a ação penal vai para as páginas dos jornais há um pré-julgamento e um veredicto é estabelecido previamente”, diz. Para ela, o caso se assemelha a uma pintura que mostra uma execução em praça pública diante de pessoas que clamam por Justiça. Ainda sobre o Júri Nardoni, ela ressalta que pessoas que eram favoráveis ao casal foram retiradas da porta do Fórum, como o pastor que pedia o perdão dos réus.

Flávia Rahal afirma que um juiz não pode se deixar levar pelo clamor social para decidir. “As pessoas extravasam o rancor que é delas”, citando o ministro Cezar Peluso do Supremo Tribunal Federal, a advogada ressalta que uma notícia condena rapidamente um acusado.

Questão de imparcialidade
A campanha midiática pela condenação de um réu já levou a Suprema corte americana a anular julgamentos, como afirma a juíza federal Simone Shreiber. Mesmo sem critérios objetivos que indiquem a imparcialidade de jurados, em um caso de homicídio de grande comoção nacional em 1961, a corte entendeu que eles tendiam a condenar o réu antes mesmo do julgamento. “Lá, os jurados são questionados antes sobre sua opinião, e oito dos doze disseram que ele era culpado”, explica.

Outro recurso que pode ser utilizado é a transferência do julgamento para outra cidade que não esteja contaminada com o clamor, como em um processo de 1962. Como a veiculação da mídia tinha sido muito explorada, a corte aceitou o desaforamento para outro Estado. A Polícia divulgou um vídeo no qual o acusado não sabia que estava sendo gravado.

Outras irregularidades também podem levar a nulidade do julgamento. No processo em que um médico era acusado de matar sua mulher grávida o julgamento foi anulado após várias irregularidades constatadas. Entre elas, o vazamento da lista dos nomes dos jurados escolhidos. “Eles receberam cartas pedindo a condenação do réu”, indica.

Atualmente, a Justiça americana adota alguns procedimentos para garantir a lisura do processo. Em caso de comoção nacional, a lei estabelece que o réu deve ser preservado. Além disso, outras medidas visam assegurar a imparcialidade do Júri. O desaforamento e adiamento podem impedir o envolvimento prévio dos jurados sobre um determinado réu.

Polêmica, mas também utilizada, é a proibição de que pessoas envolvidas no caso falem com a imprensa próximo da data do julgamento. De acordo com a juíza, essa medida levanta críticas de que ela atenta contra a liberdade de expressão, direito garantido na Constituição.

Cuidados como a incomunicabilidade de jurados já são adotados pela Justiça brasileira, mas isso pode não ser suficiente. No Júri do casal Nardoni, por exemplo, os gritos de populares que pediam a condenação dos réus podiam ser ouvidos de dentro da sala de julgamento. Mas o assunto não é discutido em nenhuma jurisprudência no Brasil.

Segundo a juíza, o Supremo Tribunal Federal tem julgados que ressaltam a liberdade de expressão, porém, afirmam que ela não absoluta diante de outros direitos. Na Petição 27.027 no STF, Anthony Garotinho sustenta que foi alvo de grampos que estavam sendo divulgados pela imprensa. Para o ministro Sepúlveda Pertence, no caso, a liberdade de expressão não poderia se sobrepor ao direito individual do político.

No Habeas Corpus 82.424, um homem foi condenado por racismo ao produzir materiais editoriais de ódio contra os judeus. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, que tratava da Lei de Imprensa, o entendimento foi o mesmo. Também foi negada a Reclamação 9.428, do jornal O Estado de S. Paulo, que questionava a decisão judicial que o proibiu de divulgar qualquer informação sobre uma operação da Polícia Federal que investigava o filho de José Sarney, Fernando Sarney.

Liberdade de expressão com limites
Para a juíza Simone, a verdade jornalística não é mediada, a investigação não se sujeita a regras e, consequentemente, há a imprestabilidade de provas produzidas pela imprensa, como o uso de câmeras escondidas. “Ela não foi produzida dentro do devido processo legal”, endossa.

“O interesse da imprensa pelo fato criminal é legitimo, e faz parte da manifestação da liberdade de expressão, mas é preciso se atentar para o efeito judicial de uma campanha midiática”, observa. Ela aponta ainda que essa campanha já tem punição na Corte Européia de Direitos Humanos, contra um jornalista austríaco porque tentou influenciar um julgamento criminal de um político acusado de corrupção. “Ele foi condenado a pagar uma multa”, explica.

No caso, ela destaca que não é possível afirmar com segurança se as reportagens prejudicaram o julgamento, mas sim, avaliar a potencialidade delas.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

PRECEDENTE NO SUPREMO - LEI FICHA LIMPA NAS ELEIÇÕES DE 2010

Por Marcos Coutinho Lobo

Antes de concluir a série de artigos sobre a Lei Ficha Limpa, que será encerrado com a terceira parte que analisa cada uma das hipóteses de inelegibilidades por ela criada, é necessário fazer uma breve consideração acerca da aplicação ou não da mencionada norma as eleições de 2010.

É que, se porventura o egrégio Supremo Tribunal Federal declarar constitucional a Lei Ficha Limpa, o que desenganadamente não é, não se pode ignorar a regra do artigo 16 da Constituição da República, que preceitua que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Não é por outro motivo que o egrégio STF, na ADI 3.685, decidiu que “(...) enquanto o art. 150, III, b, da CF encerra garantia individual do contribuinte (ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 18-3-1994), o art. 16 representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e ‘a quem assiste o direito de receber, do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral’ (ADI 3.345, Rel. Min. Celso de Mello). Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) (...)”.

A Lei Ficha Limpa, se for constitucional, não poderá ser aplicada às eleições de 2010, pois implica alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral e, necessariamente, em choque com os direitos fundamentais da segurança jurídica e do devido processo legal substantivo.

Com efeito, em que pese o artigo 3º da Lei Ficha Limpa, deve-se obediência ao artigo 16 da Constituição da República, no sentido de não ter incidências nas eleições de 2010. E a decisão na ADI 3.685 não deixa dúvida disso. Nas palavras do ministro Gilmar Mendes ficou consignado que:

“Na linha do que sustentou o ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da ADI 354, também eu entendo que, para as finalidades do art. 16 da Constituição, o conceito de processo eleitoral há de ter compreensão e ‘extensão tão ampla quanto seus termos comportam’ (voto na ADI 354, RTJ 177/1074). Toda norma com aptidão, ainda que em bases minimalistas, de interferir no exercício da soberania popular, expressa pelo sufrágio universal e voto secreto, seja para impor novos condicionamentos, seja para suprimir os que já vinham sendo tidos como parte integrante do acervo normativo destinado a reger as disputas eleitorais, cai no campo da incidência do art. 16, isto é, altera o processo eleitoral.

(...)

Não é preciso grande esforço interpretativo para se concluir que mudança de tal magnitude, introduzida a poucos meses do início formal da disputa eleitoral, caso tenha admitida sua aplicação às eleições do corrente ano, não apenas interferiria de maneira significativa no quadro de expectativas que o eleitor (titular dos direitos políticos) e as agremiações partidárias vinham concebendo em vista do pleito que se avizinha, mas também — e isso não há dúvida — teria formidável impacto no respectivo resultado. (voto do Ministro Joaquim Barbosa na ADI 3.685-8/DF)

O pleno exercício dos direitos políticos por seus titulares (eleitores, candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio de um sistema de regras que conformam o que se poderia denominar de devido processo legal eleitoral. Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a restringi-las ou subtraí-las.

O art. 16 da Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de direitos políticos. As restrições à essa regra trazidas no bojo da reforma constitucional apenas serão válidas na medida que não afetem ou anulem o exercício dos direitos fundamentais que conformam a cidadania política.

Portanto, é preciso analisar em que medida a EC nº 52/2006, ao afastar a aplicação da regra da anualidade do art. 16, restringiu o pleno exercício da cidadania política por parte de seus titulares: partidos políticos, cidadãos-candidatos; e cidadãos-eleitores.

(...)

Ao analisar a disposição do art. 16 da CF, observa-se que se trata de norma que assume como pressuposto o fato de que o constituinte derivado está vinculado à observância de um prazo mínimo. De outro lado, a promulgação de uma modificação do complexo normativo do processo eleitoral deve assegurar a existência, funcionalidade e utilidade dos direitos e garantias institucionais dos múltiplos sujeitos envolvidos.

(...) a afetação das situações jurídicas subjetivas dos candidatos, pode importar também restrição dos direitos político-eleitorais fundamentais do cidadão, especialmente aquele caracterizado pelo exercício juridicamente seguro e estável da soberania por intermédio do sufrágio periódico e universal.

Uma vez que essa situação jurídica dos candidatos se encontra caracterizada na forma das normas vigentes do processo eleitoral, eventual alteração significativa nas ‘regras do jogo’ frustrar-lhes-ia ou prejudicar-lhes-ia as expectativas, estratégias e planos razoavelmente objetivos de suas campanhas. Poder-se-ia cogitar ainda, mesmo que indiretamente, de influências indevidas no próprio resultado do processo eleitoral.

(...)

A partir do raciocínio exposto até aqui, a discussão acerca da aplicação da EC nº 52/2006 não pode ser limitada às afetações/restrições de direitos e garantias dos partidos políticos, dos cidadãos-candidatos e dos cidadãos-eleitores.

(...)

Por todas essas razões expostas em meu voto, não há como compatibilizar a aplicação imediata da alteração introduzida pelo art. 1º da EC nº 52/2006, com a norma do art. 16 da CF sem conformar a cláusula de vigência daquela inovação legislativa (art. 2º da EC nº 52) com este último dispositivo constitucional.”

Em recente entrevista, o ministro Marco Aurélio asseverou que “temos uma Constituição Federal que está no ápice das normas jurídicas. Por ela, uma lei que altere o processo eleitoral não se aplica às eleições que ocorram dentro de um ano a partir da promulgação da lei. É o artigo 16 (da Constituição). Eu não sou um justiceiro. Eu sou juiz. Não ocupo cadeira voltada a relações públicas. Se há coincidência entre o anseio popular e o meu convencimento, eu atuo. Mas, se não há, eu continuo atuando da mesma forma. Não posso dar esperança vã à sociedade.”

Ao caso, portanto, aplica-se o princípio constitucional da anualidade da normal eleitoral, a ensejar na não incidência da Lei Ficha Limpa às eleições de 2010, ressalte-se, porventura o egrégio STF declare-a constitucional.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

JUSTIÇA ANULA PROVAS DA PF CONTRA A FAMÍLIA SARNEY

Segundo decisão, polícia teve acesso a e-mails de pessoas não investigadas

Inquéritos sobre os negócios de Fernando Sarney vão ter de ser reescritos para suprimir o uso de provas ilícitas

A Justiça invalidou parte das provas obtidas por interceptação de e-mails em operação realizada pela PF quando investigava negócios e movimentações financeiras do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney.
A decisão atinge, segundo advogados e juízes ouvidos pela Folha, cerca de 10 mil e-mails que possuem o domínio "@mirante", usado tanto pela família Sarney como pelos funcionários do Grupo Mirante, empresa que reúne rádios, TVs e jornal no Estado do Maranhão.
A PF pediu, e a Justiça à época autorizou, a quebra do sigilo de e-mails registrados em nome do grupo.
Agora, a Justiça entendeu que, ao fazer isso, a PF teve acesso a mensagens de todos os funcionários do grupo e não apenas dos que eram alvo de investigação.

REMOÇÃO DAS PROVAS
Os inquéritos terão que ser reescritos pela PF, segundo apurou a Folha, para que as menções às provas, agora consideradas ilícitas, sejam removidas, o que pode atrasar a conclusão do caso.
A investigação começou em fevereiro de 2007, devido à movimentação atípica de R$ 2 milhões na conta de Fernando Sarney e de sua mulher, Teresa Murad Sarney.
A apuração se estendeu até agosto de 2008 e apontou crimes de tráfico de influência em órgãos do governo federal, formação de quadrilha, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro. Fernando nega as acusações.
Ao longo da operação, chamada de Boi Barrica e rebatizada de Faktor, foram "grampeados" 452 endereços de e-mail, o que possibilitou à Justiça ter acesso a milhares de mensagens eletrônicas trocadas entre os funcionários do grupo Mirante.

RECURSO
A decisão da Justiça que anulou os e-mails como prova foi tomada em julho a pedido de João Odilon Soares, um funcionário do grupo de comunicação dos Sarney que também aparece como sócio da factoring da família, usada, segundo a PF, para lavar dinheiro.
Ele também era tesoureiro de uma ONG de Fernando suspeita de desviar dinheiro da Eletrobrás. Ambos foram indiciados por gestão financeira irregular, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e formação de quadrilha.
A defesa dele é feita pelo mesmo escritório contratado pela família Sarney. Os advogados pediram ainda a nulidade das provas captadas por meio de quebra de sigilo telefônico, fiscal e bancário, mas não foram atendidos. Eles podem recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), assim como o Ministério Público Federal também deverá recorrer para que as provas voltem a valer.

SEM COMENTÁRIOS
O advogado Eduardo Ferrão, que defende tanto Soares como Fernando Sarney, disse que nem ele nem seus clientes falarão sobre o caso, que corre em sigilo na Justiça. A PF não comentou o assunto.
Entre as mensagens interceptadas pela PF com autorização judicial está a que trata da remessa ilegal pela família Sarney de US$ 1 milhão para uma suposta empresa chinesa.
No entendimento de advogados e juízes ouvidos pela Folha, a partir da decisão da Justiça, a PF terá que demonstrar que chegou à informação sobre o dinheiro no exterior por outra fonte que não apenas o e-mail. Caso contrário, a investigação sobre remessa ilegal ao exterior pode ser prejudicada.
Trocada entre Ana Clara, neta do presidente do Senado, e Teresa, a mensagem trazia anexa autorização de transferência do dinheiro assinada por Fernando, que gerencia os negócios da família.

FONTE: FOLHA DE SAO PAULO

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

INVENTÁRIO - PASSO A PASSO

A abertura do inventário é no domicílio do de cujus. Na vara de sucessões. Se não tiver vara específica, ficará na vara civil.

Competência concorrente ou subsidiária – havendo mais de um domicílio, a abertura se dará no lugar onde os bens se encontram – ou a maior quantidade deles. Se não for possível, escolhe-se o melhor lugar. O princípio que rege a escolha é o da economia e celeridade processual. Contudo, bens no Brasil, mesmo que de estrangeiros, devem ser inventariados no Brasil.

Art. 96. O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.
Parágrafo único. É, porém, competente o foro:
I - da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo;
II - do lugar em que ocorreu o óbito se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes.

Procedimento –

Judicial – é uma regra facultativa em relação ao extrajudicial. Havendo testamento ou incapaz, a via judicial se torna obrigatória.

Extrajudicial - Todos têm que ser maiores e capazes, e a partilha deve ser amigável, acorde, consensual.

Procedimento no Inventário Judicial

As peças processuais mais importantes são as primeiras e últimas declarações. As últimas são o aperfeiçoamento das primeiras declarações.
Primeiras declarações: se deixou bens, se deixou testamento, quantos herdeiros e relação dos bens devidamente descritos, os créditos, as dívidas, etc., tudo devidamente documentado. Quem faz tudo isso é o inventariante.

Passo a passo

Óbito

↓- 60 dias

Requerimento de abertura do inventário, em razão do falecimento do autor da herança. – Qualquer um dos legitimados pode fazê-lo, mas geralmente é responsabilidade de administrador provisório – a pessoa que está na posse do conhecimento e na administração do bem. Se houver acordo, pode-se, já, indicar um inventariante.

Art. 987. A quem estiver na posse e administração do espólio incumbe, no prazo estabelecido no art. 983, requerer o inventário e a partilha.
Parágrafo único. O requerimento será instruído com a certidão de óbito do autor da herança.

↓O Juiz despacha, dizendo “nomeie-se o inventariante”.

↓ mais ou menos 5 dias.

O cartório prepara o Termo de inventariante que é assinado pelo inventariante, em cartório. É um compromisso formal no qual declara aceitar o cargo e seus compromissos. Não é conveniente que o advogado assine, por procuração, o termo de inventariante. É mais previdente deixar que o próprio inventariante o faça, para compromissá-lo.

↓20 dias a partir da assinatura do termo de inventariante.
Primeiras declarações – Uma petição inicial, encabeçada pelo inventariante, com a nominação dos herdeiros, devidamente qualificados; relação e identificação dos bens, se houver; todo o levantamento ativo e passivo.

Art. 993. Dentro de 20 (vinte) dias, contados da data em que prestou o compromisso, fará o inventariante as primeiras declarações, das quais se lavrará termo circunstanciado. No termo, assinado pelo juiz, escrivão e inventariante, serão exarados: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973 - tudo)
I - o nome, estado, idade e domicílio do autor da herança, dia e lugar em que faleceu e bem ainda se deixou testamento;
II - o nome, estado, idade e residência dos herdeiros e, havendo cônjuge supérstite, o regime de bens do casamento;
III - a qualidade dos herdeiros e o grau de seu parentesco com o inventariado;
IV - a relação completa e individuada de todos os bens do espólio e dos alheios que nele forem encontrados, descrevendo-se:
a) os imóveis, com as suas especificações, nomeadamente local em que se encontram, extensão da área, limites, confrontações, benfeitorias, origem dos títulos, números das transcrições aquisitivas e ônus que os gravam;
b) os móveis, com os sinais característicos;
c) os semoventes, seu número, espécies, marcas e sinais distintivos; )
d) o dinheiro, as jóias, os objetos de ouro e prata, e as pedras preciosas, declarando-se-lhes especificadamente a qualidade, o peso e a importância;
e) os títulos da dívida pública, bem como as ações, cotas e títulos de sociedade, mencionando-se-lhes o número, o valor e a data;
f) as dívidas ativas e passivas, indicando-se-lhes as datas, títulos, origem da obrigação, bem como os nomes dos credores e dos devedores;
g) direitos e ações;
h) o valor corrente de cada um dos bens do espólio.
Parágrafo único. O juiz determinará que se proceda
I - ao balanço do estabelecimento, se o autor da herança era comerciante em nome individual
II - a apuração de haveres, se o autor da herança era sócio de sociedade que não anônima.

↓ - Citação dos herdeiros e interessados, determinada pelo juiz. Sempre por Oficial de Justiça. Mas atentar para o §1o: por edital para quem está fora da comarca. Para se manifestar sobre as primeiras declarações.

Sendo citação, o silêncio da parte deveria levar à revelia. Mas isso não ocorre no Inventário, uma vez que a revelia incide sobre matéria de fato. No inventário, se houver argumentação sobre matéria de fato relevante tem que ser levada para uma ação judicial à parte. No inventário não haverá audiência e, portanto, qualquer discussão/argüição deve ser documental. Dessa forma, torna-se uma questão de direito, não incorrendo, portanto, em revelia. Dessa forma pode-se dizer que os efeitos da citação no inventário estão mais próximos daqueles da intimação.
Art. 999. Feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar, para os termos do inventário e partilha, o cônjuge, os herdeiros, os legatários, a Fazenda Pública, o Ministério Público, se houver herdeiro incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se o finado deixou testamento.

§ 1o Citar-se-ão, conforme o disposto nos arts. 224 a 230, somente as pessoas domiciliadas na comarca por onde corre o inventário ou que aí foram encontradas; e por edital, com o prazo de 20 (vinte) a 60 (sessenta) dias, todas as demais, residentes, assim no Brasil como no estrangeiro.
§ 2o Das primeiras declarações extrair-se-ão tantas cópias quantas forem as partes.
§ 3o O oficial de justiça, ao proceder à citação, entregará um exemplar a cada parte.
§ 4o Incumbe ao escrivão remeter cópias à Fazenda Pública, ao Ministério Público, ao testamenteiro, se houver, e ao advogado, se a parte já estiver representada nos autos.

↓ prazo de 10 dias para impugnação/manifestação sobre as primeiras declarações. Sempre com provas documentais. Pela atuação individual dos citados, situações novas podem aparecer. Por exemplo, podem ser impugnados os valores dados aos bens.

Art. 1.000. Concluídas as citações, abrir-se-á vista às partes, em cartório e pelo prazo comum de 10 (dez) dias, para dizerem sobre as primeiras declarações. Cabe à parte:
I - argüir erros e omissões;
II - reclamar contra a nomeação do inventariante;
III - contestar a qualidade de quem foi incluído no título de herdeiro.
Parágrafo único. Julgando procedente a impugnação referida no no I, o juiz mandará retificar as primeiras declarações. Se acolher o pedido, de que trata o no II, nomeará outro inventariante, observada a preferência legal. Verificando que a disputa sobre a qualidade de herdeiro, a que alude o no III, constitui matéria de alta indagação, remeterá a parte para os meios ordinários e sobrestará, até o julgamento da ação, na entrega do quinhão que na partilha couber ao herdeiro admitido.

↓ Se o juiz não receber impugnações, considerará corretas as primeiras declarações. Se receber impugnações, serão avaliadas. Como não haverá audiência, as impugnações devem ser documentalmente provadas. Se for matéria de alta indagação, o questionamento deverá ser pelas vias ordinárias – ação própria independente. De todas as decisões tomadas pelo juiz desde a abertura do inventário até sua sentença, cabe recurso de agravo de instrumento (cujo prazo é de 10 dias).

Art. 1.001. Aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no inventário, requerendo-o antes da partilha. Ouvidas as partes no prazo de 10 (dez) dias, o juiz decidirá. Se não acolher o pedido, remeterá o requerente para os meios ordinários, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro excluído até que se decida o litígio.

Art. 1.002. A Fazenda Pública, no prazo de 20 (vinte) dias, após a vista de que trata o art. 1.000, informará ao juízo, de acordo com os dados que constam de seu cadastro imobiliário, o valor dos bens de raiz descritos nas primeiras declarações. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

↓ - Avaliação dos bens. O juiz nomeia um avaliador, dando-lhe um prazo para terminar. Cabe ao inventariante, com recursos do espólio, depositar a taxa relativa ao pagamento do perito.

Art. 1.003. Findo o prazo do art. 1.000, sem impugnação ou decidida a que houver sido oposta, o juiz nomeará um perito para avaliar os bens do espólio, se não houver na comarca avaliador judicial.
Parágrafo único. No caso previsto no art. 993, parágrafo único, o juiz nomeará um contador para levantar o balanço ou apurar os haveres.
Art. 1.004. Ao avaliar os bens do espólio, observará o perito, no que for aplicável, o disposto nos arts. 681 a 683.

↓ - Apresentação do laudo pelo perito e levantamento do seu pagamento.
↓ - O juiz abre prazo para que todos possam se manifestem sobre o laudo. A cada manifestação o juiz decide e de cada decisão pode haver agravo de instrumento

Art. 1.009. Entregue o laudo de avaliação, o juiz mandará que sobre ele se manifestem as partes no prazo de 10 (dez) dias, que correrá em cartório.

↓ - Últimas declarações – Feitas pelo inventariante, confirmando ou ratificando as primeiras declarações.

Art. 1.011. Aceito o laudo ou resolvidas as impugnações suscitadas a seu respeito lavrar-se-á em seguida o termo de últimas declarações, no qual o inventariante poderá emendar, aditar ou completar as primeiras.
Art. 1.012. Ouvidas as partes sobre as últimas declarações no prazo comum de 10 (dez) dias, proceder-se-á ao cálculo do imposto.

↓ - esboço de partilha ou pedido de quinhão.
Quando a partilha for amigável (todos maiores e acordes), apresenta-se o esboço de partilha. Há uma distribuição de bens, não necessariamente igualitária, Há negociação de ajustes.

Quando não houver concordância (partilha litigiosa), ou quando houver menores, cada um vai apresentar a sua “intenção de quinhão”. Ou aplicam-se as disposições legais.

↓- Manifestações ou não
↓- Decisão do juiz:
· Homologatória - se for amigável
· Declaratória - se for litigiosa
↓ - 15 dias – prazo para eventual apelação
↓ - Trânsito em julgado.
↓ - Formal de partilha ou certidão de partilha.

Art. 1.022. Cumprido o disposto no art. 1.017, § 3o, o juiz facultará às partes que, no prazo comum de 10 (dez) dias, formulem o pedido de quinhão; em seguida proferirá, no prazo de 10 ( dez) dias, o despacho de deliberação da partilha, resolvendo os pedidos das partes e designando os bens que devam constituir quinhão de cada herdeiro e legatário.
Art. 1.023. O partidor [servidor do cartório] organizará o esboço da partilha de acordo com a decisão, observando nos pagamentos a seguinte ordem:
I - dívidas atendidas;
II - meação do cônjuge;
III - meação disponível;
IV - quinhões hereditários, a começar pelo co-herdeiro mais velho.
Art. 1.024. Feito o esboço, dirão sobre ele as partes no prazo comum de 5 (cinco) dias. Resolvidas as reclamações, será a partilha lançada nos autos.
Art. 1.025. A partilha constará:
I - de um auto de orçamento, que mencionará:
a) os nomes do autor da herança, do inventariante, do cônjuge supérstite, dos herdeiros, dos legatários e dos credores admitidos;
b) o ativo, o passivo e o líquido partível, com as necessárias especificações;
c) o valor de cada quinhão;
II - de uma folha de pagamento para cada parte, declarando a quota a pagar-lhe, a razão do pagamento, a relação dos bens que Ihe compõem o quinhão, as características que os individualizam e os ônus que os gravam.
Parágrafo único. O auto e cada uma das folhas serão assinados pelo juiz e pelo escrivão.

Pagamento do imposto “causa mortis”

Pode ser após a avaliação ou após a decisão do juiz (sentença homologatória ou declaratória) e trânsito em julgado. Procese-se então, ao pagamento de imposto causa mortis e a apresentação de certidões de negativas junto ao fisco relativamente ao de cujus (municipal, estadual e federal).

No cartório, a sentença geral do juiz, é individualizada. Cada herdeiro recebe o seu formal de partilha (ou certidão de pagamento). Uma vez recebido, cabe ao herdeiro fazer a averbação no cartório de registro, quando for o caso.

ATESTADO DE BOA CONDUTA NÃO BASTA PARA PROGRESSÃO DE REGIME

Por César Dario Mariano da Silva

O sistema progressivo de regime tem o propósito de reinserir gradativamente o condenado no convívio social. A pena é cumprida em etapas e em regime cada vez menos rigoroso, até que o preso possa receber a liberdade. Durante o tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade, o preso será avaliado e só será merecedor da progressão caso a sua conduta assim recomende.

O mérito do condenado para a progressão de regime prisional (requisito subjetivo) diz respeito a seu bom comportamento carcerário e aptidão para retornar ao convívio social. Para que possa obter a progressão de regime prisional, não basta o bom comportamento carcerário, sendo necessário, também, que esteja apto a ser colocado em regime menos rigoroso.

Um dos instrumentos empregados para a verificação da aptidão para a progressão de regime é o exame criminológico, que será realizado quando for necessário.

O exame criminológico é uma espécie de exame de personalidade e tem a finalidade de obter elementos indispensáveis à classificação do sentenciado e à individualização da execução penal. Ele examina a personalidade do criminoso, sua periculosidade, eventual arrependimento, possibilidade de voltar a delinquir, dentre outras situações, propondo as medidas necessárias para a recuperação. Por se tratar de perícia oficial, deve ser realizado por profissionais capacitados (psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais).

A Lei de Execuções Penais dispõe que a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo Juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento (art. 112).

À primeira vista, para o intérprete mais afoito, pareceria que a norma instituiu como requisitos para a progressão de regime apenas que o preso tenha cumprido ao menos um sexto da pena no regime em que se encontra e que ostente bom comportamento carcerário, atestado pelo diretor do estabelecimento prisional.

No entanto, qualquer norma deve ser interpretada levando-se em consideração o sistema que ela integra. A mera interpretação gramatical invariavelmente leva o intérprete a equívoco. Assim, o artigo 112 da LEP deve ser interpretado em conjunto com o restante da legislação.

O artigo 33, parágrafo 2º, do Código Penal, estabelece que para a progressão de regime prisional deve ser observado o mérito do condenado, que, como já afirmado, não deve ficar adstrito a um mero documento que ateste a boa conduta carcerária. Só poderá ser deferida a progressão para o condenado que esteja apto a retornar ao convívio social, que pode ocorrer até no regime semiaberto (trabalho externo e saída temporária).

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o Juiz pode determinar o exame criminológico quando a situação fática o exigir. Pairando dúvida quanto à cessação da periculosidade do condenado, o Magistrado deverá condicionar a progressão de regime prisional ao exame criminológico. Seria um contra-senso permitir a progressão, ou até mesmo a liberdade, para alguém que ainda não possui condições de retornar ao convívio social, mostrando-se perigoso para a coletividade. Assim, se o exame criminológico concluir que o preso não tem condições de progredir de regime prisional, o Juiz deverá indeferir a progressão, dada à natureza do sistema progressivo de regime, que pressupõe a readaptação gradativa do preso à liberdade.

Conclui-se, portanto, que embora o exame criminológico não seja mais obrigatório, é perfeitamente possível sua realização quando houver necessidade de ser verificado se o condenado pode voltar ao convívio social.

O Juiz não pode ficar adstrito à análise de um mero atestado de conduta carcerária para verificar o mérito do sentenciado para a progressão de regime prisional. Quem deve analisar se há, ou não, mérito para a progressão é o Juiz das Execuções Criminais e não o diretor da unidade prisional ao emitir o atestado de conduta carcerária.

No sentido da possibilidade da realização do exame criminológico, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 439: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”. Deixou claro o Egrégio Superior Tribunal de Justiça que o Magistrado pode determinar a realização do aludido exame pericial ao analisar o caso concreto e em decisão devidamente fundamentada.

Com efeito, dizer que o Magistrado não pode indeferir a progressão de regime prisional com fundamento no exame criminológico é reduzir a atividade jurisdicional a de mero espectador e atribuir a função de analisar o mérito ao diretor da unidade prisional.

Decisão judicial que progride de regime sentenciado considerado por técnicos como perigoso e inapto para o retorno ao convívio social é, no mínimo, irresponsável.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE INDÍCIOS DE DOLO OU DE MÁ-FÉ

Ato administrativo ilegal só configura ilícito de improbidade administrativa quando revela indícios de má-fé ou dolo do agente. O entendimento é da 2ª T. STJ, que, de forma unânime, rejeitou um pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra a ex-prefeita de São João do Oriente, pequeno município localizado no Leste do estado.

Maria de Lourdes Fernandes de Oliveira foi acusada de causar prejuízo ao município por meio de conduta omissiva. Segundo o MPMG, ela não prestou contas das três últimas parcelas de um convênio – firmado com o governo estadual – para a construção de uma escola. Assinado pelo prefeito anterior, o convênio envolveu o repasse de pouco mais de R$ 320 mil, em nove parcelas.

A irregularidade fez com que o município fosse inscrito no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Em razão disso, o município passou a sofrer restrição para firmar novos convênios e receber recursos. Tal fato motivou a ação civil pública do MPMG, apesar de o objeto do convênio – a construção da Escola Estadual Vitalino de Oliveira Ruela – ter sido devidamente alcançado na gestão da ex-prefeita, ocorrida no período de 1997 a 2000.

A controvérsia chegou ao STJ após a ação por improbidade administrativa ter sido julgada improcedente em primeira e segunda instâncias. Em ambos os casos, fundamentou-se a decisão em três pontos: os atos imputados à ré constituem apenas irregularidades formais; não houve lesão ao erário, pois o objeto do convênio foi devidamente concluído; e não se demonstrou que a ex-prefeita agiu com dolo ou culpa de modo a causar prejuízos ao município.

Ao analisar a questão, a relatora, ministra Eliana Calmon, atentou para que, de fato, a dicção literal do art. 11, VI, da Lei 8.429/92 (a chamada «Lei da Improbidade Administrativa») dispõe que constitui ato de improbidade deixar de prestar contas quando o agente público estiver obrigado a fazê-lo. No entanto, a simples ausência dessa prestação não impõe a condenação do agente, se não vier acompanhada da «comprovação de elemento subjetivo, a título de dolo genérico» – ou seja, se não forem demonstrados indícios de desonestidade ou má-fé.

Citando a sentença e o acórdão questionados pelo Ministério Público, a magistrada destacou que, sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública. «Pensar de forma diversa seria penalizar os agentes públicos por qualquer insucesso da máquina administrativa, mesmo nos casos em que seus dirigentes atuem rigorosamente sob os ditames legais, caracterizando responsabilidade objetiva dos administradores, o que é rejeitado pela jurisprudência pacífica desta Corte», afirmou Eliana Calmon.

De acordo com a ministra, é pacífica no STJ a possibilidade de enquadramento de ilícito previsto no art. 11 da Lei 8.429/92 mesmo se não há dano ou lesão patrimonial ao erário. Contudo, é imprescindível a demonstração do elemento subjetivo do agente, pelo menos a título de dolo genérico, para fins de enquadramento da conduta às previsões do referido dispositivo legal.

«In casu, entendo ser inviável a condenação da ex-prefeita, por carecer de comprovação quanto a esse último requisito (elemento subjetivo), com base na análise realizada pela instância ordinária, à luz do acervo fático-probatório dos autos», concluiu a ministra. (RESP 1.140.544).

domingo, 22 de agosto de 2010

CUIDADOS NA COMPRA DA CASA PRÓPRIA

POR: OTÁVIO DE QUEIROGA

Comprar a casa própria pode ser a realização de um sonho - ou se transformar em um grande problema, se a compra for feita sem os cuidados necessários, e sem assistência de profissionais capacitados, ou seja, um idôneo corretor de imóveis e um advogado especializado em direito imobiliário.

O Atual momento é bom, mas empolgação demais pode resultar em problemas. Comprar imóvel requer muito planejamento, uma dose generosa de paciência e, de preferência, o apoio de um bom corretor ou de um advogado.

Segundo pesquisas do seto imobiliário, o brasileiro compra, em média, dois imóveis durante toda a vida. Portanto, cercar-se de cuidados é imprescindível. Procure junto com a sua família ver quais são as necessidades. Localização – se perto do emprego, do lazer, de um hospital; tamanho – grande, com condomínio barato porque não tem área comum, ou menor, mas com uma bela área de lazer, por exemplo. É preciso ver o que a família tem necessidade.

A outra dica é buscar algo que caiba no bolso do comprador. O que cabe hoje, como está a sua situação de emprego hoje, qual a perspectiva para o futuro. Tem perspectiva de mudar de cidade, de ser promovido, de ser demitido?

No momento da compra, todas as variáveis precisam ser analisadas com critério. Por exemplo, caso o comprador opte por um apartamento, é preciso decidir se a preferência é por um imóvel novo, na planta ou usado. Se quer um andar alto ou baixo, se prefere que fique de frente ou fundo, se deve ter varanda ou não, o número ideal de vagas de garagem, se a estrutura de lazer é importante, qual o valor de condomínio que não vai impactar demais no orçamento doméstico, portanto, é preciso esmiuçar tudo.

O mesmo raciocínio se aplica à escolha do bairro. Tem bairros que, no mesmo quarteirão, um lado custa 20% menos que o outro, seja porque tem feira livre, porque tem bares, porque tem muito trânsito. Portanto, é preciso escolher muito bem.

É premente que no momento da compra estar atento aos documentos do imóvel e também à documentação dos vendedores. Cada compra deve ser submetida à avaliação de um profissional habilitado, mas que, de maneira geral, valem as seguintes recomendações: do imóvel é preciso solicitar matrículas atualizadas, destacando que imóveis mais antigo fala-se ainda em transcrição como título de domínio; escritura; certidões da prefeitura em relação a tributos vinculados ao imóvel (taxa do lixo e IPTU); declaração da quitação de condomínio (para condomínios verticais ou horizontais); folha de rosto do IPTU, onde constam os dados cadastrais do imóvel.

Também é importante a análise da situação do próprio condomínio precisa ser avaliada também. Por exemplo, no caso de dívidas trabalhistas e INSS não pago. Também é importante ter acesso às contas de energia, água e gás da unidade.

Com relação à documentação dos vendedores, entram na lista as certidões pessoais dos distribuidores forenses da Justiça Estadual e da Justiça Federal, além da Justiça do Trabalho; certidões negativas dos Cartórios de Protesto; cópias autenticadas de RG, CPF e certidão de casamento. Todas estas certidões devem ser, pelo menos, do local em que está o imóvel e do domicílio dos vendedores.

Agora, se a aquisição for feita de pessoa jurídica, a documentação é diferente. De maneira resumida, os documentos necessários são: contratos sociais ou estatuto social atualizados – é este documento que vai determinar quem poderá representar a empresa e em quê condições. Também é com base neste contrato social que será determinado que outros documentos devem ser exigidos. No caso, todas as certidões mencionadas anteriormente, além de falências, de recuperações judiciais, e do INSS.

Se a compra for feita de imóvel cujo proprietário faleceu, são necessários cuidados adicionais. É preciso solicitar o alvará judicial que autoriza a venda. Isso só deixa de ser necessário nos casos em que os herdeiros são maiores e capazes e não há testamento, porque nestes é possível a realização de escritura de inventário (chamado de inventário extrajudicial).

Outra recomendação é registrar no Cartório de Registro de Imóveis o Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra. É importante para evitar, por exemplo, que o vendedor promova mais uma alienação do imóvel para terceiros, entre outros problemas.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

DESCARACTERIZAÇÃO DE FURTO POR INSIGNIFICÂNCIA NÃO DESQUALIFICA CRIME DE RESISTÊNCIA À PRISÃO

A declaração de atipicidade do crime de furto por conta do princípio da insignificância não retira a legalidade da ordem de prisão efetuada por policiais militares. A decisão é do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou legítima a configuração do crime de resistência ao ato de prisão contra um réu que, por duas vezes, desafiou as autoridades policiais mediante violência, até ser capturado.

A defesa alegou no caso que, diante da declaração de atipicidade do crime de furto pela Corte Superior, estaria também descaracterizada a ordem de prisão em flagrante e o crime de resistência à prisão. O STJ havia declarado a irrelevância penal pelo furto de dois sacos de cimento no valor de R$ 50,00 e a defesa pedia a desclassificação do crime de resistência à prisão, por duas vezes seguidas.

Segundo entendimento da Quinta Turma, a resistência e o furto consistem, em verdade, em delitos autônomos, com bens jurídicos distintamente tutelados (quais sejam, a administração pública e o patrimônio). Tais delitos, segundo o relator, ministro Felix Fischer, ocorreram em momentos diferentes e por razões diversas, embora sequenciais no tempo. De modo que só pode ser concedido o habeas corpus para absolver o acusado do crime de furto.

FONTE: STJ

ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: É CRIME?

POR: LUIZ FLÁVIO GOMES
- Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Christiane de O. Parisi Infante.

Em 06 de agosto de 2010 o site do Supremo Tribunal Federal (STF) destacou decisão do Ministro Gilmar Mendes nos autos do HC 104.410 (STF, HC 104.410, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 30.06.2010). Eis a notícia:

Supremo suspende ato do STJ que manteve condenação de agricultor por porte de arma desmuniciada

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que manteve condenação de primeira instância ao agricultor gaúcho A.L. Ele foi condenado à pena de 15 dias de prisão pelo crime de vias de fato (artigo 21, da Lei de Contravenções Penais) e a um ano de detenção pelo crime de porte de arma de fogo (artigo 10, caput, da Lei 9.347/97), substituída por pena restritiva de direito.

(...)

O caso

Na denúncia oferecida pelo Ministério Público (MP) contra o agricultor consta que, no dia 15 de fevereiro de 2003, ele praticou vias de fato contra outra pessoa, em um bar. A polícia foi chamada, mas ao chegar não encontrou mais os envolvidos na briga.

Informada quanto ao veículo utilizado pelo agressor, a polícia encontrou o veículo estacionado e, em seu banco traseiro, uma arma calibre 32, enrolada em uma camisa. O próprio agricultor, localizado posteriormente, assumiu a propriedade da arma sem registro, admitindo também não ter autorização para portá-la.

Decisão

“Em um juízo preliminar, considero plausível a pretensão da defesa, por estar em consonância com vários julgados deste STF”, disse o ministro Gilmar Mendes, ao citar o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 81057. Ainda no mesmo sentido menciono recente julgado da Segunda Turma da Corte, o HC 99449.

Assim, sem prejuízo de reexame da matéria, a ministra (sic) deferiu pedido de medida liminar para suspender, até o julgamento final do presente habeas corpus, a eficácia do acórdão proferido pelo STJ nos autos de Recurso Especial. Posteriormente, os autos serão encaminhados para a Procuradoria-Geral da República (PGR), para parecer.

Fonte: www.stf.jus.br, 06 ago. 2010.

A função do Direito penal é a proteção de bens jurídicos relevantes diante de ataques concretos e intoleráveis (essa é a premissa da nossa teoria constitucionalista do delito). Para que se justifique a tipificação penal de uma conduta é necessário verificar se houve (ou não) lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido (desvalor do resultado jurídico).

Para os que entendem que a arma de fogo desmuniciada possui potencialidade lesiva concreta bastaria a ação (desvalor da ação) para a configuração do crime, pois cuidaria de perigo abstrato.

O crime (portar arma de fogo), no plano formal, é de mera conduta. No plano jurídico-material é um crime de perigo (perigo de lesão). Por força do princípio da ofensividade, sem a comprovação efetiva do perigo (concreto) não existe crime.

O bem jurídico protegido é a incolumidade pública (de forma direta) assim como bens jurídicos pessoais tais como a vida, integridade física etc. (de forma indireta). A arma de fogo (municiada ou desmuniciada) tem poder de intimidação, mas no caso da arma de fogo o perigo concreto exige: (a) idoneidade ofensiva da arma e (b) disponibilidade de uso.

Arma desmuniciada não provoca risco concreto para ninguém, logo não serve para a configuração do delito (isolado, de porte de arma). Ela serve para intimidar (e é por isso que pode configurar o delito de roubo, quando usada no contexto de uma subtração).

Para Verônica Correia Canal não se justifica a tipificação do porte de arma desmuniciada ou a posse de munição: “uma vez compreendido na tipicidade material a verificação de ausência efetiva e concreta da lesão ao bem jurídico do fato punível, esta conduta não será materialmente típica, excluindo a própria tipicidade”.

André Luiz Martins entende que inexiste lesividade jurídica na arma desmuniciada e defende que a punição adequada para o caso é a administrativa.

Em julgamento ocorrido em 11 de maio de 2010 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela irrelevância do fato de a arma de fogo estar ou não desmuniciada para afastar a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, I, do Código Penal (CP).

O relator destacou diversos argumentos em defesa de sua tese: - que a qualidade de potencial lesivo integra a própria natureza do artefato; - que a causa de aumento de pena traduz a mensuração de culpabilidade; - que independentemente de estar carregada ou não, a própria arma pode ser usada como instrumento para causar lesões físicas. E concluiu: “Fundamental é a conseqüência gerada no ânimo da vítima. (...) Em tal circunstância, para afastar a incidência da sanção, cumpriria comprovar que ela não influenciou no ânimo do sujeito passivo”.

No mesmo sentido decidiu o STF no julgamento do HC 96.072/RJ. O relator recordou que: - o tipo previsto no art. 10 da Lei 9.437/97 (revogado pela Lei 10.826/03) não fazia qualquer registro quanto à necessidade de se aferir o seu potencial de lesividade; - o art. 14 do Estatuto do Desarmamento tipificou criminalmente a simples conduta de portar munição (a qual, sem a arma, não possui potencial lesivo) e – as Leis n. 9.437/97 e n. 10.826/03 visaram garantir a segurança da coletividade.

O Ministro Ricardo Lewandowski concluiu que: “O tipo penal de perigo abstrato, no caso sob exame, visa a impedir que sejam praticadas certas condutas antes da ocorrência de qualquer resultado lesivo, garantindo, assim, de forma mais eficaz, a proteção de um dos bens mais valiosos do ser humano, que é a sua própria vida”. A proteção pode ser mais “eficaz”, mas também é flagrantemente inconstitucional (porque o perigo abstrato viola o princípio da ofensividade, na medida em que antecipa a tutela penal exageradamente). Esse tipo de Vorfeldcriminalizierung conflito com a concepção constitucionalista do delito.

Assim, para os defensores dessa posição, a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado concreto.

Em sentido diverso entendeu a Segunda Turma do STF (vencida a Min. Ellen Gracie) apreciando habeas corpus no qual se discutia se o porte de arma de fogo desmuniciada e enferrujada configura, ou não, o crime tipificado no art. 14 da Lei 10.826/03. Segundo o Min. Eros Grau não é possível caracterizar como crime o porte ilegal de arma desmuniciada não submetida a exame pericial para atestar, ou não, sua potencialidade lesiva.

Em julgamento no qual se discutia sobre a incriminação (ou não), à luz do art. 10, caput, e inciso IV, da Lei 9.437/97, do fato de o agente, portador de condenação anterior por crime contra o patrimônio, trazer consigo, à cintura, arma de fogo desmuniciada, foi feita distinção de duas situações, à luz do princípio da disponibilidade:

(...) (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica.

Não devemos confundir poder de intimidação (da arma desmuniciada ou de brinquedo) com potencialidade lesiva. Resta evidenciado que não há potencialidade lesiva concreta na arma desmuniciada. Entender de outra forma implicaria em violação ao princípio da ofensividade e desrespeito ao caráter fragmentário e subsidiário do Direito penal.

JUSTIÇA FEDERAL SUSPENDE INSS SOBRE TERÇO DAS FÉRIAS

Por Mayara Barreto

A Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse) e o Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo (Sincovaga) conseguiram na Justiça Federal a isenção do recolhimento da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias. No caso da Cebrasse a sentença atinge somente seus 80 associados diretos. O Sincovaga, que representa 18 mil empresas na cidade e no estado de São Paulo, só obteve liminar para isentar as associadas da capital paulista da contribuição.

As duas entidades irão recorrer para que a decisão tenha maior abrangência. A Cebrasse pedirá que a decisão alcance também as empresas associadas aos seus filiados e o Sincovaga quer que a isenção seja estendida para todo o estado de São Paulo.

O juiz federal Wilson Zauhy Filho, titular da 13ª Vara Federal, concedeu também aos associados da Cebrasse o direito de compensar os valores indevidamente pagos sob este título nos 10 anos que antecederam o ajuizamento da ação, facultada à fiscalização a averiguação dos valores compensados. Segundo o advogado da Central, Percival Maricato, as entidades ou empresas que venham a se associar à central empresarial poderão também se beneficiar da decisão, da qual cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

No Mandado de Segurança Coletivo, a Cebrasse alegou que a tais verbas não apresentam natureza salarial ou remuneratória, mas caracterizam-se pelo seu caráter indenizatório. Portanto, não se enquadrariam no conceito de salário-de-contribuição estabelecido no artigo 28 da Lei 8.212/1991, escapando assim, à tributação contestada.

De acordo com a União, a discussão ocasiona as preliminares de ausência de interesse de agir e ilegitimidade ativa. Ressaltou a semelhança entre a Ação Civil Pública e o Mandando de Segurança Coletivo e observou que ações coletivas não servem para discutir a cobrança de tributos.

A União alega que por apresentarem a mesma natureza, ambas as ações coletivas devem receber o mesmo tratamento, em decorrência de interpretação extensiva. Dessa forma, a vedação contida no artigo 1º da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) deve ser aplicada ao caso presente, de molde a ser reconhecida a impropriedade da via eleita e a ilegitimidade ativa da impetrante.

Ao decidir, o juiz federal Wilson Zauhy Filho afastou inicialmente a preliminar de inadequação da via eleita, considerando que não cabe se falar em interpretação extensiva na hipótese presente. De acordo com o juiz, para analisar a questão, é preciso analisar o pedido de forma fragmentada. Ou seja, para que a contribuição sobre verbas de natureza indenizatória pudesse ser validamente exigida, seria necessário que primeiro fosse instituída pelo veículo da lei complementar, requisito não atendido na espécie. Mas, segundo ele, tal entendimento, de forma isolada, não é suficiente para afastar a exigência tributária.

Segundo ele, em relação ao adicional constitucional de férias e às férias indenizadas, a própria Lei 8.212/1991, ao tratar das parcelas que compõem a base de cálculo das contribuições previdenciárias, exclui expressamente tais prestações percebidas pelos empregados. "Como se vê, o próprio legislador exclui as parcelas recebidas a título de férias indenizadas e seu respectivo terço constitucional da base de cálculo das contribuições previdenciárias, de modo que, quanto a tais valores, deve ser reconhecida a pertinência do pedido", ressaltou. O juiz negou os pedidos referentes ao auxílio-acidente e auxílio-doença.

Comércio varejista
Em seu Mandado de Segurança Coletivo, o Sincovaga pediu em caráter liminar a suspensão da exigibilidade da contribuição previdenciária incidente sobre os valores que as empresas que compõem a categoria econômica representada pagam aos seus funcionários a título de terço constitucional de férias. O sindicato argumentou que tais verbas não possuem natureza salarial, e por isso a incidência é indevida. Além disso, pediu que seja autorizada à categoria a compensação de valores indevidamente recolhidos.

Em sua defesa, a Procuradoria da Fazenda Nacional alegou a ausência de documentos essenciais à propositura da ação e de ilegitimidade ativa do sindicato.

De acordo com o juiz da 20ª Vara Federal de São Paulo, antes da nova interpretação dada à referida verba pelo Supremo Tribunal Federal, esta tinha caráter remuneratório, ou seja, encontrava-se em conformidade com a definição do salário-de-contribuição, artigo 28 da Lei 8.212/91, incidindo, assim, sobre a parcela previdenciária.

Mas, essa situação se alterou após decisão da ministra Ellen Gracie, do STF, que ao analisar um caso concreto consignou que o abono de férias era espécie de "parcela acessória que, evidentemente, deve ser paga quando o trabalhador goza seu período de descanso anual, permitindo-lhe um reforço financeiro neste período".

A partir desse julgamento, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento acerca do terço constitucional de férias, que passou a ser considerado como verba indenizatória, sendo indevida a contribuição previdenciária incidente sobre a referida verba.

Seguindo a nova interpretação dada pelo STF, o Superior Tribunal de Justiça também aplicou o entendimento em incidente de uniformização de jurisprudência. O juiz substituto da 20ª Vara Federal de São Paulo, Anderson Fernandes Vieira, aplicou a decisão para afastou a preliminar da Procuradoria e também o argumento de impossibilidade jurídica do pedido.

Entendeu pela não incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias e suspendeu a exigibilidade das futuras contribuições previdenciárias do empregador, ao incidir sobre as verbas pagas pelas empresas aos seus funcionários relativas ao terço constitucional de férias. Além disso, foi determinado também o ingresso da União no pólo passivo do caso.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA RECONHECEU O "POKER" COMO JOGO DE HABILIDADE

Tribunal de Justiça reconhece poker como jogo de habilidade

Numa liminar concedida no dia 30 de julho, a Desembargadora Sônia Maria Schmitz, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, reconheceu o poker como jogo de habilidade.

A decisão foi a favor da Overbet Eventos, empresa responsável pela organização do LAPT Florianópolis, que aconteceu na última semana.

A princípio, a Overbet Eventos tinha autorização para a realizar o evento, mas esta foi subitamente negada pelo Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, que considerou o poker ilegal, dizendo ser um jogo de azar.

Com isso, a empresa recorreu ao Tribunal de Justiça, munida de laudos técnicos, decisões judiciais anteriores, e até mesmo uma carta do governador do estado, expressando sua vontade, enquanto representante do Estado de Santa Catarina, em receber o evento.

Após analisar a documentação, a Desembargadora Sônia Maria Schmitz concedeu então um mandato de segurança para a realização do evento, considerando o poker como jogo de habilidade.

"De todo modo, do parecer elaborado pelo jurista Miguel Reale Júnior, é possível inferir que suas regras dependem de 'probabilidades matemáticas, conhecimento das regras e estratégias do jogo, capacidade psicológica do apreender as reações dos adversários, possibilidade de dissimular as próprias cartas e de prever as cartas dos demais,' aspectos que entremostram, nesta fase preliminar, a proeminência da habilidade sobre a sorte."

Ela citou ainda o reconhecimento do poker como esporte mental pela Associação Internacional de Esportes da Mente, o que por si só é motivo suficiente para afastar qualquer dúvida sobre a predominância da habilidade no poker.

FONTE: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

JUSTIÇA PROÍBE DESCONTO DE EMPRÉSTIMO ILEGAL EM CONTA

A 5ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal decidiu que o Banco de Brasília (BRB) deve abster-se de cobrar de uma cliente parcelas referentes a empréstimos feitos de forma fraudulenta. Ainda cabe recurso.

Ao conceder a antecipação de tutela, a sentença assegurou que obrigar a autora ao pagamento de empréstimos por ela não feitos poderá comprometer sua renda e impossibilitar sua sobrevivência. Para ele, ficou demonstrado o periculum in mora. Ele assegurou também que o Boletim de Ocorrência e os extratos de conta corrente juntados aos autos demonstram, inicialmente, a verossimilhança das alegações.

A autora narra no processo que é titular de uma conta corrente no BRB onde recebe seu salário. Assegura que por muitas vezes foram colocadas à disposição linhas de crédito pré-aprovadas, mas nunca utilizou nenhuma. Contudo, em julho deste ano, dirigiu-se a um caixa eletrônico para retirar o extrato e verificou a realização de três empréstimos e de um saque de R$ 5 mil.

Por conta do ocorrido, procurou várias vezes o banco para resolver o problema, mas foi informada que o seu cartão foi clonado e que teria de pagar as parcelas dos empréstimos mesmo assim. Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Processo 2010.01.1.141061-7

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

VALOR DAS PARCELAS DO REFIS SAI NO FIM DO ANO

Por Alessandro Cristo

A demora do fisco federal em calcular e informar às empresas optantes pelo último Refis o valor das parcelas que deverão pagar se deve a dificuldades no setor de tecnologia da Receita Federal, segundo o secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo. Lançado em maio do ano passado pela Lei 11.941, o parcelamento de longo prazo conhecido como “Refis da Crise” ainda não tem os valores definitivos a serem pagos pelos devedores pelos próximos 15 anos. “Foi contemplada uma série de normas sobre prazos e deduções de multas e juros, e a área de tecnologia da informação encontra grande dificuldade para dar uma formatação precisa”, disse à Consultor Jurídico.

Isso se deve, segundo ele, à possibilidade de inclusão tanto de débitos no âmbito da Receita Federal quanto inscritos na dívida ativa da União, o que demanda “construir um sistema de parcelmento com muitas regras e excepcionalidades”.

Nascida da Medida Provisória 449, em 2008, a Lei 11.941 ratificou o perdão de dívidas inscritas em DAU em valor inferior a R$ 10 mil, e se viu obrigada a incluir também as consequências da Súmula vinculante 8, do Supremo Tribunal Federal, que cortou pela metade o antigo prazo prescricional de dez anos para dívidas previdenciárias. Isso demandou uma limpeza prévia nos sistemas da dívida ativa.

Além disso, o novo parcelamento permitiu que os contribuintes escolhessem as dívidas que queriam incluir no programa, o que obrigou o fisco a recalcular e refazer inúmeros autos de infração, como explicou em abril o diretor do Departamento de Gestão da Dívida Ativa, Paulo Ricardo de Souza Cardoso. Em entrevista concedida à ConJur, ele já havia adiantado o problema. “É preciso lembrar que o parcelamento tem 16 modalidades. Vamos pegar a dívida e aplicar os efeitos da Súmula Vinculante e da remissão, e calcular o valor das prestações do parcelamento, que hoje são pagas pelo valor mínimo”, disse na época. A previsão para o fim da tarefa, no entanto, era maio.

Responsável pela elaboração do sistema, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), que administra os sistemas do fisco, tem dificuldades em reunir as informações e homologar o programa, mas isso deve acabar até o fim do ano, segundo Cartaxo. “A parte da Receita Federal já foi feita, que foi a especificação dos dados”, diz.

HISTÓRIA DE CANGUARETAMA, RIO GRANDE DO NORTE

POR:FRANCISCO ALVES GALVÃO NETO


É comum que toda cidade surja próximo a um porto ou nos arredores de uma igreja. Canguaretama não foi assim surgiu antes de se construir uma igreja, antes de ter um porto. Não era uma terra onde havia um rico proprietário, pelo contrário, a cidade surgiu onde moravam pobres descendentes de negros e índios. Política e administrativamente o município de Canguaretama somente passa a existir na segunda metade do século XIX, mas seu território já era habitado e disputado antes do século XV. Como município, tornou-se a continuidade de Cunhaú e Vila Flor. Poderíamos dizer que seus primeiros habitantes foram os índios potiguares, mas é bem provável que esses índios já tenham expulsado outros grupos para ocupar a área. Eram índios que se utilizavam da agricultura, conheciam bem a fauna, a flora e a geografia do lugar. Teriam sido absolutos nesse território que julgavam ser donos durante os séculos XV e XVI.

Durante o século XVI os franceses mantiveram intenso contato com os potiguares na localidade de Aretipicaba, hoje Baia Formosa, e Corimatai, hoje Barra do Cunhaú, para contrabandear pau-brasil.

Depois de fazer uma aliança de paz com os potiguares, expulsar os franceses e fundar a cidade de Natal, Jerônimo de Albuquerque doou, a 2 de maio de 1604, uma sesmaria aos seus filhos Antônio e Matias de Albuquerque. Eram cinco mil braças quadradas de terras, onde foi erguido o famoso Engenho Cunhaú, o primeiro da capitania. Além de muito açúcar, o engenho também produzia farinha de mandioca, milho e criava-se gado em abundância. Junto com o engenho vieram os primeiros colonos europeus, os negros escravos africanos e os padres católicos para pregar o evangelho na região.

Tudo ia muito bem com o engenho, mas outros problemas surgem distantes da colônia. Os holandeses temendo perder o controle do comércio do açúcar, desde que o Brasil passou a ser uma possessão da Espanha, decidiu invadir o nordeste brasileiro.

Tiveram êxito em 1630, invadindo a Capitania de Pernambuco e logo expandiram seu domínio até a Capitania do Rio Grande. Depois de tomar a Fortaleza dos Santos Reis e a cidade de Natal, conquistaram e destruíram o Fortim da Barra do Cunhaú. O Engenho Cunhaú foi confiscado pela “Companhia das Índias Ocidentais” e passou a ser administrado pelos holandeses.

A partir de 1643 os holandeses começaram a exigir mais lucros com a produção açucareira e também proibiram o culto católico. O pagamento do dízimo foi suspenso para que os senhores de engenho usassem os recursos para pagar os juros dos empréstimos concedidos para a reconstrução dos engenhos. A população não aceitava, porém não tinham muito o que fazer.

Com o clima de hostilidade que aumentava, em 15 de julho de 1645, Jacob Rabe, liderando uma milícia holandesa e um grupo de índios tapuias e potiguares chegou ao Engenho Cunhaú dizendo trazer instruções holandesas de Pernambuco. No dia seguinte, ordenou a matança do padre André de Soveral e de todos os fiéis que assistiam a missa dominical naquela manhã. 69 mortos. Poucos conseguiram fugir.

Ainda em 1645 foi iniciado um movimento que pôs fim ao domínio holandês, a Insurreição pernambucana. Pela primeira vez brancos, índios e negros se uniram e expressaram sua “brasilidade”, porém o Brasil continuou como colônia.

A partir de 1654 os holandeses desistiram do Brasil. A terra retornou às mãos dos portugueses, mas quase tudo precisava ser reconstruído. Casas, rebanhos, plantações, famílias, tudo tinha sido arrasado. Além do mais o preço do açúcar começou a cair devido a concorrência internacional.

A poucas léguas a leste do Engenho Cunhaú surgiu, ainda no século XVII, o aldeamento indígena de Gramació. O Alvará Régio de 23 de setembro de 1700 deu a esses índios uma légua quadrada de terra. Em 1743 o padre André do Sacramento iniciou a construção da Igreja de Nossa Senhora do Desterro, que foi concluída em 1645.

Com a Carta Régia de 3 de maio de 1755, Dom José I, rei de Portugal, elevou todos os aldeamentos indígenas da capitania à categoria de vila. O aldeamento de Gramació passou então a chamar-se de Vila Flor, porém a instalação oficial só veio a ocorrer em 1768.

No inicio do século XIX o Engenho Cunhaú estava novamente no apogeu. André de Albuquerque Maranhão comandava a maior riqueza que a capitania já havia visto em metais preciosos, terras, dinheiro, gado, escravos e utensílios. Movido pelas novas idéias de liberdade vindas da Europa, o senhor do Cunhaú aderiu a um movimento separatista iniciado em Pernambuco e transformou o Rio Grande do Norte em uma república, juntamente com Estados vizinhos. Foi a chamada Revolução Pernambucana de 1817, que não teve o apoio popular esperado.

Os contra revolucionários pegaram “Andrezinho do Cunhaú” de surpresa e depois de muita luta, ele foi ferido e levado preso para o calabouço da Fortaleza dos Santos Reis, onde faleceu na madrugada de 25 para 26 de abril de 1817.

Ninguém sabe dizer o que teria ocorrido se ele tivesse escapado para seu engenho. Dona Antônia Josefa do Espírito Santo Ribeiro, sua mãe, faleceu ao receber a notícia do triste fim do filho. Os bens da família foram confiscado por ordem do Provedor da Fazenda Real. Em 18 de agosto de 1823, já depois dos réus da Revolução de 1817 terem sido perdoados, aconteceu o inventário desses bens. O Brasil já vivia um período histórico diferente com independência, ocorrida em 1822.

Com a chegada da independência a vida das pessoas não mudou muito na região. Entretanto, mais tarde, em Vila Flor, uma contenda entre dois políticos faria surgir Canguaretama.

O padre José de Matos Silva não se entendia com Sebastião Policarpo de Oliveira, o senhor do Engenho Juncal. Para provar sua força política na região, o padre, que era deputado provincial pelo partido conservador, pediu a mudança da sede de Vila Flor para o pequeno e atrasado povoado do Uruá. Não foi fácil, mas ele conseguiu.

Em 1860 uma igreja estava pronta, mas era pequena. Foi iniciada outra construção no mesmo lugar. Em 1865 muitos homens deixaram a cidade para engrossar as fileiras de “voluntários da pátria”, que seguiram como soldados para defender o Brasil na guerra do Paraguai. Dos que foram, apenas David Napomuceno conseguiu voltar em 1870.
Em agosto de 1877 um acontecimento iria marcar o pequeno povoado de Baia Formosa. O senhor do “Engenho da Estrela”, João de Albuquerque Maranhão, foi até o povoado para desalojar os moradores alegando posse indevida. Armados de facas e cacetes, os moradores enfrentaram a escolta agressora. Houve seis mortes, entres as quais um filho de João de Albuquerque.

Quando os primeiros trens passaram pela “Estação da Penha”, em 1882, o centro da cidade já era servido de iluminação à gás. Os candeeiros eram apagados nas noites de lua para evitar o desperdício.

A vila de Canguaretama passou à categoria de cidade através da Lei N.º 955 de 16 de Abril de 1885, de autoria do deputado provincial Francisco Gomes da Rocha Fagundes. Não houve festa para um ato tão merecido. A festa maior ocorreu em 4 de março de 1888, com a abolição da escravatura na cidade e a 18 de novembro de 1889, com a comemoração da proclamação da República.

Em 10 de maio de 1890 o município de “Cuitezeiras”, atual Pedro Velho, foi desmembrado de Canguaretama. No mesmo ano foi iniciado os trabalhos da construção da Igreja de São José, que foi concluída em 1892 pelos operários da cidade, época em que também estava sendo erguida a capela de Nossa Senhora da Conceição em Baia Formosa.

No início do século a cidade possuía um serviço de transportes urbanos. O percurso era feito de bonde à tração animal e troles, com os trilhos ligando o porto à estação. Transportava-se principalmente sal, madeira, açúcar e aguardente, além dos passageiros que serviam-se dos trens da “Great Western”.

Durante os anos de funcionamento apenas um acidente ficou conhecido e vitimou o garoto José Lucas. No local do acidente foi erguida a Capela da Santa Cruz. O garoto virou santo popular.

Em 1910 é instalada em Canguaretama a primeira usina de açúcar do Rio Grande do Norte, a Usina Maranhão, propriedade de Fabrício Gomes de Albuquerque Maranhão. Além de empresário, Fabrício Maranhão também era um político de destaque. Irmão dos governadores Alberto Maranhão e Dr. Pedro Velho, ele presidiu a intendência de Canguaretama por ininterruptamente por duas décadas e ao mesmo tempo ainda assumia o mandato de deputado estadual.

Em 1930, a cidade viu a destituição do prefeito e movimentos políticos exaltados. Em 1935 Aliança Liberal tentou organizar um governo socialista no Brasil. O movimento começou em Natal, no dia 23 de novembro, mas logo foi contido pelas tropas do governo. Dois canguaretamenses estavam envolvidos no movimento: os irmãos Arnoud e Oscarina. Ao chegarem a cidade, quase toda população procurou abrigo nas matas com medo dos “comunistas”.

Durante a “2ª Guerra Mundial”, dois Canguaretamenses participaram dos combates na Itália: o “Capitão Raul” e o “Dr. Hernani”, que voltaram para contar a história. Na época já existia um campo de pouso na Salina São Felix, mas outro foi construído no Jiqui. A foz do rio Cunhaú era vigiada ininterruptamente. Houve um grande racionamento de combustível e a população mais pobre se valia de sementes de mamonas na ponta de palitos para vencer a escuridão daquelas noites.

Mal terminara a guerra e a cidade já estava organizando uma grande festa. Foi o “I CONGRESSO EUCARÍSTICO PAROQUIAL”, em celebração aos trezentos anos do morticínio do Cunhaú. O evento, organizado pelo padre Antônio Barros, ocorreu nos dias 1, 2 e 3 de outubro de 1945, obteve grande repercussão e fez nascer a primeira esperança de canonização dos Mártires de Cunahú e Uruassú. Todas as autoridades civis e eclesiásticas do estado tomaram o caminho de Canguaretama, junto veio a elite intelectual da época.

Em 1954 a Câmara Municipal de Canguaretama recebe pela primeira vez mulheres para legislar. Foram as irmãs Guacira Nobre de Lima e Gasparina Nobre, eleitas no então povoado de Baia Formosa.

Em 31 de dezembro de 1958 o município de Baia Formosa foi desmembrado de Canguaretama, mas só foi instalado em 17 de janeiro do ano posterior. O município de Vila Flor foi desmembrado em 31 de dezembro de 1963 e instalado no outro dia. Por essa época o povoado de Piquiri já se firmava com o apelido de “Piquiri das Casas”.
Em 1964 um golpe de Estado coloca os militares no poder. Os soldados “marcharam” sobre a cidade, mas ninguém se sentiu seguro. Neste ano uma catástrofe natural pegou todos de surpresa: uma enchente inundou quase toda a cidade, trazendo desespero para muitas famílias que perderam tudo que tinham. O abrigo principal foi a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição.

O fornecimento de energia elétrica já existia desde o início do século, mas o velho “Motor de Romualdo” foi desligado quando o governo do estado trouxe a COSERN à cidade. Postes de concreto foram plantados e fios pendurados pelas ruas para levar a energia das grandes hidrelétricas às casas.

A inauguração aconteceu na madrugada de 27 para 28 de setembro de 1965. Depois disso começou a capitulação dos engenhos, que deram lugar a Usina. As salinas ainda agüentaram mais um pouco, mas não suportaram a concorrência. Hoje as fazendas de camarões ocupam os terrenos onde antes funcionaram os tanques de cristalização do sal e criação de peixes.

Em 1967 foi inaugurado o primeiro “ginásio”, o 16 de Julho. E em pleno regime militar (1968), os estudantes publicaram um jornal próprio: o “Sentinela Estudantil”. Não foram pioneiros, apenas seguiram uma tradição de boas edições como “A Penha” de 1915, a revista “Vesper” de 1919, “O Potiguar” de 1922, o “Cunhaú” de 1936 e “O Estudante” de 1955.

Os anos 70 não foram tão significativos. Em 1971 a cidade recebeu a notícia do suicídio de José de Carvalho e Silva, o maior líder político no município depois de Fabrício Maranhão. Houve a inauguração do Hospital Regional de Canguaretama em novembro de 1974.

Em 1985 uma grande festa para comemorar o centenário de elevação do município à categoria de cidade foi feita. Recebemos a prazerosa visita do nosso poeta maior, Homero Homem, que escreveu o Hino do Centenário.

Em 1988 foi iniciado o processo de beatificação dos mártires de Cunhaú e Uruassú, tendo a frente o monsenhor Francisco de Assis Pereira. No mesmo ano surgiu o Jornal “A Voz da Penha”, que se regionalizou nos anos 90 com o nome de “A Voz do Agreste”. Sua 1ª edição totalmente informatizada circulou em 30 de outubro de 1999.
Em 1995 foi realizado o II CONGRESSO EUCARÍSTICO PAROQUIAL. O evento, organizado pelo padre Gilvan Miguel Pereira, relembrou o Morticínio de Cunhaú e Uruassú em seu 350º aniversário, entre os dias 5 e 8 de outubro. Na confiança de uma beatificação, a cidade fez a festa que marcou o fim do século. Na época surgiu o Jornal “O Soveral” para divulgar e registrar os fatos marcantes da paróquia.

Em novembro de 1998 “A Boa Notícia”, boletim informativo da paróquia, anunciava a boa perspectiva em relação a beatificação do Pe. André de Soveral, Pe. Ambrósio Francisco Ferro e seus 28 companheiros. “O Soveral”, em sua VI edição, noticiou a beatificação dos “Protomártires do Brasil” para o dia 5 de março do ano 2000, em Roma.Os índios que habitava a região
Os potiguares estendiam seus domínios por todo o litoral do RN. Eram índios da nação tupi e aliados dos portugueses. Entre os potiguares havia a tribo dos paiaguás, que habitavam a região dos municípios de Canguaretama, Vila Flor, Pedro Velho, Várzea e Espírito Santo. Os índios tupis exibiam porte mediano, acima de 1,65m, de físico bem feito, alegres e dançadores, eram os mais inteligentes. Pescavam, navegavam, cultivavam a mandioca, o milho e outros. Olhos pequenos e amendoados como os da raça mongólica, escuros e encovados, de orelhas grande e cabelos lisos, arrancavam os pêlos da barba até as pestanas e sobrancelhas. Alguns andavam nus, mas cobriam-se com peles de animais, dependendo da época do ano. Paiaguá é uma tribo lendária, que segundo Ferreira Nobre eram canoeiros hábeis e teriam vindo do Paraguai. Câmara Cascudo sempre achou um exagero, pois uma viagem assim deveria deixar registros ou ser lembrada por outros povos. Em Canguaretama existe a localidade do Paraguai, que os mais antigos chamavam de Paiaguá. Nesse local teria sido fixado a tribo dos Paiaguás. Falavam, então o guarani, língua semelhante ao tupi. No Paraguai também existe um local denominado Cunhaú.

A Crôa da Ôstra seria um sambaqui habitado por esses índios. Como no Nordeste, os sambaquis não são formações comuns, é bem possível que tenha sido uma tradição trazida das regiões mais austral. Entretanto, é bom saber que os homens dos sambaquis foram anteriores aos tupis guaranis.


O FORTIM DA BARRA DO RIO CUNHAÚ

O Fortim da Barra foi construído por marinheiros de Dunquerque, quando estiveram no local devido a um encalhe da sua embarcação. Na época, possivelmente meados do século XVI, era comum a presença de franceses no litoral do Rio Grande do Norte. No local, foram obrigados a se demorarem por um pouco mais de tempo, esperando ajuda. O forte possuía 10 canhões de balas de 5 libras e 2 arcabuzes de forquilha que ficavam num fosso circundado de paliçada. Era um reduto quadrangular e duplo, com muralhas que chegavam a três metros de altura e ficava na encosta de uma elevação. Serviu de defesa para o Engenho Cunhaú, que ficava a pelo menos 18 quilômetros de distância. Na defesa contra os invasores holandeses, o fortim foi atacado no começo de abril de 1634, mas a guarnição reagiu eficazmente, abortando a tentativa dos invasores. Na ocasião alguns moradores foram degolados. A guarnição, que estava sob o comando do Capitão Álvaro Fragoso de Albuquerque e se compunha de 27 homens, se dirigiu ao local para ajustar as contas com o inimigo, que debandou. Os holandeses já haviam se estabelecidos em Natal desde dezembro de 1633, dominavam a Fortaleza do Santos Reis (Forte do Reis Magos) e tentavam tomar o Engenho Cunhaú. Em uma Segunda tentativa os holandeses se organizaram melhor. O conselheiro Stachouwer deixou o Forte Ceulen e se dirigiu pelo mar em direção a Barra do Cunhaú. Já o Coronel Cristóforos Arciszewski, partiu por terra com 228 soldados e 50 índios. O forte foi atacado de surpresa durante a noite de 21 para 22 de outubro. Mesmo com o alerta dos cães, os holandeses aproveitaram a escuridão de um sábado, último dia de lua minguante, e fizeram uma ofensiva rápida e violenta, tomando o forte. A luta foi muito violenta e cruel. Saindo com tudo de valor que conseguiram levar, a embarcação holandesa naufragou na saída da barra. Tudo que restou do Fortim da Barra, o tempo apagou. Nem sua localização exata é possível afirmar com precisão. Resta apenas uma lembrança distante da crueldade da luta e das riquezas saqueadas, que virou lenda no imaginário do povo.

O MORTICÍNIO DE CUNHAÚ E URUAÇU

No fim da tarde do dia 15 de julho, chegou Jacob Rabe ao Engenho Cunhaú e se apresentou como representante do governo holandês para convocar uma reunião, marcada para o dia seguinte. Mesmo dizendo estar em missão de paz, os colonos suspeitavam que algo de cruel estava para acontecer. Um edital assinado pelo Conselho Supremo foi fixado na porta da igreja. Seu conteúdo obrigava os vizinhos do lugar a comparecer após a missa para tratar de “negócios” e comunicava que a pessoa alguma se faria o menor agravo. Logo após retirar-se, o engenho entrou em uma confusão silenciosa. A última lua cheia do mês de julho chegou tarde, mesmo assim encoberta pelas nuvens pesadas que fechavam o céu daquele sábado assustador.

Todos entendiam o perigo por qual passavam, mas pouco podia ser feito para evitar o pior. Na casa grande as conversas centravam-se nesse único assunto. A noite não esperou por respostas, passou com rapidez. Cada um carregava consigo o medo do que aconteceria na manhã seguinte. Na manhã do domingo, 16 de julho de 1645, o padre André de Soveral foi o primeiro a chegar na igreja e tocar as badaladas para chamar os fiéis à missa de Nossa Senhora do Carmo. A presença do padre encorajou o povo e logo a igrejinha ficou repleta de fiéis. A chuva muito forte impediu que todos da região deixassem suas casas. Os caminhos encharcados dificultavam a caminhada. Os que chegavam na igreja, limpavam os pés enlameados e entravam se benzendo. Nenhuma arma trouxeram. Receosos com a presença de Jacob Rabe, alguns decidiram ficar esperando na Casa Grande.

A missa foi iniciada e tudo corria bem até o sagrado instante em que o padre elevou em suas mãos a hóstia e o cálice em preparação à ceia da comunhão do Corpo e Sangue de Cristo. Um silêncio sinistro tomou o templo quando o sinal de Jacob Rabe iniciou o momento da invasão definitiva, mandando cercar a igrejinha. O pânico foi horrível. Com a igrejinha fechada não havia como fugir. Sabendo que iam morrer, todos rezavam pelo perdão de Deus aos pecados. Sem resistência um grupo de índios avançou sobre o padre. André de Soveral mostrou-lhes a cruz e advertiu sobre o castigo de Deus aos ímpios. Os índios tapuias hesitaram diante da cruz, mas, excitados pelos holandeses protestantes, Jererera mostrou seus dotes guerreiros e saltou arredio sobre o sacerdote desferindo- lhes golpes mortais. Ferido mortalmente, o velho padre ainda tentou se erguer apoiando-se nas paredes do templo. Sua sofrível tentativa deixou as marcas indeléveis de sua mão ensangüentada, que duraram séculos nas paredes do templo.

Tudo foi muito rápido. Em meio aos gritos e orações, o sangue banhou o chão da igrejinha. As armas dos inimigos se defrontaram contra a coragem e a fé dos fiéis, que receberam a graça de suportarem a missão de serem mártires da Igreja de Jesus Cristo. Ao final do massacre muitos corpos tinham tombado mortos ao chão. Após o massacre na igreja, as casas foram invadidas e saqueadas e ocorreram lutas violentas na Casa Grande do Engenho. Dos que tentaram fugir, poucos se salvaram. Alguns escaparam pelo telhado e ganharam o caminho sombrio das matas desconhecidas. As crianças que escaparam da morte foram levadas pelos indígenas, que também despedaçaram os corpos das vítimas e, com muita festa, roubaram suas melhores vestes. Sobre o corpo de Domingos Carvalho, os índios dividiram moedas de ouro entre si. 69 morreram. Apenas Gonçalo de Oliveira foi poupado, pois administrava o engenho e era considerado aliado dos holandeses.


JACOB RABE

Era alemão nascido no Condado de Waldeck e reconhecido como a personalidade mais detestada na Capitania do Rio Grande. Citar Jacob Rabe como judeu se tornou popular, mas não há fundamento para tal afirmação. Seu nome sugere essa interpretação, sendo Jacó um substantivo próprio de tradição semítica. Rabi seria erroneamente confundido por rabino, e teríamos a perfeita tradução para Rabino Jacó. Jacó Rabe era um homem inteligente, poliglota (pelo menos, falava os idiomas de alemão, holandês, português, tupi e tarairiú), que deve ter sido muito importante aos holandeses. Deixou uma crônica famosa, ou relação de viagem que contém preciosas informações sobre a geografia da capitania, bem como sobre a etnografia dos tapuias. Tal crônica foi aproveitada nos trabalhos, posteriores, de Barléu e de Marcgrave.

OS SANTOS BEATOS DO CUNHAÚ

O padre André de Soveral era brasileiro, nasceu na Vila de São Vicente, possivelmente no ano de 1572. Para ser padre entrou na Companhia de Jesus, na Bahia, em 6 de agosto de 1593. Na Bahia também estudou Latim por quatro anos e Teologia Moral por um ano e meio. Na época, ser jesuíta era sinal de destaque e, como tal, exerceu a função de professor entre os índios para espalhar a luz do Evangelho e converter o gentil. É bem possível que quando tenha partido para a Capitania do Rio Grande já não era mais um jesuíta, ingressando no Clero Secular. Em janeiro de 1600, seu nome estava incluído no Catálogo de Padres e Irmãos da Província do Brasil, como se pertencesse ao colégio de Pernambuco. Em 1606, saiu de Goiana junto com seu superior, padre Diogo Nunes, com destino à Capitania do Rio Grande. No Engenho Cunhaú foi o primeiro (possivelmente o único) padre da Igreja de Nossa Senhora das candeias. Não se sabe ao certo o ano exato da sua chegada ao Cunhaú, mas em 1614 ele já possuía terras na região e era vigário na referida paróquia. Falava fluentemente a língua indígena, o tupi ou nhengatu. Os portugueses o descrevem como um ancião de 90 anos na época do morticínio, mas é bem possível que teria apenas 73 anos. Foi morto por Jererera, índio potiguar, que possivelmente foi evangelizado com suas palavras.

Domingos Carvalho, ao que parece, era um antigo morador do Engenho Cunhaú. Seu nome foi citado pelo holandês Adrien Van Der Dussem, em 1639, como sendo trabalhador do engenho. Depois do massacre, sobre seu corpo os índios contaram e dividiram entre si as moedas de ouro dele roubadas. Pouco se sabe sobre este homem, que foi um dos poucos identificados no massacre.

O POVOADO DE URUÁ

Quando foi transferida para o antigo “Saco do Uruá” a vila sede do município de Canguaretama, era esse lugar um pobre arraial, onde não havia sequer um templo ou capela e a paz de servir ao culto divino, e por isso num armazém é que se faz a instalação dos ofícios religiosos. “Uruá foi arraial onde os índios se empregavam no fabrico de vasos de barro (cuias, que ornavam, bordando-as bem como cestinhas de palhas e cordas de embiras). Enquanto era apenas o “Saco do Uruá”, o lugar estava somente habitado por índios e negros.

A MUDANÇA DA SEDE DO MUNICÍPIO

A razão fundamental da súbita mudança da sede da freguesia e, pois, do município, de Vila Flôr para o “Saco do Uruá” residia na intriga particular e política entre o capitão Sebastião Policarpo de Oliveira, senhor do engenho “Juncal” e representante da família Fagundes e o padre José de Matos Silva, vigário de Vila Flôr, secundado por seu irmão, capitão Anacleto José de Matos e pelo tabelião local, Galdino Álvares Pragana. Foi, com certeza, a influência política do vigário Matos, então, deputado provincial (1858-59, pela 3ª vez) e membro destacado da situação liberal dominante na província e no país, que determinou a votação da lei Nº 367 de 19 de julho de 1859, segundo a qual foi “Uruá” elevada à categoria de Vila de “Canguaretama”.

URUÁ, PENHA OU CANGUARETAMA

Dizem que o nome de “Canguaretama” foi lembrado pelo Brigadeiro André de Albuquerque Maranhão Arcoverde; mas Frei Serafim de Catania, andando em missão pelo “Uruá”, deu à localidade o nome de “Penha”. E a lei provincial, Nª166 de 27 de março de 1859, confirmou esse nome para a freguesia. A duplicidade da designação local originou confusão de parte a parte. Mas tarde foi celebrado um acordo pelo qual o nome de “Canguaretama” restringiu-se aos atos administrativos e civis e o de “Penha” são de caráter eclesiásticos, conciliando-se assim os interesses em divergência. “Penha é o nome vulgar da cidade e do município, que só oficialmente, é designado por Canguaretama. A elevação à cidade se deu pela lei Nº 955 de 16 de abril de 1885.

OS PRIMEIROS HABITANTES

As informações sobre o povoado do Uruá são raras e pouco confiáveis. A maioria dos escritores do Rio Grande do Norte dizem que Uruá era “um pobre arraial habitado por negros e índios”. O escritor paraibano, Antenor Espíndola de Oliveira Lima, contando a história de seu bisavô, Joaquim José de Oliveira Lima, diz que este saiu de Lisboa em 1834, com destina a Canguaretama. Chegando a cidade, foi recebido pelo comerciante e também português, Antônio de Araújo Lima. Na cidade possuíram loja de tecido e residência. Foi por volta de 1860 que começaram a chegar uma grande quantidade imigrantes em Canguaretama. A cana já se instalara com sucesso e daí em diante chegaram muitos portugueses como Francisco Antonio Alves Teixeira, (conhecido por Xico Marinheiro), José Maria Jorge de Azevedo, Manoel Antonio de Medeiros, (antigo dono do “Pituassú”), José de Alpoim, Antonio Rafael e Joaquim Pica-pau. Estes fixaram residência, abrigando pequenas casas comerciais na rua que em 1930 chamava-se “4 de março”. Os primeiros comerciantes talvez vieram para Canguaretama oriundos de Pernambuco, depois da revolta da praieira.

A PRIMEIRA CONSTRUÇÃO DE ALVENARIA NO CENTRO DA CIDADE

A primeira construção de alvenaria levantada no centro da cidade foi o sobrado de João Evangelista Pessoa, no começo da Rua Grande, esquina da praça Augusto Severo com a rua André de Albuquerque. Era um sobrado. Foi comprado por José Parente Viana, proprietário do Engenho Outeiro, no final do século XIX. Depois disso, o prédio passou a ser ocupado por Bonifácio Pinheiro, e Mery Boudoux que fez uma reforma retirando o sótão e colocando grades nas janelas e um retrato em azulejo de Dom Vital.

O FINAL DO SÉCULO XIX

O centro da cidade já era servido de iluminação à gás, em 1872. Os candeeiros eram apagados nas noites de lua para evitar o desperdício. Canguaretama era formada por um largo e algumas ruas bem alinhadas com boa casaria. Possuía um porto sofrível, onde podem fundear barcos de grande calado, porém, muito freqüentemente por pequenas embarcações. O comércio tinha tomado um desenvolvimento extraordinário nos últimos anos. A indústria local limitava-se a objetos de consumo. Havia muitos engenhos para o fabrico de açúcar e o descaroçamento de algodão, movidos a vapor, água ou tração animal. Existiam duas escolas públicas para ambos os sexos. Também uma delegacia de polícia, três subdelegacias, dois juizados de paz e uma Mesa de Rendas. O Colégio eleitoral era formado por 29 eleitores.

A ESTAÇÃO DA PENHA

Os primeiros trens passaram pela “Estação da Penha” em 1882. A estrada de ferro foi criada pela Lei Provincial nº 682 de 8 de agosto de 1873. O trecho de Natal a Canguaretama foi aberto ao tráfego em 31 de outubro de 1882. “Penha” era o nome designativo da estação ferroviária, a princípio chamada de Natal Nova Cruz, e desde 1900, conhecida por GREAT WESTERN OF BRASIL RAIL WAY COMPANY. As passagens em 1897 custavam a seguinte quantia: A 1ª Classe, de Canguaretama para Natal ou vice versa, custava 8$100; a 2ª classe custava 4$100; as bagagens e encomendas pagavam $600 até 15 quilos. Saindo de Canguaretama as 7:18 horas, chegava em Natal as 11:00 horas. A volta se dava as 13:15, saindo de Natal, e chegando as 16:55 em Canguaretama.

O BONDE

No início do século a cidade possuía um serviço de transportes urbanos. O percurso era feito de bonde à tração animal e troles, com os trilhos ligando o porto à estação. Transportava-se principalmente sal, madeira, açúcar e aguardente, além dos passageiros que serviam-se dos trens da “Great Western”. Durante os anos de funcionamento apenas um acidente ocorreu e vitimou o garoto José Lucas. No local do acidente foi erguida a Capela da Santa Cruz.

CINEMA E TEATRO

O primeiro cinema de Canguaretama chamava-se Cine Teatro Conceição. Depois tivemos o Cine Canguaretama. O Cine Luzitânia foi fundado em 1972 por Geraldo Antônio de Oliveira num prédio alugado pertencente a Yara Gomes na Praça Augusto Severo. Tinha espaço para pelo menos 200 pessoas sentadas e uma excelente tela de projeção adaptada para, em seu lugar, servir como palco de teatro. Antônio Domingos da Silva gerenciou os trabalhos até 1987, quando o cinema foi fechado. Na última sessão foi exibido o filme “A paixão de Cristo”. Em 1994, Antônio Domingos da Silva abriu o Cine Plaza, na rua São José. Não tinha sofisticação e atendia a uma classe menos privilegiada. Sua última exibição foi em 1997, com o filme “Matar ou morrer”, estrelado por Van Dame. No seu lugar passou a funcionar a Igreja Universal do Reino de Deus.

QUE SE PASSA E NÓS NÃO SABEMOS?

No começo do mês, assistimos, bestializados, o anúncio pomposo pela imprensa de que a Oi, a big telefônica brasileira, vendera parte maior de suas operações a uma companhia portuguesa. Se houvesse rigor ao relembrar a estratégia bilionária que assegurou à Telemar a compra da Brasil Telecom e criar a Oi com recursos públicos, seria dito que deveria haver no acordo um dispositivo anunciando que os recursos públicos foram transferidos para dar ao país uma companhia telefônica forte com capital nacional. Na essência do modelo de política de subsídios e participações adotada pelo BNDES, as Bigs nacionais nascem para projetar-se internacionalmente, adquirindo empresas com atuação em outros países. Além disso, é sabido que o atual governo trata telefonia como estratégia de segurança nacional. Enfim, algo ficou pendente aí.

Mais uma vez, lemos, bestializados, o anúncio de que a TAM, a maior companhia aérea nacional, vende parte de suas operações a uma companhia chilena com uma operação total três vezes menor que a sua. Como as leis nacionais põem limites à presença de capital externo em companhias aéreas nacionais, as operações continuarão separadas, mas será controlada pela Lan Chile em uma holding com propriedade óbvia chamada Latam, alusão a América Latima com o nome da TAM, referência nacional, escrito ao final. Que estava acontecendo e nós não sabíamos? Do ponto de vista comum aos negócios, salvo algum erro e correção, o mais óbvio seria a TAM adquirir a Lan Chile e quem sabe mais algumas outras do continente e manter-se em rota de expansão, se não global, ao menos continental.

O Brasil, a cada momento, passou a anunciar sua grandeza, criando um bolsão de esperança jamais imaginado. Na imprensa, anuncia-se que nos tornamos uma sociedade de classe média, esquecendo de contar que até um dia desses a classe média brasileira cruzava o mês com um terço de seu orçamento pendente e, agora, 7 em cada 10 brasileiros têm dívidas no cartão de crédito e terão de parcelar, saindo, por um tempo, desse sistema de consumo. No entanto, somos o maior produtor de diversos itens extrativistas, em agropecuária. Já somos o segundo maior produtor de transgênicos do mundo. Enfim, voltamos a espalhar para nós mesmos que somos os maiores, potencialmente ricos. Bolívia não quer negociar com o Brasil? Pois no Maranhão há gás suficiente para cobrir toda a operação dos brasileiros com bolivianos. E por aí não para.

No entanto, a Oi foi para os portugueses, a TAM para os chilenos. O setor de fármacos e medicamentos assiste a ação das empresas multinacionais adquirindo as plantas industriais nacionais montadas para a produção de genéricos. O governo federal é sensível e compreende que é necessário a um país ter soberania sobre medicamentos, na produção e na pesquisa. Só não combina com seus órgãos de fomento que é papel do Estado apoiar, também, setores que garantem soberania ao país. Um dos setores á deriva, ainda, é biotecnologia. Em vários lugares da imprensa, é possível ler que gente como Bill Gates comenta que a biotecnologia exercerá no Século XXI o que a programação de computadores foi para o Século XX. Na primeira e real Política Industrial do governo federal, biotecnologia entrara como setor portador de futuro. Criou-se um fórum da cadeira produtiva de biotecnologia.

As gigantes internacionais estão empenhadas em pesquisas, desenvolvimento e inovação na área de biotecnologia. Quase todos os países têm programas avançados para entender ou integrar-se à questão que promete ser o centro da atenção neste século. E, quando traçam planos, incluem o Brasil como o país que reúne decisivas novas fontes de inovação. Nas universidades brasileiras, o modelo de incubadora está à espera de modernização empresarial, as pesquisas suplicam por supercomputadores, o modelo em si espera pela introdução de subsídios, desoneração e fomento dos órgãos federais associado a uma legislação flexível e estável para a participação de investidores em projetos de risco.

Por enquanto, quem mais aposta em projetos biotecnológicos brasileiros são investidores estrangeiros associados a conglomerados ou a fundos de investimentos incentivados por recursos estatais. Por enquanto, e esperamos que isso venha mudar em breve, nossos órgãos de fomento e as leis de incentivo a pesquisas, produção e inovação não se interessam por ativos intangíveis, simbólicos ou portadores de futuro. Mas, como se pode ver, a crença de que o apoio a quem tem muitos bens ajudará a criar empresas nacionais fortes e suficientemente grandes para expandir-se pelo mundo tem funcionado, apenas, quando a um passo da maturidade de expansão, ser ocupada por capital estrangeiro. Não deve ser verdade que o BNDES se expôs tanto internacionalmente para ver essas coisas acontecerem com as empresas brasileiras.

*Josimar Henrique é Presidente da Hebron Farmacêutica - www.hebron.com.br e Diretor Temático de Assuntos Parlamentares da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades - ABIFINA -