quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A influência da mídia no julgamento de causas tributárias e criminais

POR; FÁBIO MARTINS DE ANDRADE

Em outra oportunidade, elaboramos aprofundado estudo a respeito da influência dos órgãos da mídia (ou simplesmente da Mídia) nos variados estratos da sociedade dos dias de hoje, com especial ênfase no processo penal. Com efeito, através de variadas artimanhas, algumas propositais e outras possivelmente involuntárias, a Mídia (sobretudo aquela de cunho sensacionalista) logra distorcer algumas informações e dados veiculados nas notícias que divulga, desde o momento de escolha da pauta, a "investigação" dos fatos, a utilização das palavras e do silêncio, a editoração e até mesmo no formato e destaque da sua publicação. [01]

Naquela ocasião, o foco de nosso estudo deu-se em torno da influência dos órgãos da mídia principalmente no processo penal brasileiro. Para desenvolver tão instigante tema, abrimos variadas frentes com diferentes abordagens, como a penetração da ideologia do medo na sociedade, o sensacionalimo como possível fator criminógeno, diferentes efeitos (negativos, neutros e positivos) da imagem da violência na Mídia e o desenvolvimento da imagem da violência na cidade pela ótica da Mídia, dentre tantas outras.

Especialmente na seara jurídica, ressaltamos a influência que a Mídia pode desfrutar junto à sociedade a partir do manejo de notícias sobre a política criminal, a descoberta e o andamento das investigações de determinado crime, a prisão provisória dos suspeitos, a maior dificuldade na ressocialização durante a execução penal, a decisão dos jurados e com os principais atores do processo, dentre os quais se destaca a figura do magistrado. [02]

No âmbito do processo penal demonstramos naquela ocasião que o magistrado é sim passível de sofrer diferentes graus de influência da Mídia – como cidadão normal e ativo da sociedade que se (des)informa e (de)forma a sua opinião a partir de seus órgãos – especialmente quando focamos esta abrangência nas notícias sensacionalistas.
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Nesta breve reflexão que ora levamos ao conhecimento do leitor, levantamos uma provocação de modo proposital. É possível que os órgãos da mídia influenciem o magistrado na tomada de sua decisão sobre relevante matéria tributária? Entendemos que sim, especialmente cuidando-se da divulgação de notícias sensacionalistas. Esta eventual influência, no entanto, não deve prevalecer (e muito menos de modo escamoteado).

É que o sensacionalismo não se limita única e exclusivamente aos fatos relacionados aos crimes, aos criminosos e aos seus processos penais. Sem qualquer margem para dúvida, parece-nos que este é o sensacionalismo de nível mais rasteiro. Não se limita à chamada "imprensa marrom". Pode ser encontrada diariamente nos melhores periódicos e nas maiores emissoras televisivas do País.

De igual maneira – e guardadas as devidas proporções – é possível vislumbrar a influência exercida pelos órgãos da mídia nos magistrados encarregados de prolatar votos e decisões que envolvem relevantes questões tributárias para o cenário nacional. Aqui o sensacionalismo não se revela pelo tom avermelhado encardido de sangue (como naquela situação anterior). Mostra-se em toda a sua plenitude, contudo, no exagero da divulgação de cifras astronômicas que são repetidas e parecem ganhar a vida sempre que uma nova causa tributária é submetida ao exame do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Geralmente, tais cifras astronômicas, que giram em torno dos números de 11 dígitos (freqüentam a pomposa casa dos bilhões de reais), se prestam a anunciar de maneira alarmista o "prejuízo", "custo" ou "ônus" que será eventualmente suportado pelos cofres públicos caso o Fisco seja derrotado na "disputa bilionária" e os contribuintes saiam vencedores em determinada questão tributária submetida ao crivo da Suprema Corte. [03]

É curioso notar como este ponto de contato entre os dois temas (tributário e criminal) leva a predominância comum do tom sensacionalista às vésperas de um julgamento de relevo. De fato, cuidando-se da influência dos órgãos da mídia na cobertura das notícias sobre a descoberta do crime, a investigação e eventual prisão do suspeito e o oferecimento da denúncia, é freqüente assistirmos à escolha arbitrária de apenas uma das versões possíveis, "geralmente aquela divulgada pelos órgãos oficiais responsáveis pela persecução criminal (versão acusatória)". [04]

Tratando-se de matéria tributária isto também ocorre, possivelmente de maneira desproposital. Talvez o acesso às fontes do quadro oficial de funcionários do Estado seja mais fácil e simples de entrevistar. É possível que para o jornalista um dado fornecido por um funcionário público seja presumido correto e verdadeiro; daí porque muitas vezes não são pesquisados, debatidos, corroborados ou contraditados.

Enfim, distintas causas contribuem para um fenômeno que parece estar paulatinamente chegando aos magistrados do País e causando a indesejável conseqüência de influenciá-los – em maior ou menor medida – na prolação de seus votos e de suas decisões. Trata-se da introjeção pelo magistrado daquelas informações previamente veiculadas pelas notícias divulgadas nos órgãos da mídia (muitas vezes de modo sensacionalista) em torno dos elevados montantes em discussão perante o Poder Judiciário, especialmente às vésperas da prolação de decisão acerca de relevantes questões tributárias.

De certo modo, a situação agrava-se pela responsabilidade colocada nos ombros dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – que julgam em última e definitiva instância – e pode ser de fato demasiado pesada. De um lado, tem-se a alegação fundada em razões jurídicas de que determinado texto normativo viola a Lei Maior. De outro, tem-se as razões sustentadas em proveito da manutenção do status quo legislativo. Dentre elas, podem surgir (pseudo)razões de ordem econômica ou orçamentária a servir de pretenso fundamento para a manutenção do dispositivo legal inquinado. É o apelo ao argumento consequencialista de cunho econômico em matéria tributária, por exemplo, pelo qual se busca simplificar o debate jurídico travado perante o tribunal em uma questão sobre o montante do suposto prejuízo ("rombo") que o cofre público sofreria com eventual decisão contrária ao Fisco e ao interesse governamental, que – registre-se – muitas vezes não se confunde com o interesse social.

Freqüentemente, estas (pseudo)razões sumárias e apelativas sobre o sensacional montante da questão tributária submetida ao julgamento são explicitadas por meio de periódicos jornalísticos, com o intuito de (im)pressionar o julgador. Ainda que pudesse se deixar sensibilizar por argumento de tal natureza, o julgador deveria motivar adequadamente a sua decisão, isto é, deveria invocar as razões – preferencialmente jurídicas e eventualmente corroboradas por outras extra-autos ou até mesmo extra-processuais – que o teriam levado a decidir de tal maneira. É sempre recomendável que fique explicitado pelo julgador que ele se deixou impressionar por argumento de tal natureza, sob pena de ilegitimidade de sua decisão. [05]

Em resumo, tanto no processo penal como também no contencioso tributário, é importante que o magistrado não se deixe pressionar e principalmente impressionar pelos órgãos da mídia. No contencioso tributário eles atuam por meio da divulgação reiterada do sensacional montante estimado do eventual prejuízo para o cofre público na hipótese de decisão final contrária ao Fisco sobre determinada questão tributária em trâmite junto aos Tribunais Superiores. Caso sejam levados em consideração pelo magistrado devem ser devidamente expostos de modo a corroborar os fundamentos jurídicos centrais do voto prolatado. [06]

Ademais, permitimo-nos trazer um último ponto de contato das relações existentes entre o processo penal e os órgãos da mídia de um lado e entre eles e as causas tributárias de outro. No processo penal, além da Mídia ter a possibilidade e a capacidade de possivelmente influenciar diretamente o magistrado (como pessoa, cidadão ativo de sua comunidade e inserido no seio social), ele também pode ser pressionado pela "opinião publicada" pela Mídia. [07]

De igual modo, também no julgamento das causas tributárias, o magistrado pode eventualmente sentir-se pressionado pela "opinião publicada", reforçada ainda mais pela divulgação exagerada de cifras mágicas e sem qualquer comprovação, questionamento ou contradita. Nos julgamentos que ocorrem em última e definitiva instância (no STF) coloca-se toda a responsabilidade sobre aquele elevado montante nos ombros dos onze Ministros, a quem incumbirá decidir se o dinheiro "é do povo" (rectius: do Estado, compreendido como governo em sentido amplo) ou dos "grandes empresários que não querem pagar imposto" (como muitas vezes se ouve nos ambientes mais leigos).

Ocorre que esta simplificação maniqueísta, que aqui foi levada a um extremo tipicamente "sensacionalista" (para fins meramente didáticos), esconde uma perversidade que deve ser adequadamente compreendida.

No Estado Democrático de Direito que pretendemos construir logramos atingir o atual estágio no processo civilizatório – à custa de muitos avanços e retrocessos – pelo qual efetivamente "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, inciso XXXV). Além disso, enquanto de modo geral "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações" (art. 5º, inciso I), particularmente na seara tributária "é vedado à União instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida" (art. 150, inciso II), todos da Constituição da República.

Estes relevantes dispositivos constitucionais, situados com maior carga axiológica na parte imutável da Carta Magna, longe de servir à retórica vazia, se prestam a proteger os mais poderosos e os mais necessitados (ao mesmo tempo). De fato, quando um ou mais contribuintes dispõem-se a sustentar, seja na esfera administrativa, seja em juízo, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo de caráter tributário, é inegável a transcendência e evidente a repercussão geral que a questão constitucional da matéria tributária alberga.

É necessário que o tema seja pacificado com relativa agilidade pelo Poder Judiciário, sob pena de excessiva perpetuação de insuportável insegurança jurídica a grassar no ambiente comercial e empresarial do País, com evidentes prejuízos para a circulação de riquezas e serviços, enfim, à sociedade como um todo.

Diante disso, uma questão constitucional de tal natureza, cuja relevância será revelada na proporção direta do agigantado universo de contribuintes que abranger, merece do Poder Judiciário, especialmente do seu órgão de cúpula (o STF), a atenção devida e de modo independente de quem tenha levado o caso ao seu conhecimento (o "grande empresário" ou o "pequeno empresário" ou a pessoa física).

De fato, independentemente da saúde financeira do contribuinte e da capacidade e competência do patrono que sustenta a causa que será alçada à condição do caso-líder (leading case) para pacificar determinada questão constitucional em matéria tributária, é relevante notar que o precedente aí estabelecido tende a se consagrar nas demais causas que versarem sobre a mesma temática, excepcionadas as peculiaridades capazes de apontar para uma solução diversa, seja pela inércia do contribuinte, seja por circunstâncias processuais específicas, ou ainda a subseqüente consideração de argumento até então não levantado perante o tribunal.

Espera-se que a utilização do instrumental veiculado através da repercussão geral e da súmula vinculante permita de modo efetivo a uma maior agilidade na difusão da aplicação do caso-líder (leading case), o que tem permanecido demasiadamente demorado em alguns casos em razão do famigerado dever legal de recorrer que é imposto por lei aos procuradores das fazendas públicas, em razão do parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional. [08]
Notas

1. A respeito da hegemônica e onipresente penetração da Mídia na sociedade democrática brasileira registramos que: "Hoje, a Mídia, como instituição fundamental ao exercício pleno da democracia, goza de credibilidade e confiança aos olhos da população à qual deve servir". "Ocorre que, a mídia passou a exercer e desenvolver diferentes graus de influências e ingerências junto à sociedade. É que, tanto a sociedade quanto os indivíduos que a compõem esperam e assimilam as informações divulgadas através das notícias e se informam por meio delas. Com isso, a mídia tem a legitimação de sua atividade no processo democrático". "Tais influências podem ser vistas e principalmente sentidas diariamente. Para tanto, basta o contato, ainda que superficial, com alguns órgãos da mídia. Por exemplo, a telinha da televisão cria rapidamente um clima de comoção social, seja quando divulga o acontecimento fatal de alguma tragédia inesperada decorrente da natureza, seja quando divulga dados sobre crimes ocorridos em circunstâncias mais chocantes ou até triviais. Outro exemplo ainda mais corriqueiro é que o cinema e a televisão ditam a moda e criam manias, trejeitos e clichês, posteriormente imitados pelos telespectadores. Os exemplos são inúmeros, a depender simplesmente de que campo se pretende abordar" (ANDRADE, Fábio Martins de. Mídi@ e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 103).
2. A corroborar tal assertiva, confira exemplificativamente o recente episódio: "DeSanctis reclama também que os ataques de parte da imprensa podem impedir que o juiz julgue com independência" (EDITORIAL. DeSanctis diz que imprensa atrapalha trabalho do juiz. Revista Consultor Jurídico. São Paulo, 09.03.2009. Disponível na internet: http://www.conjur.com.br/2009-mar-09/ataque-imprensa-interfere-trabalho-juiz-afirma-sanctis [12.03.2009]).
3. Embora muitas vezes tais matérias sejam bem escritas e com informações realmente relevantes para o público leitor, a divulgação dos "números mágicos" realmente (im)pressiona: TEIXEIRA, Fernando. Supremo analisará neste ano temas que envolvem R$ 100 bi. Valor Econômico, São Paulo, 03.01.2008, p. E1; "Apenas três delas [disputas tributárias], (...), podem somar créditos de R$ 150 bilhões, segundo a estimativa da União" (TEIXEIRA, Fernando. Fiesp pede a Gilmar Mendes atenção do Supremo às disputas tributárias. Valor Online, São Paulo, 22.01.2009. Disponível na internet: http://www.valoronline.com.br [22.01.2009]); "A CONSIF alega que o custo potencial das ações que tramitam na Justiça ou ainda poderão ser propostas, questionando esses planos [econômicos, conhecidos como Planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II], ‘monta a mais de R$ 180 bilhões, dos quais R$ 35 bilhões somente relativos à Caixa Econômica Federal (CEF)’. E esse valor, observa, corresponde a cerca de três vezes o patrimônio daquela instituição" (STF. CONSIF pede declaração de constitucionalidade de planos econômicos. Sistema Push de Notícias. 05.03.2009).
4. Tanto a preferência pela versão oficial e acusatória é prejudicial à adequada apuração dos fatos sob investigação, à responsabilidade dos agentes da infração apurada e à sua condenação (quando determinada pela sentença definitiva), como também "uma floresta de versões" é prejudicial para a informação do público. "Ambas conduzem a opinião pública ao equivocado entendimento sobre o assunto que se pretende informar" (ANDRADE, Fábio Martins de. Mídi@ e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 259).
5. Para aprofundamento de toda essa vertente de como usar o argumento pragmático ou conseqüencialista de cunho econômico em matéria tributária, confira a seguinte tese que apresentamos em 2010 ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ para a obtenção do grau de Doutor em Direito Público: "O argumento pragmático ou conseqüencialista de cunho econômico e a modulação temporal dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária".
6. Acerca do princípio da legalidade, confira a seguinte nota de rodapé escrita pelo Professor Roque Antonio Carrazza: "No Brasil, não pode haver tributo sem prévia descrição legal. Assim como, em matéria penal, o princípio da legalidade veio a consubstanciar-se na regra de ouro nullum crimen nulla poena sine praevia lege, em matéria tributária acabou forjando a análoga sentença nullum vectigal sine praevia lege. Tanto o direito sancionador do Estado (ius puniendi) quanto o direito que este tem de tributar (ius tributandi), que, de algum modo, investem contra a liberdade e a propriedade das pessoas, dependem, para serem validamente exercitados, da prévia manifestação do Poder Legislativo. Logo, a lei, tanto a penal, quanto a tributária, deve ser anterior ao fato típico (lex praevia), e nunca o fato típico anterior a ela" (CARRAZZA, Roque Antonio. Segurança Jurídica e Eficácia Temporal das Alterações Jurisprudenciais: Competência dos Tribunais Superiores para fixá-la – Questões conexas. In: FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; CARRAZZA, Roque Antonio; NERY JUNIOR, Nelson. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. 2ª ed. Barueri, SP: Manole: Minha Editora, 2009, p. 52, nota 36). Para aprofundamento de vários outros aspectos de convergência entre o Direito Penal e o Direito Tributário, consultar: DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 398 p.
7. De fato, com arrimo em Roberto Amaral, já explicitamos em outra ocasião que: "Os órgãos da mídia distanciaram-se de sua função inicial (reportar, narrar) para, vagarosamente, destacarem-se como intervenientes e invasores do fato. Com isso, não mais noticiam, mas opinam. Deixaram de informar para formar opinião. Neste contexto verificado, a relação entre a mídia e a opinião pública chegou a um tamanho grau de hegemonia do primeiro e submissão do segundo que, atualmente, pode-se dizer que, a opinião pública reduziu-se à opinão publicada pelos órgãos da mídia" (ANDRADE, Fábio Martins de. Mídi@ e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 47, apud AMARAL, Roberto. O poder da imprensa e o controle da opinião pública. Disponível na internet: http://www.cebela.org. br/Atualidade-3.htm [05.08.2002]).
8. No mesmo sentido: "A administração pública, por sua vez, até então tratava de dolosamente retardar o cumprimento e observância das decisões do STF, também sob o argumento de inexistência de vinculação obrigatória, impondo um novo e redobrado ônus aos cofres públicos por conta da reprodução, em larga escala, de centenas de milhares de ações que buscavam, tão-somente, o cumprimento da decisão do STF. Esta experiência era bastante comum no âmbito tributário" (APPIO, Eduardo. Controle difuso de constitucionalidade: modulação dos efeitos, uniformização de jurisprudência e coisa julgada. Curitiba: Juruá, 2008, p. 114). Exemplo disso é o permanente inconformismo das fazendas municipais contra a determinação, inclusive com a edição de súmula vinculante, de que não deve incidir ISS sobre as locações de bens móveis.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO

Leia o voto de Ayres Britto sobre prisão cautelar

Por Ludmila Santos

A mera alusão à gravidade do delito ou a inafiançabilidade do crime não valida a ordem de prisão cautelar. Para o ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto, o pedido deve ter fundamentos que demonstrem que a prisão atende a pelo menos um dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. “Nem a inafiançabilidade exclui a liberdade provisória nem o flagrante pré-exclui a necessidade de fundamentação judicial para a continuidade da prisão”, afirmou o ministro, ao conceder liminar para suspender decisão do Superior Tribunal de Justiça que restabeleceu a prisão cautelar de dois acusados por tráfico de drogas.

Em sua decisão, Ayres Britto destaca que a inafiançabilidade dos crimes hediondos não tem força antecipada de impedir a concessão da liberdade provisória, pois o juiz está submetido ao princípio da individualização da prisão, não somente da pena. “Noutros termos, a prisão em flagrante não pré-exclui o benefício da liberdade provisória, mas, tão-só, a fiança como ferramenta da sua obtenção (dela, liberdade provisória). Equivale ainda a dizer: se é vedado levar à prisão ou nela manter alguém legalmente beneficiado com a cláusula da afiançabilidade, a recíproca não é verdadeira: a inafiançabilidade de um crime não implica, necessariamente, vedação do benefício à liberdade provisória, mas apenas sua obtenção pelo simples dispêndio de recursos financeiros ou bens materiais”.

A privação do direito de liberdade depende da verificação da periculosidade do agente, de acordo com o artigo 312 do Código de Processo Penal. Diz o dispositivo que “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria".

Segundo Ayres Britto, a liberdade de locomoção do ser humano é bem jurídico tão prestigiado pela Constituição que até mesmo a prisão em flagrante-delito deve ser “imediatamente” comunicada ao juiz para que ele decida sobre a regularidade da medida e a necessidade de seu prosseguimento. Ao se manifestar, o juiz deve, em sua fundamentação, demonstrar que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do artigo 312 do CPP. “Sem o que se dá a inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não culpabilidade é de prevalecer até o momento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Daí entender o STF que a mera alusão à gravidade do delito ou a expressões de simples apelo retórico não valida a ordem de prisão cautelar”.

Com isso, o ministro Ayres Britto considerou que a decisão do STJ não tem o conteúdo mínimo da garantia constitucional da fundamentação real das decisões judiciais, garantia sem a qual não se viabiliza a ampla defesa nem se afere o dever do juiz de se manter equidistante das partes processuais em litígio.

O caso
De acordo com os autos, os dois acusados que entraram com o Habeas Corpus foram presos em flagrante pelo crime de tráfico de drogas no dia 19 de setembro de 2008 em Canoas, Rio Grande do Sul. Foram apreendidas 54 pedras de crack, 56 gramas da droga ainda não embalada e a quantia de R$ 103. A defesa fez dois pedidos de liberdade provisória, que foram indeferidos. Após finalizado o inquérito policial e recebida a denúncia, o juiz da 4ª Vara Criminal de Canoas concedeu liberdade temporária aos réus por entender que não havia qualquer dos pressupostos do artigo 312 do CPP no pedido.

O juízo de primeiro grau afirmou que, considerando a falência do sistema prisional do país e os dispositivos legais criados para que o acusado responda ao processo em liberdade, a prisão preventiva não é necessária. Isso porque a tramitação do recurso não justifica o seu provimento. Os acusados, segundo o juiz, estão soltos há mais de seis meses e, neste período, não praticaram qualquer ato a autorizar nova segregação cautelar, tanto que continuam soltos.

Um dos acusados é réu primário, não tem nenhum antecedente e possui residência fixa. E, ao que tudo indica, até o momento, não dificultou a aplicação da lei penal ou a instrução criminal. Por outro lado, também não há informações de que o outro suspeito esteja dificultando aplicação da lei penal, embora registre antecedentes por furto.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no entanto, o STJ restabeleceu a prisão cautelar de dois acusados por tráfico de drogas. E, por isso, o caso foi parar no Supremo.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

REFORMA POLÍTICA NECESSÁRIA NA ORDEM DOS ADVOGADOS

Por José Saraiva

Tempos de eleição, tempos de debate a respeito da maturidade democrática do país. Entra em cena, novamente, a reforma política que não se restringe ao processo eleitoral estatal, pois não se constrói uma nação apenas com as instituições do Estado. Esse processo inclui as entidades representativas da sociedade civil, dentre as quais se destaca a OAB.

Longe de qualquer pleito eleitoral, cumpre aproveitar os 80 anos de comemoração da entidade e o seu endosso enfático à necessidade de reforma política para refletir a respeito da própria eleição na OAB, não sendo o quanto aqui observado qualquer desapreço aos atuais componentes, eleitos conforme as regras vigentes.

A OAB é constituída de órgãos estaduais e um órgão nacional, todos com uma diretoria executiva e um colegiado. A eleição nas seccionais: diretoria, conselheiros locais e federais, ocorre pelo voto direto dos advogados inscritos nos respectivos Estados-Membros, enquanto a eleição para a diretoria da OAB nacional ocorre pelo voto indireto dos conselheiros federais.

Aparentemente, não haveria distorção nesse modelo se ele albergasse princípios democráticos elementares para a escolha da direção e para a representação nos órgãos colegiados.

A anomalia ocorre porque os concorrentes apresentam-se em chapa única para compor diretoria, conselho federal e conselho seccional, sendo vitoriosa a chapa que obtém a maioria dos votos entre os concorrentes e não dos votantes. Quem vence assume, além da diretoria, a totalidade da representação nos conselhos federal e seccional, deixando sem qualquer representatividade na OAB os advogados que votaram nas demais chapas concorrentes. Tal realidade permite, como não raro ocorre, que uma chapa com trinta por cento dos votos, ou menos, fale com exclusividade em nome de todos os advogados; ou seja, que a minoria fale em nome da maioria, como se esta fosse.

Basta transplantar tal realidade para o âmbito geral que a anomalia salta aos olhos e punge a consciência. Imagine como seria se a chapa dos candidatos ao governo fosse eleita com 30% dos votos e ficasse com a governadoria e com todo o Legislativo, deixando as demais sem qualquer representatividade no colegiado, apesar de, juntas, traduzirem a maioria do eleitorado. Pois é assim na OAB.

Evidentemente tal modelo retira dos advogados a cidadania institucional, além de enfraquecer a OAB na defesa da democracia e da advocacia que lhe forma e sustenta. O tema ressalta diante da prerrogativa de a entidade indicar desembargadores e ministros ao Poder Judiciário, evidenciando o interesse público da questão.

Nesse quadro, o voto do advogado nada vale, ainda se integrante de significativo grupo ou até do conjunto da maioria, mesmo no órgão colegiado, cuja natureza é, exatamente, a pluralidade, a fim de assegurar a todos a mínima representação das ideias, na exata proporção dos votos obtidos. Some-se a isso, a possibilidade de a diretoria ser eleita com menos, às vezes muito menos, de 50% dos votos válidos.

Por certo, facilita dirigir qualquer instituição sem oposição, sem fiscalização, sequer externa, como ocorre nos demais conselhos profissionais. Difícil é manter essa realidade para si e pregar o oposto para os outros, sem incorrer na fragilidade do argumento e sem evidenciar o temor ao contraditório, tão caro ao exercício da advocacia e aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Assim, soa incoerente o clamor da OAB pela reforma política no âmbito eleitoral-partidário e, ao mesmo tempo, deixar de lado a necessidade de uma reforma política na escolha dos seus próprios membros.

As modificações essenciais são: obtenção de mais de 50% dos votos válidos para escolha da diretoria e a representação proporcional nos conselhos seccionais e federal.

Uma das formas possíveis para o funcionamento dessa nova realidade pode ser a apresentação de chapas com integrantes à diretoria e ao conselho seccional e federal, tal como ocorre hoje, sendo a eleição da diretoria seccional por votação direta pelos advogados, com a necessidade de 50% mais um dos votos válidos, com previsão de segundo turno quando necessário. Os membros dos conselhos seccionais e federal seriam eleitos no primeiro escrutínio de forma proporcional aos votos conferidos às chapas, na ordem apresentada de inscrição dos candidatos, apurado o coeficiente eleitoral.

A diretoria do Conselho Federal poderia ser escolhida pelo voto direto de todos os advogados, em cada seccional, sendo eleita a chapa com voto direto obtido na maioria das seccionais, inclusive com segundo turno se preciso, assegurando-se, com isso, a equalização de todos os estados da Federação na escolha da direção maior da entidade.

Outros modelos são possíveis. O importante é resgatar, com urgência, a cidadania institucional dos advogados, a fim de tornar a OAB ainda mais imprescindível à advocacia e à sociedade brasileira, bem como para afastar de suas bordas externas a invocação do velho ditado popular: em casa de ferreiro, espeto de pau.

MINISTÉRIO PÚBLICO TEM PODER PARA INVESTIGAR POLICIAIS

Em decisão unânime, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal negou o pedido de Habeas Corpus ajuizado em favor de um policial militar acusado de tortura contra adolescentes apreendidos com substâncias entorpecentes. A defesa pedia o arquivamento da Ação Penal, argumentando que o Ministério Público não teria legitimidade para a coleta de novas provas e para apuração dos fatos.

Segundo o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, a atividade investigativa do Ministério Público já é aceita pelo STF. “O tema está pendente de solução no Plenário, mas a questão aqui é típica”, disse o relator. Nesse sentido, o ministro afirmou que a tortura praticada por policiais militares já possui diversas manifestações na 2ª Turma no sentido de que “a investigação deve ser feita por um órgão que sobrepaire a instituição policial”.

No entendimento do relator, é justificada a atuação do MP diante da situação excepcionalíssima constatada nos autos: “A atividade investigativa supletiva do MP ante a possibilidade de favorecimento aos investigados policiais vem sendo aceita em recentes pronunciamentos desta Corte”. O ministro finalizou seu voto no sentido de negar a ordem afirmando que o MP é um órgão com “poder de investigação subsidiária em casos em que é pelo menos plausível a suspeita de que falha a investigação policial”.

Controle externo
Ao proferir seu voto, o ministro Ayres Britto reforçou o entendimento de que “perante a Polícia, o MP até tem o controle externo por expressa menção constitucional”. Afirmou ainda que “esse controle externo que a Constituição Federal adjudicou ao MP, perante a Polícia, não tem nada a ver com as atividades administrativas interna corporis da Polícia”.

O ministro Celso de Mello também frisou em seu voto que reconhece a legitimidade constitucional do poder investigatório do MP, “especialmente em situações assim”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

MALA BRANCA NO FUTEBOL NÃO É INFRAÇÃO DISCIPLINAR

Por Milton Jordão

Impossível, nesta última semana de Campeonato Brasileiro 2010, deixar de tecer breves linhas sofre o fenômeno “mala branca”. Inicialmente, convém delimitar o que se entende, no jargão do futebolês, como sendo esta ocorrência. Tem-se por “mala branca” o incentivo financeiro oferecido por terceiros interessados na vitória de alguma agremiação que não aspira maiores resultados na competição. Geralmente, estes terceiros são clubes que ainda pelejam, no caso do Campeonato Brasileiro, por uma vaga para a Copa Libertadores da América, para não ser rebaixado para a Série B ou, ainda, pelo próprio título nacional.

Esta realidade, apelidada de doping financeiro, ocupa a pauta de redações de jornais, rádios e televisão, sendo constante objeto de debate. E, hoje, é tida como usual e comum no futebol, aliás, uma práxis antiga. Em entrevista recente para o portal Globo Esporte, o Rei do Futebol, Pelé, asseverou: “o que o pessoal confunde é de você ter um prêmio para ganhar uma partida, isso sim. É como você dá um incentivo para o aluno tirar uma nota boa. É diferente de você oferecer dinheiro para entregar o jogo, isso é um absurdo[2]”.

Merece destaque que a dita “mala branca” tem como o escopo incentivar uma agremiação a obter um resultado positivo, uma vitória ou um empate, nunca uma derrota. As relações ocorrem entre uma das equipes envolvidas na partida e terceiros que se beneficiarão com o resultado. Não se admite como tal, a hipótese em que se paga para a equipe perder o jogo[3].

Porque a “mala branca” floresce no futebol brasileiro?

Poder-se-ia responder esta questão por meio de justificativas que, também, circulam na própria mídia: a falta de pagamento de salários, uma chance de ganhar um pouco mais no final da temporada, etc. Todavia, a resposta a questão nos é dada pelo atual presidente do Fluminense Roberto Horcades, de forma oblíqua: “acho que o futebol brasileiro chegou em um estado de profissionalização que não permite mais esse tipo de situação de mala branca ou preta. O Fluminense repudia e sempre repudiou na sua história e preza pelo bom comprometimento técnico das competições[4]”. Embora não tenha ele dito que falta profissionalismo por partes dos clubes que utilizam deste expediente, depreende-se de sua afirmação esta conclusão.

Não se pretende aqui investigar as razões pelas quais ainda no futebol brasileiro admite e convive com este incentivo financeiro, apesar de não ser possível deixar de falar rapidamente sobre isso.

O objeto do debate é avaliar a sua manifestação à luz da novel modificação no Estatuto do Torcedor, especialmente, se haveria subsunção deste tipo de conduta às normas penais incriminadoras ali existentes. Por oportuno, adentrar também no CBJD e avaliar se não se trataria de infração disciplinar.

Com o advento da Lei 12.299/10, o Estatuto do Torcedor sofreu consideráveis alterações, sendo criado um capítulo exclusivo para abrigar seis crimes, três tratam de alteração ou falseamento da competição esportiva. Ei-los:

Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.

Art. 41-E. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva:

Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa

Cediço que o bem jurídico protegido é a ética e a moralidade das relações esportivas. Protegem-se tais valores por meio do direito penal porque o prejudicado com a ofensa a tais feridas é o consumidor de eventos esportivos, o torcedor nos termos do Estatuto. Veja-se, ainda, que somente existirá o tipo penal se as condutas descritas ocorrerem em certames profissionais (artigo 43).

Força convir que a descrição típica do artigo 41-C demanda que a solicitação ou aceite de vantagem (patrimonial ou não) tenha como escopo alterar ou falsear o resultado de uma partida ou prova. Este tipo se destina aos árbitros dos certames ou quem tenha condição de exercer os verbos-núcleo do tipo. Como a alteração ou falseamento de um resultado é conduta inerente a quem o fiscaliza, seja anotando a súmula ou aferindo os resultados produzidos na partida ou prova, vê-se, então, que este crime é considerado como próprio. Por exemplo, se um fiscal de prova insere na súmula que um atleta após saltar obteve resultado menor do que de fato se constatou in loco.

No Brasil, este tipo penal nasceu em virtude do escândalo ocorrido no Campeonato Brasileiro de 2005 (Máfia do Apito[5]), quando o árbitro Edilson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon teriam atuado em diversas partidas com o escopo de alterar o resultado, influindo consideravelmente marcado penalidades ou faltas perigosas para atingir sua meta.

O artigo seguinte é próprio àquele que deu ou prometeu dar vantagem (patrimonial ou não), portanto, seria aqui imputado o responsável pela “contratação do árbitro” ou daquele que alterou ou falseou o resultado. Portanto, está exclusivamente atrelado ao tipo penal comentado anteriormente.

O tipo penal descrito no artigo 41-E pode ser compreendido em conduta a ser praticada por um atleta, não sem razão, Paulo Castilho, recentemente, o citou quando da realização do Grande Prêmio de Fórmula 1 no autódromo de Interlagos, em São Paulo, fazendo referência ao chamado “jogo de equipe”, dizendo que se o piloto Felipe Massa permitisse que o seu companheiro, Fernando Alonso, o ultrapassasse para ganhar a prova, incorreria na comissão delitiva acima declinada[6].

No pretendo aqui incursionar no mérito desta questão – apesar de discordar da avaliação do festejado promotor de justiça-, pois o centro do debate reside sobre a “mala branca”.

O que constituiria o tipo penal em comento?

Fraudar significa se valer de artifício[7] ou ardil[8] ou outro meio[9] para enganar alguém, no caso a vítima.

Este “alguém” é o torcedor, aquele que adquiriu ingresso para ver uma partida em que as equipes atuem em campo enlevadas por motivos nobres, inerentes à prática do desporto, qual seja, a obtenção de um resultado positivo.

Na hipótese do incentivo financeiro de terceiros para que se vença um jogo é difícil a sua subsunção ao tipo penal do art. 41-E, pois a vitória num certame é a meta de qualquer equipe. Fraudar seria se a equipe, ou alguns de seus componentes, adentrasse o gramado com o objetivo nítido e definido de perder a partida. Caso se deseje punir a “mala branca” teríamos também que punir os próprios dirigentes das equipes que prometem e pagam o famoso “bicho”[10].

D’outro giro, na seara do Direito Desportivo Disciplinar, igualmente não se pode subsumir esta conduta às normas hoje vigentes. No capítulo V, livro III (Infrações em espécie), do CBJD, se encontram as normas disciplinares que protegem o bem jurídico ética desportiva. Entre elas duas se destacam como mais próximas de compreender a manifestação humana aqui debatida, ei-las:

Art. 243. Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende.

PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias.

§ 1º Se a infração for cometida mediante pagamento ou promessa de qualquer vantagem, a pena será de suspensão de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias e eliminação no caso de reincidência, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

§ 2º O autor da promessa ou da vantagem será punido com pena de eliminação, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Art. 243-A. Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente.

PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação.

Parágrafo único. Se do procedimento atingir-se o resultado pretendido, o órgão judicante poderá anular a partida, prova ou equivalente, e as penas serão de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de doze a vinte e quatro partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação.

Novamente, colhe-se que a redação legal, tal qual no Estatuto, revela-se insuficiente para compreender o incentivo financeiro para que uma equipe ganhe uma partida. O primeiro tipo disciplinar demanda que os atletas atuem com de modo prejudicial à equipe, leia-se, perder o jogo intencionalmente ou ceder empate quando esteja ganhando, por exemplo.

O art. 243-A, aparentemente, resolve a questão, ao fixar ser proibido atuar com o fim de influenciar o resultado da partida, de maneira contrária à ética desportiva. Esta redação pode, num primeiro instante, nos fazer crer que a “mala branca”, finalmente, tenha sido tipificada. Todavia, é postulado comezinho da ética desportiva a atuação com o objetivo de vencer, respeitando o chamado fair play[11].

Assim, como punir aquele que deseja vencer, ainda que movido por interesses financeiros?

Afinal, não se pode negar que, atualmente, o atleta é um profissional e vive do seu esforço pessoal para ganhar a vida. É uma tarefa árdua conjugar o interesse econômico com os valores éticos desportivos. E, neste particular, o doping financeiro afronta somente a pura moral e não as regras jurídicas, vez que não há fraude ao resultado do jogo. A se considerar que o aceite deste incentivo sirva como móvel será contraditório admitir-se como normal o ganho de bichos ou premiações de artilheiro ou de melhor jogador oferecidas aos atletas, seja pelo clube em que atuam ou entidades organizadoras do esporte.

Seria, portanto, ofensa à ética esportiva querer ser o artilheiro, independente dos resultados da equipe? Esta é uma questão que também viria à tona, dentre outras que surgiriam, caso a interpretação do art. 243-A, do CBJD, fosse estendida às raias do extremo subjetivismo.

Evidencia-se, portanto, que a tão decantada “mala branca” é apenas um ato imoral, à luz de uma ética pura do esporte e também dentro da perspectiva do profissionalismo que este assume como bussines. Ainda assim, algumas vozes hão de surgir em sentido contrário.

De fato e respondendo a questão que serve de título: tem-se que “mala branca” não é crime, nem mesmo infração disciplinar.


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[1] O autor é Advogado Criminalista, Conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Conselheiro do Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Bahia, Procurador e ex-Defensor Dativo do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia, Diretor Presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA), membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e Professor de Direito Penal da Faculdade Ruy Barbosa.

[2] Pelé defende mala branca, mas não acredita em ‘entregada’ do São Paulo. Disponível em:

[3] No cotidiano do futebol chama-se “mala preta”.

[4] Presidente do Fluminense repudia a “mala branca”. Disponível em:

[5] Sobre a “Máfia do Apito”, Carlos Miguel Aidar e Alexandre Ramalho Miranda escreveram uma coluna no Site do IBDD, tecendo análise histórica e crítica sobre o ocorrido. Disponível em:

[6] Massa pode ser preso se der passagem a Alonso no GP Brasil, diz promotor. Disponível em:

[7] “Artifício é toda simulação ou dissimulação idônea para induzir uma pessoa em erro, levando-a à percepção de uma falsa aparência da realidade.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 3, parte especial, 5ª edição. São Paulo: Saraiva, p. 232).

[8] “Ardil é a trama, estratagema, a astúcia.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Ob. cit., p. 232).

[9] “Outro meio fraudulento é uma fórmula genérica para admitir qualquer espécie de fraude que possa enganar a vítima.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Ob. cit., p. 232).

[10] No futebolês, “bicho” é gratificação paga por resultados obtidos numa partida ou campeonato.

[11] O Comitê Olímpico Internacional, em seu Código de Ética, fixou como um dos princípios de dignidade a atuação do atleta respeitando o fair play (jogo justo), sem o interesse de influenciar a competição de modo a contrariar os princípios éticos desportivos. É de bom alvitre reproduzir o dispositivo constante no Código de Ética do COI, Tópico A, ponto 6: Also, in the context of betting, participants in the Olympic Games must not, by any manner whatsoever, infringe the principle of fair play, show non-sporting conduct, or attempt to influence the result of a competition in a manner contrary to Sporting ethics.

domingo, 5 de dezembro de 2010

COTAS INCLUEM PESSOAS QUE NÃO ESTÃO PREPARADAS

Por Gabriel Quireza Pinheiro

É bem conhecido no meio jurídico o conceito aristotélico de justiça: “Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”. Por incrível que pareça, é também um dos argumentos usados a favor de cotas no ensino superior. A nosso ver, nada mais falacioso. Todo o pensamento a favor das cotas parte de premissas falsas, que devem ser postas a descoberto.

O que faz com que o negro tenha menos acesso às universidades? É simplesmente a cor da pele? Claro que não. Conseqüentemente, não se pode afirmar que há pertinência lógica entre o fator de discriminação e o tratamento jurídico diverso.

As leis instituidoras de cotas, para se qualificarem como aderentes ao princípio constitucional da isonomia, tomam por fato a hipótese de que perfis de cor da pele, por si sós, influem no resultado da prova, o que é um despautério. Simplificando: pressupõem que o negro seja menos inteligente que o branco.

Portanto, usar o citado conceito de justiça para defender as cotas é afirmar que uma etnia é superior a outra, o que nos soa absurdo. Ao longo da história, políticas que reforçaram essa separação das pessoas em raças apenas geraram conflitos e dor, haja vista o “apartheid” na África do Sul e o Holocausto.

Nosso país não tem, ao menos de forma acintosa, conflitos de raça. Convivemos em harmonia no campo das diferenças de cor, já que o que verdadeiramente nos difere e às vezes nos separa, é a condição sócio-econômica. Impor agora à nossa sociedade essa questão racial trará uma discussão que implicará em problemas futuros, na medida em que as pessoas não mais se olharão como “brasileiros”, mas sim como “brasileiro branco”, “brasileiro pardo”, “brasileiro negro”, etc.

Não seria mais razoável e mais justa a promoção de sistemas de bolsas de estudo e cursinhos, e vinculados somente à condição sócio-econômica? Afinal, o apartheid social brasileiro não olha a cor da pele. Temos pobres de todas as cores e em todas as regiões do país.

A verdadeira razão pela qual agora se adota o sistema de cotas é a péssima qualidade do ensino público de base no Brasil. Em vez de melhorar a qualidade das escolas, o governo confortavelmente apóia as cotas, uma medida paliativa e sem custos imediatos.

“Colocar um punhado de negros nas universidades por meio de cotas não resolve o problema social. Beneficia apenas aqueles indivíduos que entram. A mim, me espanta que pessoas de esquerda defendam as cotas. O pensamento esquerdista se baseia na idéia da universalidade de direitos. Só o pensamento ultra liberal não vê os indivíduos como um conjunto de cidadãos, mas sim de consumidores. No interior desse conceito é que surge a idéia de políticas compensatórias, para corrigir desvios de mercado", critica o doutor em geografia humana e colunista da Folha de São Paulo Demétrio Magnoli.

Com as cotas amplamente aceitas e aplicadas o Poder Público já terá se eximido de melhorar o ensino, já que a “igualdade racial” estaria implantada.

Quanto ao ensino superior, que já não é dos melhores, nos parece óbvio que as cotas serão responsáveis por uma queda ainda maior de sua qualidade. Já fui até chamado de racista por fazer tal afirmação, que, aliás, não se aplica apenas às cotas raciais. Qualquer sistema de cotas seja qual for o critério adotado (racial, social, etc.), irá colocar na universidade pessoas que em condições normais não conseguiriam ser admitidas.

Outra grande questão, eminentemente de ordem prática, diz respeito ao critério aceito para a determinação da raça do candidato à vaga. Como não existem critérios objetivos para se definir quem é de qual raça, vige o da auto-declaração. A nosso ver, a simples falta de critérios objetivos para determinação de raça já seria suficiente para colocar um ponto final na discussão.

As cotas são um veneno para a sociedade brasileira, e devem ser combatidas a todo custo, sob pena de um enorme retrocesso, tanto moral e cultural quanto do ponto de vista das relações sociais.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

ADVOGADO QUE RECEBEU VOZ DE PRISÃO CONTA SUA VERSÃO

O advogado criminalista Vanildo José da Costa Júnior, que em sessão da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro, recebeu voz de prisão no dia 9 de novembro por desacato a autoridade, classificou o episódio como uma afronta à Constituição e um caso grave de cerceamento das prerrogativas dos advogados. Ao apresentar sua versão dos fatos em carta enviada à revista Consultor Jurídico, Costa Junior destacou que é necessária uma resposta por parte da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio.

O criminalista defende quatro réus acusados de participar da máfia do combustível. Durante a sessão do dia 9 de novembro, Costa Junior disse que usaria o seu direito constitucional de permanecer calado para protestar contra irregularidades na tramitação do processo. O relator da ação, desembargador Abel Gomes, entendeu a prática como desacato à autoridade e deu voz de prisão ao profissional.

Sobre o caso, o advogado afirmou que, como na tribuna é garantido ao advogado utilizar comparações e expor nulidades, tentou, como forma de protesto, utilizar exemplos e garantias de nulidade para sensibilizar a corte e tentar a reforma do julgado. “Jamais entrei em discussão com o desembargador; minha atuação, naquele momento, foi de defesa dos meus clientes e prerrogativas”, afirmou ele na carta.

Leia na íntegra a carta do criminalista Vanildo José da Costa Júnior.

Como advogado criminalista, sempre aprendi que o direito à defesa permite o silêncio, mesmo em estado de flagrante delito. É direito sagrado aduzir o silêncio, face à magna garantia.

Nas disciplinas básicas de Direito Penal, um caso clássico de homicídio causado por xingamento é muito comentado. O advogado criminalista doutor Tício interpela o juiz por duas horas na tribuna do júri, sempre com “Excelentíssimo senhor juiz! Excelentíssimo senhor juiz! Excelentíssimo senhor juiz!”. Sabe-se que, depois da incessante exclamação, o juiz deu voz de prisão ao advogado e, em seu duro ofício, saiu processado. Entretanto, absolveu seu cliente no voto do júri, quando sacramentou: “Ora, se passei duas horas chamado o juiz de forma nobre e ele mandou me prender, justifica-se meu cliente ter matado por um xingamento tão absurdo a que foi submetido.”

As lições aprendidas na universidade estão sempre se renovando na vida profissional, sobretudo numa profissão de liberdades, como a advocacia. A liberdade, para o advogado, é imprescindível face à natureza da profissão, tanto que o inciso IX do artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) profetiza: “sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de 15 minutos, salvo se prazo maior for concedido”.

Nesta terça-feira (9/11), em meio ao livre exercício do trabalho e investido de minha prerrogativa profissional, fui interrompido de exercer o direito de sustentação oral na tribuna da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, tendo sido conduzido pela Polícia Federal, onde foi lavrado um termo circunstanciado que culminará num processo por crime de desacato.

Vale frisar que, desde a sua sentença, em 2005, constam numerosas nulidades no processo causador do fatídico episódio. Os recursos que as aduziram foram destinados à Corte Especializada do TRF-2, que, ilegalmente, por decisão judicial, dividiu os 15 minutos de sustentação para todos os advogados, concedendo apenas um minuto e meio para cada advogado realizar a defesa técnica.

Diante de mais uma nulidade processual, o Superior Tribunal de Justiça, por óbvio, entendeu que houve cerceamento de defesa e determinou o retorno dos autos ao tribunal, determinando que outro julgamento fosse realizado com a observância do prazo da sustentação oral de 15 minutos para a defesa de cada réu.

Sendo assim, com a descida dos autos, no segundo dia de julgamento (9/11), ao abrir a sessão, apresentei-me para a defesa dos meus quatro clientes, fato que me daria sessenta minutos de sustentação. Como entendo que qualquer modificação do processo só poderá ocorrer através de uma metanoia processual, o que só é possível nas Cortes Superiores, entendi que a melhor forma de defesa, naquele momento, era aduzir as nulidades e o desrespeito às garantias processuais, zelando pelo direito à defesa de meus clientes e utilizando argumentos técnicos, que eivam de nulidade o processo.

Assim, é importante ressaltar que mais uma vez não me foi dada a oportunidade de ampla defesa, haja vista a cassação de palavra, a interrupção da sustentação e o desligamento do microfone a que fui submetido na ocasião. Tive cerca de 50 minutos interrompidos, o que confere um caráter ilegal à atitude da União. Mais uma vez, através de um de seus órgãos, ela cerceou o mais sagrado direito dos meus clientes: o direito à ampla defesa, contraditório, devido processo legal e defesa técnica. Até o presente momento, o Colegiado vem descumprindo a determinação do Tribunal da Cidadania, trazendo mais uma nulidade ao processo e lesionando a prerrogativa do inciso IX do artigo 7º do Estatuto do Advogado, o que gera prejuízo inestimável e é uma afronta à Constituição.

Como na tribuna é garantido ao advogado utilizar comparações e aduzir as nulidades, tentei, como forma de protesto, diante de um dogma intransponível, utilizar exemplos e garantias de nulidade para sensibilizar a Corte e tentar a reforma do julgado. Por isso, utilizei a figura do silêncio como metáfora, como também poderia utilizar qualquer outra figura constitucional para aduzir a nulidade, retratando o absurdo processual à luz da teoria das nulidades.

Jamais entrei em discussão com o desembargador; minha atuação, naquele momento, foi de defesa dos meus clientes e prerrogativas. Tive o meu direito à sustentação cassado, fui retirado da sessão arbitrariamente e preso, tudo em confronto ao parágrafo 3º do artigo 7º do Estatuto – proibição da prisão. Fui escoltado por um delegado da Polícia Federal e seus agentes, saindo do tribunal dentro de um camburão, e ficando meus clientes desassistidos, sem qualquer defesa técnica, com os demais advogados se sentindo coagidos e amedrontados com o ocorrido.

Insta salientar que o mandamento do Estatuto da Advocacia, que tem estatura constitucional, não permite esse tipo de situação. Não devemos ter medo de falar o que quer que seja para quem quer que seja. O advogado deve exercer sua advocacia com liberdade (artigo 7º). O que está em risco não é apenas o restabelecimento da minha moral, mas as prerrogativas dos advogados.

No primeiro dia de julgamento (8/11), o brilhante advogado doutor Alberto Louvera, após observar a necessidade da importância da leitura do relatório, e evitando mais uma nulidade processual, exercendo o seu múnus constitucional (artigo 133 da Constituição), foi advertido e proibido de se retirar da sessão – mais atitude ilegal do órgão, que afronta, por conseguinte, a garantia da alínea a do inciso VI do artigo 7º do Estatuto da Advocacia.

As sucessivas práticas abusivas cometidas neste processo agridem as prerrogativas dos advogados. A referida Corte, que, num primeiro momento, tentou fracionar o tempo de sustentação concedendo apenas um minuto e meio – salvo anulação do STJ –, proibiu ilegalmente a retirada de um advogado da sessão no primeiro dia de julgamento, e deu voz de prisão a outro, durante sua sustentação, no segundo dia. É válido ressaltar que a sustentação oral foi interrompida com condução coercitiva da delegacia da Polícia Federal. E mais: como testemunhado por mim e diversos colegas advogados, o desembargador Abel Gomes chamou a presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, doutora Fernanda Lara Tórtima, de “bucha de canhão”.

Por fim, diante de atitudes injustificáveis, é hora de falar para que sejam tomadas as providências cabíveis e pertinentes, sobretudo porque, afora as ilegalidades e ofensivas, as prerrogativas foram violentadas. É extremamente necessário que haja forte resposta por parte da seccional da OAB-RJ.

Vanildo José da Costa Junior

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

OAB GANHA LIMINAR CONTRA MEDIDA PROVISÓRIA DO SIGILO FISCAL

A Justiça Federal de Brasília concedeu liminar em Mandado de Segurança coletivo impetrado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), suspendendo a necessidade de procuração por instrumento público para a constituição de advogados que atuam perante a Receita Federal, em especial, e aos órgãos fazendários de um modo geral — exigência gerada pela Medida Provisória 507, conhecida como MP da quebra do sigilo fiscal. O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou nesta terça-feira (23/11) que a liminar "representa uma decisão que resgata a cidadania junto ao Fisco, pois é fundamental que o Estado sirva ao cidadão e não que crie obstáculos, impedindo que as pessoas possam defender seus direitos".

A exigência suspensa pela liminar constava do artigo 7º e do parágrafo único do artigo 8º da Portaria da Receita 1.870/10. A portaria regulamentou a MP 507 — editada após denúncias de violações de sigilo fiscal durante a campanha presidencial - e foi atacada no mandado de segurança da OAB como "claramente ilegal ao não excepcionalizar os advogados". A liminar foi deferida pelo juiz federal titular João Luiz de Sousa, da Seção Judiciária do Distrito Federal.

"A partir do momento em que a Receita Federal passou a exigir procuração pública para que o advogado ou o cidadão possa ter acesso a seus processos, houve necessidade de se tomar posicionamento em defesa do direito fundamental de acesso às informações sobre sua vida nos órgãos fazendários, e foi isso o que a OAB fez", sustentou Ophir Cavalcante. "A partir desse mandado de segurança coletivo, os advogados voltam a ter acesso às informações de seus clientes, independentemente de procuração pública, bastando a procuração particular como, aliás, aliás sempre foi a norma exigida nos processos judiciais".

Além da ilegalidade da exigência de procuração por instrumento público para se advogar e ter acesso a informações de órgãos fazendários — o que afronta prerrogativas da advocacia previstas na lei 8.905/94 —, o mandado de segurança impetrado pelo Conselho Federal da OAB apontou como flagrantemente inconstitucional a MP, que fere o previsto no artigo 5º da Carta. "Isto tudo tem sido impossibilitado, comprometido ou muito dificultado pela notoriamente inconstitucional MP 507/10 e a ilegal Portaria RFB 1.860/10, que lhe atribuiu eficácia concreta", sustentou o texto do mandado de segurança, em trecho reproduzido na decisão do juiz federal João Luiz de Sousa.

Ao conceder a liminar, o magistrado conclui afirmando que, "ao contrário do que alega a União em sua defesa, não há interesse público direto e relevante a ser amparado pelo ato normativo, na parte que está sendo impugnado (pela OAB). Assim, a ordem liminar nada mais fará do que restabelecer o primado da lei e o status quo ante, sem qualquer prejuízo a quem quer que seja".

Além do presidente nacional da OAB, assina o Mandado de Segurança impetrado pela OAB na Justiça Federal do DF, com base no qual foi concedida a liminar, o vice-presidente da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da entidade, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

CRIMINALIZAÇÃO EXARCEBADA VIOLA DIREITOS HUMANOS

Por Raul Haidar

Um advogado e uma estudante de direito foram alvos de notícias estranhas. O primeiro, que já havia declarado ser um demônio, foi entrevistado pela TV confessando ser usuário de entorpecente, enquanto a moça declarou ódio a nordestinos que pretende ver mortos por afogamento.

Ambos os casos obrigam-nos a uma reflexão sobre o que está acontecendo com os profissionais e os estudantes de direito, mas isso não implica em tentarmos julgar essas pessoas e nem mesmo - o que seria pior - criticar o destaque que a mídia deu a esses assuntos.

Discordamos que se trata de notícia ruim, pois a única notícia ruim é a falsa. A imprensa não tem o direito, mas o dever de divulgar qualquer notícia que lhe pareça útil ou interessante. Uma sociedade só evolui quando pode dispor de qualquer informação, sem censura, sem qualquer conselho, autoridade ou mesmo juiz dizendo o que pode ou não ser divulgado.

Aqueles fatos - um advogado ser toxicômano e uma estudante ser preconceituosa - não apresentam isoladamente nenhuma relevância.

O uso regular de substâncias capazes de provocar dependência química é uma doença e deve ser tratada como tal através da medicina e da psicologia.

A eliminação dos preconceitos talvez seja um processo mais demorado, vez que enraizado na alma da sociedade brasileira, que ainda se comete coisas ridículas e idiotas como falar em nobreza, chamar algumas pessoas de excelência e apelidar de doutor qualquer engravatado. Educação e cultura são coisas muito demoradas.

As duas notícias repercutiram de forma que nos pareceu excessivamente burocrática e exageradamente formal. A Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais teria encaminhado o assunto ao Tribunal de Ética, enquanto uma seccional do nordeste pretende ver a estudante preconceituosa criminalmente apenada. O escritório onde ela fazia estágio resolveu dispensá-la. Se ela dependia do estágio para pagar a faculdade, passou a ter mais um problema além da ignorância.

Parece-nos que tais questões mereçam ser tratadas com mais serenidade e até mesmo levando-se em conta a possibilidade de ocorrência daquilo que um ministro do STF chamou de “três minutos de insanidade”.

Durante a XXVI Reunião de Presidentes de Subseções da OAB-SP, em 1999 em Águas de Lindóia, o então Ministro do STF, Carlos Mário da Silva Velloso, admitindo a hipótese de que votara certa matéria de forma equivocada, afirmou que “...certamente estava naqueles três minutos de insanidade que nós todos, que todo homem, todo dia passa...”.

Ora, se um Ministro do Supremo admite que pode decidir questões de grande relevância para a Nação durante esses “três minutos de insanidade” , devemos admitir que advogados e estudantes acham-se sujeitos ao mesmo risco, que é o de passar por três minutos de insanidade todo dia.

Dependência química é classificada como doença e nessas condições não pode ser classificada como infração ético-disciplinar. Parece-nos, pois, que um procedimento disciplinar no caso do advogado aqui citado dificilmente possa prosperar.

Mas quando um advogado sofre de doença mental ele deve ser licenciado de oficio pela OAB, conforme o artigo 12, inciso III, da lei 8906. Ou seja: ele é afastado da profissão para que se recupere da doença. Cabe observar que a lei fala em doença mental curável, o que pode dar ensejo a discussões, uma vez que a lei tem mais de 16 anos e nesse espaço de tempo houve uma expressiva modificação nas ciências médicas, com o surgimento de medicamentos mais sofisticados e eficazes, o que nos obriga a reconhecer a necessidade de laudos psiquiátricos nesses casos. Doença que não era curável em 1994 talvez o seja hoje.

Todavia, ainda que se trate de doença incurável, os direitos do doente devem ser respeitados e antes de mais nada verificado se a doença impede o trabalho, até porque o exercício da atividade quase sempre é ajuda importante no tratamento.

De qualquer forma, não podemos nos esquecer que o advogado deve ser assistido e amparado pelos serviços assistenciais da OAB, conforme ordena o artigo 62 do nosso estatuto. Essa assistência deve ser a mais ampla possível, eis que a lei não lhe fixa limites, falando apenas em prestar assistência aos inscritos. Se o advogado tem doença deve ser assistido pela OAB, não disciplinarmente punido. Uma coisa exclui a outra.

A história recente da advocacia registra vários casos de minutos de insanidade.

Há cerca de dez anos um advogado sofreu vários processos disciplinares, quase sempre por ofensas a magistrados e colegas, quando usava linguagem totalmente incompatível com a profissão. Com algumas suspensões, já se podia antever que teria sua inscrição cancelada pela aplicação do artigo 38 da nossa lei.

Mas advocacia e justiça não se limitam a aplicar a lei e esta é instrumento criado pelo homem para ser instrumento de sua felicidade. Não é a criatura humana que está a serviço da lei, mas o contrário.

Por outro lado, estamos nos desviando dos princípios básicos da civilização e da declaração universal dos direitos humanos quando, a pretexto de controlar comportamentos, acabamos criminalizando qualquer coisa e transformando quase todas as nossas atitudes em coisas perigosas, que devem ser controladas pelo Grande Pai, o estado...

Em face a tais princípios, a OAB-SP, por sugestão do relator do TED naquela ocasião, convidou o advogado para uma reunião, onde este confessou-se doente mental, declarando-se impossiblitado de arcar com as despesas do tratamento. Em face do laudo psiquiátrico reconhecendo a doença como curável, nosso colega foi temporariamente afastado da profissão, a ela retornando mais tarde quando recuperado e hoje trabalha sem problemas.

Situação parecida também ocorreu em relação a advogado que voluntariamente se afastou da OAB por estar fazendo tratamento psiquiátrico e que recentemente pleiteou reinscrição eis que já está recuperado. Ou seja: quando acometido de doença mental - consta que dependência química assim se define - tem direito a afastar-se ou deve ser afastado de ofício o profissional que, recuperado, pode voltar ao exercício de seu trabalho. Note-se que não cabe à OAB pretender avaliar a recuperação, que só pode ser feita pelo médico psiquiatra.

Outra situação ocorreu quando um jovem pretendia inscrever-se na OAB e teve seu pedido questionado, ao argumento de que fizera ameaças de morte a todos os ministros de STF, as quais teriam sido divulgadas pela internet. Uma situação um pouco parecida com a estudante de direito que não gosta de nordestinos.

A inscrição foi concedida por unanimidade pelo Conselho da OAB-SP, que aceitou o parecer do relator, onde este demonstrou que as ameaças não eram sérias, que o pretendente à inscrição era um jovem de boa reputação e que tudo não passara de uma bobagem decorrente dos “... três minutos de insanidade que nós todos, que todo homem, todo dia passa...”.

Ora, se todo homem passa, a mulher também passa. Assim, pretender crucificar uma jovem por uma besteira que ela falou ou escreveu, não engrandece ninguém. Não se trata de ignorar a ofensa, de concordar com o preconceito ou estimular tal comportamento. Trata-se de buscar uma solução harmônica, humana, que reconheça a nossa posição de animais racionais, sem que nos coloque na vala comum das bestas vingativas que encontram prazer no sofrimento de nossos semelhantes.

No caso da estudante preconceituosa, muito provavelmente ela é duplamente vítima: a) da ignorância que ostenta, resultado do mau ensino que recebeu; e b) da falta de solidariedade e companheirismo de seus colegas de estudo e trabalho.

Uma estudante que tivesse tido aulas pelo menos razoáveis teria a obrigação de saber que os maiores juristas, os mais relevantes autores da doutrina jurídica do Brasil, os mais consagrados mestres em todos os campos do direito foram nordestinos ou nortistas: Clovis Bevilacqua (cearense), Rui Barbosa (baiano), Djaci Falcão (paraibano), Pontes de Miranda (alagoano), Hugo de Brito Machado (piauiense) e tantos e tantos outros.

A estudante que não sabe disso é culpada? Ora, deveria ser obrigatório o estudo das biografias dos grandes mestres do direito brasileiro. Mas, infelizmente, estuda-se apenas onde colocar o “x” na alternativa certa da prova do concurso. Se há alunos que fingem estudar, há professores que fingem ensinar.

Fala-se em processar a estudante por racismo! Essa história de dizer que tudo é crime acaba por nos transformar todos em escravos da lei que, como já afirmamos, deveria ser escrava da sociedade.

A mencionada jovem ignorante, se processada na forma da lei poderia ser condenada e se fosse presa se tornaria uma pessoa melhor? Nossas prisões recuperam alguém? Queremos transformar uma estudante de Direito, ainda que ignorante em cultura jurídica, em mais uma delinqüente profissional, com curso de pós-graduação na Universidade do Crime?

Foi muito simples para o escritório onde ela estava trabalhando livrar-se do assunto: bastou dizer que a dispensaram. E fica a pergunta: ela era um objeto dispensável que pode ser descartado na primeira falha como se fosse um copo trincado? Ora, os nossos colegas quando selecionam uma estagiária devem fazer uma seleção rigorosa. Talvez não tão rigorosa a ponto de verificar conhecimentos culturais mais amplos, mas pelo menos deve ser uma pessoa de boa índole, séria, que não vá causar prejuízos ao escritório.

Imaginar que um episódico incidente de preconceito praticado por uma estagiaria possa prejudicar a boa imagem de um escritório é ridículo. Não parece razoável supor que besteira de estagiário na sua vida pessoal e da forma como aqui relatada possa comprometer o escritório em que trabalha.

Assim, fica evidente que os advogados que selecionaram a estagiária não estavam preocupados com sua auxiliar. Devemos nos lembrar que qualquer auxiliar de um advogado, seja estagiário, recepcionista ou faxineiro, é, antes de mais nada, uma pessoa, uma criatura humana, que merece nossa compreensão, nossa solidariedade. O estagiário merece mais que isso: precisa ser orientado, instruído, aconselhado. Para isso é que inventaram o estágio, que não é apenas uma forma de arranjar mão de obra mais barata e sem relação de emprego.

Com tais considerações, retornamos ao início: o que está acontecendo com os profissionais e os estudantes de Direito?

Quanto aos advogados, tudo indica que muitos não estejam percebendo a necessidade de revermos todos os nossos valores, eis que nos encontramos num mundo totalmente diferente daquele onde nossa profissão foi construída.

Também é incrível que ainda haja algum colega se imaginando superior a outros, apenas porque ocupou este ou aquele cargo na OAB ou no governo ou porque fez um curso de mestrado ou doutorado ou tenha publicado livros.

Todos sabemos que cargos no governo quase sempre ignoram méritos e qualidades do indicado, sendo quase sempre resultado de interesses menores, e que a composição de chapas na OAB também é repleta de defeitos. Títulos acadêmicos não raras vezes são outorgados sem critérios ou mesmo atribuídos a trabalhos sem qualidade que podem até ser comprados aqui ou ali. Publicar livros hoje já não significa quase nada, pois a indústria editorial se tornou uma grande brincadeira, principalmente depois da invenção da internet.

Talvez isso explique a preocupação do advogado já mencionado em apresentar-se como demônio, satanás ou belzebu. Muitas pessoas acreditam nessas coisas, cuja credibilidade deve ser maior do que a apresentada por muitos advogados. Parece ser aquela velha história: se eu não posso ser respeitado, tentarei ser temido.

A estudante de direito fez uma besteira decorrente de ignorância. Enquadrar isso como crime não leva a nada, além do que os nordestinos provavelmente não estão nem aí com essa bobagem. Ela deveria, quem sabe, sujeitar-se a duas penas: pedir desculpas - se ainda não o fez - e fazer um trabalho escolar resumindo a biografia de mestres do direito que são ou foram nordestinos.

Se o advogado quer livrar-se do vício, pode e deve procurar ajuda da OAB ou de quem o possa auxiliar. Se a estudante não gosta de nordestinos demonstra grande ignorância e deve ler um livro. Pode ser um volume só do Tratado de Direito Privado de Pontes de Miranda.

Essas questões envolvem ignorância, vaidades mal resolvidas, maldades desnecessárias. A advocacia precisa livrar-se dessas questões. Nossa profissão é séria e defende coisas sérias. O patrimônio, a liberdade e a honra de nossos clientes dependente de nosso trabalho. Não podemos brincar com isso. Não podemos sequer desfrutar de apenas três minutos de insanidade.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A DENGUE SEGUE MATANDO E A FUNASA EM EXTINÇÃO

POR: David Cavalcanti, Médico Sanitarista

A arquitetura da morte pela dengue foi tramada em 1998, quando Fernando Henrique Cardoso aceitou pano elaborado pelo alto tucanato que decidia extinguir a Funasa ou
pelo menos colocar seus servidores em extinção, abrindo importante brecha para a contratação de mão-de-obra barata diretamente pelas prefeituras, as quais poderiam assim angariar importantes cabos eleitorais pagos por verbas públicas. O tiro de misericórdia veio em 2002, quando a descentralização literalmente jogou os servidores qualificados da Funasa nas mãos de prefeitos e secretários de saúde sem qualquer noção da valorosa contribuição qualificada que recebiam sem custo do governo federal. O resultado era o previsto pela equipe de FHC: os servidores de carreira da Funasa foram desprezados enquanto que os terceirizados contratados por critérios político-eleitoreiros foram deixando de lado o combate às epidemias. Por causa disso, da irresponsabilidade do governo federal, as endemias foram retornando criminosamente e afetando nossas vidas. Dengue, malária, febre amarela, tuberculose e leishmaniose encontraram no abandono do combate sistemático, anteriormente realizado à exaustão pelos servidores da Funasa, o tempo/espaço necessário à proliferação e descontrolada. O presidente Lula teve nas mãos uma rara oportunidade de mostrar sua seriedade no trato da saúde pública, mas todos sabemos que a política de saúde dele não é lá essas coisas e o abandono prosseguiu. È desnecessário dizer que mais de cem mil casos de dengue estão previstos para 2010, sem falar no numero de mortes que poderiam ser evitadas se houvesse vontade política e se o Ministério da Saúde não fosse moeda de troca por apoio político, hoje nas mãos do PMDB, o qual sabemos, sempre ávido por cargos, nem sabe o que é política de saúde pública, elementar ou primária. Isso sem falar nos desvio de verba na Funasa, sempre relegados ao esquecimento pela conveniência das alianças espúrias. Para acabar com essa corrupção na alta cúpula (cópula), o governo quer extinguir a Funasa e, como disse um sindicalista paranaense, “mata-se o boi para acabar com o carrapato”, típica solução dos corruptos ativos e passivos. Lula vai sair e tanto Dilma quanto Serra, é o continuísmo da omissão e do descaso. Pobre saúde do povo brasileiro. Milhares vão morrer nos próximos quatro anos enquanto que os servidores da Funasa, cansados de tanto desprezo, só aguardam a obtenção de contagem especial para requerer aposentadoria e saírem de cena. Triste espetáculo este onde quem trabalha tem que sair e quem faz de conta insiste em mamar nas tetas da viúva, mesmo que esse mamar signifique matar boa parte do povo brasileiro de doenças primitivas facilmente combatíveis.

INICIATIVA APÓCRIFA - DENÚNCIA ANÔNIMA DEVE SER TRATADA COM CAUTELA

POR: Alex Leon Ades

Nos últimos anos temos testemunhado inúmeras operações policiais, muitas delas realizadas com base em informações trazidas através de denúncias anônimas, as quais fazem pairar de imediato suspeição sobre o denunciado. Produzem desde logo, indiscutivelmente, resultados nefastos que provêem de seu conteúdo, independentemente de sua forma e da não identificação de sua autoria.

Na verdade, o que mais preocupa não é a própria acusação apócrifa, mas o ato que a sucede e como ela é recebida pelos agentes investigadores. Considerando o anonimato, indispensável seria recebê-la com extrema cautela, de forma que as investigações não desprezassem a igual possibilidade de tratar-se de acusação inverídica, e da tentativa de manipular o aparelho para agir contra determinada pessoa. Na maioria das vezes, a motivação da denúncia nada tem a ver com o interesse público, mas com o interesse pessoal do denunciante em prejudicar o denunciado.

Assim, não se pode desenvolver uma ótica parcial, adotando-se como premissa verdadeira o conteúdo de acusação, dedicando esforço, apenas, para arrecadar provas que robusteçam o teor daquela “denúncia”. Principalmente, quando não existem outros elementos de prova aptos a evidenciar a prática de qualquer ilícito.

Resulta temerário, portanto, encampar a Administração sob a forma de apuração de ofício, denúncia à qual falta a identificação de autoria e sobre cujo conteúdo o Poder Público nada sabe além da iniciativa apócrifa, invertendo o princípio do in dubio pro reo e da presunção constitucional de inocência (C.F., art. 5°, LVII).

Tanto é assim, que a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, no Habeas Corpus 1.216.751.3/0, a devolução de documentos apreendidos e destruição de prova ilícita em um caso que investiga crime de lavagem de dinheiro. Os desembargadores aplicaram o novo artigo 157 do Código do Processo Penal: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. O desembargador Pinheiro Franco, relator do caso, ressalvou que denúncias anônimas devem ser apuradas pela Polícia, mas é preciso de fatos concretos para que peça medidas como busca e apreensão. Para ele, é inconstitucional a instauração de inquérito com base apenas em carta apócrifa não apurada.

Também para o ministro Nilson Naves, relator de pedido de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, “procedimento criminal baseado em denúncia anônima é nulo e sofre de ausência de justa causa”. Para definir a questão, considerou preceitos constitucionais como a presunção da inocência, a dignidade da pessoa humana e o princípio da ampla defesa.

O ministro, no entanto, ressalvou a validade das denúncias recebidas por serviços de disque-denúncia, que provocam o Poder Público a apurar a possível ocorrência de ato criminoso. De acordo com o ministro, “é preciso reconhecer que, se, por um lado, não se pode negar o interesse da vítima e da sociedade na repressão dos crimes, por outro, a Constituição veda o anonimato, coibindo abusos na livre expressão do pensamento”.

Em outro julgado (STJ - 5ª T. — HC 64.096 - rel. Arnaldo Esteves Lima — j. 27.05.2008 — DJU 04.08.2008), o STJ se pronunciou da seguinte forma: “Processo penal. Denúncia anônima não pode ser fundamento de interceptação telefônica. Prova ilícita. Hipótese em que a instauração do inquérito policial e a quebra do sigilo telefônico foram motivadas exclusivamente por denúncia anônima — Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedente do STJ (HC 44.649/SP, rel. min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 8/10/07). Dispõe o artigo 2º, inciso I, da Lei 9.296/1996, que “não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando (...) não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal”. A delação anônima não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária, mas mera notícia dirigida por pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (artigo 339 do Código Penal). A prova ilícita obtida por meio de interceptação telefônica ilegal igualmente corrompe as demais provas dela decorrentes, sendo inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação (artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal). Aplicação da “teoria dos frutos da árvore envenenada”. Realizar a correlação das provas posteriormente produzidas com aquela que constitui a raiz viciada implica dilação probatória, inviável, como cediço, em sede de habeas corpus.”

O Pleno do Supremo Tribunal Federal também reconheceu, no julgamento do INQ 1957, Rel. Min. Carlos Velloso (DJU de 11.11.2005), “que abrir inquérito baseado em carta anônima é dar valor jurídico a um objeto que nem documento pode ser considerado e que a ordem jurídica define como desvalor”. No julgamento, o Min. Celso de Mello manifestou claramente o seu entendimento ao deixar assentadas as seguintes conclusões: “a) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração da “persecutio criminis”, eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante seqüestro, ou como ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o delito de ameaça ou que materializem o “o crimen falsi”, p.ec.); b) nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”, p.ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas e; c) o Ministério Público, de outro lado, independentemente da prévia instauração de inquérito policial, também pode formar a sua “opinio delicti” com apoio em outros elementos de convicção que evidenciem a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de sua autoria, desde que os dados informativos que dão suporte à acusação penal não tenham, como único fundamento causal, documentos ou escritos anônimos.”

Resta claro, portanto, que a “Administração Pública, não pode acolher uma iniciativa incompatível com a Constituição — que veda o anonimato (artigo 5°, IV) — e que se choca frontalmente com a legalidade, a moralidade e a transparência, para fundamentar uma apuração formal, que se tornaria eivada de nulidade, por abuso e desvio de poder, vulnerando o artigo 5°, incisos XXXIV, a, e LXIX, in fine, da Constituição Federal, pois a finalidade da regra de competência é garantir a legalidade e não prestigiar a imoralidade em detrimento da presunção constitucional de inocência” (PARECER Nº AGU/GV — 01/2007).

O processo administrativo disciplinar e o trato da denúncia anônima

POR: João Bosco Barbosa Martins
Auditor-Fiscal da Receita Federal, lotado na Superintendência Regional da RF na 3ª Região Fiscal e especialista em Direito Administrativo.

O presente trabalho trata da impossibilidade de se instaurar um processo administrativo disciplinar através de uma denúncia anônima, na visão da maioria dos doutrinadores do país na área do Direito Administrativo Disciplinar.

Segundo o art. 144 da Lei n° 8.112/90, in verbis: "As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade". O parágrafo único disciplina que quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto.

As palavras de José Armando da Costa assim sintetiza o assunto:

"Pela alternativa postulatória (precisa e definida), requer o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei n° 8.112/90, art. 144 e parágrafo único) que somente devam constituir objeto de apuração em processo as denúncias que:

a) sejam formalizadas por escrito;

b) contenham a identificação e o endereço dos denunciantes;

c) tiverem a autenticidade das assinaturas dos denunciantes devidamente confirmadas; e

d) veiculem fatos que configurem, pelo menos em tese, evidente infração disciplinar ou ilícito penal".

Na mesma linha são os passos de Sebastião José Lessa: "Pelo que se vê da redação do art. 144 e seu parágrafo único, acima citado, cuidou o legislador no sentido de evitar que denúncias absolutamente inconsistentes viessem a macular a honra do servidor denunciado e, ao mesmo tempo, perturbar as atividades da repartição pública"

Semelhante é a lição do procurador do Distrito Federal Antônio Carlos Alencar Carvalho: "O preceito do art. 144 da Lei 8.112/90 tem o escopo de preservar a dignidade do cargo público e constitui um direito subjetivo dos servidores contra denúncias vazias, infundadas, perseguições políticas, agressões à honra perpetradas por desafetos ou por pessoas de má-fé, de modo a evitar que, sob o manto do anonimato, terceiros irresponsáveis venham a vilipendiar a imagem e a distinção de cidadãos que zelam e servem a coisa pública. Não se trata de uma garantia da pessoa física do funcionário, porém de uma proteção à dignidade do posto público e ao alcance dos fins superiores da própria Administração. Sem regras, indivíduos inescrupulosos empregariam, anônima e impunemente, todo tipo de difamação e calúnia, sem ao menos a oportunidade de defesa para os ofendidos, que sofreriam o constrangimento da instauração de sindicâncias e processos administrativos disciplinares, procedimentos cujo conteúdo termina por se refletir publicamente, no âmbito da repartição pública, com irreparável gravame ao funcionário ilegalmente acusado. O art. 144 é uma garantia dos que exercem cargo público e da dignidade que se lhes presume, que requer prova robusta e identificação, qualificação, endereço e denúncia por escrito dos delatores, sob pena de os funcionários padecerem afrontas e danos físicos e morais irreparáveis apenas porque um desconhecido - quiçá um desafeto ou mesmo pessoas mal-intencionadas - resolveu adotar o expediente apócrifo como meio de prejudicar facilmente o servidor público".

Antônio Carlos Palhares Moreira Reis defende que não se pode aceitar a denúncia anônima, pela hoje expressa vedação constitucional ao anonimato, contida no inciso IV do art. 5º, que não se refere, exclusivamente, às manifestações pela imprensa e á transmissão de conhecimentos. Aduz, ainda, "mas, como onde há fumaça há fogo, é possível que a denúncia anônima tenha conteúdo de verdade, levando o administrador que a recebe a proceder com as devidas cautelas, como se fosse uma denúncia não formalizada". O autor finaliza o seu raciocínio com a idéia de que a denúncia anônima poderá ser tratada como um informe capaz de levar a autoridade a uma prévia averiguação informal dos fatos apontados, a fim de comprovar a sua existência.

Já o professor Ivan Barbosa Rigolin contesta com veemência o artigo "sub studio" com a seguinte argumentação: "Este artigo contraria abertamente o anterior, pois pretende que apenas denúncias manifestadas de modo formal e com autenticidade confirmada merecerão apuração. É profundamente infeliz a idéia, negando de forma evidente a responsabilidade de qualquer autoridade que passe a ter ciência de fato delituoso. Se, apenas, por exemplo, um chefe de serviço é informado por boataria de que seu servidor praticou grave descaminho na repartição, da qual ele pode até mesmo ter prova material, mas sem que tenha sido daquilo informado por escrito, a teor deste art. 144 estaria desobrigado de apurar a irregularidade, tal conclusão é rematadamente absurda, custando a crer possa ter sido tão contraditório neste ponto o legislador federal".

É de bom alvitre relembrar que o art. 143 da Lei n° 8.112/90 preleciona que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância administrativa ou processo administrativo disciplinar, assegurado ao acusado a ampla defesa.

Destaque-se, ainda, o alerta desse juspublicista: "uma autoridade administrativa séria e idônea jamais observará o art. 144, atuando com fidelidade, isto sim, ao artigo 143 da Lei 8.112/90". Comenta, ainda: "(...) que não importa o modo como a autoridade foi cientificada de infração ocorrida no âmbito de seu serviço, bastando que dela tivesse tido ciência para precisar apurá-la".

Léo da Silva Alves à luz do Direito Positivo brasileiro diz que "(...) não se pode desconsiderar que essas manifestações, muitas vezes deflagradas como instrumentos de vingança, têm, no fundo, informações verdadeiras. O mérito do expediente pode ser questionável, mas a essência da notícia não pode ser desprezada. (...) Como a autoridade procede nesses casos? Cruza os braços? Ignora? Não nos parece a mais sábia das medidas. É evidente que ninguém, de consciência sã, de posse de um documento apócrifo, irá deflagrar um processo ou expor o nome de um funcionário ao imediato constrangimento. Mas, em nome da supremacia do interesse público, uma averiguação discreta deverá ser feita. Quem sabe encontrar elementos que demonstrem efetivamente a ocorrência, e, aí sim, justifique-se a medida disciplinar. Sem dúvida, é preciso dupla cautela. A primeira, já observamos, para não expor levianamente o nome e a honra de uma pessoa. A segunda, para não criar a figura da prova ilícita. O direito pátrio acolhe a chamada teoria da árvore dos frutos envenenados. (...) O expediente anônimo não pode ser prova. (...) Antes de ser um estímulo à delação, é uma solução que atende a necessidade de controle da máquina administrativa, o que é de interesse de toda a sociedade".

Exemplo da matéria pode ser encontrado nos arestos cujas ementas se destacam:

"Ementa : Administrativo. Instauração de inquérito, mediante denúncia anônima. Possibilidade. Anistia. Não caracterização.

I - A instauração de inquérito administrativo, ainda que resultante de denúncia anônima, não encerra, no caso, qualquer ilegalidade.

II - Não havendo ainda contra o impetrante qualquer sanção administrativa, não há cogitar-se da anistia prevista no art. 29 do ADCT da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

III - Recurso ordinário desprovido".

"Ementa : Processual Civil. Mandado de Segurança. Processo Administrativo Disciplinar. Omissão. Nulidade. Citação. Inocorrência.

I - Verificada a ocorrência de omissão no acórdão, que não se pronunciou sobre a nulidade da citação das servidoras no processo disciplinar, acolhem-se os embargos declaratórios nesse ponto para sanar o defeito.

II - Improcedência, no entanto, da alegação, porquanto embora o mandado de citação tenha sido omisso quanto aos fatos imputados às servidoras, tiveram elas, no dia seguinte, vista dos autos, não se podendo aceitar a alegada ignorância sobre os termos da acusação.

III - Não houve omissão quanto à nulidade do processo disciplinar por ter sido deflagrado a partir de denúncia anônima, pois o tema foi expressamente abordado na decisão.

IV - Também se rejeita a omissão quanto à nulidade na intimação das acusadas para audiência de interrogatório e também por cerceamento de defesa, pois tais alegações foram devidamente rechaçadas no julgamento do mandamus.

Embargos parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes".

Destarte, relatou o Ministro Adhemar Maciel do egrégio Superior Tribunal de Justiça - STJ no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 4.435:

"Quanto à denúncia anônima, tenho para mim que o dispositivo constitucional (art. 5º, IV) não tem a extensão que o recorrente lhe dá. Tal cláusula constitucional, pinçada a esmo, não pode ser tomada em sentido absoluto. É regra comezinha de hermenêutica que não se pode pegar, isoladamente, um dispositivo de um artigo de lei e dele tirar conclusões inarredáveis. A vedação do anonimato está jungida a um dos direitos fundamentais mais importantes do homem e do cidadão: a livre manifestação do pensamento. Ora, o caso concreto nada tem com "livre manifestação de pensamento". Por outro lado, pergunta-se: como se combaterá o tráfico de drogas sem a notícia anônima ? Como apurar-se qualquer fato contra um policial truculento ? Caberá à Administração avaliar e verificar se a notícia apócrifa encontra ressonância ou não. No caso em testilha, encontrou. Por outro lado, como bem sublinhou o relator a quo, Des. DUARTE MONTEIRO (sic), o Estatuto estadual, em seu art. 170 é taxativo:

"A autoridade que tiver ciência de irregularidades no serviço público é obrigada a promover sua apuração imediata ...".

Desse modo, não importa como chegou a notícia".

Destaca-se que o Ministro Luiz Vicente Cernicciaro ao acompanhar o voto do relator no writ analisado, dá o seu diagnóstico a respeito do assunto: "Quanto ao mérito, sem dúvida, a carta anônima, a denúncia anônima não podem ser fundamento de sanção. O funcionário tem interesse em identificar a pessoa que fez a imputação, mesmo porque, tal como acontece com a testemunha, poderia ser argüido o interesse, o impedimento, ou suspeição. Mas como fato, do qual irá decorrer investigação, é indiscutivelmente legítima".

Somos a favor da corrente que defende que não se pode instaurar um processo administrativo disciplinar, sem a devida identificação do denunciante. Deve-se analisar que numa Administração Pública Gerencial que se destaca por aplicar o princípio da economicidade, plasmado na Lei Fundamental em vigor, com certeza adota a prudência necessária quando recebe notícias confusas e possivelmente frágeis com relação ao cometimento de infrações disciplinares por parte de seus agentes públicos. A denúncia anônima não é suficiente para propiciar incontinente a instauração de um processo administrativo disciplinar, porém não se pode desprezar o teor da notícia de irregularidades no serviço público. Somos, assim, partícipes do pensamento de que se deve tomar conhecimento das informações de cunho denunciativo, e com fulcro na razoabilidade, poderão ser feitas investigações, levantamentos, inspeções nas áreas denunciadas, que possam elucidar a procedência da notícia anônima.

In fine, o ilustre administrativista José Armando da Costa assevera que "não é jurídico nem democrático que o servidor público venha, sem mais nem menos, responder a processo disciplinar". (...) O Direito Processual Disciplinar exige a presença desses conectivos (princípios de prova) como forma de evitar que venha o servidor público sofrer os incômodos e os aborrecimentos oriundos de um processo disciplinar precipitadamente instaurado, além de, com tal cuidado, proporcionar resguardo à dignidade do cargo público ocupado pelo acusado, o que se reverte, por fim, em benefício da normalidade e regularidade do serviço público, escopo inarredável a que deve preordenar-se toda repressão disciplinar".

A NULIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR POR VÍCIO NA DESIGNAÇÃO DE COMISSÃO PROCESSANTE

por Luiz Cláudio Barreto Silva

É causa de nulidade do processo disciplinar o vício na designação de Comissão Processante. É que esse ato não pode se distanciar do comando da lei. Por isso, desatendido o comando legal, o caso é de nulidade por violação aos princípios da legalidade e do juiz natural.

Poderia se objetar com o argumento de existência de julgados não proclamando a nulidade do processo disciplinar em casos excepcionais, fundado no argumento de ausência de prejuízo, o que se constata de precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Gilson Dipp, em que a Comissão Processante foi composta por quatro membros, mas a legislação estabelece o número de três:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PORTARIA INAUGURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. "WRIT " IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. I – Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que a exposição pormenorizada dos acontecimentos se mostra necessária somente quando do indiciamento do servidor. Precedentes. II – Nos termos do artigo 149 da Lei 8.112/90, o processo administrativo será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, exigindo que o Presidente deverá ocupar cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado, não havendo qualquer irregularidade no fato de a comissão ser composta por quatro servidores. Precedentes. III - Aplicável o princípio do "pas de nullité sans grief", pois a nulidade de ato processual exige a respectiva comprovação de prejuízo. In casu, o servidor teve pleno conhecimento dos motivos ensejadores da instauração do processo disciplinar. Houve, também, farta comprovação do respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, sendo certo que foi oportunizada ao indiciado vistas dos autos, indicação de testemunhas e apresentação de defesa. IV - Consoante prevê o art. 156, § 1º da Lei nº 8.112/90, "O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos." V - Descabida a argüição de nulidades quando o "writ" é impetrado como forma derradeira de insatisfação com o robusto e conclusivo desfecho do do processo administrativo disciplinar. VI - Ordem denegada”. [1]

No entanto, no que diz respeito à observância do requisito do juiz natural e do princípio da legalidade, o entendimento predominante é no sentido da nulidade do processo disciplinar.

Sobre o assunto, no campo doutrinário, as oportunas considerações de Claudio Rozza:

“Sem o requisito do juiz natural/autoridade competente, o processo é nulo, e por vezes, sequer existente.

Após a Constituição Federal/1988, não pode mais existir processo de estrutura inquisitorial, e o processo disciplinar reclama uma nova visão, aproximando-o de uma estrutura de caráter acusatório,

Comissões de exceção, parciais, improvisadas, acidentais, despreparadas, dependentes, submissas, medrosas, designadas sob encomenda, devem ser banidas de vez, dando-se prévia publicidade das autoridades instauradora, instrutora, julgadora, investidas das respetivas competências, com mandato e critérios predefinidos, antes da ocorrência dos fatos que lhes vierem a ser submetidos à análise mediante sindicância ou processo disciplinar.

O processo administrativo disciplinar deve espelhar, pelo desenvolvimento concretizador dos princípios constitucionais na sua prática quotidiana, o Estado Constitucional Democrático de Direito.

Assim, no entardecer do outono, à luz crepuscular, ao ouvir o ruflar da bandeira, agitada ao vento, será menos utópica a mensagem simbólica de ordem e progresso, e, ainda que, estrela inacessível, mais próximo o objetivo fundamental da nação, ao qual se agrega o do servidor público: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. [2]

Em sede jurisprudencial, precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Paulo Galotti, anulando processo disciplinar contra policial federal, uma vez que a legislação[3] estabelece que a apuração deve se processar por meio de “Comissão Permanente”[4], mas, no caso concreto, se deu por intermédio de “Comissão Provisória”:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. NULIDADES. ARTIGO 53, § 1º, DA LEI Nº 4.878/65. VÍCIO DE COMPETÊNCIA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTE ESPECÍFICO.

1. A instauração de comissão provisória, nas hipóteses em que a legislação de regência prevê expressamente que as transgressões disciplinares serão apuradas por comissão permanente, inquina de nulidade o respectivo processo administrativo por inobservância dos princípios da legalidade e do juiz natural. 2. Precedente. 3. Ordem concedida”. [5]

Em igual sentido, precedente da relatoria do Ministro Felix Fischer, com a seguinte ementa:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. POLICIAL FEDERAL. ART. 53, § 1º, DA LEI Nº 4.878/65. COMISSÃO AD DOC. NULIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. A designação de comissão temporária para promover processo administrativo disciplinar contra servidor policial federal viola os princípios do juiz natural e da legalidade, a teor do art. 53, § 1º, da Lei 4.878/65, lei especial que exige a condução do procedimento por Comissão Permanente de Disciplina. (Precedentes: MS 10.585/DF, 3ª Seção, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 26/02/2007 e MS 10.756/DF, Rel. Min. Paulo Medina, cujo voto foi modificado após voto-vista do Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 30/10/2006.) Segurança concedida”. [6]

É também o entendimento do Ministro Arnaldo Esteves Lima, em precedente da relatoria do Ministro Paulo Medina, com trecho de voto-vista nos seguintes termos:

“Segundo o princípio do juiz natural, a Constituição garante que as pessoas serão processadas e julgadas somente pelas autoridades competentes (art. 5º, inc. LIII), todavia, isto não foi respeitado no caso, porquanto o Impetrante foi submetido a uma Comissão ad hoc de disciplina, e não a uma Comissão Permanente, como prevê o citado art. 53, § 1º, da Lei 4.878⁄65.

Segundo a Lei do Processo Administrativo (Lei nº 9.784⁄99), a competência é irrenunciável (art. 11) e não pode ser objeto de delegação, quando a matéria for exclusiva do órgão ou autoridade (art. 13, inc. III).

Não podia a autoridade instauradora do processo administrativo, Sr. Diretor-Geral do DPF, delegar a atribuição da Comissão Permanente de Disciplina a uma Comissão ad hoc, mas, como o fez, provocou a nulidade do processo de demissão do Impetrante ab ovo, que se sujeitou ao processo administrativo disciplinar perante um órgão incompetente, a Comissão ad hoc, conforme o art. 5º, inc. LIII, da CF⁄88, c⁄c art. 53, § 1º, da Lei nº 4.878⁄65”. [7]

Portanto, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, não observado o comando legal na designação da Comissão Processante o caso é de nulidade do processo por violação ao requisito do juiz natural e princípio da legalidade.

*O autor é Advogado, escritor, pós-graduado em Direito do Trabalho e Legislação Social, ex-Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da 12ª Subseção de Campos dos Goytacazes e Professor Universitário.

Notas e referências bibliográficas

[1] STJ. MS 8297 / DF. Relator: Min. Gilson Dipp. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ms+8297&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=14 . Acesso em: 17 dez. 2009.

[2] ROZZA, Claudio. Processo administrativo disciplinar e comissão processante escolhida por encomenda . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2081, 13 mar. 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2009.

[3] BRASIL. LEI Nº 4.878, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1965. . Dispõe sôbre o regime jurídico peculiar dos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L4878.htm . acesso em: 17 dez. 2009.

[4] ARTIGO 53, § 1º, DA LEI Nº 4.878/65.

[5] STJ. MS 10585 / DF. Relator: Min. Paulo Gallotti. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ms+10585&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2 . Acesso em: 17 dez. 2009.

[6] STJ. MS 13250 / DF. Relator: Min. Felix Fischer. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ms+10585&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1 . Acesso em: 17 dez. 2009.

[7] STJ. MS. 10756. Relator: Min. Paulo Medina. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200501011632&dt_publicacao=30/10/2006 . Acesso em: 17 dez. 2009.