quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Advogados trocam maior remuneração por estabilidade

Por Felipe Vilasanchez

Se as dificuldades e imposições da rotina de advogado podem ser compensadas com altos salários, a carreira pública oferece, além de pagamentos atrativos para quem está começando a carreira, a estabilidade. O advogado e professor Sérgio Camargo diz que durante a graduação "a maioria dos alunos pretende seguir carreira pública; geralmente apenas meia dúzia pretende advogar". Para ele, que leciona na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e trabalha no escritório Sérgio Camargo Advogados Associados, a carreira pública é a primeira opção por oferecer estabilidade profissional. "Eles não querem ficar ao bel prazer do setor privado, com suas instabilidades financeiras, metas, questões de empatia, podendo ser demitido a qualquer hora, e ganhando até salários abaixo do piso."
No entanto, não é apenas o conforto da carreira pública ou o salário oferecido para iniciantes que atrai os advogados. Julian Barros, que advoga há dez anos e leciona Direito em faculdades do RJ, está prestando concurso para juiz motivado pela vocação. "Parte das pessoas visa o aspecto financeiro, mas, no meu caso, é uma vocação especial pela matéria. Eu advogo há dez anos, mas sempre fui mais professor que advogado, e o trabalho de juiz me cai como uma luva", conta. Julian, contudo, reconhece que a "o grande atrativo da carreira é a vitalicidade".
Vocação e estabilidade também levaram o criminalista Carmine Lorenzo a concorrer a uma vaga de delegado da Polícia Federal. "Nunca me faltou e sempre foi tranquilo arrumar trabalho como advogado, e financeiramente eu ganho mais do que ganha um delegado da PF. Mas tem a questão da vocação e também da estabilidade", afirma Lorenzo. Ele acredita que tem vocação para ser delegado: "Primeiro pelas atribuições, e pela notoriedade do cargo, estar sempre na mídia, é um cargo importante, envolve investigações importantes em nível nacional."
Já Camargo fez o caminho inverso. Logo que se formou, prestou concurso para a Petrobras, onde atuou por cinco anos, mas voltou para o setor privado. "Mesmo com toda a segurança da carreira pública, para quem é bom, o dinheiro está no setor privado", afirma ele, que também encontrou a satisfação pessoal na advocacia. "O cara que estudou Direito por quatro anos, às vezes passa num concurso para virar carimbador de papel. Ele não usa para nada o intelecto que desenvolveu", diz.
Veja os concursos para cargos jurídicos que estão em andamento:
Nacional
Telebrás
Advogado especialista em gestão de telecomunicações

As inscrições ficam abertas até o dia 1º de fevereiro. Quatro vagas estão disponíveis, mas também serão selecionados profissionais para o cadastro de reserva. A remuneração para o cargo é de R$ 5.825,11. O edital pode ser acessado no site do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília. Clique aqui para acessá-lo.

Região Centro-oeste
Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Analista judiciário

As inscrições estão abertas até 23 de fevereiro. São 15 vagas para o cargo, com remuneração de R$ 7.566,41. Para concorrer, é necessário ser formado em Direito. O edital pode ser encontrado no site do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília. Clique aqui para acessá-lo.
Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Oficial de Justiça avaliador
As inscrições estão abertas até 23 de fevereiro. São seis vagas para o cargo, com remuneração de R$ 7.566,41. O único requisito para concorrer é ter bacharelado em Direito. O edital pode ser encontrado no site do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília. Clique aqui para acessá-lo.
Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul
Delegado

As inscrições estão abertas até o dia 8 de fevereiro. São 30 vagas disponíveis, com remuneração de R$ 9.035,55. Para concorrer, é necessário ter bacharelado em Direito, e pelo menos três anos de atuação em atividade jurídica. O edital pode ser encontrado e as inscrições podem se feitas no site do governo estadual deMato Grosso do Sul. Clique aqui para acessá-lo.

Região Norte
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região
Juiz do Trabalho

As inscrições ficam abertas até o dia 6 de fevereiro. Estão disponíveis oito vagas para o cargo de juiz do trabalho, com salário de R$ 21.766,15. O concurso também se destina a formar cadastro de reserva. Para concorrer, é preciso ser bacharel em Direito, e ter exercido pelo menos três anos de atividade jurídica. As inscrições podem ser feitas no site do TRT-14. Para acessá-lo, clique aqui.
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região
Juiz substituto
As inscrições estão abertas até as 14h do dia 6 de fevereiro. A remuneração para o cargo é de R$ 21.766,15, para 44 horas de trabalho semanais. As oito vagas disponíveis são destinadas aos estados de Rondônia e Acre. Para concorrer, é necessário ter exercido atividades jurídicas por no mínimo três anos após o bacharelado. O concurso tem validade de dois anos. Para mais informações, clique aqui e acesse o site do TRT-14.
Ministério Público do Estado do Acre
Analista processual

As inscrições ficam abertas até 31 de janeiro. Estão disponível 94 vagas para o cargo de analista processual, com remuneração de R$ 3.500. Para concorrer é necessário ter bacharelado em Direito. As inscrições podem ser feitas e o edital pode ser consultado no site da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Para acessá-lo, clique aqui.
Tribunal De Justiça do Estado de Roraima
Notário

As inscrições ficam abertas até 27 de fevereiro. O concurso se destina ao preenchimento de 23 vagas de provimento para o cargo de notário. O salário não foi divulgado. Para concorrer, é necessário ser bacharel em Direito ou ter exercido, por mais de 10 anos, serviço notarial ou de registro. As inscrições podem ser feitas no site do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília. Clique aqui para acessá-lo.
Polícia Civil Do Estado Do Pará
Delegado

As inscrições serão abertas em 20 de fevereiro, se encerrando em 17 de março. São 150 vagas disponíveis para o cargo de delegado. O salário é de R$ 7.695,02. Para concorrer, é necessário ter formação em Direito. As inscrições podem ser feitas no site da Universidade do Estado do Pará. Clique aqui para acessá-lo.

Região Nordeste
Tribunal Regional do Trabalho da Bahia
Juiz

As inscrições ficam abertas até o dia 4 de fevereiro. Estão disponíveis sete vagas de juiz substituto, com remuneração de R$ 21.766,15. A seleção também se destinará à formação de cadastro de reserva, que terá validade de dois anos, podendo ser prorrogado por mais dois. Para concorrer, é necessário o bacharelado em Direito, e o exercício de atividades jurídicas por no mínimo três anos. As inscrições podem ser feitas no site do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília. Clique aqui para acessá-lo.
Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba
Procurador

As inscrições estão abertas até o dia 6 de fevereiro. Apenas uma vaga está disponível. A remuneração para o cargo é de R$ 11 mil. Para concorrer, é preciso ser bacharel em Direito e ter inscrição na OAB. O edital pode ser acessado no site da Fundação Carlos Chagas. Clique aqui para acessá-lo.
Polícia Civil Do Estado Da Bahia
Delegado

As inscrições ficam abertas até o dia 19 de fevereiro. Estão disponíveis 100 vagas para o cargo de delegado, com remuneração de R$ 9.155,28. Para concorrer, é necessário ter bacharelado em Direito. As inscrições podem ser feitas no site do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília. Clique aqui para acessá-lo.

Região Sudeste
Polícia Civil do Estado de Minas Gerais
Analista

As inscrições serão abertas em 18 de março, e se encerram em 18 de abril. São 38 vagas para o cargo de analista, com remuneração de R$ 1.707,55. Para concorrer, basta ser formado em Direito. As inscrições podem ser feitas no site da Fundação Mariana Resende Costa (Fumarc), onde pode-se encontra o edital. Clique aqui para acessá-lo.
Polícia Civil do Estado do Espírito Santo
Delegado

As inscrições estão abertas até 27 de fevereiro. São três vagas disponíveis para o cargo de delegado, com remuneração de R$ 7.675,22. Para concorrer, é preciso ser formado em Direito. As inscrições podem ser feitas no site da Fundação Professor Carlos Augusto Bittencourt (Funcab). Clique aqui para acessá-lo.
Polícia Civil do Estado do Espírito Santo
Escrivão

As inscrições estão abertas até o dia 27 de fevereiro. Estão disponíveis 81 vagas para o cargo de escrivão, com salário de R$ 3.900,03. Para concorrer, é exigido o bacharelado em Direito. As inscrições podem ser feitas no site da Fundação Professor Carlos Augusto Bittencourt (Funcab). Clique aqui para acessá-lo.

Região Sul
Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina
Auditor

As inscrições estão abertas até o dia 7 de fevereiro. Estão disponíveis três vagas para o cargo de auditor substituto de conselheiro. Para concorrer, é necessário ter entre 35 e 65 anos, além de ter bacharelado em Direito. O salário é de R$ 22.911,74. As inscrições podem ser feitas no site do TCE-SC. Clique aqui para acessá-lo.
Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina
Analista técnico
As inscrições ficam abertas até as 16h do dia 5 de fevereiro. São 50 vagas disponíveis para o cargo de analista técnico, três delas reservadas para deficientes físicos. A remuneração é de R$ 4.200, por 40 horas semanais. A única exigência para a disputa é ter bacharelado em Direito. As inscrições podem ser feitas no site da Fundação de Estudos e Pesquisa Sócioeconômicos (Fepese), onde estão disponíveis os detalhes sobre a prova. Clique aqui para acessar o site.

FONTE: CONJUR

Renan trabalhou para reconduzir Gurgel ao comando do Ministério Público

Por Ricardo Brito

Favorito para presidir novamente o Senado a partir desta sexta-feira (01), o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), trabalhou nos bastidores da Casa para demover resistências de colegas a fim de garantir a recondução de Roberto Gurgel ao comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), em meados de 2011. No sábado passado (26), um dia após ter sido denunciado por Gurgel por crimes que quase o levaram à cassação, quando presidia o Senado em 2007, o líder peemedebista colocou sob suspeita a acusação criminal do procurador-geral, classificando-a de "nitidamente política" por ter sido feita às vésperas da eleição.
Na época, e por motivos distintos, a bancada do PT e o então líder do Democratas, Demóstenes Torres (GO), demonstravam as maiores reservas a dar mais dois anos de mandato a Roberto Gurgel. Os petistas questionavam o chefe do Ministério Público Federal por ele ter pedido àquela altura a condenação de 36 réus do mensalão, entre os quais a antiga cúpula do partido. Demóstenes, ao menos publicamente, criticava a atuação de Gurgel por não ter pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito contra o então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, por suspeita de tráfico de influência e enriquecimento ilícito.
A presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Senado a mensagem para reconduzir Gurgel em 7 de julho de 2011, mesmo dia em que ele apresentou as alegações finais do mensalão ao Supremo. Dois senadores, um da oposição e outro da base aliada, e uma fonte ligada ao procurador-geral disseram à Agência Estado que Demóstenes buscou apoios para tentar derrotar a indicação. Publicamente, a justificativa era o caso Palocci. Em privado, segundo relatos de três fontes, o senador do DEM suspeitava que estava sendo investigado por Gurgel.
Em um encontro às vésperas da sabatina do chefe do Ministério Público Federal, Demóstenes recusou-se a ir ao gabinete do senador Pedro Taques (PDT-MT) para se encontrar com Gurgel. O senador do DEM alegou aos presentes que não iria se reunir com alguém que ele suspeitava que o investigava. No dia 11 de julho, o líder do Democratas foi um dos responsáveis pelo pedido de vista da indicação de Gurgel na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), alegando a necessidade de cumprir o rito segundo o qual não se votava o processo no mesmo dia da discussão do sabatinado com os senadores. Dessa forma, o Gurgel teve de ficar alguns dias fora do cargo porque seu mandato expirou no dia 22 daquele mês.
Na segunda apreciação do caso na CCJ, no dia 3 de agosto, o líder do DEM mudou de última hora da sua disposição inicial de indicar voto contra Gurgel e a bancada do PT, que ameaçava nos bastidores retaliá-lo por causa do mensalão, não cumpriu a promessa. O líder peemedebista é apontado como um dos conselheiros da mudança de postura tanto dos democratas como dos petistas. "Renan trabalhou para reconduzi-lo", afirmou uma pessoa que acompanhou a movimentação de Gurgel para garantir um novo mandato.
Naquela sabatina da CCJ, Renan Calheiros, que participou da contagem dos votos, não fez qualquer pergunta ao sabatinado. Elogiou-o pela "isenção" e pela "independência" e ressaltou que as suas palavras só reforçavam a posição do PMDB de apoio à recondução. "Parabéns, doutor Gurgel", encerrou. Na comissão, Gurgel teve 21 votos favoráveis e um contrário. Na discussão em plenário antes da votação secreta, no mesmo dia, o líder peemedebista foi o primeiro a recomendar o voto "sim" em Gurgel, que recebeu 56 votos a favor e apenas seis contrários.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Recusar petições em papel é restringir direito fundamental

Por Claudio de Oliveira Santos Colnago

Um dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição de 1988 consiste na possibilidade de, independentemente do pagamento de taxas, qualquer pessoa poder direcionar petições “aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”[1].
Se, por um lado, é certo que não há direitos absolutos — o que importa concluir que é juridicamente cabível o estabelecimento de restrições[2] ao direito de petição —, também é correto inferir que as restrições aos direitos fundamentais devem ser razoáveis e proporcionais, cabendo seguir as conhecidas regras do juízo de proporcionalidade: devem a) ser adequadas a atingir uma finalidade proposta, b) representar o meio menos gravosos, entre vários disponíveis, para atingir tal finalidade e c) atingir a proporcionalidade stricto sensu, de forma que a intensidade da restrição seja justificada em razão da relevância da finalidade buscada.
Já há alguns anos, o Poder Judiciário iniciou um processo de transição do suporte físico dos autos processuais. Baseado na Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, esta primeira fase da transição foi marcada pela total falta de unidade na implantação do processo eletrônico, na medida em que o comando de seu artigo 18 estabelece que “os órgãos do Poder Judiciário regulamentarão esta Lei, no que couber, no âmbito de suas respectivas competências”. O resultado foi a proliferação de vários sistemas processuais com características diferentes e que, pasmem, não são compatíveis entre si.
Nos dias correntes, vivenciamos uma segunda fase do processo eletrônico que está marcada pela tentativa de correção deste equívoco: capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça (que o desenvolveu) a tendência atual é que o Poder Judiciário brasileiro venha a implantar de maneira uniforme o Processo Judicial Eletrônico (PJe).
Conforme se infere da justificativa do próprio CNJ, em seu site, além da uniformização, “o CNJ pretende convergir os esforços dos tribunais brasileiros para a adoção de uma solução única, gratuita para os próprios tribunais e atenta para requisitos importantes de segurança e de interoperabilidade, racionalizando gastos com elaboração e aquisição de softwares e permitindo o emprego desses valores financeiros e de pessoal em atividades mais dirigidas à finalidade do Judiciário: resolver os conflitos”[3].
A justificativa do CNJ é plenamente aceitável, haja vista que quanto mais genérico o discurso, maior será o nível de concordância obtido da plateia. Porém, a implantação do processo judicial eletrônico tem ignorado um aspecto de suma importância para uma transição sem atritos: a manutenção, ainda que temporária, do recebimento de petições e documentos em papel. Anunciado como medida de última modernidade, a recusa de recebimento de petições em papel aparenta afrontar o próprio espírito da lei do processo eletrônico, quando estabeleceu em seu artigo 10, parágrafo 3º, que “os órgãos do Poder Judiciário deverão manter equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição de peças processuais”. Ora, se cabe ao Judiciário manter “equipamentos de digitalização” à disposição dos interessados, resta nítido que o órgão judicial não pode se recusar a receber documentos em papel — já que cabe a ele, em última instância, digitalizá-los.
Poder-se-ia argumentar que o recebimento de petições em papel seria um “atraso”, na medida em que dificultaria a popularização do processo eletrônico e sua total implementação. Tal alegação ignora outros dois importantes aspectos da questão:
a) Infraestrutura: a utilização do processo judicial eletrônico depende de inúmeros fatores externos à atuação do advogado, como a velocidade e estabilidade de sua conexão à Internet, a confiabilidade e segurança do servidor utilizado pelo Judiciário, a versão do navegador de Internet utilizado, a versão do Java (linguagem de programação) compatível com o sistema eletrônico, a interligação com bancos de dados externos (como o da Receita Federal, para consulta de CPF/CNPJ), entre outros;
b) Usabilidade: a adoção em massa de um sistema ou serviço, na era da Internet, é mais facilmente obtida em razão do aprimoramento de sua usabilidade do que pelo estabelecimento de sua obrigatoriedade. Esta tem sido a estratégia de sucesso do crescimento das mídias sociais e dos sistemas móveis: utiliza-se o Facebook e o Twitter ou o iOS em razão da facilidade de interação com o serviço — e não porque eles são a única opção disponível no mercado. Se o sistema for bem arquitetado (com a oitiva dos seus usuários finais e constante aprimoramento), a sua utilização não precisará ser imposta — os próprios usuários serão incentivados a adotá-lo em razão dos inúmeros benefícios por ele trazidos.
Assim, nos parece que além de se tratar de uma grave ilegalidade (em razão da previsão do artigo 10, parágrafo 3º da Lei 11.419/2006), a recusa no recebimento de petições em papel, ao menos por um período de transição alargado, consiste em uma restrição desproporcional do direito fundamental de petição, haja vista atentar contra o postulado da necessidade: há meios menos gravosos para se atingir a finalidade pública (popularização do processo judicial eletrônico) que não a restrição total do recebimento de petições em papel. Tal meio é justamente a coexistência dos sistemas digital (processo eletrônico) e analógico (recebimento de petições em papel), em período de transição que deve respeitar as peculiaridades do Brasil — país continental e que conta com milhares de profissionais que, em sua grande maioria, trabalham sozinhos ou com um outro colega.
[1] Artigo 5º, inciso XXXIV, “a” do texto constitucional: “São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
[2] Assim entende o Supremo Tribunal Federal, como pode se inferir da seguinte ementa: “"O direito de petição, fundado no art. 5º, XXXIV, a, da Constituição, não pode ser invocado, genericamente, para exonerar qualquer dos sujeitos processuais do dever de observar as exigências que condicionam o exercício do direito de ação, pois, tratando-se de controvérsia judicial, cumpre respeitar os pressupostos e os requisitos fixados pela legislação processual comum. A mera invocação do direito de petição, por si só, não basta para assegurar à parte interessada o acolhimento da pretensão que deduziu em sede recursal." (AI 258.867-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-9-2000, Segunda Turma, DJ de 2-2-2001).”
[3]“Lançamento do processo judicial eletrônico (PJe)”. Disponível em http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/sistemas/processo-judicial-eletronico-pje, acesso em 18.01.2013.

Presença de gado do proprietário na terra arrendada não justifica rescisão de contrato de arrendamento

Se ainda há condição de fornecer pasto para o gado do arrendatário pelo período contratado, a presença de animais do proprietário arrendador não justifica o pedido de rescisão do contrato de arrendamento rural. A decisão da Quarta Turma negou o recurso do arrendatário, que pretendia ser indenizado pela quebra do acordo. A Turma seguiu o voto do relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, de forma unânime.

Em novembro de 2005 foi firmado o contrato de arrendamento para apascentar dez mil cabeças de gado em uma área de dez mil hectares em fazenda localizada no Mato Grosso do Sul. Em março de 2006, o arrendatário levou seus animais para a fazenda, mas encontrou gado do proprietário na área cedida, além de atividade de coleta de sementes. Afirmando que isso infringia o pactuado, pediu a rescisão e aplicação de multa contratual e danos materiais em valor equivalente a dois anos de engorda dos bovinos.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) julgou o pedido improcedente, pois não teria havido prova do inadimplemento. Se havia pasto bastante para o novo rebanho, considerou o TJMS, o uso de uma área mínima pelo arrendador não seria justificativa para rescindir o contrato. Posteriormente, o tribunal sul-mato-grossense acatou recurso apenas para majorar os honorários advocatícios.

Inadimplemento
No STJ, o arrendatário insistiu na tese de inadimplemento, afirmando haver descumprimento do contrato, pois a terra deveria ser entregue para seu uso exclusivo. Sustentou que a legislação e o Código Civil garantem à parte o direito de rescindir um contrato não cumprido e que não se deve “fazer diferenciação se o inadimplemento é grande, médio ou pequeno”, pois atenta contra a boa-fé do contratante.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a questão se resume a saber se o fato de o arrendador ter deixado algumas cabeças na terra cedida bastaria para caracterizar o descumprimento contratual. “No caso, a perícia constatou que a área vistoriada era adequada à manutenção da capacidade contratada, asseverando também que a área ocupada pelo arrendador era ínfima e não comprometia a execução do contrato”, esclareceu.

O relator destacou diversas passagens dos autos nos quais a perícia, além de haver considerado a área adequada, reconheceu a existência de outros locais da fazenda para onde os animais poderiam ser realocados, conforme previsto no contrato. Outro ponto destacado nos autos é que o crescimento do pasto, sem o consumo pelo gado, representa risco de incêndio, como chegou a ocorrer em uma área. Além disso, deixar a terra sem uso poderia fazer com que o Incra a declarasse improdutiva, podendo vir a ser desapropriada.

Súmulas
O ministro Salomão descartou as alegações de que grande parte do gado do proprietário fora retirada antes da perícia, por não ter fundamentação em fatos constantes do processo. Também seria sem importância o fato de um voto vencido no TJMS ter afirmado que o costume local é deixar a terra vazia por um período para “descanso” antes da entrega ao arrendatário, já que isso não basta para atender à exigência de prequestionamento, conforme a Súmula 320 do STJ.

Foram aplicadas ainda no processo as Súmulas 5 e 7 do Tribunal, que vedam, respectivamente, a análise de cláusula contratual e o reexame de fatos e provas do processo.

Resilição unilateral
Em outro recurso das mesmas partes, a Turma negou pedido de rescisão do contrato com a declaração de culpa do arrendador. Para Salomão, como a rescisão do pacto não foi decretada e não houve resilição unilateral, as obrigações contratadas ainda deviam ser cumpridas.

“Afigura-se que pretendia o recorrente uma resilição do contrato de forma unilateral, o que, salvo excepcionalmente, contraria o imperativo de que os contratos devem ser cumpridos”, ressaltou o relator. “A resilição unilateral do contrato deve ser exceção somente permitida quando a lei assim autorizar e, no mais das vezes, decorre da própria natureza do contrato”, completou.

Salomão apontou que o Decreto 59.566/66, que regulamenta o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), e as normas gerais sobre direito agrário (Lei 4.947/66) não preveem a resilição unilateral como causa de extinção do arrendamento.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

CÓDIGO DE TRÂNSITO - Estamos sendo enganados pelo populismo penal

Estamos sendo enganados no Brasil pelo populismo penal. O recurso ao direito penal para a criminalização (primária) dos delitos relacionados com o trânsito se encontra amplamente justificado. O direito administrativo (Código de Trânsito brasileiro e outras normas), isolado, não se apresenta com a suficiência necessária, diante das gravíssimas implicações e consequências das infrações viárias (46 mil mortes somente em 2012, conforme projeção do Instituto Avante Brasil), assim como da relevância dos bens jurídicos envolvidos (vida, integridade física, entre outros).
Mas imaginar que a utilização das normais penais, por si só, constitua a solução para o problema é um grande equívoco. Isso é enganação. E é nesse grave equívoco que têm incorrido tanto a política brasileira de segurança viária como grande parcela da população, que sempre se ilude com o agravamento das leis (achando que vai melhorar). O legislador não pode deixar de fazer nada, é verdade, mas tampouco pode deixar (dentro do seu papel fiscalizatório do Poder Executivo) que nada mais aconteça depois da edição da lei.
Impõe-se compreender, desde logo, que o ius puniendi conta com uma missão preventiva bastante humilde e acessória. Para que a lei penal seja útil (isso é que o legislador jamais deveria perder de vista), “previamente deve existir uma normativa administrativa eficaz, com um concreto funcionamento dos seus aspectos educativos, preventivos e sancionatórios. Essa exigência é fundamental. Por isso, para além das reformas legais, se faz imprescindível o desenvolvimento de meios materiais e humanos. Ou seja: maiores controles de velocidade e de alcoolemia, maior presença e atuação preventiva e dissuasória da polícia, entre outros. Ademais, é preciso que a Administração Pública cuide bem do estado das infraestruturas, da sinalização, das condições do parque automobilístico, da formação dos condutores e da instrução dos pedestres (e ciclistas e motociclistas), da limitação da velocidade dos veículos na fabricação e que melhore a assistência e deslocamento dos feridos” (González Cussac e Vidales Rodríguez: 2008, p. 196).
Lamentavelmente, tudo isso é muito deficitário no nosso país. A fraqueza e a debilidade do Poder Público, diante do enorme desafio que sugere a diminuição das mortes no trânsito, estão mais do que evidenciadas. A falta de coordenação entre os órgãos públicos, a carência de materiais e de pessoas, o deplorável desvio do dinheiro arrecadado com as infrações de trânsito, dentre outros fatores, contribuem para o mau desempenho preventivo da lei penal.
Apesar de todas essas limitações, basta um mais ou menos relevante aumento do número de mortes para que o legislador tome suas providências — de endurecimento penal e administrativo, sempre. É isso que estamos fazendo no nosso país.
Essa política da enganação legislativa, no campo da segurança viária, começou sistematicamente com o Código de Trânsito brasileiro em 1997, quando o Datasus já registrava 35.620 mortes no trânsito. A reação punitiva e fiscalizatória foi imediata e relativamente eficaz, tendo em vista o amplo apoio midiático dado ao novo Código.
Quando esta lei parou de produzir o efeito desejado, modificou-se novamente o CTB, em 2006, e aí já contávamos com 36.367 mortes. Não tendo funcionado bem essa nova lei, veio a Lei Seca de 2008, quando alcançamos o patamar de 38.273 mortes.
De 2009 para 2010, logo depois de passada a ressaca da lei seca de 2008, aconteceu o maior aumento de óbitos no trânsito de toda nossa história: 13,96%. Aumento notável na frota de veículos, sobretudo de motocicletas (hoje com 75 milhões no total), frouxidão na fiscalização, morosidade na punição e erros crassos da lei, tal como a exigência de comprovação de seis decigramas de álcool por litro de sangue: foi dessa maneira que chegamos em 2010 a 42.844 mortes (dados do Datasus). Sem uma sistemática política de prevenção de acidentes, só nos resta ir contabilizando as mortes, projetadas para 46 mil em 2012.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

PRISÃO PREVENTIVA - Desembargador Federal diz que é contra prisão preventiva como punição

"Pena alta não resolve nada. O sujeito fica amargurado e sai da prisão pior do que entrou". A afirmação é do juiz federal Fernando Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que será aposentado no dia 17 de abril por atingir o limite de idade de 70 anos.
Em entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo, o juiz, que se considera polêmico por natureza, afirma que concede mais Habeas Corpus do que nega. "Entendo que a prisão preventiva só deve ser decretada quando estritamente necessária. Como antecipação de pena, sou contra", diz.
Entre as decisões de Tourinho Neto estão duas liminares para soltar o empresário Carlinhos Cachoeira, condenado a 39 anos e 8 meses de prisão pela Justiça Federal em Goiânia. Além disso, em 2002 ele também suspendeu a prisão de Jader Barbalho, que era então governador do Pará. Em 2009, ele também suspendeu o afastamento do então governador de Rondônia, Ivo Cassol.
Na entrevista, o desembargador explica o que o motivou a soltar Cachoeira. "Concedi o Habeas Corpus pois não havia necessidade de ele ficar numa prisão. E concedi a ordem quando o juiz o condenou a 39 anos e 8 meses e decretou uma prisão provisória por dois anos. Não existe prisão preventiva com tempo marcado", conta.
Veja abaixo a entrevista concedida para a Folha de S.Paulo.
Folha - O senhor é tido como um juiz polêmico. Para muitos, é independente e corajoso; outros o criticam pela facilidade com que concede Habeas Corpus e breca investigações.

Tourinho Neto -
Polêmico acho que sou. É da minha natureza... [risos]. Geralmente, dou mais Habeas Corpus do que nego. Entendo que a prisão preventiva só deve ser decretada quando estritamente necessária. Como antecipação de pena, sou contra. Quanto a brecar investigações, não é verdade.
Folha - Por que uma mulher que furta margarina fica presa e Cachoeira recorre em liberdade?
Tourinho Neto -
Quanto a furtos de pequeno valor, evidentemente é uma excrescência juiz determinar a prisão preventiva. Quanto a Cachoeira, eu neguei o primeiro Habeas Corpus. Naquele momento, ainda havia conturbação da ordem pública. Depois, concedi outro Habeas Corpus, pois não havia necessidade de ele ficar numa prisão. E concedi a ordem quando o juiz o condenou a 39 anos e 8 meses e decretou uma prisão provisória por dois anos. Não existe prisão preventiva com tempo marcado.
Folha - Não pesou a periculosidade? Juízes sofreram ameaças...

Tourinho Neto -
Não. A jurisprudência diz que se o réu está em liberdade e é condenado, pode apelar em liberdade.
Folha - Não é ironia um réu acusado de fazer "grampos" ser beneficiado porque as interceptações da polícia foram consideradas provas ilícitas?
Tourinho Neto -
O juiz não fundamentou a decisão. Só pode haver a interceptação quando não há outro meio de investigar.
Folha - O juiz Alderico Rocha Santos, de Goiás, sugeriu que o senhor teria praticado improbidade.
Tourinho Neto -
Entrei com queixa-crime e reclamação perante a corregedoria. Ele disse que eu estava favorecendo Cachoeira.
Folha - Em 2002, o mesmo juiz havia anunciado que iria processá-lo por criticar a prisão preventiva de Jader Barbalho.

Tourinho Neto -
O governador tinha sido preso e algemado. Concedi a ordem e disse que a decisão dele foi "esdrúxula". Ele achou que era uma ofensa. É aquele afã de prender...
Folha - Em 2009, o senhor reverteu decisão que cassava o mandato do então governador Ivo Cassol. Recentemente, a Justiça cassou mandato do senador, sob a acusação de improbidade.

Tourinho Neto -
Governador é julgado pelo STJ. Não entrei no mérito.
Folha - O senhor poderia citar políticos e empresários que foram condenados graças à sua caneta?
Tourinho Neto -
Condenados... Eu não me lembro. Mantive a condenação do "comendador" [João Arcanjo Ribeiro], de Mato Grosso. Mas reduzi a pena.
Folha - O senho realmente acredita que a ministra Eliana Calmon pretendia "destruir a Justiça"?

Tourinho Neto -
Eu disse isso. Quando ela afirmou que havia "bandidos de toga", desmoralizou a Justiça. Eliana estava "abafando" [risos]. Ela é fantástica. Ninguém ousava falar contra Eliana. Nem a imprensa.
Folha - Em 2010, o sr. absolveu o desembargador do TJ-RJ Roberto Wider, acusado de chefiar a máfia dos cartórios. Em fevereiro, o CNJ aposentou compulsoriamente o juiz.

Tourinho Neto -
Não havia então prova consistente para afastá-lo.
Folha - O colegiado julgou que havia provas. O senhor manteve o voto?
Tourinho Neto -
Mantive. Achei que era o caso de censura.
Folha - O senhor pretende advogar?

Tourinho Neto -
É a única coisa que sei fazer. Não vou advogar causas como, por exemplo, estupro, tráfico de pessoas, sequestro.
Folha - O senhor defenderia Cachoeira?

Tourinho Neto -
Seria impossível [risos].

sábado, 26 de janeiro de 2013

BEM DE FAMÍLIA - Imóveis unificados não podem ser penhorados

O Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a ordem de penhora de dois imóveis de Carlos Augusto Meinberg, ex-secretário de governo na gestão Celso Pitta (1997-2000) condenado em 2000 por improbidade administrativa.
Na execução, Meinberg teve penhorados dois sítios que possui no município de Cotia (SP). Ele recorreu ao TJ-SP e a 9ª Câmara de Direito Público acolheu os argumentos da defesa de Meinberg. Ele foi defendido pelo advogado Gustavo Viseu, do Viseu Advogados. Segundo a defesa do ex-secretário, os imóveis fazem parte de um mesmo lote, constituindo-se na verdade num único imóvel, uma vez que suas matrículas foram unificadas. Um sítio tem 28,3 mil metros quadrados e o outro 13,5 mil metros quadrados. A decisão não diz quando ocorreu a unificação dos imóveis. Meinberg disse que passou a viver no sítio após separar-se de sua mulher.
“Ambas as áreas penhoradas e que fazem parte do mesmo lote é impenhorável, pois destinado à resistência do devedor e de sua família, tornando-se inviável o prosseguimento da execução com a penhora dos mesmos”, afirmou o relator, desembargador Rebouças de Carvalho.
Segundo a Justiça, quando esteve à frente da Companhia de Processamento de Dados (Prodam), Meinberg autorizou o emprego de Nabiha Abbud Baccarin, funcionária da companhia, a exercer a função de presidente do Centro de Apoio Social e Atendimento do Município de São Paulo (Casa).
Segundo a Justiça, enquanto trabalhou no Casa entre 1997 e 1999, ela foi remunerada pela Prodam. Apesar de o Casa proibir que seus diretores recebessem para exercer a função, a Justiça entendeu que Meinberg deu aval para a contração de Nahiba. Eles foram condenados a ressarcir os danos causados ao erário, avaliados, em 2000, em R$ 168 mil.
Cotas de sociedade
Na decisão, os desembargadores mantiveram a penhora das quotas da sociedade do ex-secretário na consultoria financeira Meinberg & Meinberg. Ao tentar desconstituir a penhora de sua participação na empresa, Carlos Augusto alegou que o lucro obtido com ela é destinado ao sustento própria e da família.
“As quotas sociais não se equiparam a vencimentos ou salários, nem tampouco a bens necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão”, afirmou o relator. Ao fundamentar a decisão, ele citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e afirmou que o artigo 649 do CPC, que estabelece os bens impenhoráveis, não inclui as cotas de sociedade limitada.
Clique aqui para ler a decisão.

O homem honesto e as idiossincrasias do sistema

Na semana passada, me deparei com uma história absurda que desnuda as idiossincrasias do atual sistema penitenciário (para ver a notícia original, clique aqui). O título da manchete — kafkiano, certamente — era “Rapaz enfrenta maratona para ser preso”. Sem dúvida alguma, o fato é sui generis e serve, no mínimo, para refletirmos acerca da crise sem precedentes na qual nos encontramos mergulhados.
Rapaz enfrenta maratona para se preso
A.F.M., de 21 anos, foi denunciado por praticar assalto a ônibus, na cidade de Viamão (RS), em fevereiro do ano passado. Em maio, o réu foi preso cautelarmente e, em outubro, teve a sentença prolatada, condenando-o à pena de seis anos e nove meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto.
Mantida a prisão preventiva, a magistrada determinou a expedição de PEC provisório imediatamente, “a fim de viabilizar a transferência do acusado para estabelecimento compatível com a condenação”.
Todavia, a transferência não aconteceu, e o réu permaneceu no Presídio Central (aquele cujas péssimas condições resultaram na denúncia do Brasil à OEA, conforme noticiado recentemente pela ConJur).
Em janeiro, considerando o descumprimento da decisão, o juízo da execução criminal deferiu, ex officio, a prisão domiciliar pelo período de 48 horas. Findo o prazo, o apenado deveria se apresentar à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), até às 18h, para ser encaminhado ao regime semiaberto.
Então, A.F.M. passou dois dias com sua família. Todavia, quando se dirigiu à Susepe, por volta do meio dia, acompanhado de seus pais, deu de cara com as portas fechadas (pois o funcionamento não é ininterrupto!).
Às 13h30min, o apenado foi atendido e recebeu a informação de que iria cumprir sua pena em Charqueadas (distante 60 km de Porto Alegre e 90 km de Viamão), porém não seria oferecida escolta. Para agravar a situação, seus familiares não tinham dinheiro suficiente para custear o transporte intermunicipal.
Se ele não se apresentasse no horário, seria considerado foragido e, se fosse capturado, seria encaminhado, novamente, para o regime fechado.
A família toda corria desesperada contra o relógio — para que o apenado pudesse ser preso —, até que uma tia buscou ajuda na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, que o orientou a se apresentar no Instituto Penal Pio Buck, na zona leste de Porto Alegre.
Com medo de perder o horário, a família conseguiu uma carona. Ao chegarem no albergue penal, todavia, foram barrados, pois não havia vaga. A.M.F. manifestou seu desejo de cumprir a pena, argumentando que não pretendia ser foragido, sobretudo porque poderia receber o livramento condicional em quatro meses. A administração respondeu para que fossem embora...
Então, correram de volta à Susepe, onde, por volta das 17h, conseguiram uma recomendação para que o apenado se apresentasse no albergue de Gravataí, até às 20h. Mesmo diante da incerteza de que seria admitido, a viagem foi realizada às custas da família.
Ao entardecer, por volta das 19h, A.F.M. foi aceito e, finalmente, preso. Seus pais comemoraram, antes de voltarem aliviados para casa: “Estou feliz — disse a mãe”.
A ovelha negra, de Calvino
Há alguns anos, mais precisamente em 2008, escrevi um ensaio em coautoria com Marcelo Cattoni acerca do conto A ovelha negra, de Ítalo Calvino — publicada no livro A biblioteca do general (Ed. Companhia das Letras), em que discutíamos o papel do Direito, da normatividade e, de um modo geral, das próprias instituições numa sociedade que se retroalimenta das suas próprias crises.
Esta talvez seja a questão que melhor expresse o problema representado na irônica e fantástica alegoria formulada por Calvino, que ora transcrevo:
Havia um país onde todos eram ladrões.
À noite, cada habitante saía, com a gazua e a lanterna, e ia arrombar a casa de um vizinho. Voltava de madrugada, carregado, e encontrava a sua casa roubada.
E assim todos viviam em paz e sem prejuízo, pois um roubava o outro, e este, um terceiro, e assim por diante, até que se chegava ao último, que roubava o primeiro. O comércio naquele país só era praticado como trapaça, tanto por quem vendia como por quem comprava. O governo era uma associação de delinquentes vivendo às custas dos súditos, e os súditos por sua vez só se preocupavam em fraudar o governo. Assim a vida prosseguia sem tropeços, e não havia ricos nem pobres.
Ora, não se sabe como, ocorre que no país apareceu um homem honesto. À noite, em vez de sair com o saco e a lanterna, ficava em casa fumando e lendo romances.
Vinham os ladrões, viam a luz acesa e não subiam.
Essa situação durou algum tempo: depois foi preciso fazê-lo compreender que, se quisesse viver sem fazer nada, não era essa uma boa razão para não deixar os outros fazerem. Cada noite que ele passava em casa era uma família que não comia no dia seguinte.
Diante desses argumentos, o homem honesto não tinha o que objetar. Também começou a sair de noite para voltar de madrugada, mas não ia roubar. Era honesto, não havia nada a fazer. Andava até a ponte e ficava vendo passar a água embaixo. Voltava para casa, e a encontrava roubada.
Em menos de uma semana o homem honesto ficou sem um tostão, sem o que comer, com a casa vazia. Mas até aí tudo bem, porque era culpa sua; o problema era que seu comportamento criava uma grande confusão. Ele deixava que lhe roubassem tudo e, ao mesmo tempo, não roubava ninguém; assim, sempre havia alguém que, voltando para casa de madrugada, achava a casa intacta: a casa que o homem honesto deveria ter roubado. O fato é que, pouco depois, os que não eram roubados acabaram ficando mais ricos que os outros e passaram a não querer mais roubar. E, além disso, os que vinham para roubar a casa do homem honesto sempre a encontravam vazia; assim, iam ficando pobres.
Enquanto isso, os que tinham se tornado ricos pegaram o costume, eles também, de ir de noite até a ponte, para ver a água que passava embaixo. Isso aumentou a confusão, pois muitos outros ficaram ricos e muitos outros ficaram pobres.
Ora, os ricos perceberam que, indo de noite até a ponte, mais tarde ficariam pobres. E pensaram: “Paguemos aos pobres para irem roubar para nós”. Fizeram-se os contratos, estabeleceram-se os salários, as percentagens: naturalmente, continuavam a ser ladrões e procuravam enganar-se uns aos outros. Mas, como acontece, os ricos tornavam-se cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Havia ricos tão ricos que não precisavam mais roubar e que mandavam roubar para continuarem a ser ricos. Mas, se paravam de roubar, ficavam pobres porque os pobres os roubavam. Então pagaram aos mais pobres dos pobres para defenderem as suas coisas contra os outros pobres, e assim instituíram a polícia e construíram as prisões.
Dessa forma, já poucos anos depois do episódio do homem honesto, não se falava mais de roubar ou de ser roubado, mas só de ricos ou de pobres; e no entanto todos continuavam a ser pobres.
Honesto só tinha havido aquele sujeito, e morrera logo, de fome.
Afinal, que países são estes?
Seria o homem honesto o mesmo que precisou enfrentar uma maratona para conseguir ser preso? Caso positivo, estaríamos, então, diante da figura do apenado-honesto... Caso negativo, eu apostaria que são parentes, eis que possuem, no mínimo, um traço genético comum.
O éthos que orienta os comportamentos do homem-honesto, no sentido dele não furtar, e do apenado-honesto, no sentido dele não fugir, não corresponde ao hábito e tampouco às expectativas normativas das sociedades em que eles vivem, ambas marcadas, nitidamente, pelo páthos.
Com efeito, as idiossincrasias do sistema no país (fictício) onde todos eram ladrões, cenário do conto de Calvino, não se diferem daquelas verificadas no sistema do país (real) do apenado que precisou enfrentar uma maratona para conseguir ser preso.
No fundo, tudo está literalmente invertido: num país, o Estado estimula o homem-honesto a cometer furtos todas as noites para que a riqueza possa circular; noutro, o Estado se empenha para que o apenado-honesto não possa cumprir a pena que lhe foi imposta.
Afinal, que países são estes? A resposta não podia ser pior. Ambos são o nosso país: aquele que pune quando não precisa e que, quando precisa, não pune. Aquele onde “herói” é quem está na “casa”, e não quem sobrevive, diariamente, às injustiças promovidas pelo sistema.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Comportamento de candidato pesa em concurso público

A investigação social exigida em edital de concurso público não se resume a verificar se o candidato cometeu infrações penais. Serve também para analisar a conduta moral e social ao longo da vida. Com esse fundamento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou o recurso de candidato em concurso da Polícia Militar de Rondônia, que pretendia garantir sua participação no curso de formação.
Para os ministros, as características da carreira policial “exigem a retidão, lisura e probidade do agente público”. Eles avaliaram que os comportamentos do candidato são incompatíveis com o que se espera de um policial militar, que tem a função de preservar a ordem pública e manter a paz social.
A suposta conotação política da eliminação não seria suficiente para caracterizar o direito líquido e certo. Para os ministros, mesmo que houvesse conflito entre o governador do estado e o pai do candidato, não há prova cabal de que o motivo da exclusão do curso seria exclusivamente político.
Além disso, a administração pública não teria discricionariedade para manter no curso de formação candidato que não possui conduta moral e social compatível com o decoro exigido para o cargo de policial. O desligamento é ato vinculado, decorrente da aplicação da lei.
A Turma também ponderou que os fatos atribuídos ao candidato não foram contestados, não ficando demonstrada a ilegalidade de sua eliminação. Por essas razões, o recurso foi negado por unanimidade de votos.
No caso, o candidato entrou com recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de Rondônia, que considerou a eliminação cabível diante de certos comportamentos dele. Ele admitiu no formulário de ingresso no curso, preenchido de próprio punho, que já havia usado entorpecentes (maconha). Também se envolveu em briga e pagou vinte horas de trabalho comunitário. Há informações no processo de que o concursando teria ainda um mau relacionamento com seus vizinhos e estaria constantemente em companhia de pessoas de má índole. Por fim, ele afirmou ter trabalhado em empresa pública do município de Ariquemes. Entretanto, há declaração de que ele nunca trabalhou na empresa. O TJ-RO destacou que o edital tem um item que determina a eliminação de candidato que presta informações falsas.
No recurso ao STJ, a defesa do candidato alegou que haveria direito líquido e certo para participação no curso de formação. Informou que foi apresentada certidão negativa de antecedentes criminais e que não havia registros de fatos criminosos que justificassem a eliminação. Sustentou ocorrer perseguição política, já que o pai do candidato é jornalista que critica constantemente o governador de Rondônia. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
RMS 24.287

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Renda familiar não é único meio para comprovar pobreza


A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou o pedido para reformular decisão do Tribunal Regional da 3ª Região, que negou a uma mulher o benefício do amparo assistencial aos hipossuficientes. A jurisprudência do STJ dispõe que é possível ao idoso e ao deficiente físico demonstrar a condição de hipossuficiência por outros meios que não apenas a renda familiar mensal — estabelecida pela lei em um quarto do salário mínimo.
Entretanto, segundo o TRF-3, a parte não comprovou os requisitos necessários para a concessão do benefício. A idosa, no caso, é casada com um aposentado e o casal mora em casa própria com um neto. Além disso, contava com o apoio financeiro dos filhos. O STJ não analisou o mérito do recurso, por envolver matéria de prova.
A Constituição Federal prevê no artigo 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independentemente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que não possa se manter ou ser provido pela família, na forma da lei.
O artigo da Constituição foi regulamentado pela Lei 8.742/93 e alterada pela Lei 9.720/98. A regra dispõe que será devida a concessão do benefício de prestação continuada aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, o que ocorre com famílias que têm renda mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
A matéria está pacificada no STJ desde 2009, quando da apreciação de um recurso repetitivo de Minas Gerais (Resp 1.112.557). A jurisprudência garante aos portadores de deficiência e ao idoso o direito ao recebimento de benefício previdenciário assistencial de prestação continuada, mesmo que o núcleo familiar tenha renda per capita superior ao valor correspondente a 1/4 do salário mínimo.
O tribunal entende que a interpretação da Lei 8.213 deve levar em conta “o amparo irrestrito ao cidadão social e economicamente vulnerável”. É possível a aferição da condição de hipossuficiência por outros meios que não a renda mensal.
Para o STJ, a limitação é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade. Ou seja, presume-se absolutamente a pobreza quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
O entendimento não exclui a possibilidade de o julgador, ao analisar o caso concreto, verificar outros elementos probatórios que afirmem a condição de pobreza da parte e de sua família. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Após prisão, Rocha Mattos quer advogar na área penal


O ex-juiz federal, João Carlos da Rocha Mattos, condenado por venda de sentenças, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha no processo da operação Anaconda, declarou ao jornal O Estado de S. Paulo que pretende retornar oficialmente à atuação jurídica como advogado.
Condenado a 24 anos de prisão, Mattos obteve redução da pena, cumpriu oito, e desde 2011 está em liberdade e já tem clientes, a quem orienta sem pode assinar documentos, já que sua inscrição na OAB não foi restabelecida. "Vou advogar na Justiça Federal, no Supremo, vou advogar onde for, sempre na área penal, que é onde tenho grande experiência", planeja.
De acordo com a reportagem do Estadão, ele espera o fim do recesso judiciário para pedir a prescrição da pena máxima de três anos por formação de quadrilha que ainda não cumpriu, mas que, segundo ele, prescreveu. Os recursos interpostos após a condenação, em 18 de dezembro de 2004, ainda não foram julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. O prazo prescricional para a condenação é de oito anos.
Mattos também pretende reaver imóveis, carros e ativos financeiros bloqueados pela Justiça, como um apartamento no valor de R$ 1,5 milhão, que lhe rendeu a condenação por lavagem de dinheiro, e uma casa no valor de R$ 1 milhão. Segundo o ex-juiz, qualquer um que ganhe o salário de um juiz tem condições para tais posses.
Durante os anos de prisão, dos quais cinco em regime fechado, e três em semiaberto, o ex-juiz passou por 12 presídios e prestou orientaçao jurídica sobre questões processuais a a lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC). "Me dei bem na prisão, nunca me maltrataram", relata. "Só tive problema com um juiz que foi condenado porque matou e enterrou a mulher. Ele ficou comigo na PM. Detestava futebol e Fórmula 1 na TV. Só queria ver aqueles filmes do cara que comia os outros, Hannibal", revelou à reportagem doEstadão.
Segundo Rocha Mattos, as vendas de sentenças nunca foram feitas nem provadas, e sua condenação aconteceu por ele ser um desafeto do PT e do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que considera ser o pior tribunal do país. Mattos também afirma que o Judiciário possui uma quantidade de corruptos proporcionalmente maior aos outros poderes, e diz conhecer casos de juízes acusados de estupro de menores, sequestro, corrupção, e casos de juízes afastados que continuam recebendo salários.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Distribuir combustível sem prestar contas é crime

A Justiça Eleitoral do Pará cassou o diploma do prefeito eleito de Medicilândia, Nilson Daniel (PT), e de seu vice, Valtair Teixeira (PSL), por compra de votos nas eleições municipais de 2012. Segundo a sentença, uma carreata organizada em setembro pela coligação dos então candidatos distribuiu combustível a militantes do PT em dois postos de gasolina do município e, segundo a decisão, embora não exista prova de participação dos candidatos no evento, "há indícios suficientes de que tinham conhecimento do fato, que contou com a participação de parentes e coordenadores de campanha".
O juiz Alan Meireiles, da 85ª Zona Eleitoral, condenou o prefeito e o vice também foram condenados ao pagamento de multa no valor de 10 mil Ufirs cada.
O caso chegou à Justiça Eleitoral a partir de Ação de Investigação proposta pelo DEM e o candidato derrotado na disputa, Ivo Valentim Muller. Eles apresentaram fotografias em que militantes do PT faziam fila em dois postos para abastecer seus veículos. A maioria deles estavam em motos.
De acordo com a sentença, as bombas não foram zeradas a cada abastecimento, chegando a registrar R$ 342,66 por 108 litros de gasolina, quantidade muito superior ao que comporta um tanque de moto. “Considerando que os veículos abastecidos, em sua grande maioria, eram motocicletas, cujos tanques de gasolina não comportam tal quantidade de combustível, evidente que os participantes da carreata não estavam pagando pelo combustível colocado em seus veículos”, afirmou o juiz eleitoral.
Requisitos
Ao determinar a condenação, Meireles retomou entendimento firmado no Tribunal Superior Eleitoral quanto aos aspectos necessários para considerar como compra de voto a distribuição de combustível em carreata. Para que a atitude seja considerada legal, é preciso que:
1) Exista controle da quantidade dos carros e motos que serão abastecidos;
2) Não seja doado combustível a táxis, moto-táxis e/ou veículos placa vermelha;
3) A doação seja feita diretamente no tanque dos veículos;
4) Haja posterior escrituração dos gastos eleitorais na prestação de contas.
Segundo o juiz, os requisitos do controle da quantidade e da prestação de contas não foram observados no evento descrito na denúncia, já que o prefeito negou ter custeado o ato. Além disso, na prestação de contas da campanha, os investigados dizem ter gasto mais de 22 mil litros de combustível com apenas cinco motocicletas e treze automóveis.
“Sem maior esforço, é fácil constatar a imensa disparidade entre o valor declarado em combustível e os veículos utilizados na campanha, o que inexoravelmente robustece a convicção deste juízo de que houve doação ilícita de combustível a eleitores”, afirmou o juiz Alan Meireles.
Como o segundo colocado nas eleições, Ivo Muller, também está sob investigação, o juiz determinou que o cargo de prefeito deve ser ocupado pelo presidente da Câmara de Vereadores da cidade.
Clique aqui para ler a sentença.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Condenado por tráfico pode receber pena alternativa

Para o Supremo Tribunal Federal, são inconstitucionais as proibições legais à conversão de pena privativa de liberdade em restritiva de direito. O entendimento foi reafirmado em Recurso Extraordinário julgado diretamente no Plenário Virtual. Os ministros reconheceram a repercussão geral da matéria e, em seguida, decidiram julgar o seu mérito aplicando a jurisprudência da corte. O ministro Marco Aurélio ficou vencido, tanto na discussão sobre a repercussão geral quanto no mérito.
Em 2010, ao analisar pedido de Habeas Corpus apresentado por condenado por tráfico, o Supremo determinou que o caso voltasse para o juízo de origem, que avaliaria a conversão da pena, observando a inconstitucionalidade das expressões "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", no artigo 33, parágrafo 4º, e "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", constante do artigo 44, ambos da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas). Na ocasião, a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos se deu por seis votos a quatro.
O Ministério Público Federal, no recurso levado ao Supremo, afirmou que o tribunal de origem conferiu ao condenado pela prática de crime equiparado a hediondo tratamento idêntico àqueles encarcerados em virtude do cometimento de infrações penais de menos gravidade. Sustentou, ainda, a plena eficácia da norma, razão pela qual considerava indevida a conversão da pena.
Para o relator, ministro Luiz Fux, "a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo". Segundo ele, "é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória".
Fux afirmou ainda que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a "função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal". As demais penas, conforme o relator, "também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero".
O ministro salientou, ainda, que no plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo tratamento diferenciado para possibilitar alternativas ao encarceramento.
Por fim, o relator destacou também que o Senado Federal promulgou a Resolução 5, em fevereiro de 2012, determinado a suspensão da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", constante do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas.
A repercussão geral e o mérito do caso foram julgados de uma vez só, por meio do Plenário Virtual. De acordo com o artigo 323-A, do Regimento Interno do Supremo, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, o julgamento de mérito de questões com repercussão geral também poderá ser realizado por meio eletrônico. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
ARE 663.261

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

CASAMENTO IMPERFEITO

A venda casada está presente na vida do consumidor. Jornais vendidos com fascículo de cursos, sanduíches que vêm com o brinquedo, venda de pacotes de turismo atrelado ao seguro. Diversas são as formas de dinamizar o mercado. Mas quando a prática de subordinar a venda de um produto a outro é ilegal? O STJ tem algumas decisões sobre o tema, que podem ajudar o consumidor a reivindicar seus direitos.

Prevista no inciso I do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a prática é caracterizada pela presença de duas diferentes formas de condicionamento. Ou por vincular a venda de bem ou serviço à compra de outros itens ou pela imposição de quantidade mínima de produto a ser comprado. A jurisprudência do Tribunal não oferece respostas para todas as situações, mas orienta o consumidor na sua decisão.

Em um julgamento ocorrido em 2008, a Terceira Turma do Tribunal considerou que o mutuário não está obrigado a adquirir o seguro habitacional da mesma entidade que financie o imóvel ou por seguradora por ela indicada, mesmo que o seguro habitacional seja obrigado por lei no Sistema Financeiro de Habitação. A obrigação de aquisição do seguro no mesmo agente que financia o imóvel caracteriza venda casada, uma prática considerada ilegal (Resp 804.202).

É venda casada também condicionar a concessão de cartões de crédito à contratação de seguros e títulos de capitalização. Em um caso analisado pelo STJ, os valores eram incluídos nas faturas mensais dos clientes por uma empresa representante de lojas de departamento. Ela alegou que o título de capitalização era uma garantia, na forma de penhor mercantil, do pagamento da dívida contraída junto com o cartão, o que estaria permitido pelo art. 1419 do Código Civil.

Prevaleceu a tese de que a circunstância de os títulos de capitalização serem utilizados como garantia do crédito concedido, semelhante ao penhor mercantil, não seria suficiente para afastar o reconhecimento da prática abusiva (Ag 1.204.754). Segundo o Código de Defesa do Consumidor, a prática de venda casada pode acarretar detenção de dois a cinco anos e multa.

Pipoca no cinema
Presente no cotidiano das pessoas, a venda casada acontece em situações que o consumidor nem imagina. O STJ decidiu, em julgado de 2007, que os frequentadores de cinema não estão obrigados a consumir unicamente os produtos da empresa vendidos na entrada das salas. A empresa foi multada por praticar a “venda casada”, ao permitir que somente produtos adquiridos em suas dependências fossem consumidos nas salas de projeção (Resp 744.602).

Segundo argumento da empresa cinematográfica, o consumidor poderia assistir ao filme sem nada consumir, razão pela qual não havia violações da relação de consumo. Sustentou também que prevalecia o direito de não intervenção do Estado na economia.

Contudo, para os ministros do STJ que participaram do julgamento, o princípio de não intervenção do Estado na ordem econômica deve obedecer aos princípios do direito ao consumidor, que deve ter liberdade de escolha.

Os ministros consideraram que a venda condicionada que praticou a empresa é bem diferente do que ocorre em bares e restaurantes, em que a venda de produtos alimentícios constitui a essência da atividade comercial.

A prática de venda casada se caracteriza quando uma empresa usa do poder econômico ou técnico para obstar a liberdade de escolha do consumidor, especialmente no direito que tem de obter produtos e serviços de qualidade satisfatória e a preços competitivos, explicou o ministro Luís Fux. Assim, o Tribunal entendeu que o cidadão pode levar de casa ou comprar em outro fornecedor a pipoca ou guloseimas que consumiria durante a exibição do filme.

Refrigerante em posto de gasolina

O Código do Consumidor brasileiro não proíbe o fornecedor de oferecer promoções, vantagens aos clientes que queiram adquirir mais de um produto. Mas proíbe expressamente condicionar a venda de um produto a outro. Assim também é previsto no Código de Defesa da Concorrência (Lei 8.884/94). Em um recurso julgado em 2009, o STJ decidiu que um posto de gasolina não poderia vincular o pagamento a prazo da gasolina à aquisição de refrigerante por afrontar o direito do consumidor.

A venda casada se caracteriza quando o consumidor não tem a opção de adquirir o produto desejado se não se submeter ao comando do fornecedor. A empresa alegou que o cliente, no caso, não estava forçado a adquirir refrigerantes, mas, ao contrário, poderia adquirir à gasolina, sem vinculação alguma à aquisição de bebida. A venda de refrigerantes fazia parte apenas de um pacote promocional para pagamento a prazo.

De acordo com os ministros, a prática abusiva se configurou pela falta de pertinência, ou necessidade natural na venda conjunta dos produtos “gasolina” e “refrigerante”. Embora o fornecedor tenha direito de decidir se o pagamento será a vista ou a prazo, não pode condicionar a venda de um produto a outro, como forma de suposto benefício (Resp 384.284).

Lanches infantis
Segundo o advogado Daniel Romaguera Louro, no artigo “A não configuração de venda casada no oferecimento de produtos ou serviços bancários”, para configurar a prática abusiva, é imprescindível o exame dos condicionamentos que determinam a compra e a forma com que essa ocorre, bem como o perfil do cliente a que está imposta.

Em 2010, o Tribunal determinou a reunião na Justiça Federal das ações civis públicas propostas contra as redes de lanchonetes Bob’s, McDonald’s e Burger King, em razão da venda casada de brinquedos e lanches “fast-food”. A Justiça estadual de São Paulo e a Justiça Federal daquele mesmo estado analisam ações semelhantes propostas pelos ministérios públicos estadual e federal (CC 112.137).
O Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou na 18ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo pedindo a condenação da rede Bob’s. Essa ação civil pública visa à venda em separado de brinde, que só é entregue com a compra de lanche infantil (lanche Trikids).

Em outra ação civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) pede à Justiça Federal (15ª Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo) que condene a rede Bob’s e as redes de lanchonetes McDonald’s e Burger King a não comercializarem lanches infantis com oferta conjunta e, também, que não ofereçam a venda em separado de brindes. A decisão de mérito ainda não chegou ao STJ.

Férias frustradas

Diversas são as situações de venda casada realizadas na oferta de pacote turístico. Em 2008 um consumidor comprou uma viagem para Cancun, no México, no qual passagem, hotel, serviços de passeio e contrato de seguro de viagem foram vendidos de forma conjunta pela operadora, embora a responsável pelo contrato de seguro fosse outra empresa (Resp 1.102.849).
Sofrendo de problemas cardíacos e necessitando de atendimento médico, o consumidor realizou uma série de despesas no exterior. Na hora de pagar a conta, requereu a condenação solidaria da operadora de turismo, que vendeu o pacote de turismo, e da seguradora.

A empresa que vendeu o pacote sustentou que se limitou a organização da viagem com reservas em fretamento pela companhia aérea, diárias do hotel, traslado e guia local. Paralelamente ao contrato do pacote de viagem, pactuou o contrato de seguro com outra empresa, a qual devia responder pelas despesas realizadas.

Os ministros entenderam que a responsabilidade solidária da empresa de turismo deriva, no caso, da constituição de uma cadeia de fornecimento com a seguradora que realizou contratação casada, sem que se tenha apontado ação individual da voluntariedade do consumidor na determinação das condições firmadas.

O STJ tem decisões no sentido de que uma vez comercializado pacote turístico, nele incluíndo transporte aéreo por meio de vôo fretado, a agência de turismo responde pela má prestação do serviço (Resp 783.016). Outra decisão garante que agência de viagens responde por danos pessoais ocasionados pelo mau serviço prestado em rede hoteleira, quando contratados em pacote turístico (Resp 287.849).

Seguro em leasing

Em se tratando de venda casada, somente o caso concreto pode dar respostas para um suposto delito. Ao analisar um processo sobre arrendamento mercantil em que impuseram ao consumidor a responsabilidade de pagar o seguro de um contrato de leasing, o STJ decidiu que a prática não era abusiva. O seguro, no entanto, poderia ser feito em seguradora de livre escolha do interessado, sob o risco de ferir o direito de escolha do consumidor. (Resp 1.060.515).

Nos contratos de leasing, a arrendadora é proprietária do bem até que se dê a efetiva quitação do contrato e o arrendatário faz a opção, ao final do negócio, pela compra do produto. O Tribunal considerou que nos casos de leasing, o consumidor é responsável pela conservação do bem, usufruindo da coisa como se dono fosse, suportando, em razão disso, riscos e encargos inerentes à sua obrigação.

Os ministros entenderam, na ocasião, que não se pode interpretar o Código do Consumidor de modo a tornar qualquer encargo atribuído ao consumidor como abusivo, sem observar que as relações contratuais se estabelecem, igualmente, através de regras de direito civil.

“Ante a natureza do contrato de arrendamento mercantil ou leasing, em que pese a empresa arrendante figurar como proprietária do bem, o arrendatário possui o dever de conservar o bem arrendado, para que ao final da avença, exercendo o seu direito, prorrogue o contrato, compre ou devolva o bem”, justificou o desembargador convocado, ministro Honildo Amaral de Mello Castro.

Consumo mínimo

A segunda hipótese prevista pelo artigo 39 inciso I, que regulamenta venda casada no CDC, é aquela que o fornecedor exige que se adquira uma quantidade mínima do produto. É o típico caso em que o fornecedor garante a venda “se” e “somente se” o consumidor adquirir certa quantidade do produto.

Em 2011, o STJ pacificou o entendimento de que nos condomínios em que o total de água consumida é medido por um único hidrômetro, é ilegal a cobrança do valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de unidades residências (Resp 1.166.561).

O recurso foi interposto pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que pedia o reconhecimento da legalidade da cobrança de água multiplicando a tarifa do consumo mínimo pelo número de unidades no condomínio, nos meses em que o consumo registrado tiver sido menor que a cota estabelecida. A companhia alegava que essa modalidade de cobrança é legal e não proporcionava lucros arbitrários à custa do usuário.

Os ministros da Primeira Turma à época consideraram que a Lei 6.528/1978 e a Lei 11.445/2007 instituíram a cobrança do serviço por tarifa mínima como forma de garantir a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços públicos de saneamento básico. Isso permite aos usuários mais pobres um consumo expressivo de água a preços módicos.

A cobrança, no entanto, consistente na multiplicação da tarifa mínima pelo número de residências de um condomínio não tinha amparo legal. Para o relator, ministro Hamilton Carvalhido, não se pode presumir a igualdade de consumo de água pelos condôminos, obrigando os que gastaram abaixo do mínimo a não só complementar a tarifa, como também a arcar com os gastos de quem consumiu acima da cota.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Falar ao celular dirigindo é indício de crime doloso

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região considerou que falar ao celular dirigindo é indício de crime doloso. Com esse entendimento, a 3ª Turma negou provimento a recurso que pretendia desclassificar de homicídio doloso para homicídio culposo a acusação contra homem que atropelou policial federal em serviço quando dirigia e falava ao celular. O caso será analisado pelo júri popular, que julga crimes dolosos contra a vida e infrações conexas, conforme o artigo 5º da Constituição Federal.
Segundo os autos, o homem estava dirigindo à noite, em uma estrada federal, falando ao telefone celular. Além disso, há prova testemunhal de que estava sob efeito de álcool e maconha. Ao se aproximar do Posto da Polícia Rodoviária Federal, o réu ultrapassou os carros que estavam à sua frente, avançou sobre três dos 30 cones de sinalização e atingiu a policial, matando-a. O delito foi classificado, na primeira instância, como homicídio doloso — intencional.
Ao recorrer ao TRF-1, o réu pediu a desclassificação do delito, alegando  que “o fato de ter atropelado e matado a policial não tem o condão de autorizar a conclusão de se tratar de crime doloso”. Alegou que estava apenas desatento e dirigindo dentro da velocidade permitida no local — 60 km por hora. Disse ainda que não havia alteração em seu estado psíquico e que o exame toxicológico não fora feito por falta de médicos.
Ao analisar o recurso que chegou ao TRF-1, o relator,  juiz Tourinho Neto, considerou prematura a desclassificação do crime imputado ao acusado, "no sentido de retirar do Juízo natural da causa, o Tribunal do Júri, a prerrogativa de exame da presente situação. A decisão de pronúncia está bem fundamentada, dentro do exigido pela lei processual penal", esclareceu.
O relator disse que em relação ao dolo ou culpa, "as provas produzidas até o momento sugerem que o réu assumiu o risco de produzir o resultado morte". Para o juiz, além do fato de ter sido encontrada maconha no interior do carro, o acusado estava falando ao telefone no momento do acidente, o que "demonstra o risco assumido de produzir resultado".
Sobre o fato de o acusado estar dentro da velocidade permitida na rodovia, o relator observou que "a propósito, velocidade condizente não é só aquela que não ultrapassa o limite regularmente estabelecido para a via, mas, também, a que observa as circunstâncias do caso concreto. Na hipótese, havia uma barreira policial indicando a necessidade de se transitar pela rodovia não imprimindo a velocidade máxima permitida". A decisão do relator foi acompanhada pela 3ª Turma. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-1.
Processo 00005875020074013900

Eireli foi uma evolução, mas carece de sedimentação

Perto de completar um ano de vigência, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) carece de maior clareza e sedimentação de suas formas de utilização.
A Lei 12.441/11, cujo início da vigência teve lugar em janeiro de 2012, alterou os artigos 44, 980 (incluindo o art. 980-A) e 1.033 do Código Civil Brasileiro, instituindo no Brasil a possibilidade de limitação da responsabilidade do empresário individual.
Antes da vigência da lei, somente se poderia imaginar o exercício da atividade empresarial, de maneira individual, por meio de uma pessoal física ou natural. Dessa forma, sempre que se falava em empresário individual, havia de se pensar em responsabilidade pessoal, solidária e ilimitada.
Ou seja, não existiam meios legais para salvaguardar o patrimônio pessoal de eventuais riscos da atividade econômica. No máximo, poder-se-ia arguir o chamado benefício de ordem, a necessidade de constrição inicial dos bens diretamente ligados à atividade empresarial, para, somente se necessário e após o exaurimento dos bens empresariais, se alcançarem os bens pessoais do empresário.
Dessa forma, a única alternativa que o empresário individual teria para não comprometer o seu patrimônio pessoal, seria criar uma sociedade limitada, passando a ser um empresário coletivo.
Muito comum nesses casos, a chamada “sociedade 90% por 1%”, ou seja, a inclusão de um sócio somente para viabilizar o requisito da pluralidade, mães, pais, irmãos ou avós foram sempre compelidos a viabilizar esse tipo de sociedade.
Finalmente, após a edição da Lei 12.441/11, e a criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, isso não é mais necessário, pois, desde que atendidos os requisitos previstos nessa Norma, a responsabilidade do empresário poderá ser limitada ao patrimônio empresarial.
Quais são esses requisitos legais?
Somente uma: a Pessoa Física ou Natural somente poderá participar de uma Eireli, sendo vedada a participação em mais do que uma pessoa jurídica dessa espécie;
Responsabilidade: a responsabilidade do instituidor de uma Eireli será limitada ao capital registrado da pessoa jurídica;
Capital:
Igual ou superior a 100 Salários Mínimos;
Totalmente integralizado no momento do registro.
Nome Empresarial: Firma ou Denominação, sempre acrescida da expressão: “Eireli” ou “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”;
Direitos Autorais: poderá ser atribuída a esse tipo de empresa a cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional;
Sociedade Limitada: deverá ser aplicado subsidiariamente o regramento das sociedades limitadas.
O Conselho da Justiça Federal, por meio do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), promoveu em outubro de 2012, a Primeira Jornada de Direito Comercial. O evento de natureza técnica reuniu os principais expoentes desse ramo do direito, os quais, ao término dos trabalhos, publicaram enunciados para nortear os operadores do direito sobre os temas mais relevantes do Direito Comercial.
Merecem destaque os enunciados que trataram diretamente da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, quais sejam:
Enunciado 3. A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária.
Enunciado 4. Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente das ulteriores alterações do salário mínimo.
Como se vê, muito ainda há de se aprender sobre essa nova modalidade de personalidade jurídica nacional. No entanto, mesmo com todos os problemas que possam ser levantados sobre o tema, trata-se de grande evolução do Direito Empresarial que, certamente, incentivará e apoiará a atividade do empresarial individual.

fonte: CONJUR

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Direito Penal não pode ser o guardião da moral

Por Leandro Correa de Oliveira e Edson Vieira da Silva Filho

Já se passam quase 25 anos da inauguração do estado (social) democrático de direito brasileiro, e o processo de constitucionalização dos direitos, amplamente discutido na década de 90 perdeu-se no tempo. Tanto os valores quanto os princípios constitucionais não conseguiram cumprir sua função de nortear o direito posto, uma vez que pouco ou nada foi alterado no sentido de alinhar-se aos princípios constitucionais.
Quando falamos em princípios constitucionais chamamos um conceito novo a partir do qual a norma jurídica justifica sua existência e permite alinhar seu sentido aos valores constitucionalmente vigentes. Assim como nos lembra constantemente Lenio Streck, não há norma sem princípio e não há princípio sem norma. Seria necessário, insuficiente, cremos, mas necessário um movimento legislativo que promovesse uma releitura sistemática dos diplomas legais para verificar a sua adequação ao novo modelo social que se implanta no Brasil pela constituição de 1988.
O direito é mecanismo de gestão de conflitos, de criação/preservação/manutenção de equilíbrio, e agora, mais que nunca de promoção de valores sociais, reconhecidos na constituição que é (ainda) compromissória[1], já que suas promessas (reedição de boa parte das promessas da modernidade na verdade) continuam incumpridas[2].
O fato é que a busca dos caminhos da efetividade dos projetos constitucionais tem sido bem mais complexa do que as escolhas que nos levaram a eles. É que o momento da contradição, da falta de sintonia entre o discurso (promessas) e a prática (benesses) chega a um grau de visibilidade que não suporta mais as máscaras dos discursos. As coisas que deveriam acontecer não aconteceram e a promoção daquele tão bem falado estado de bem estar social claudica. Não acontece, e se acontece é de maneira tão lenta e tão pouco sólida que não sacia a sede de quem por tanto tempo, tanto esperou e tão pouco tem colhido.
É este o panorama jurídico. Reconhecemo-nos como indivíduos, mais do que isso, como indivíduos plurais, estamos (pelo menos formalmente) inseridos em um estado social e senhores que somos, de direito, fazemos o que era de se esperar: sindicamos o que é nosso. As respostas não vem, se vem, vem de forma ambígua, incerta, aleatória. A cada dia que passa nos sentimos mais dependentes da bondade dos bons, da justiça dos justos. Apelamos para a caridade dos caridosos e aos argumentos das mais diversas vertentes das teorias argumentativas que nos levam de volta à filosofia da consciência, ao solipsismo moderno onde o homem, senhor da razão racional tudo pode a partir dela, e a partir dela tudo faz. Como deuses, decidimos à nossa imagem e semelhança. São os passos incertos que damos em busca do maior dos mitos da modernidade: o mito da segurança. A qual segurança nos referimos? A qualquer uma, a todas elas, tanto faz, o mito nos leva ao mesmo lugar. Ao sindicarmos saúde, educação, previdência, segurança (no sentido estrito – seja ela policial preventiva, policial repressiva ou judicial) pretendemos a mesma coisa. Garantias, certezas.
O tema precisa ser posto de maneira mais alongada, como fizemos, para que efetivemos a crítica proposta aqui: possuímos o vício recorrente de apostar muitas de nossas fichas no direito penal. Por várias vezes nos surpreendemos dizendo: isso deveria ser crime, ou aquele indivíduo deveria estar preso. Em suma, os que são diferentes de nós deveriam ser excluídos, de forma drástica e exemplar, para que todos fossem iguais a nós. A idéia não é estranha, imaginem todos compartilhando dos mesmos valores, respeitando aos mesmos bens e desprezando outros de menor importância. Não é estranha, mas é incorreta.
O direito penal não é e nem pode ser o guardião da moral perdida. Não é? Bem, acho que era, e continua sendo. E, agora nossa tristeza ao debruçar-mo-nos sobre o anteprojeto do novo código penal, parece ter a mesma pretensão.
O projeto do novo código se aproxima, se adéqua e seria mais coerente se protegesse os valores defendidos pelas constituições revolucionárias. Da parte geral à parte especial notamos claramente que a “Comissão de juristas gosta do Direito Penal do Risco”[3].
A crítica vem do fato de que o projeto não se preocupa em alinhar-se com o modelo sancionatório e com as razões de punir construídas pelo legislador constitucional. A constituição foi abandonada, não serve de norte nem encontra no projeto a busca da coerência e integridade de Dworkin. A título de exemplo: O “domínio da vontade” ampara estrategicamente o “domínio do fato” no artigo 38. Nele ainda não só o que devia, mas o que podia (o projeto não explicita circunstancias) agir para impedir o delito concorre para a sua prática: é a inação sem nexo como causa de responsabilização penal. Dolo e culpa insuficientes para determinar a vontade, ganham um parceiro: o dolo eventual “tertio genus” de vontade – o legislador esqueceu-se da culpa consciente, por que não uma quarta subdivisão da vontade[4]? Seriamos ainda fiéis à teoria finalistica?
Bem, tanto mais há para falarmos, pena que o espaço é curto. Bem encerro este pequeno ensaio com três questões: a primeira, a mais complexa, quando conseguiremos nos livrar do modelo individual e alcançar os criminosos que ofendem aos bens supra individuais como meio ambiente, grandes fraudes, crimes fiscais e outros? Precisamos nos lembrar que os que furtam galhinhas estão cansados (será?) de ser a clientela preferencial do direito penal.
A segunda é: por que recuperamos a figura do dirigir sem habilitação, da lei de contravenções penais[5], não recepcionada pela CF de 1988, em pleno vigor, apenando o condutor com prisão de um a dois anos, e ao mesmo tempo pretendemos punir o homicídio culposo no transito com pena de um a quatro anos? O primeiro é crime de risco, de risco abstrato, é a abstenção de mera formalidade que, diga-se de passagem, rende grandes somas de recursos aos cofres públicos. Qual é o referencial bem jurídico que nos permite traçar proporção tão absurda?
E, por fim e mais que isso, por hábito, onde fica o princípio da subsidiariedade quando insistimos em punir crimes contra a honra, tão bem e eficientemente resguardados pelo direito civil? É necessário reaprendermos direito penal para tentarmos fazer algo melhor. Caso contrário, que fique o velho código de 1944, reedição de tantos outros e mais tolerante que o novo projeto.

[1] Apesar de canotilho falar da morte da cosntituição dirigente ressalta que seu caráter histórico (o da constitucição) ainda a faz seu modelo dirigente vivo eonde historicamente ele se faz necessário.
[2] Expressão de Streck.
[3] http://www.conjur.com.br/2012-mai-08/lenio-luiz-streck-comissao-juristas-gosta-direito-penal-risco
[4] O interessante é que a culpa gravíssima entra no homicídio e somente nele, aumentando a penal, aqui está nosso quarto grau de vontade.
[5] Artigo 204.

Derrota não gera dever de advogado de indenizar cliente

O advogado não pode ser responsabilizado pelo insucesso da causa, já que seu compromisso é de defendê-la com zelo, e não de ganhá-la. Logo, somente a comprovação de que agiu com dolo ou culpa grave no curso do processo poderia gerar responsabilização. Esse foi o entendimento da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao manter sentença que indeferiu Ação Indenizatória por Responsabilidade Regressiva movida por uma empresa contra dois advogados na comarca de Porto Alegre.
Para a Justiça, os profissionais não concorreram para o insucesso da demanda contra o cliente que atendiam, já que este não mostrou interesse em recorrer de uma sentença desfavorável na Justiça do Trabalho. Além disso, não houve prova de que o cliente entregou documentos para juntada nos autos, nem de que a conduta dos profissionais tenha sido reprovável, seja por falta de zelo, técnica ou diligência.
A relatora da Apelação na corte, desembargadora Ana Maria Nedel Scalzilli, disse que, além de provar que os profissionais agiram com desídia, a empresa teria que comprovar que possuía chances reais de sair vitoriosa na demanda, se os procuradores tivessem praticado os atos processuais essenciais para o êxito.
Nesse sentido, a relatora destacou que a empresa não fez prova de que pudesse sair vitoriosa caso interpusesse recurso ordinário contra sentença favorável à ex-funcionária — ou que era alta a probabilidade de reverter parte da decisão singular que lhe fora desfavorável.
‘‘Logo, da narrativa dos fatos e da forma como se desenvolveu a reclamatória trabalhista, com base nos elementos probatórios desta ação indenizatória, é possível concluir, com segurança, que era remota, se não inexistente, a probabilidade de a autora, através da reanálise da matéria pelas instâncias recursais, reverter a sentença de parcial procedência daquele feito’’, concluiu a desembargadora, negando provimento à Apelação. O acórdão é do dia 13 de dezembro.
O casoA empresa afirmou em juízo que contratou os dois advogados para defendê-la numa ação na 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, movida por uma ex-funcionária. No entanto, como eles não apresentaram recursos e nem compareceram à audiência de conciliação, acabou perdendo a demanda. No início do processo, a reclamante atribuiu à causa valor provisório de R$ 18 mil. No fim, a empresa foi condenada em valor superior a R$ 300 mil.
Em sua defesa, no mérito, os advogados argumentaram ausência de atos negligentes, falta de interesse do cliente em recorrer, não-recebimento de documentos essenciais ao processo e não-comparecimento do preposto da empresa à audiência conciliatória. Em suma, não houve negligência na prestação do serviço e, por isso, não é correto alegar ‘‘perda de uma chance’’.
O juiz José Ricardo de Bem Sanhudo, titular da 4ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, entendeu que, mesmo que os advogados comparecessem à audiência, a revelia seria decretada pelo juiz trabalhista pela ausência do representante da empresa.
O magistrado ressaltou que a chamada ‘‘teoria da perda de uma chance’’ não pode ser aplicada ao caso dos autos, uma vez foi comprovado o exercício profissional adequado durante o mandato outorgado. ‘‘A perda de uma chance leva à caracterização da responsabilidade civil e subjetiva dos profissionais. Contudo, não há nos autos prova da conduta reprovável dos advogados, do agir desacompanhado de zelo, técnica e diligência, não se configurando, assim, o nexo causal.’’
Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

fonte: CONJUR

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Litigância de má-fé: a ampla defesa desvirtuada pela malícia processual

A ampla defesa é um princípio assegurado na Constituição de 1988. Essa garantia baseia-se no direito à informação, no direito de manifestação e de ver seus argumentos considerados. Contudo, o que é um direito torna-se abuso de direito quando advogados violam os deveres de lealdade processual e comportamento ético no processo, desvirtuando a própria ampla defesa. É a chamada litigância de má-fé.

O artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal diz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Porém, se uma das partes no processo age de forma maldosa, seja com dolo ou culpa, utilizando procedimentos escusos para vencer ou ainda, sabendo ser impossível vencer, para prolongar o andamento do feito, o magistrado pode penalizar quem abusa do direito de pedir.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), os ministros têm enfrentado situações que demonstram haver cada vez menos tolerância com a litigância de má-fé. O Tribunal tem se dedicado a reduzir tanto o acervo quanto a duração dos processos em trâmite, e a tentativa de meramente procrastinar o desfecho judicial, além de não encontrar abrigo na jurisprudência, é vista como antiprofissionalismo. Os magistrados podem condenar o litigante de má-fé, independentemente de um pedido nesse sentido, em multa ou indenização à parte contrária.

Sucessivos e infindáveis

O artigo 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que a apresentação de embargos de declaração protelatórios autoriza que o órgão julgador condene o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a 1% do valor da causa. Havendo a reiteração de embargos protelatórios, é possível a majoração da multa a até 10%, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor respectivo.

Em junho de 2012, a Terceira Turma aplicou multa por litigância de má-fé de 1% sobre o valor da causa em razão de interposição, pela segunda vez, de embargos de declaração com “intuito manifestamente protelatório”, como avaliou o relator do processo, ministro Villas Bôas Cueva. Insistente, a parte apresentou novos embargos (pela terceira vez) e, em novembro, a Turma aumentou a multa para 5% (Ag 784.244).

O ministro Cueva esclareceu que os embargos de declaração são recurso restrito, cujo objetivo é esclarecer o real sentido de decisão em que se encontre obscuridade, contradição ou omissão. No caso, porém, houve a reiteração dos argumentos que pretendiam modificar a decisão, o que, para a Turma, denota o caráter protelatório dos embargos. O ministro ainda condicionou a interposição de novos recursos ao depósito da multa.

Majoração da multa

A mesma Turma, ao julgar o quarto recurso interno sobre o REsp 1.203.727, chegou a aplicar multa de 10% sobre o valor da causa. Foram quatro embargos de declaração na insistência de ver reconhecida tese sobre o termo inicial de prescrição em ação de cobrança de diferença de indenização securitária. O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que a matéria estava exaustivamente analisada e que houve a “mera repetição de argumentos” já apresentados anteriormente.

A Quarta Turma, que também analisa questões de direito privado, adotou medida semelhante no julgamento do Ag 1.237.606. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, nos segundos embargos de declaração, não só aplicou multa de 10% sobre o valor da causa, como condenou a recorrente a indenizar a parte contrária em R$ 5 mil reais.

Contra texto de lei

O artigo 17 do CPC elenca as hipóteses em que se reconhece a litigância de má-fé. Uma delas é deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso. As demais são alterar a verdade dos fatos; usar do processo para conseguir objetivo ilegal; opor resistência injustificada ao andamento do processo; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; provocar incidentes manifestamente infundados e interpor recurso com intuito manifestamente protelatório.

Em julgamento realizado em 2006, a ministra Nancy Andrighi explicou que “não se caracteriza a litigância de má-fé por pretensão contra texto expresso de lei, se a interpretação dada ao dispositivo pelo órgão julgador for diversa daquela pretendida pela parte e houver plausibilidade na tese defendida por esta” (REsp 764.320).

Já em outra hipótese analisada, a Primeira Turma, em 2005, condenou o estado do Maranhão ao pagamento de multa por litigância de má-fé. No caso, era contestada decisão que concedeu à parte contrária o benefício da assistência judiciária, em razão de o serviço não ser prestado por profissional da Defensoria Pública, mas por advogado escolhido pela parte.

Ocorre que a Lei de Assistência Judiciária condiciona a concessão do benefício à simples afirmação do postulante sobre seu estado de pobreza. O relator, ministro José Delgado, já aposentado, entendeu que o equívoco do estado contribuiu para o “injustificado retardamento da jurisdição buscada” (REsp 739.064).

Esfera penal

A litigância de má-fé também é combatida nos processos que debatem matéria penal. O ministro Marco Aurélio Bellizze, presidente da Quinta Turma do STJ, esclareceu que, muito embora na esfera penal não seja viável a fixação de multa por litigância de má-fé, em tais casos “é perfeitamente possível, antes mesmo do trânsito em julgado da condenação, a baixa dos autos, independentemente da publicação do acórdão, para que se inicie o cumprimento da pena que lhe foi imposta”.

A afirmação foi feita no julgamento de um agravo de instrumento, em outubro de 2012 (Ag 1.425.288). Era a terceira vez que a defesa do réu havia interposto agravo regimental, recurso destinado a combater decisão monocrática. No caso, a defesa apresentou por duas vezes tal recurso contra decisão do colegiado, a Quinta Turma. “Somente é cabível agravo regimental contra decisão monocrática, constituindo erro grosseiro e inescusável a interposição desse recurso para impugnar decisão colegiada”, repreendeu o ministro Bellizze em seu voto.

O ministro considerou que a insistência da defesa no mesmo erro revelou o seu nítido caráter protelatório, no intuito de impedir o trânsito em julgado da ação penal e viabilizar uma possível prescrição da pretensão punitiva.

Em outro caso, julgado em 2011, o então desembargador convocado Celso Limongi, após os segundos embargos de declaração no julgamento de um agravo, também determinou o imediato início da execução da pena, independentemente da publicação do acórdão ou da interposição de eventual recurso (Ag 1.141.088). A mesma medida foi adotada pela ministra Laurita Vaz ao julgar o quarto recurso interno contra uma decisão sua (Ag 1.112.715).

Petições incabíveis

“A interposição descabida de recursos (ou outro remédio processual) acaba por configurar abuso do poder de recorrer.” Foi o que afirmou o ministro Felix Fischer ao decidir sobre o esgotamento da prestação jurisdicional do STJ no caso da condenação de réus do episódio conhecido como “Massacre de Carajás”, ocorrido no Pará, em 1996 (EREsp 818.815).

O recurso especial sustentava haver nulidades nos quesitos formulados pelo juiz durante o julgamento no Tribunal do Júri. Autuado em 2006, o recurso da defesa do coronel Mário Pantoja foi negado pela Quinta Turma em dezembro de 2009. Em fevereiro de 2010, a defesa apresentou novo recurso, chamado embargos de divergência. No mês seguinte, o recurso foi indeferido liminarmente. Novo recurso e a posição foi confirmada pela Terceira Seção. Houve mais um recurso à Seção, outro recurso ao Supremo Tribunal Federal (que não foi admitido) e uma sequência de mais cinco recursos contra essa última decisão.

O ministro Fischer, então vice-presidente do STJ, determinou a baixa definitiva dos autos, independentemente do trânsito em julgado, em razão da interposição descabida e desmedida dos recursos. Neste caso, destacou o ministro, é evidente a intenção da defesa em prolongar indefinidamente o exercício da jurisdição, com petições desprovidas de qualquer razão e notoriamente incabíveis.

Direito de recorrer

Em contraponto a essa jurisprudência, os ministros do STJ também têm reconhecido que é preciso distinguir a litigância de má-fé ou o ato atentatório à dignidade da Justiça do exercício do direito de recorrer. A Corte já decidiu que "a aplicação de penalidades por litigância de má-fé exige dolo específico, perfeitamente identificável a olhos desarmados, sem o qual se pune indevidamente a parte que se vale de direitos constitucionalmente protegidos (ação e defesa)" (REsp 906.269).

Em julgamento realizado em 2009, o ministro Fernando Gonçalves, já aposentado, decidiu que a interposição de recurso legalmente previsto não poderia ser considerada litigância de má-fé. No caso analisado, a Quarta Turma excluiu a multa aplicada por conta do ajuizamento simultâneo de recurso de apelação e de agravo de instrumento – o primeiro contra a sentença e o segundo contra decisão proferida em exceção de suspeição –, ainda que a fundamentação e o objetivo de ambos fossem parcialmente coincidentes.

Para os ministros, no caso ficou claro o legítimo exercício do direito de ação (REsp 479.876). No mesmo julgamento, a Turma ainda afastou a multa aplicada em grau de recurso, por ocasião do julgamento de embargos opostos contra o acórdão de apelação. Os ministros aplicaram a Súmula 98 do STJ, segundo a qual "embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório".

Em 2012, ao julgar um recurso, o ministro Luis Felipe Salomão afastou a multa aplicada pela segunda instância, considerando que “não tem lugar a condenação por litigância de má-fé quando se mostrar evidente o desinteresse dos recorrentes em procrastinar o feito”. Para o ministro, no caso analisado, ocorreu o legítimo exercício do direito de recorrer, “prática na qual a jurisprudência, em diversas ocasiões, não reconheceu a caracterização de malícia processual” (REsp 1.012.325).