quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Súmula 501 proíbe combinação de leis em crimes de tráfico de drogas

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou nova súmula que veda a combinação de leis em crimes de tráfico de drogas. A medida já foi aplicada em várias decisões, inclusive do STJ, e faz retroagir apenas os dispositivos mais benéficos da nova lei de tóxicos.

A Lei 6.638/76, antiga lei de drogas, estabelecia para o crime de tráfico uma pena de 3 a 15 anos de prisão, sem previsão de diminuição da pena. O novo texto, que veio com a Lei 11.343/06, fixou uma pena maior para o traficante, 5 a 15 anos de prisão, mas criou uma causa de diminuição de um sexto a dois terços se o réu for primário, tiver bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa.

Ocorre que, no mesmo delito de tráfico, (artigo 33 da lei 11.343/06, em vigor, e artigo 12 da lei antiga) a lei nova em relação à antiga se tornou mais gravosa em um aspecto e, ao mesmo tempo, mais benéfica em outro. Surgiu, então, a dúvida: se um indivíduo foi condenado, com trânsito em julgado, na pena mínima da lei antiga, que é de 3 anos (na lei nova é de 5 anos), pode esse indivíduo ser beneficiado apenas com a minorante do dispositivo da lei nova?

Os magistrados dividiram-se, uma vez que retroagir uma lei mais benéfica é entendimento pacífico, mas permitir a mescla de dispositivos de leis diferentes não é conclusão unânime.

Tese consolidada

No STJ, a Sexta Turma entendia ser possível a combinação de leis a fim de beneficiar o réu, como ocorreu no julgamento do HC 102.544. Ao unificar o entendimento das duas Turmas penais, entretanto, prevaleceu na Terceira Seção o juízo de que não podem ser mesclados dispositivos mais favoráveis da lei nova com os da lei antiga, pois ao fazer isso o julgador estaria formando uma terceira norma.

A tese consolidada é de que a lei pode retroagir, mas apenas se puder ser aplicada na íntegra. Dessa forma, explicou o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no HC 86797, caberá ao “magistrado singular, ao juiz da vara de execuções criminais ou ao tribunal estadual decidir, diante do caso concreto, aquilo que for melhor ao acusado ou sentenciado, sem a possibilidade, todavia, de combinação de normas”.

O projeto de súmula foi encaminhado pela ministra Laurita Vaz e a redação oficial do dispositivo ficou com o seguinte teor: “É cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis”.

Súmula 502 consolida entendimento sobre criminalização da pirataria

Ainda que a pirataria seja amplamente praticada na sociedade, não se admite a aplicação do princípio da adequação social aos casos envolvendo esse tipo de comércio. O entendimento, já pacificado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), de que é crime a conduta de expor à venda CDs e DVDs falsificados foi sumulado pela Terceira Seção.

O princípio da adequação social afasta a tipicidade penal de determinadas condutas socialmente aceitas e muitas sentenças, confirmadas em acórdãos de apelação, absolveram réus em crimes de violação de direitos autorais, por venda de produtos piratas, com base nesse argumento.

A Quinta e a Sexta Turma do STJ, que compõem a Terceira Seção, no entanto, há tempos vinham reformando acórdãos para afastar a aplicação do princípio da adequação social para enquadrar o delito como violação de direito autoral, previsto no artigo 184, parágrafo 2o do Código Penal (CP).

No julgamento do Recurso Especial 1.193.196, tomado como representativo de controvérsia, uma mulher mantinha em seu estabelecimento comercial, expostos para venda, 170 DVDs e 172 CDs piratas. O juiz de primeiro grau, ao aplicar o princípio da adequação social, entendeu pela absolvição e a Corte de Justiça estadual manteve a atipicidade.

Fato típico

A Terceira Seção reformou acórdão. De acordo com o voto da ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora, “o fato de, muitas vezes, haver tolerância das autoridades públicas em relação a tal prática, não pode e não deve significar que a conduta não seja mais tida como típica, ou que haja exclusão de culpabilidade, razão pela qual, pelo menos até que advenha modificação legislativa, incide o tipo penal, mesmo porque o próprio Estado tutela o direito autoral”.

O projeto de edição de súmula veio da própria ministra Maria Thereza e a redação oficial do dispositivo ficou assim definida: “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas”.

Apropriação indébita previdenciária dispensa dolo

Não é preciso comprovar o dolo nos casos de crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária. Foi o que fixou, no fim de setembro, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, dedicada a julgar matéria penal. O entendimento é o de que se trata de um crime “omissivo próprio”, em que não é preciso demonstrar “a vontade de tomar a coisa para si”. De acordo com o voto da ministra Laurita Vaz, não precisa ficar demonstrado nos autos a intenção de fraudar a Previdência Social. A única comprovação necessária é o não pagamento da obrigação.
A 3ª Seção seguiu a argumentação que já era utilizada pela 5ª e 6ª Turmas, que compõem a 3ª Seção. A ministra Laurita Vaz cita diversos precedentes, de ambas as turmas, sendo o mais antigo de um voto dela de 2010.
Em um Recurso Especial julgado em novembro de 2010 pela 5ª Turma, a ministra já decidia nesse sentido: “O dolo do crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária é a vontade de não repassar à Previdência as contribuições recolhidas, dentro do prazo e das formas legais, não se exigindo o animus rem sibi habendi [intenção de ter algo para si], sendo, portanto, descabida a exigência de se demonstrar o especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal”.
Mais recentemente, em maio de 2012, o ministro Gilson Dipp, também da 5ª Turma, complementou o entendimento da ministra. Ele argumentou que o crime, descrito no artigo 168-A do Código Penal, “é centrado no verbo ‘deixar de repassar’, sendo desnecessário, para a consumação do delito, a comprovação do fim específico de apropriar-se dos valores destinados Previdência Social”.
Na 6ª Turma, Vasco Della Giustina, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul convocado ao STJ, seguiu a mesma orientação. Em Recurso Especial julgado em fevereiro do ano passado, afirmou que, para configuração do crime de apropriação indébita previdenciária “basta o dolo genérico, já que é crime omissivo próprio”. Nesse recurso, no entanto, o ministro extinguiu o processo. Depois da denúncia à Justiça, o acusado se inscreveu em um programa de parcelamento do governo federal, o Refis, para pagar suas dívidas. Houve perda de objeto, portanto.
O voto da ministra Laurita Vaz também cita jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Federal em setembro de 2011. O Pleno do STF, seguindo voto do ministro Ayres Britto, fixou, em uma Ação Penal, que “o crime de apropriação indébita exige apenas a demonstração do dolo genérico, sendo dispensável um especial fim de agir, conhecido como animus rem sibi habendi”. Nesse caso, a empresa também havia se inscrito num programa de parcelamento, mas não pagou a primeira parcela, o que fez com que a inscrição fosse desconsiderada pelo STF.
Clique aqui para ler o acórdão da 3ª Seção do STJ.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Filha ganha indenização por acidente de trabalho do pai

POR: Por
O dano infligido a um trabalhador acidentado, que restou mutilado, tem reflexos sobre aqueles com quem ele mantêm ligação afetiva. Isso porque expor o trabalhador a risco pode comprometer não só sua incolumidade física, diretamente, mas também, por via reflexa, o patrimônio subjetivo de seus entes.
Com este entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul acolheu recurso para reconhecer dano moral por ricochete — ou por afeição —, determinando o pagamento de R$ 50 mil de reparação à filha de ex-operário aposentado por invalidez desde 1998. O trabalhador teve suas indenizações determinadas em sentença proferida em maio de 2006 pela 4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, inclusive por dano moral.
Ao contrário da sentença que negou reparação à filha, o colegiado entendeu que este tipo de dano não necessita de comprovação. ‘‘Se o dano moral relaciona-se ao sofrimento psíquico que molestou o patrimônio moral por afeição da demandante, o dano é de todo evidente, prescindindo prova de sua efetiva ocorrência, sendo, pois, in re ipsa’’, explicou o relator do recurso, juiz convocado Marcos Fagundes Salomão.
Para o relator, à época dos fatos, a autora tinha quatro anos de idade e, seguramente, atravessou sua infância presenciando o sofrimento do pai. Houve, pois, ‘‘evidente constrangimento perpetrado em seu meio social, causado pela nova e terrível aparência física do pai’’. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 17 de outubro.
Acidente de trabalhoO imbróglio teve início dia 14 de março de 1998, quando o pai da autora sofreu acidente de trabalho ao operar uma máquina industrial da Termosola Fabricação e Injeção de Plásticos, sediada em Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre. Como resultado, ele teve todos os dedos amputados da mão esquerda e queimaduras de terceiro grau na totalidade das mãos, inclusive dorso e primeiro terço do antebraço.
Em vista do fato, o trabalhador ingressou com Ação Indenizatória na Justiça Comum em novembro de 1998. Os autos só foram parar na 4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, em função da declinação da competência cível, em outubro de 2005.
Em 31 de maio de 2006, a então juíza do trabalho Rejane de Souza Pedra — hoje, desembargadora do TRT — julgou a demanda parcialmente procedente. Condenou o empregador a: pagar pensão vitalícia correspondente a 40% do salário percebido à época do acidente, devidamente atualizado; constituir um capital para garantir o cumprimento da obrigação alimentar; reparação moral no valor de 60 vezes o salário-mínimo — R$ 7,2 mil.
A magistrada ainda determinou ao empregador que custeasse o tratamento médico-hospitalar, para a tentativa de regeneração, assim como as cirurgias plásticas na mão e antebraço. Ou seja, a empresa foi compelida a arcar com o custo do tratamento, observada a sua proporção de culpa no episódio — dois terços, segundo apurou o juízo.
Posteriormente, a 3ª Turma do TRT, em acórdão assinado em 22 de novembro de 2006, reformou parte da sentença. Atendendo recurso da empresa, o colegiado excluiu a condenação ao pagamento de despesas com tratamento médico-hospitalar. E, também por unanimidade, deu parcial provimento ao pedido do autor para fixar a pensão vitalícia em 100% dos ganhos; e aumentar a indenização por dano moral para 120 salários-mínimos — R$ 10 mil à época dos fatos.
Reparação moralQuatro anos depois desta decisão, a filha do trabalhador — já aposentado por invalidez — ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais em face daquele acidente. Na época, a autora tinha pouco mais de quatro anos de idade.
Em suas razões, afirmou que passou toda a infância sem poder ter o colo do pai, em razão da condição física deste. Alegou que tinha vergonha de ir com ele ao colégio, pois sabia que seus colegas iriam caçoar da sua aparência, além das chacotas. Disse que sofreu preconceito e discriminação, especialmente por parte dos colegas de escola. Atribuiu à causa o valor de R$ 150 mil.
Sentença improcedenteA juíza Déborah Madruga Costa Lunardi, da 4ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, afirmou na sentença que não ficou demonstrado qualquer dano à esfera íntima da autora que pudesse amparar pedido indenizatório.
Para tanto, citou o laudo assinado por perito especialista em Psiquiatria. Parte do documento revela: ‘‘Não há qualquer indicativo de transtorno mental no exame da periciada. Pelo contrário, trata-se de uma adolescente saudável, que consegue manter relações interpessoais favoráveis (...). No caso em tela, não há qualquer indício de que o acidente do trabalho do pai tenha trazido qualquer consequência ao seu desenvolvimento’’.
A magistrada também comentou as respostas aos ofícios expedidos pelo juízo às escolas em que a autora estudou. Todas se manifestaram pela inexistência de danos psíquicos ou mesmo de acompanhamento psicológico. Ou seja, foram unânimes em negar a ocorrência de queixas por parte da autora ou de sua família quanto à ocorrência de discriminação e preconceitos por parte de colegas de aula, em razão da aparência da mão esquerda de seu pai.
‘‘Em sendo da autora o ônus da prova quanto à ocorrência dos fatos articulados na petição inicial (artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do Código de Processo Civil), não se desonerou satisfatoriamente, de sorte que a pretensão merece indeferimento’’, afirmou a juíza.
Clique aqui para ler a primeira decisão indenizatória.Clique aqui para ler a sentença.Clique aqui para ler o acórdão.
 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Sonegação é crime e depende de provas irrefutáveis

 POR: RAUL HAIDAR

Muitos contribuintes já sofreram prejuízos e constrangimentos diante do ensandecido comportamento de autoridades que procuram instaurar procedimentos para apuração de supostos crimes contra a ordem tributária sem adequados fundamentos.

Vem se tornando comum, por exemplo, o comparecimento de policiais civis a estabelecimentos comerciais onde, com base em suposta denúncia anônima, exigem a exibição de livros e documentos fiscais para verificações.

Tais diligências, contudo, são totalmente ilegais, pois a fiscalização de tributos é matéria de competência exclusiva dos agentes fiscais estaduais ou dos auditores da Receita Federal, em qualquer caso mediante notificação formal.

Especificamente acerca dos limites da atuação da Administração Tributária, confira-se, dentre outros, o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal (STF HC 82.788/RJ, DJU 02.06.2006):


“ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - DEVER DE OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA – (...) ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.
- Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintese aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. (...).
- Os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros
O que a polícia deve fazer, ante a denúncia, é seu encaminhamento à autoridade fiscal e, se por esta for requisitada força policial, aí sim acompanhar os agentes do fisco.

Essas normas são muito claras no artigo 200 do CTN, que autoriza a requisição policial quando houver desacato ou embaraço à ação fiscal. O policial , civil ou militar, não é guarda-costas de servidores civis e só pode agir conforme a lei determina.

Nenhuma lei determina que pode a Polícia fiscalizar tributos. Pode agir, contudo, no caso de flagrantes específicos, como no transporte de mercadorias sem documentos. Mas, apreendidas estas e detidos os infratores, o fato deve ser imediatamente comunicado ao fisco, para as providências a seu cargo.

Ninguém coloca em dúvida a necessidade de que a sonegação deva ser combatida, como crime que é. Mas a precipitação do fisco ou de outras autoridades na apuração dos supostos fatos pode gerar atos nulos ou causar prejuízos ao poder público, com trabalhos inúteis.

Tal é o caso, por exemplo, de denúncias ofertadas pelo MP sem que as provas sejam suficientemente robustas para ampará-la.

Já vimos caso de denúncia ofertada com base apenas na presunção de ato ilícito, posto que o contribuinte, acusado de adquirir mercadorias com documentos tidos como inidôneos, não obteve êxito na esfera administrativa, onde seus recursos foram improvidos.

Nesse caso, o MP sustentou que, inscrita a dívida, estaria provado o crime e, assim agindo, não promoveu qualquer diligência adicional no curso do processo, valendo-se como prova apenas do depoimento de testemunha, o fiscal que elaborou o auto de infração.

O inquérito policial, como se sabe, é onde as provas são produzidas. Caso o MP as entenda insuficientes, requisitará as que as completem, na forma dos artigos 13 e 16 do Código de Processo Penal.

No curso da ação penal o réu terá a possibilidade de defender-se adequadamente, produzindo todas as provas que tiver a seu favor.

No exemplo citado, - contribuinte, acusado de adquirir mercadorias com documentos tidos como inidôneos – o réu poderá comprovar a idoneidade dos documentos, a efetiva realização das operações, etc.- Com isso, terá condições de afastar os fundamentos fáticos da denúncia ou trazer para os autos dúvidas suficientes da materialidade ou da autoria, de forma que a sentença resulte em sua absolvição.

Nesse mesmo exemplo, há outro aspecto relevante, que se refere à autoria. A denúncia há de vir com identificação exata e precisa do responsável pelo ato. Tal questão acabou produzindo discussões recentes, quando ganhou evidência a chamada teoria do domínio do fato pela qual deve ser punida também a pessoa que ordenou ou permitiu que o fato ocorresse.

Ora, numa empresa qualquer, especialmente nas médias e pequenas, pode acontecer de não ser do conhecimento do sócio ou diretor o fato do qual resultou a sonegação.

A lei brasileira prevê que o pagamento do tributo e seus acréscimos, antes da denúncia, extingue a punibilidade. Mas nem sempre isso é viável, especialmente se levarmos em consideração as multas absurdas que são previstas em nossa legislação.

Não se pratica Justiça Tributária condenando-se o empresário que não sabia do fato delituoso e que, se dele tomasse conhecimento a tempo, teria recolhido o valor devido para encerrar o assunto ou, ainda, aquele que não tenha condições de fazer o pagamento por causa de multas exorbitantes e confiscatórias.

Com isso, a aplicação da chamada teoria do domínio do fato resulta num instrumento que contraria as normas do estado democrático de direito.

Recente decisão (27/06/2013) do TJ-SP registra:
“Lei 8.137/90 – Sonegação de tributo estadual – Sócio-proprietário da empresa – Ausência de prova de que o réu tivesse agido com intenção de lesar o fisco e que conhecesse a conduta apontada como irregular – Ônus que incumbia ao Ministério Público – Responsabilidade penal mal comprovada – Absolvição decretada – Recurso provido.” (Apelação 0067945-58.2010.8.26.0000).

A teoria do domínio do fato não pode ser aceita num país em que prevalecem a presunção da inocência e o mandamento de “in dúbio pro reo”. Em entrevista publicada no jornal Folha de S.Paulo e reproduzida nesta revista de 22/09/2013 o Prof. Ives Gandra da Silva Martins explicou porque a entende inaplicável, afirmando: "O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada.”
Os que sejam réus em processos relativos a crimes contra a ordem tributária (sonegação) devem proteger-se com provas adequadas que possam auxiliá-los, a começar dos documentos oficiais, notas, perícias extra-judiciais etc.

Há uma tendência natural de que o combate a tais crimes seja cada vez mais aperfeiçoado, o que é bom para o país, na medida em que, reduzindo-se a sonegação, a concorrência desleal, a corrupção e tantos outros ilícitos que nos atrapalham, seja possível uma arrecadação estável e um ambiente de trabalho melhor para todos. 

domingo, 27 de outubro de 2013

Porte de arma que não dispara é conduta atípica

Porte irregular de arma de fogo que não dispara por defeito de funcionamento é conduta atípica. A conclusão é da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao absolver homem preso por descartar um revólver calibre 22 durante abordagem policial, na Comarca de Passo Fundo.
No primeiro grau, o acusado acabou condenado por porte ilegal de arma de fogo, por violar o artigo 14 da Lei 10.826/2003. Foi sentenciado à pena de dois anos de reclusão, convertida em prestação de serviços à comunidade e ao pagamento de multa.
O relator da Apelação no TJ-RS, desembargador Nereu José Giacomolli, afirmou no acórdão que o laudo pericial afasta a potencialidade lesiva da arma, pois o mecanismo de disparo encontra-se inoperante. O documento concluiu que a ‘‘arma questionada não se encontra em condições de uso e de funcionamento”.
O relator explicou que o delito de porte de arma é comumente classificado pela doutrina como tipo penal de perigo abstrato, pois o perigo, nesses casos, é apenas presumido. Entretanto, disse não ser possível legitimar a intervenção penal, nas regras do estado democrático de direito, se ausente um mínimo risco de perigo na conduta do réu.
Citando os ensinamentos de Fábio D’Avila, lembrou que a ofensividade é, antes de tudo, uma exigência propriamente constitucional. Isso porque, consideradas a inviolabilidade do direito à liberdade e a dignidade da pessoa humana como normas de natureza fundamental, a sua restrição, através do Direito Penal, só seria legítima em razão da ofensa a outros bens jurídicos constitucionalmente tutelados.
Com base no mesmo autor, Giacomolli repisou, em seu voto, que a infração penal não se dá por mera violação da regra. É preciso haver violação do bem jurídico, numa perspectiva de resultado e de relevância da ofensa.
‘‘Assim, entendo que a conduta de porte de uma arma inapta a produzir disparos não encontra adequação típica ao tipo penal abstrato do artigo 14 da Lei 10.826/03, pois não representa absolutamente nenhum risco de perigo ao bem jurídico incolumidade pública. Com efeito, tal conduta, objetivamente, representa o mesmo que o porte de uma arma de brinquedo, ou de uma faca, ou de um canivete’’, encerrou. O voto foi acolhido de forma unânime, em sessão ocorrida dia 17 de outubro.
Clique aqui para ler o acórdão

Fonte: CONJUR
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sábado, 26 de outubro de 2013

Reabertura do Refis exige atenção das empresas


Em 10 de outubro de 2013 foi publicada a Lei 12.865, originada a partir da conversão da Medida Provisória 615/2013. Dentre as diversas mudanças na legislação tributária, cabe registrar que reabriu até o dia 31 de dezembro de 2013 o prazo do Refis IV, instituído pela Lei 11.941/2009 para as dívidas vencidas até 30 de novembro de 2008 (cf. art. 17). O foco centra-se nos débitos que não estejam nem tenham sido parcelados até o dia 9 de outubro de 2013. A opção excepcional de pagamento ou parcelamento não se aplica aos débitos que já tenham sido parcelados nos termos da Lei 11.941/09. Também não se aplica aos débitos posteriores ao período estipulado (a partir de 1º de dezembro de 2008 inclusive).
Segundo o artigo 2º, parágrafo 1º, da Portaria Conjunta PGFN/RFB 7, publicada em 18 de outubro de 2013, poderão ser pagos ou parcelados os débitos de pessoas físicas ou jurídicas, consolidados por sujeito passivo, constituídos ou não, com exigibilidade suspensa ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União, mesmo que em fase de execução fiscal já ajuizada, considerados isoladamente: a) os débitos, no âmbito da PGFN e da RFB, decorrentes do aproveitamento indevido de créditos do IPI oriundos da aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários relacionados na TIPI com incidência de alíquota zero ou não-tributados; b) os débitos, no âmbito da PGFN e da RFB, decorrentes das contribuições sociais previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo único do artigo 11 da Lei 8.212/1991, das contribuições instituídas a título de substituição e das contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos; c) os demais débitos administrados pela PGFN e pela RFB; e d) os débitos de COFINS das sociedades civis de prestação de serviços profissionais, relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada a que se referia o Decreto-Lei 2.397/1987, revogado pela Lei 9.430/1996. Não estão contemplados os débitos apurados na forma do Simples Nacional de que trata a Lei Complementar 123/06.
O artigo 3º da referida portaria dispõe sobre as reduções e as quantidades de prestações, variando desde o pagamento à vista, com redução de 100% das multas de mora e de ofício, 100% sobre o valor do encargo legal, 45% dos juros de mora e 40% das multas isoladas, até o parcelamento em 180 prestações mensais e sucessivas, com redução de 60% das multas de mora e de ofício, 100% sobre o valor do encargo legal, 25% dos juros de mora e 20% das multas isoladas.
O contribuinte deve calcular e recolher mensalmente parcela equivalente ao maior valor entre: R$ 2.000,00 no caso de parcelamento de débitos decorrentes do aproveitamento indevido de créditos do IPI, R$ 50,00 no caso de pessoa física e R$ 100,00 no caso dos demais débitos de pessoa jurídica; ou o montante dos débitos objeto do parcelamento dividido pelo número de prestações pretendidas (cf. art. 17, § 2º, da Lei nº 12.865/13 c/c o art. 4º da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 7/13).
Por ocasião da consolidação, será exigida a regularidade de todas as prestações devidas desde o mês de adesão até o mês anterior ao da conclusão da consolidação dos débitos parcelados. A partir do mês subsequente ao da consolidação até o mês anterior ao do pagamento o valor de cada prestação será acrescido da taxa Selic e de 1% para o mês de pagamento.
O Capítulo II da referida portaria disciplina o pagamento à vista ou o parcelamento de saldo remanescente do programa Refis e dos parcelamentos PAES, PAEX, Ordinários e Simplificados (cf. arts. 5º ao 12).
O Capítulo III cuida das disposições comuns e se divide em dez seções, a saber: I — Do pedido de parcelamento e do pagamento à vista com utilização de prejuízos fiscais e bases negativas da CSLL, II — Dos débitos em discussão administrativa ou judicial, III — Da consolidação, IV — Da antecipação de prestações, V — Das competências, VI — da rescisão do parcelamento, VII — Do recurso administrativo, VIII — Da liquidação de multas e juros com créditos decorrentes de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL, IX — Da possibilidade de parcelamento de débitos da pessoa jurídica pela pessoa física; X — Dos códigos para parcelamento ou pagamento.
O Capítulo IV trata das disposições finais. Dentre elas, merece destaque o artigo 31, que cuida da conversão de depósitos em renda ou transformação em pagamento definitivo. Os percentuais de redução serão aplicados sobre o valor do débito atualizado à época do depósito e somente incidirão sobre o valor das multas de mora e de ofício, das multas isoladas, dos juros de mora e do encargo legal efetivamente depositados.
Essa regra espanca dúvida que foi suscitada na aplicação da Lei 11.941/2009 e suas sucessivas regulamentações. Como decorrência de divergência interpretativa, restou consagrado no âmbito do STJ a impossibilidade de devolução da diferença entre os juros que remuneram o depósito judicial e os juros de mora do crédito tributário que não foram objeto de remissão mediante aproveitamento do benefício mediante a transformação em pagamento definitivo (conversão em renda) de depósito judicial vinculado a ação já transitada em julgado (cf. REsp. 1.251.513, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 10.08.2011, DJe 17.08.2011). Recentemente, os embargos de declaração que foram opostos tanto pela Fazenda Nacional como também pelo contribuinte foram rejeitados (cf. RESp. 1.251.513-ED, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 11.09.2013, DJe 17.10.2013).
A conversão em renda ou transformação em pagamento definitivo dos valores depositados somente ocorrerá após a aplicação dos percentuais de redução na forma estabelecida. Em seguida, o sujeito passivo poderá requerer o levantamento do saldo remanescente, se houver. Nessa hipótese, o saldo remanescente somente poderá ser levantado pelo sujeito passivo após a confirmação pela RFB dos montantes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL.
Em suma, as vicissitudes que se seguiram nas regulamentações da Lei nº 11.941/09 acabou por torná-la menos atrativa. A intenção declarada dos funcionários de primeiro escalão (no sentido de efetivamente promover ajuda para que as empresas pudessem limpar o passivo tributário em razão da crise econômica mundial originada em 2008) nunca se alinhou com a intenção dos funcionários mais subalternos (no sentido de restringir algumas possibilidades inicialmente prometidas na lei). A consolidação tardou e foi disponibilizada com muitos defeitos e lacunas que, por vezes, demandaram verdadeiras lides incidentais em torno da interpretação adequada do arcabouço normativo aplicável ao caso concreto.
A possibilidade que ora se reabre, no entanto, pode representar verdadeira oportunidade se levarmos em conta alguns defeitos e problemas que efetivamente ocorreram em situações específicas quando do período de adesão por força da Lei 11.941/2009, seja com a adesão de novos débitos ou com aqueles que (por qualquer motivo) não lograram ser aceitos pelo complexo sistema informático então implementado.
Além de reabrir o prazo do Refis IV até 31 de dezembro de 2013, a Lei 12.865/2013 também criou programas de parcelamento específicos referentes aos débitos para com a Fazenda Nacional: a) relativos à COFINS/PIS, de que trata o Capítulo I da Lei 9.718/1998, devidos por instituições financeiras e companhias seguradoras (art. 39, caput); b) objeto de discussão judicial relativos à não inclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS/PIS devidos por qualquer pessoa jurídica (artigo 39, parágrafo 1º); e c) relativos ao IRPJ e à CSLL, decorrentes da aplicação do artigo 74 da MP 2.158-35/01 (artigo 40). Para esses três casos, o pedido de pagamento ou parcelamento deve ser efetuado até 29 de novembro de 2013 e se referem aos débitos vencidos até 31 de dezembro de 2012.
A regulamentação dos dois primeiros programas referidos acima foi publicada em 22 de outubro de 2013 e veiculada na Portaria Conjunta PGFN/RFB 8. Eventual dúvida que poderia haver sobre a conversão em renda dos depósitos efetuados nos processos administrativos e judiciais foi sanada pelos parágrafos do art. 5º, os quais estabelecem que o sujeito passivo requererá a transformação do depósito em pagamento definitivo. As reduções serão aplicadas ao saldo remanescente a ser pago ou parcelado, se houver.
Quanto ao parcelamento de débitos junto à RFB e à PGFN, relativos ao IRPJ e à CSLL, decorrentes da aplicação do art. 74 da MP 2.158-35/01, foi regulamentado pela Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 9, publicada em 22.10.2013. No caso da opção pelo parcelamento e enquanto não consolidado, o contribuinte deverá calcular e recolher até 29.11.2013 como 1ª prestação o valor correspondente a 20% da dívida e, mensalmente, a partir da 2ª prestação a parcela equivalente ao montante dos débitos objeto do parcelamento dividido pelo número de prestações restantes, em valor não inferior a R$ 300.000,00.
O Capítulo V (cf. art 6º) dispõe sobre a liquidação de valores correspondentes a multas, de mora ou de ofício, e a juros moratórios, com créditos decorrentes de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL, próprios e de empresas domiciliadas no Brasil, controladas pela pessoa jurídica em 31.12.2011, desde que continuem sob seu controle até a data da opção pelo parcelamento e não se aplicando o limite de 30% do lucro líquido ajustado, previsto no art. 42 da Lei 8.981/1995 e no artigo 15 da Lei 9.065/1995.
Os parágrafos finais do referido artigo 6º prescrevem o restabelecimento da situação anterior na hipótese de constatação pela RFB de irregularidade quanto aos montantes declarados de prejuízo fiscal ou de base de cálculo negativa da CSLL que implique redução, total ou parcial, dos valores utilizados, com sanções de rescisão do parcelamento no caso de seu descumprimento, bem como a responsabilidade da pessoa jurídica relativamente aos tributos devidos.
Cabe lembrar que na sessão de 10 de abril de 2013 foi proclamado o resultado final do julgamento da ADI 2.588, quando se estabeleceu a interpretação conforme a Constituição ao referido artigo 74, “com eficácia erga omnes e efeito vinculante, no sentido de que não se aplicaria às empresas coligadas localizadas em países sem tributação favorecida (não ‘paraísos fiscais’), e que se aplicaria às empresas controladas localizadas em países de tributação favorecida ou desprovidos de controles societários e fiscais adequados (‘paraísos fiscais’, assim definidos em lei)” (cf. Informativo STF 701). Verifica-se que algumas situações já estão definidas: coligada fora de paraíso fiscal não está alcançada pelo artigo 74; ao contrário, controlada em paraíso fiscal está alcançada pelo artigo 74. O acórdão está pendente de publicação e poderá ser objeto de embargos de declaração pela CNI.
É bom ter presente que esses programas específicos de parcelamento foram instituídos exclusivamente para as empresas que discutem passivo tributário, oriundo de cobranças e autuações fiscais, tanto no âmbito administrativo como também na seara judicial, como ocorre na atual discussão do artigo 74. A lei e o ato regulamentar não se dirigem àquelas empresas que discutem judicialmente possível oportunidade, como se verifica em muitos casos relacionados à não inclusão da parcela do ICMS na base de cálculo da Cofins/PIS.
Cuidando-se dos débitos materializados no passivo, aí sim cabe uma decisão gerencial da empresa, que leve em conta os cálculos na ponta do lápis à luz da regulamentação veiculada pela portaria conjunta referida, bem como a possibilidade de êxito da discussão posta na esfera administrativa ou judicial, especialmente à luz de eventuais especificidades de cada caso concreto em comparação com os paradigmas que aguardam o pronunciamento definitivo do STF sobre o tema em questão.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

FURTO DE ENERGIA - Ressarcimento antes da denúncia leva Quinta Turma a trancar ação penal por furto de energia

Por maioria de votos, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal contra uma mulher acusada de furto de energia elétrica – delito popularmente conhecido como “gato” –, porque ela já havia pago o débito com a concessionária antes da denúncia. Os ministros aplicaram, por analogia, a regra válida para os crimes tributários, nos quais é admitida a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo.

Diz o artigo 34 da Lei 9.249/95: “Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

O furto durou aproximadamente dois anos e foi descoberto por um funcionário da concessionária de energia elétrica, durante inspeção de rotina. Após notificação, a moradora compareceu à empresa, fez acordo para parcelar o valor devido (R$ 3.320,86) e quitou a obrigação.

Apesar da solução administrativa, o Ministério Público propôs ação penal contra a moradora, com base no artigo 155, parágrafo 3º, do Código Penal. O artigo trata de furto (“subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”) e o parágrafo 3º equipara a coisa móvel “energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. A pena é de um a quatro anos de reclusão, além de multa.

Recebida a denúncia, o Ministério Público propôs a suspensão condicional do processo, que foi aceita.

Sem justa causa 
A defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), com pedido de trancamento da ação. Alegou a ocorrência de constrangimento ilegal, sob o argumento de que não haveria justa causa para a persecução penal, já que o pagamento do valor devido foi feito antes da instauração da ação, mas a ordem foi denegada.

Para o tribunal, o trancamento da ação penal por falta de justa causa, por meio de habeas corpus, só se justifica quando o fato é atípico ou não existe elemento indiciário demonstrativo da autoria, ou ainda, quando fica evidente alguma causa excludente de ilicitude.

Sobre a quitação da dívida, o TJSE afirmou que, como o artigo 34 da Lei 9.249 diz respeito a débitos tributários e previdenciários, sua aplicação ao furto de energia não seria possível.

Analogia 
No STJ, o ministro Jorge Mussi, relator, teve entendimento diferente. Para ele, a natureza do crime em questão exige aplicação analógica da regra válida para os delitos praticados contra a ordem tributária, nos quais se admite a extinção da punibilidade se o pagamento do tributo ocorrer antes do recebimento da denúncia.

“Não se desconhece que, de acordo com o ordenamento jurídico vigente, a devolução ou a restituição do bem furtado antes do recebimento da denúncia não é causa extintiva da punibilidade, podendo ensejar apenas a redução da reprimenda a ser imposta ao acusado”, comentou o ministro, citando o artigo 16 do Código Penal.

No entanto, segundo ele, como o “gato” de energia elétrica é delito patrimonial cometido em prejuízo de concessionária de serviço público, a solução do caso deve ser semelhante à que se dá aos crimes contra a ordem tributária.

Isonomia

“Embora o valor estipulado como contraprestação de serviços públicos essenciais – como a energia elétrica e a água, por exemplo – não seja tributo, possui ele a natureza jurídica de preço público, já que cobrado por concessionárias de serviços públicos, as quais se assemelham aos próprios entes públicos concedentes”, explicou o relator.

“Se o pagamento do tributo antes do oferecimento da denúncia enseja a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, o mesmo entendimento deve ser adotado quando há o pagamento do preço público referente à energia elétrica subtraída, sob pena de violação ao princípio da isonomia”, acrescentou.

O voto do relator, pelo trancamento da ação, foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

Divergência

A ministra Regina Helena Costa apresentou voto divergente, mas ficou vencida. Segundo ela, a legislação admite a extinção da punibilidade pelo pagamento apenas no caso de tributos e contribuições sociais, o que não alcança a remuneração pelo fornecimento de energia elétrica, cuja natureza é de tarifa ou preço público – portanto, sem caráter tributário.

No caso dos crimes contra a ordem tributária, assinalou a ministra, o interesse na arrecadação tem levado o estado a determinar a extinção da punibilidade pelo pagamento ou parcelamento do tributo. Já os crimes contra o patrimônio “recebem tratamento mais rigoroso por parte do estado, por questões de política criminal, de modo que a reparação do prejuízo não atinge o fim colimado pela edição do tipo penal”.

“Se o legislador quisesse criar nova hipótese de extinção da punibilidade para crimes contra o patrimônio, certamente o teria feito de forma expressa. A aplicação de uma causa extintiva, além do âmbito demarcado expressamente pela lei, a meu ver, vulnera o princípio da isonomia, ao invés de efetivá-lo”, acrescentou Regina Helena Costa. Seu voto foi acompanhado pela ministra Laurita Vaz. 

Falsificação de atestado é motivo para justa causa

A adulteração de atestado médico é conduta desonesta e imoral e gera quebra de confiança entre empresa e empregado. Com esse fundamento, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a demissão de um empregado da Lojas Renner por justa causa. Ele apresentou um atestado médico falsificado com o objetivo de obter uma semana de folga.
O trabalhador foi contratado em janeiro de 2008 como caixa. Em 15 de junho de 2009, foi demitido por justa causa por ter apresentado o atestado falsificado. O médico havia concedido um dia de afastamento, mas o caixa escreveu o número 7 sobre o original, para ter mais dias de folga.
Mesmo tendo confessado a adulteração, o funcionário buscou a Justiça por acreditar que foi tratado com rigor excessivo ao ser punido com a demissão sem direito a verbas trabalhistas, sobretudo por possuir histórico funcional ilibado, sem faltas injustificadas, advertências ou suspensões. Requereu, ao final, a conversão da demissão para "sem justa causa" e o pagamento das verbas rescisórias, além de indenização por dano moral por ter se sentido constrangido.
A Renner afirmou que a demissão se deu em razão do comportamento irregular, incompatível com a permanência no emprego. Acrescentou que a rasura no atestado era grosseira, com o flagrante objetivo do empregado se beneficiar mediante fraude, o que deu causa à demissão nos termos do artigo 482 da CLT.
A 4ª Vara do Trabalho de Aracaju (SE), ao julgar o caso, condenou a empresa a pagar as verbas trabalhistas ao caixa por entender que o poder disciplinar do empregador deve ser exercido de forma equilibrada. Para o juízo de primeiro grau, não havia fundamento para a dispensa motivada, sendo mais apropriado que a empresa tivesse aplicado a suspensão disciplinar.
A Renner recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE), que também enxergou rigor excessivo. Para a corte, houve intolerância por parte da empregadora, uma vez que o funcionário tinha apenas 21 anos, não sendo a falta por ele cometida ensejadora da justa causa.
A Renner novamente recorreu, desta vez para o TST, onde o desfecho foi outro. Para o relator da matéria na Segunda Turma, desembargador convocado Valdir Florindo, o caixa da Renner cometeu ato de improbidade, gerador da justa causa conforme prevê o artigo 482, alínea "a", da CLT. Diante disso, a Turma deu provimento ao recurso, culminando na declaração de improcedência da ação trabalhista. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sentenças sobre planos econômicos devem ser ilíquidas

Na última década, o Judiciário brasileiro viu crescer de forma assustadora o ingresso de ações cujo objeto até então era inédito: as ações de cobrança dos expurgos inflacionários gerados pelo advento dos Planos Econômicos Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Entre o final da década de 80 e início dos anos 90, visando reprimir a galopante inflação que corroía de maneira avassaladora o poder de compra dos salários, o governo passou a editar medidas provisórias responsáveis pela criação dos planos econômicos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1992). Estas medidas tiveram como primeiro impacto a geração de expurgos, derivados da modificação dos índices de correção da caderneta de poupança.
Junto ao ineditismo e complexidade de um nicho de demandas, sobreveio a insegurança jurídica. Por anos, doutrina e jurisprudência não se entenderam com relação a índices aplicáveis, prescrição e termo a quo de atualização.
Mas as maiores teratologias se deram no âmbito processual, onde, no afã de prover aos poupadores o devido ressarcimento, muitas vezes o ônus que o artigo 333 do Código de Processo Civil impõe aos litigantes, foi invertido por meio da aplicação equivocada do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. Disso resultaram sentenças que deram procedência ao pleito de requerentes que não possuíam saldo ou sequer eram poupadores à época dos referidos planos.
O imbróglio se tornava ainda maior na fase de liquidação de sentença, momento em que a total ausência de extratos — natural em casos onde o poupador não possuía conta ou saldo em determinados períodos — muitas vezes levava ao acatamento dos cálculos apresentados pela parte exequente, baseados em estimativas e sem qualquer lastro documental.
Não menos graves foram as condenações líquidas nestas ações, com acatamento in totum dos cálculos apresentados com a inicial, ante a ausência de apresentação de extratos pelas instituições financeiras, pelos motivos já expostos acima.
Felizmente, para o bem da Justiça, o direito material em questão foi ponderado pelo Judiciário e operadores do Direito. A instância especial definiu prazos prescricionais e o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão das ações em discussão de mérito. Estancou-se a sangria até que a questão seja devidamente amadurecida e assim possa sobrevir a decisão final.
Também se verifica, atualmente, maior observância da liturgia processual, que tem o fim e poder único de conduzir à verdade real, com a estrita observância do ônus probatório de cada parte. O poder distribuidor da Justiça finalmente entendeu que o dever do poupador em provar esta condição é antecedente lógico à inversão do ônus da prova a seu favor. Houve avanços também na pacificação, por meio da súmula 372 do Superior Tribunal de Justiça, do entendimento acerca da impropriedade de arbitramento de multa em ações de exibição e também nos pedidos incidentais neste sentido.
Malgrado todas as evoluções supracitadas, de ordem material e processual, ainda é comum se deparar com ações que produzem enriquecimento sem causa, ante a dificuldade dos julgadores em conduzir a liquidação do julgado, por equivocadamente atribuírem a este um caráter condenatório. Disto decorre o acatamento de cálculos sem qualquer lastro, apresentado pelos exequentes, ou até mesmo a instauração de perícias feitas sobre valores estimados, baseados em saldos constantes em períodos posteriores ou anteriores aos planos.
O que parte dos Tribunais ainda tem tropeços em alcançar é o fato de que, ainda que a decisão terminativa de mérito tenha reconhecido a responsabilidade da instituição financeira pela eventual perda suportada pelos autores em virtude dos planos econômicos, tal decisão, por si só, não angaria ao exequente o direito de receber quaisquer quantias.
E mais: eventual decisão judicial posterior, acerca da inexistência de valores efetivamente devidos ao exequente, diante da comprovação da inexistência de saldo ou mesmo da própria conta poupança no período reclamado, não fere a coisa julgada. Isto porque neste caso, a sentença apenas reconheceu a responsabilidade pelos prejuízos causados diante do evento ocorrido, mas remete o processo ao procedimento de liquidação da sentença, momento em que será verificada a efetiva existência do desfalque patrimonial.
Por

A sentença condenatória neste caso, representa juízo de cognição sumária. Na lição da melhor doutrina, a coisa julgada aí incide sobre uma ‘hipótese’ – se houver danos, estes deverão ser indenizados. Neste sentido, a constatação da ausência de danos, na fase de liquidação, obviamente não implica violação da coisa julgada.
Tendo em vista que a matéria em discussão refere-se exatamente aos percentuais aplicados nas cadernetas de poupança, cabe ao magistrado, quando da prolação da sentença, limitar-se a indicar os índices que entende corretos, os quais incidirão sobre eventual saldo de conta poupança à época dos Planos Econômicos objeto do litígio, deixando para o procedimento de liquidação de sentença a apuração do quanto (e se) é devido ao autor.
As sentenças de mérito proferidas nas ações de cobrança que discutem as perdas derivadas do advento dos planos econômicos Bresser, Verão, Collor I e Collor II devem ser ilíquidas, tendo em vista seu caráter eminentemente declaratório, relegando para o momento processual posterior a verificação da existência e apuração dos valores eventualmente devidos.

domingo, 20 de outubro de 2013

PROVA INSUFICIENTE - Depoimento de policiais não justifica condenação

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Condenados por incendiar um microônibus em represália ao assassinato de um amigo a tiros, em Santos, três jovens tiveram recursos de Apelação providos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que os absolveu. O atentado aconteceu momentos após o corpo da vítima ser sepultado. Para os desembargadores, apenas o depoimento dos policiais não basta para as condenações.
Os desembargadores San Juan França, França Carvalho e Renê Ricupero, da 13ª Câmara de Direito Criminal, decidiram por votação unânime que “não se mostra prova suficiente à tamanha condenação as palavras de apenas dois policiais militares”. Os réus recorreram presos e o TJ-SP determinou a expedição dos seus alvarás de soltura.
A fundamentação da decisão de segunda instância se contrapõe à da juíza Mariella Amorim Nunes Rivau Alvarez, da 6ª Vara Criminal de Santos, para quem “os depoimentos dos policiais valem como prova (...), sobretudo quando as suas afirmações são compatíveis com o conjunto probatório”.
Presos em flagrante em 16 de abril de 2012, Cléber Santos, de 21 anos, Willian Fontes do Nascimento, de 20, e Henrique da Conceição da Silva Júnior, de 19, foram condenados a cinco anos e seis meses de reclusão, em regime inicial fechado, por constrangimento ilegal (um ano), incêndio (quatro anos) e corrupção de menor (seis meses).
Segundo denúncia do Ministério Público, os corréus e um adolescente, também identificado e apreendido, integravam um grupo de aproximadamente 20 rapazes que cercou um coletivo e, mediante ameaça de arma de fogo, exigiu que o motorista e dois passageiros desembarcassem, configurando o constrangimento ilegal.
Em seguida, os criminosos despejaram gasolina dentro do veículo e atearam fogo, cometendo o incêndio. As chamas consumiram todo o microônibus, mas ninguém ficou ferido. A corrupção de menor ficou caracterizada pelo fato de os acusados adultos induzirem ou facilitarem a participação do adolescente na ação criminosa.
O coletivo é da Viação Guaiúba e foi atacado ao parar em um semáforo da Avenida Nossa Senhora de Fátima. O local fica a poucas quadras do Cemitério da Areia Branca, onde houve o enterro de Caio Felipe Borges Filgueiras, de 18 anos. Na madrugada anterior, ocupantes de um automóvel Fox preto mataram o rapaz sem qualquer razão aparente.
Supostamente cometido por integrantes de um grupo de extermínio, o homicídio aconteceu no Caminho da Capela, no Jardim Rádio Clube, e permanece sem esclarecimento. Caio estava acompanhado de um homem, que sobreviveu porque conseguiu correr, apesar de ser baleado de raspão na cabeça e na perna direita.
Prisões e bomba
As detenções dos três jovens e do adolescente acusados de incendiar o coletivo foram retaliadas com o arremesso de uma bomba caseira no 5º DP de Santos, momentos depois, enquanto os adultos eram autuados em flagrante na unidade. Ninguém ficou ferido e os autores do atentado fugiram.

As capturas de Henrique e do adolescente, segundo os PMs, ocorreram dentro do canal da Avenida Francisco Ferreira Canto. O adulto portava um isqueiro e os policiais apreenderam no canal um galão com resto de gasolina que afirmaram ter sido dispensado por esse réu.
Willian e Cléber foram detidos nas imediações, na Avenida Eleonor Roosevelt. Willian portava outro isqueiro e estava com os pelos das pernas chamuscados. Segundo ele, a queimadura ocorreu ao se encostar de forma acidental no escapamento de uma moto. Em juízo, os três rapazes e o menor negaram participação no ataque ao microônibus.
Em seu recurso de Apelação, o advogado Anderson Real frisou que o galão com resquício de combustível não foi apreendido em poder de Henrique. O defensor também sustentou que os isqueiros achados com esse rapaz e Willian, por si só, não poderiam vinculá-los ao incêndio do coletivo, porque ambos são fumantes.
Amedrontado com o episódio, o motorista do microônibus não reconheceu os réus, alegando que os criminosos agiram encapuzados. Diante das dúvidas levantadas pela defesa, da falta de reconhecimento e da negativa de autoria dos acusados, o TJ-SP os absolveu sob o fundamento de não existir prova suficiente para a condenação.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Paternidade socioafetiva não afasta direito ao reconhecimento do vínculo biológico

A existência de vínculo socioafetivo com pai registral não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O colegiado, de forma unânime, seguiu o entendimento da relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, para quem o reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros.

“Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão”, assinalou a ministra.

Vínculo prevalente

Na ação de investigação de paternidade, a filha, que foi registrada pelo marido de sua mãe, pretendia o reconhecimento da paternidade biológica, a alteração de seu nome e sua inclusão, como herdeira universal, no inventário do pai biológico.

A família do pai biológico contestou o pedido, sustentando a inexistência de relacionamento entre ele e a mãe da autora da ação; a falta de contribuição da autora na construção do patrimônio familiar e a prevalência da paternidade socioafetiva em relação à biológica.

Em primeiro grau, o magistrado declarou a paternidade, com fundamento no exame positivo de DNA, e determinou a retificação do registro de nascimento. Além disso, declarou a autora legítima herdeira necessária do pai biológico, fazendo jus, portanto, à sua parte na herança, no mesmo percentual dos demais filhos. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a sentença.

No recurso especial ao STJ, a família do pai biológico voltou a sustentar a prevalência do vínculo socioafetivo em relação ao biológico, para declaração da paternidade com todas suas consequências registrais e patrimoniais. Segundo a família, houve, na realidade, uma “adoção à brasileira” pelo marido da mãe da autora, quando declarou no registro de nascimento da criança que ela era sua filha.

Melhor interesse

Em seu voto, a ministra Andrighi mencionou que a prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade.

Entretanto, a ministra afirmou que a paternidade socioafetiva não pode ser imposta contra a pretensão de um filho, quando é ele próprio quem busca o reconhecimento do vínculo biológico.

“É importante frisar que, conquanto tenha a recorrida usufruído de uma relação socioafetiva com seu pai registrário, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência, ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura”, disse a relatora.

ESCUTA TELEFÔNICA - Sexta Turma anula escutas telefônicas com prazo superior ao de lei, autorizadas sem justificativa

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a nulidade de algumas provas obtidas por escutas telefônicas ilegais não tem a capacidade de invalidar todo o processo judicial ou mesmo o restante do conjunto de provas, que se mantém preservado.

O entendimento foi dado no julgamento de habeas corpus impetrado em favor de réu acusado de estelionato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Segundo a acusação, a quadrilha teria praticado golpes contra empresários do município de Taquara (RS) e também de outras localidades do país.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou o acusado e outras 27 pessoas com base nas investigações da Operação Paranhana. Diversas interceptações telefônicas foram deferidas pelo juízo de primeira instância durante a investigação, com prazos superiores ao previsto na Lei 9.296/96, o que levou a defesa a entrar com o habeas corpus.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que, em razão da gravidade e da complexidade dos fatos e do significativo número de agentes, “não existia outra medida menos interventiva no direito à intimidade do paciente do que a levada a efeito pelas autoridades, com o intuito de serem descobertos os crimes”.

Restrição de direito

O TJRS reconheceu que as escutas telefônicas foram realizadas em desacordo com a regra legal, que estabelece prazo máximo de 15 dias, renovável por igual período e desde que demonstrado que esse tipo de prova é indispensável.

No entanto, considerou que a restrição ao direito fundamental do paciente – de não ter violada a sua intimidade e de não ter contra si prova produzida de forma ilícita – não configura ilicitude absoluta a ponto de contaminar toda a investigação, “que acabou por descobrir uma cadeia de crimes milionária em todo o país”.

O ministro Sebastião Reis Júnior, relator do habeas corpus, afirmou que o caso envolve autorizações e prorrogações pelo dobro ou triplo do tempo previsto em lei, e até de forma automática. Entretanto, para ele, o cerne da questão não é esse.

“Posso até admitir que, diante das especificidades do caso, ocorra a autorização de quebra (ou prorrogação), desde o começo, por prazo superior a 15 dias, mas tal fato somente pode ocorrer se houver detalhada, minuciosa justificativa”, disse o ministro.

Ele citou a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, no julgamento do HC 99.619: “A interceptação telefônica é meio de investigação invasivo que deve ser utilizado com cautela. Entretanto, pode ser necessária e justificada, circunstancialmente, a utilização prolongada de métodos de investigação invasivos, especialmente se a atividade criminal for igualmente duradoura, casos de crimes habituais, permanentes ou continuados, cuja prática se prolonga no tempo e no espaço, muitas vezes desenvolvidos de forma empresarial ou profissional.”

Motivação expressa

Todavia, Sebastião Reis Júnior considerou que, no caso julgado, não houve nenhuma motivação “idônea” que autorizasse a excepcionalidade. “A prorrogação por prazo maior que aquele fixado em lei depende de situações próprias do processo em exame, que devem constar expressamente da decisão judicial que a autoriza”, afirmou.

O ministro ressaltou que não encontrou essa motivação expressa nos autos, “seja nas decisões que autorizaram a quebra ou prorrogação por 30 dias, seja naquelas que autorizaram a quebra por 45 dias, com ou sem prorrogação automática”.

Mencionou também que o magistrado não pode autorizar antecipadamente que sejam prolongadas as diligências, “sem nem sequer tomar conhecimento do que foi apurado no tempo em que ocorreram as interceptações”, já que as prorrogações da quebra de sigilo exigem justificada motivação, com específica indicação da necessidade de prosseguimento da escuta.

Perda do caráter jurisdicional
Sebastião Reis Júnior explicou que, sem motivação, “a decisão judicial perde até o caráter jurisdicional”. O ministro citou a pacífica jurisprudência do STJ e do STF que não admite, no processo penal, a utilização de provas obtidas por meios ilícitos para embasar eventual condenação.

Para ele, após o reconhecimento da ilicitude da prova, “a única solução possível é a sua total desconsideração pelo juízo e o desentranhamento do processo”. Contudo, tal fato “não representa a nulidade das provas anteriores e das seguintes que não derivaram das quebras que efetivamente duraram prazo superior a 15 dias e das prorrogações automáticas”, ponderou.

Por isso, a Turma declarou a ilicitude das provas produzidas por escutas autorizadas ou prorrogadas por prazo superior a 15 dias e determinou que o juízo de primeira instância examine as consequências da nulidade nas demais provas dos autos, para apurar a existência de algum vício por derivação.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Prazo para revisão de aposentadoria é de dez anos, decide STF

O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira (16/10) manter prazo de dez anos para que segurados do INSS peçam a revisão da aposentadoria. A corte entendeu que o artigo da Lei 9.528/1997, que criou o prazo de decadência, é constitucional e vale para todos os segurados. A decisão será aplicada a 19.306 processos semelhantes que tramitam em todas as instâncias da Justiça e aguardavam decisão do STF.
Os ministros analisaram um recurso do INSS contra decisão da Justiça Federal em Sergipe, que determinou a revisão do benefício pago a uma aposentada. Ela pediu a isenção de prazo antes da lei. No recurso, a procuradoria do INSS disse que o prazo decadencial é importante para evitar o aumento no déficit do orçamento da Previdência.
A Lei 9.528/1997 criou o prazo de dez anos de decadência para que beneficiários da Previdência peçam a revisão dos pagamentos. Segundo o Artigo 103, “é de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação”.
Por unanimidade, a maioria dos ministros seguiu voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo. Ele entendeu que a Constituição Federal garante ao cidadão o acesso inicial aos benefícios da Previdência Social, porém, o governo pode limitar o período em que a revisão do benefício pode ser feita. “A instituição de um limite temporal destina-se a resguardar a segurança jurídica. É deste equilíbrio que depende a continuidade da Previdência”, disse o ministro. O voto de Barroso foi seguido pelos ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Joaquim Barbosa.
Na avaliação do advogado previdenciário Theodoro Agostinho, do escritório Simões Caseiro, mesmo com a decisão, segurados há mais de dez anos ainda poderão reivindicar a revisão do valor desde que comprovem que tenha havido erro no cálculo. "Os votos dos ministros deixaram claro que está vetada a revisão quando tratar-se de reajustes concedidos durante esse período. Se a reivindicação for motivada por algum erro de cálculo, então essa decisão não tem validade para anular o processo", explica. Com informações da Agência Brasil.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

"Todo conservador quer uma Constituição enxuta"

"Um dos maiores juristas do Brasil." Essa é a definição mais comum de se encontrar em menções a José Afonso da Silva. Seja qual for a filiação teórica, operadores do Direito reverenciam a obra do jurista mineiro de 88 anos, nascido em Pompéu. Não por acaso. Formulador de influente parte da doutrina sobre Direito Constitucional no país, ele testemunhou e atuou no processo que culminou com a promulgação da Constituição em 1988, que comemora um quarto de século.
Ao lado de representantes de diferentes áreas do conhecimento e setores da sociedade, José Afonso da Silva fez parte do time de notáveis na Comissão Afonso Arinos que, entre 1985 e 1986, elaborou o anteprojeto de Constituição. O texto acabou não sendo enviado pelo presidente Sarney à Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 1987, mas o trabalho não foi em vão e acabou sendo aproveitado conforme relata. "Ele não tinha como ser ignorado", relembra. Seu trabalho prosseguiu na assembleia, dessa vez como assessor do então senador pelo PMDB Mário Covas. Principal teórico e formulador dos Direitos Sociais garantidos pela Constituição, José Afonso da Silva pode ser considerado um constituinte de fato.
Tal qual no texto constitucional, não se separa a dimensão política da interpretação teórica que o professor aposentado da Universidade de São Paulo faz do processo Constituinte e de como ele se desdobrou. "O atual sistema eleitoral prejudica a governabilidade", avalia, além de apontar os defeitos do sistema judiciário que perduraram com a Constituição. Apesar dos novos direitos que foram garantidos, o "Poder Judiciário ficou praticamente intacto", diz.
Crítico do conservadorismo, reconhece o caráter progressista que o texto final da Constituição assumiu e está atento às tentativas de se reduzir os direitos sociais que marcam a Constituição. Entretanto, o jurista não se aflige com a falta de regulamentação dos vários dispositivos constitucionais — "não existe democracia acabada" — nem acha que a Carta perdeu sua essência — "os direitos fundamentais constituem um núcleo importante na Constituição. É aí que está a vantagem".
José Afonso da Silva trabalhou em roça de milho, feijão e arroz, foi padeiro, garimpeiro de cristal e alfaiate. Em 1947, mudou-se aos 22 anos para São Paulo, onde concluiu o curso Madureza, uma espécie de supletivo à época. Aos 32, formou-se na Faculdade de Direito da USP, onde foi professor titular e livre-docente em Direito do Estado, Direito Financeiro e Processo Civil. Também foi livre-docente em Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais. No poder público, foi procurador do estado de São Paulo, chefe de gabinete da Secretaria da Justiça do estado, secretário de negócios jurídicos da capital e secretário da Segurança Pública.
Hoje aposentado, já não advoga ou dá parecer. Se dedica a manter sua obra atualizada, da qual se destacam Curso de Direito Constitucional Positivo, que está em sua 36ª edição, e Aplicabilidade das Normas Constitucionais, esta na 8ª edição. Foi em seu escritório, em São Paulo, que José Afonso da Silva recebeu a reportagem da ConJur para dois encontros nos dias 2 e 3 de outubro — no dia 1º, havia sido homenageado pela Ordem dos Advogados do Brasil por sua participação na elaboração do texto constitucional. Na conversa, o jurista relembrou momentos marcantes da Comissão Afonso Arinos e da Constituinte, avaliou o Judiciário brasileiro e fez um balanço desses 25 anos.
Leia os principais trechos da entrevista:
ConJur — O senhor participou da Comissão Afonso Arinos, que elaborou um projeto de Constituição e acabou não sendo enviado pelo então presidente Sarney à Assembleia Constituinte. O que aconteceu?José Afonso da Silva — Ele não mandou o projeto da Afonso Arinos para a Constituinte porque era parlamentarista e socialmente avançado. Deu a desculpa de que não quis interferir, mas foi por isso que ele não mandou.
ConJur — Houve frustração pelo fato de o texto não ter sido enviado ou se sabia que aquele texto não tinha como ser ignorado?José Afonso da Silva — Não tinha como ser ignorado, ele foi muito debatido. Ali não eram só juristas. Tinha muita gente de outras áreas do conhecimento. Como o presidente José Sarney não mandou o projeto à Assembleia, mas mandou publicar no Diário Oficial, os constituintes pegaram aquilo e começaram a tirar partes e apresentar. Então houve uma influência muito grande em praticamente tudo.
ConJur — Qual foi sua importância?José Afonso da Silva — Se não houvesse a comissão Afonso Arinos talvez não teria havido a Constituinte. Foi só naquele momento que se discutiu Constituição e Constituinte, com muita repercussão na imprensa. A comissão Afonso Arinos acabou servindo de modelo para a estrutura da Constituinte.
ConJur — Pode citar exemplos dessa influência?José Afonso da Silva — Um tema muito debatido atualmente é o da união estável. Surgiu na Afonso Arinos por proposta de um padre que participava da comissão. Nós estávamos procurando um meio de amparar a mulher que vivia amasiada há muitos anos com alguém e quando esse alguém morresse ela acabava ficando desamparada. A união estável surgiu exatamente por isso: para amparar a mulher que vivia nessa situação não casada, mas vivendo em uma família de fato. Nós estávamos debatendo aí o padre falou ‘por que a gente não põe união estável?’. Ele se chamava Fernando Ávila, era da corrente progressista da igreja. O controle do capital estrangeiro, por exemplo, nasceu na comissão por proposta do Barbosa Lima Sobrinho. Isso foi introduzido na Constituição, mas depois veio a Emenda 6, de agosto de 1995, e tirou. O Habeas Data foi proposto por mim e também foi para a Constituição.
ConJur — E teve alguma coisa que não foi aproveitada?José Afonso da Silva — A Constituição da Comissão Afonso Arinos era parlamentarista e isso não foi aproveitado. A proposta prosseguiu até um certo ponto na Constituinte e depois caiu com a pressão do Sarney, oferecendo vantagens, e de outros presidencialistas. Você tinha também um sistema eleitoral misto, aproximadamente um tipo alemão, e não foi aproveitado. Se adotou na Constituição um sistema puramente proporcional. Em geral, a organização dos direitos fundamentais no anteprojeto da comissão Afonso Arinos era melhor, mas a Constituição ampliou.
ConJur — Como eram os trabalhos na Constituinte? Havia diálogo entre as comissões?José Afonso da Silva — Não tinha muito porque conversar. Cada uma tocava o seu problema e a conversa seria feita na comissão de sistematização. Aí é que surgiu um problema mais delicado. Enquanto havia as subcomissões e as comissões, todos os constituintes estavam trabalhando. Quando foi para a comissão de sistematização havia um limite de membros. Ela não comportava todo mundo e a maioria dos constituintes ficou sem ter o que fazer. Não votavam, não discutiam e aquilo ficou reduzido a pouco mais de 100 membros. Então começou a haver reuniões paralelas. Foi também a partir disso que surgiu o Centrão. Os constituintes ficaram um pouco sem ter o que fazer, então começaram a se reunir, a reclamar e formaram grupos paralelos e daí acabaram... no Centrão.
ConJur — Como se deu isso?José Afonso da Silva — Quando estava na comissão de sistematização, os mais conservadores perceberam que, se mantivessem as coisas andando como estavam, não teriam condições de implementar suas ideias e daí geraram o Centrão. O próprio PMDB, que era liderado pelo Mário Covas, se dividiu. Boa parte passou a não atender a liderança e se uniu às lideranças do Centrão. Os outros partidos de esquerda se uniram ao Covas.
ConJur — Ficou tudo fragmentado.José Afonso da Silva — Nenhum deles tinha condições de obter maioria. Mesmo o Centrão não conseguia reunir sua maioria para aprovar as coisas como eles desejavam, aí se começou a fazer negociação. Quando não chegavam a um consenso, a proposta ia para o voto do plenário e ganhava quem tivesse maioria naquela oportunidade.
ConJur — Qual o efeito disso tudo no texto final?José Afonso da Silva — Foi um fenômeno curioso porque a maioria conservadora acabou produzindo uma Constituição razoavelmente progressista. Isso se deve à atuação do senador Mário Covas, que era o líder do PMDB, que tinha maioria absoluta da Assembleia Constituinte. Em cada subcomissão, ele apresentou relatores ou presidentes que tivessem uma orientação mais progressista e montou um xadrez de tal ordem que, apesar de a maioria da Assembleia ser conservadora, conseguiu decisões mais progressistas.
ConJur — O senhor se recorda de algum ponto que foi para o voto e acabou vencendo a pauta mais conservadora?José Afonso da Silva — A reforma agrária foi um deles. Houve algumas concessões, mas os conservadores acabaram introduzindo elementos que asseguravam mais os interesses deles. Por incrível que pareça, o Estatuto da Terra era mais avançado do que o que ficou na Constituição.
ConJur — O senhor se candidatou a deputado constituinte, mas não se elegeu. O que motivou o senhor a se candidatar?José Afonso da Silva — Eu vinha trabalhando com Direito Constitucional, especialmente em uma visão voltada para os direitos fundamentais. Senti-me na obrigação de tentar participar. É claro que eu não tinha condições de ser eleito, porque eu não tinha dinheiro. Um grande empresário me ofereceu dinheiro e eu recusei. Ele disse: ‘Você não fica devendo nada’. ‘Não, eu fico. Se você me der o dinheiro, um dia eu estou lá, você vai precisar de alguma coisa e eu vou ter problemas. Então para quê?’. Até costumo dizer que eu tive praticamente a mesma votação do Mário Covas, só que a dele foi multiplicada por mil. Mário Covas teve 7,5 milhões e eu tive 7,5 mil.
ConJur — O senhor acabou participando como assessor do Mário Covas. Conseguiu dar as mesmas contribuições que o senhor pretendia como deputado?José Afonso da Silva — Como deputado, eu teria muito mais possibilidade de contribuir. Como assessor eu não podia me intrometer nas coisas, ficava mais dependente de indagações. Muitas vezes eu senti não ser parlamentar para interferir nas discussões e votações de temas que me pareciam com encaminhamento adequado.
ConJur — O senhor se ressente de algum ponto que tenha entrado na Constituição, mas não da forma que o senhor gostaria?José Afonso da Silva — Em geral não, porque a parte que mais me interessava era a parte dos direitos fundamentais e essa foi bem implementada. Eu tinha uma visão diferente da organização do poder. Eu propunha um Poder Executivo menos personalista, que eu chamava de Poder Executivo de gabinete. Isso não passou, era difícil de passar. Entre ter um presidencialismo hegemônico — como nós temos, chamado hoje presidencialismo de coalizão — eu preferia o parlamentarismo na forma que estava sendo previsto na comissão Afonso Arinos — e chegou até a comissão de sistematização, na Constituinte.
ConJur — Como era sua proposta?José Afonso da Silva — Haveria o presidente da República e também um conselho de ministros com competência própria. Embora os ministros fossem de confiança do presidente, o conselho seria independente para o exercício de sua competência. Isso quebraria um pouco a hegemonia personalista do presidencialismo.
ConJur — E qual é o problema desse presidencialismo de coalizão?José Afonso da Silva — O sistema partidário do Brasil é muito fragmentado e indisciplinado. Na maior parte das vezes, o presidente tem que fazer negociações individuais e muitas concessões, que levam à corrupção. No Brasil, ou na América Latina em geral, tem que se fazer coalizão porque o partido do presidente nunca é capaz de fazer a maioria e as negociações muitas vezes não são institucionais.
ConJur — E a Constituição legitima isso?José Afonso da Silva — Como ela permite a criação de muitos partidos, de certo modo ela facilita muito. É por isso que está se buscando uma reforma partidária que tente reorganizar isso. O sistema favorece a mediocridade, a formação de políticos não muito comprometidos com o interesse público. Eles não votam uma reforma política que coíba essas práticas porque será cortar na própria carne.
ConJur — Concorda com quem diz que a Constituição ficou sendo híbrida por adotar o presidencialismo em cima de um texto parlamentarista?José Afonso da Silva — Não. Só a medida provisória, que seria um instituto mais adequado para o sistema parlamentarista, mas de resto não tem nada de híbrido. Pode-se até achar que a estrutura de poder ficou mal organizada talvez porque, na última hora, sob pressão do Sarney, puseram as normas do presidencialismo no lugar onde estavam normas do parlamentarismo.
ConJur — E ela deixaria o país ingovernável como ele chegou a afirmar?José Afonso da Silva — A gente está vendo que não prejudicou nada. O que prejudica a governabilidade é exatamente o atual sistema eleitoral de representação proporcional e a fragmentação partidária. A multiplicidade de partidos é que gera a necessidade de coligações de vários partidos para formar a base governista. Essa indisciplina partidária que faz com que cada um faça o que quer sem muito compromisso com a orientação partidária... Isso é que realmente complica a governabilidade.
ConJur — A Constituição carrega traumas do período militar? José Afonso da Silva — Em alguns aspectos carrega, embora menos do que a Constituição de 1946, em grande parte aprovada contra a ditadura do Getúlio Vargas. Por isso a doutrina fala que ela nasceu de costas para o futuro porque estava preocupada com o passado. A Constituição de 1988 se voltou mais para o futuro. Mas há um dispositivo (artigo 5º, inciso XLIV), por exemplo, que considera crime inafiançável a ação de grupos armados contra a ordem constitucional. Há também a norma sobre a cassação do mandato, exatamente para não ocorrer como no regime militar, em que o presidente ou outro poder cassava o parlamentar. Agora só a Casa respectiva pode cassar o mandato. Esse talvez seja o tema mais diretamente contrário ao que aconteceu na ditadura.
ConJur — Diante dessa perspectiva de agora, com as instituições mais consolidadas, o senhor acha que a Constituição fez certo? José Afonso da Silva — Eu acho que fez pelo seguinte: o mandato é popular. Ou se dá essa possibilidade ao povo através do recall — o que é complicado em um país tão grande como o Brasil — ou se dá o poder de cassar à Casa a que pertence o congressista.
ConJur — Mesmo com a condenação? José Afonso da Silva — Mesmo com a condenação. Isso se fundamenta na autonomia dos poderes. No caso do parlamentar, se outro poder cassa seu mandato há uma interferência. A casa respectiva tem que cumprir seu dever porque a condenação seria apenas pressuposto para a instauração do processo na Câmara.
ConJur — É um preço que a gente tem que pagar...José Afonso da Silva — Pela democracia. Veja bem: nós sabemos que as instituições parlamentares no Brasil são muito ruins hoje. Eu não costumo generalizar, porque ainda há muita gente boa lá dentro. Mas é ruim porque essa foi uma das coisas ruins que herdamos do regime militar. A ditadura liquidou com as lideranças no país. A renovação disso é muito longa e muito difícil. Por isso ainda estamos vivendo este resquício doloroso.
ConJur — O texto constitucional absorveu aspectos do Direito alemão, da Constituição americana ou portuguesa. Tem algum aspecto genuinamente brasileiro?José Afonso da Silva — Teve influência de vários países. A Medida Provisória é de influência italiana. A inconstitucionalidade por omissão veio da Constituição portuguesa. Da Alemanha tem a organização do poder, especialmente da distribuição do Poder Legislativo, competências comuns e complementares entre União, estados e municípios. Na formação dos direitos fundamentais há influência das convenções internacionais e declarações sobre direitos humanos. No restante é mais problema nosso. Houve avanços imensos nos direitos sociais. As lutas por saúde, educação e transporte de qualidade se devem à nossa Constituição. Há também o sistema de seguridade social que não se encontra em outros países. Há alguma coisa em Portugal e na Espanha, mas aqui foi desenvolvida amplamente. O fortalecimento do Ministério Público e a autonomia do Poder Judiciário são coisas nossas. Isso tudo forjado pela Constituinte e em boa parte também na Comissão Afonso Arinos.
ConJur — Fala-se muito da vontade do legislador, principalmente em temas polêmicos — como foi o da união estável homossexual recentemente, por exemplo. É possível definir essa vontade?José Afonso da Silva — Esse é um tipo de interpretação absolutamente inadequada. Todo jurista sabe que a intenção do legislador não tem nenhum valor, até porque não se sabe como é que se apura essa intenção. O parlamento não tem vontade. Esse é um tipo de interpretação muito querido pelos conservadores. Nos EUA, toda vez que a Suprema Corte dá uma decisão mais progressista, surge um movimento dizendo “não é isso que os founding fathers queriam”. Então você também pode dizer: 'bom, mas essa intenção dele é a intenção sua, você é que está querendo vencer'. Essa é uma posição subjetiva. No Brasil, nenhum jurista aceita este tipo de interpretação. Quando se volta para um texto constitucional, essa interpretação se insere em um contexto formal e que vai adquirir sentido em face também dos demais dispositivos e da realidade histórica.
ConJur — O senhor concorda com a afirmação de que a nossa Constituição é muito prolixa?José Afonso da Silva — Ela nasceu de uma negociação muito difícil. Cada um queria por alguma coisa do seu interesse. Não se pode decidir de antemão se a Constituição vai ser enxuta ou não. O processo histórico é que vai decidir o que ela vai acolher. Em uma Constituição que teve uma participação popular muito grande, é muito razoável que ela tenha acolhido muitas dessas reivindicações. Certamente existem muitas regras que poderiam ser reguladas pela legislação ordinária, mas foram inseridas na Constituição porque ela lhes garante certa estabilidade.
ConJur — Então o senhor não vê isso como um defeito?José Afonso da Silva — Todo conservador fala isso. Eles querem que saiam de lá os direitos sociais, não querem que saia o direito de propriedade. Querem que saiam o direito à saúde, o direito do índio, o direito ao meio ambiente... Sim, se você tirar tudo isso ela fica muito enxuta. Mas aí o povo fica absolutamente desamparado. Todo conservador quer uma Constituição enxuta que garanta apenas seu direito, o direito da elite.
ConJur — Ainda é possível afirmar que existe a Constituição de 88? Ela perdeu muito de sua essência?José Afonso da Silva — No essencial, não, porque o núcleo fundamental da Constituição são os direitos fundamentais. Esses não foram atingidos.
ConJur — Qual é o alicerce que a mantém assim?José Afonso da Silva — Logo no início, os direitos fundamentais constituem um núcleo importante na Constituição. É aí que está a vantagem. Há muitas emendas, às vezes muito tolas, para mudar apenas um sinônimo ou as disposições transitórias. Mas não há emendas que atinjam o núcleo importante da Constituição.
ConJur — A Constituição reconheceu e garantiu novos direitos. Isso saturou a Justiça? José Afonso da Silva — Com certeza. O acesso à Justiça foi melhorado, criaram-se as defensorias públicas. O povo descobriu que tem direitos e a Justiça para satisfazê-los. Mas um dos problemas da Constituição foi este: o Poder Judiciário ficou praticamente intacto. Não se alterou quase nada. Foram criados o Superior Tribunal de Justiça, cinco tribunais federais e nada mais. Ficou tal como estava. Não se mexeu na base.
ConJur — O que o senhor propunha?José Afonso da Silva — Na própria minuta que eu apresentei na Afonso Arinos, tinha proposto uma descentralização. O Tribunal de Justiça ficaria um tribunal de cúpula cuidando de coisas muito gerais, os tribunais de segundo grau ficariam nas regiões do estado e cuidariam apenas dos problemas daquela região. O processo não tinha que vir para a capital, por exemplo. No âmbito federal eu propunha a criação de um Tribunal Superior Administrativo para cuidar das causas do poder público, o que aliviaria o Supremo e os tribunais superiores. Isso eu também discuti na reforma do Judiciário.
ConJur — Ao mesmo tempo que a Constituição ganhou novos dispositivos por meio de emendas, outros sequer foram regulamentados. O legislador soube lidar com esse texto constitucional?José Afonso da Silva — Olha, interessante. Todo mundo me faz essa pergunta. O que não percebem é que o que era fundamental foi regulamentado. Temos o Estatuto do Idoso, da infância e do adolescente, normas sobre previdência... Algumas regras até já existiam, então não precisa criar outras. O que não foi regulamentado se resolveu com iniciativa popular, em outros casos o Supremo decidiu. No caso da lei para regulamentar as greves de servidor público, por exemplo, entraram com mandado de injunção para mostrar que havia uma omissão. O Supremo mandou aplicar a lei geral. Quando a falta de regulamentação cria problema para algum grupo, a Constituição deu instrumentos para solucionar, como a iniciativa popular, o mandado de injunção.
ConJur — Então o senhor não sente nenhum tipo de aflição?José Afonso da Silva — Eu não sou daqueles que acham que a Constituição deve se aplicar toda e acabada. Não existe democracia acabada. Democracia é um processo histórico, que se vai realizando com o correr do tempo. Não se tem direitos fundamentais acabados. Nunca se acaba de cumprir os direitos sociais ou qualquer direito fundamental, até porque estão sempre aparecendo novos direitos.
ConJur — O senhor pode explicar a classificação dos direitos sociais como normas programáticas? Como isso influenciou a implementação desses direitos?José Afonso da Silva — A norma programática não é mera intenção, mera crença. Ela tem eficácia. Na concepção que eu sustentei, ela indica os fins do Estado para buscar realizar o bem comum da população. Essa Constituição mudou muito isso. Era uma concepção de uma Constituição que não tinha um tratamento de direitos sociais como a atual, que indica os dispositivos para realizá-los. Se está previsto que o poder público tem de criar essas condições não é mero programa. Eu falo isso porque os conservadores têm uma concepção de chamar de programáticas todas as normas incômodas, que são as que produzem alguma coisa em favor do pobre. Por isso eu tenho usado muito pouco, ou quase não uso mais, a expressão “normas programáticas”. Hoje prefere-se falar em normas dirigentes ou normas de direitos de realização progressiva.
ConJur — Então o conceito de norma programática foi entendido de forma errada?José Afonso da Silva — Essa era a concepção. Todo mundo falava em norma programática como algo que não tinha eficácia, a não ser que viesse uma lei para aplicá-la. Se não viesse não teria efeito, eficácia, não valeria nada. Tratar o direito social como mera ficção é uma forma de desqualificá-lo. Quando eu escrevi, era a Constituição de 1967 que estava em vigor e ainda se falava em norma programática. Naquela ocasião eu repelia a concepção de que elas não eram direitos, que eram meras intenções ou coisa que o valha. Repeli para dizer que elas eram regras, embora de eficácia limitada, mas importantes para a interpretação das demais normas da Constituição e porque indicavam o fim que o Estado deveria alcançar.
ConJur — O senhor acha que há algum tipo de subversão do uso da Ação Civil Pública para garantir direitos de particulares?José Afonso da Silva — Muitas vezes o Ministério Público usa a Ação Civil Pública indevidamente, mas se ele a usa em benefício do direito social, isso é bom. Há situações em que a Justiça determina ao Poder Público que interne determinada pessoa ou forneça determinado remédio. Mas isso é bom. Eu sei que há determinadas correntes que acham que isso não devia ocorrer, mas aquele que está reivindicando precisa desse amparo. Eu acho que tudo que se faz em favor da realização dos direitos fundamentais é bom.
ConJur — A Constituição harmoniza as questões sociais com as de mercado? José Afonso da Silva — A Constituição estabeleceu uma ordem com normas para favorecer uma economia consonante com os direitos sociais. Mas medidas e emendas posteriores retiraram tudo isso. Ficamos com uma ordem econômica tipicamente capitalista e, portanto, em dissonância com os direitos sociais.
ConJur — Em questão tributária, o senhor acha que o pacto federativo precisa ser revisto?José Afonso da Silva — Isso é um problema histórico. Não tem muito o que mudar. O sistema tributário poderia ser mais bem distribuído. Tem que se distribuir mais os encargos, descentralizá-los. O que se pode fazer é descentralizar a prestação de serviços, com maior participação dos estados e municípios na receita da União. A legislação ordinária pode resolver isso. A crítica que em geral se faz ao sistema tributário se prende ao percentual da carga fiscal em relação ao PIB: 36%, 38% etc. Nunca aborda a questão da justiça fiscal. O sistema é injusto, sobrecarrega mais os trabalhadores e a classe média do que os ricos, sobretudo porque fundado nos tributos indiretos.
ConJur — O senhor acha que a sociedade está pronta para outras formas de participação direta?José Afonso da Silva — Pronta ela sempre esteve, só que nunca deram esse poder para ela. Muitas das leis importantes, como a Lei da Ficha Limpa, têm sido elaboradas por iniciativa popular. Um outro exemplo é da lei para aumentar o percentual de financiamento à saúde, em tramitação no Congresso. É de iniciativa popular. Os mecanismos existem. Tem só que pôr em prática. Quem não gosta muito disso são os parlamentares. A iniciativa popular é importante, o referendo também, mais do que o plebiscito.
ConJur — Por quê?José Afonso da Silva — Plebiscito sempre foi um instituto muito usado pelos governos autoritários para se manter no poder, para obter vantagens. Mas como ele está sob o controle do Congresso Nacional, pode ser usado. A Constituinte pôs na vontade do Congresso o poder de convocar plebiscito. Foi tirado o arbítrio do Executivo, para evitar sua utilização indevida.
ConJur — Por que o Supremo não se tornou uma corte exclusivamente constitucional? José Afonso da Silva — Primeiro porque uma corte constitucional não pode ser composta de membros vitalícios. Na Constituinte se tentou fazer com mandato, mas não se conseguiu. Houve pressão do Supremo. Ele atuou no sentido de manter praticamente como estava. Ele é um tribunal que ainda tem que julgar a inconstitucionalidade pelo critério difuso. Isso não é próprio de uma corte constitucional, que também não tem de julgar processo criminal.
ConJur — Sua ideia de se criar um tribunal para dividir competência com o Supremo se traduziu com a criação do STJ. Hoje ambos estão sobrecarregados. Sabem separar uma questão federal de uma constitucional?José Afonso — Em geral sabem. Ao defenderem seus clientes, os advogados usam de tudo quanto é meio para levar o processo lá para cima. É também um problema processual, cujas questões precisam ser mais bem disciplinadas. O Poder Público, por exemplo, recorre muito. Por isso eu proponho um tribunal administrativo.
ConJur — O senhor acha que tem excesso de instâncias recursais?José Afonso — Eu acho que há muito recurso, não instâncias recursais. Muitos recursos poderiam ser eliminados.
ConJur — E a prerrogativa de foro?José Afonso — Isso já é da tradição do país. Eu não acho que haja prejuízo. Mas poderia ser no STJ em vez de ser no Supremo, que não tem que ficar julgando crime.
ConJur — O direito de defesa perdeu espaço ou está ameaçado?José Afonso — Eu acho que não é um problema preocupante.Talvez haja um pouco de interferência com o direito de defesa o instituto da delação premiada. Isso pode ter complicações porque é um acordo do Ministério Público homologado pelo juiz sem participação da defesa.
ConJur — Imaginava que o Supremo teria esse protagonismo? Acha que ele está muito exposto?José Afonso da Silva — Esse é o único tribunal no mundo que fica realmente exposto. Tem até uma televisão que fica focalizando tudo. Isso tem a vantagem da transparência, mas os ministros ficam querendo se mostrar, nessa coisa de vaidade... É um caminho sem volta. Ninguém supunha que fosse haver uma televisão no Supremo, mas como a Câmara e o Senado têm... Nas casas legislativas é até justificável, porque são representantes do povo.
ConJur — Como o senhor avalia a composição atual do Supremo? José Afonso da Silva — Não vou fazer apreciação individual de ministro. Acho que toda vida o Supremo teve ministros excelentes e ministros ruins. No geral está bem. Você tem ministros que não deveriam estar lá, como sempre teve. Quem sabe melhora.
ConJur — O Supremo julga mais por princípios ou por política? José Afonso da Silva — O Supremo Tribunal Federal, como todo tribunal constitucional, tem uma dimensão política. Isso é inequívoco. A Constituição também tem um conteúdo político muito grande. Por isso, o tribunal não pode ser puramente técnico. Do contrário, ele não entende a Constituição.
ConJur — O senhor vê ativismo judicial?José Afonso da Silva — Nem toda criatividade via interpretação é ativismo judicial. A partir de regras muito gerais, se constrói um instituto. Você tem ativismo judicial distorcido, desde que se faça coisa que não está prevista na Constituição. Quando um ministro, por exemplo, dá uma medida liminar para não se seguir a tramitação de um veto, isso é um abuso, porque não cabe ao Judiciário interferir na tramitação de vetos, por exemplo.
ConJur — Se a solução encontrada pelo julgador está amparada na Constituição, não pode ser considerada ativismo?José Afonso da Silva — Se está amparada na Constituição, não. Por exemplo: chamaram de ativismo aquela decisão do TSE, que foi mantida pelo Supremo, a respeito da fidelidade partidária. Decidiu-se que os votos pertencem ao partido e não ao parlamentar e, portanto, se ele sai do partido, perde o mandato. De fato, a interpretação foi razoável, porque no sistema de representação proporcional, os votos são realmente do partido.
ConJur — O que senhor acha das súmulas vinculantes e da repercussão geral?José Afonso da Silva —
A súmula vinculante tem um problema delicado: ela cria uma forma de precedente que impede a interpretação dos juízes de primeira instância. Os juízes que estão mais próximos dos fatos é que contribuem para a evolução da jurisprudência e do Direito. A Súmula Vinculante tolhe isso. Por isso que eu digo que é preciso fazer mudanças como, por exemplo, a criação de outros tribunais para neles serem redistribuídas atribuição do Supremo, para que ele não fique arranjando empecilhos para o processo não chegar lá. O mesmo vale para a Repercussão Geral.
ConJur — A Ordem dos Advogados do Brasil tem a mesma relevância política de 25 anos atrás?José Afonso da Silva — Durante o regime autoritário ela atuou com uma visão democrática. Hoje ela tem a mesma visão. Só que hoje estamos em uma democracia e não precisa ter aquele confronto. Por isso a OAB não precisa desempenhar o mesmo papel daquela época. Hoje ela atua em outros campos, como nas ações diretas de inconstitucionalidade, por exemplo. Já depois da Constituição ela teve um papel fundamental no impeachment do Collor. Toda vez que aparece um problema dessa natureza, ela atua. Sua importância continua sendo a mesma de sempre.
ConJur — Como o senhor avalia o Ministério Público?José Afonso da Silva — O Ministério Público recebeu pela Constituição de 1988 uma institucionalização muito importante. Ele tem se servido disso e às vezes com certo abuso. Por exemplo: ele não tem poderes de investigação criminal, mas ele exerce esse poder. Mas o papel do Ministério Público hoje é de alta importância para a defesa de direitos importantes, como os direitos difusos, do meio ambiente. Se não fosse a atuação do Ministério Público, essa defesa seria muito menos desenvolvida.
ConJur — A Defensoria Pública poderia estar mais consolidada?José Afonso da Silva — A Defensoria Pública não é nova. Já havia duas ou três antes da Constituição. Mas foi com a Constituição que ela realmente se estabeleceu. Como toda instituição, ela tem de se organizar, criar suas bases. Acho até que ela está querendo assumir coisas que não devia, como a defesa de direitos difusos, por exemplo. Ela foi criada para a defesa dos direitos dos necessitados.
ConJur — O senhor é um dos juristas mais citados no Supremo. O que acha disso?José Afonso da Silva — Eu poderia lhe responder com aquele dito “falem de mim, ainda que falem mal”, mas não é o que eu penso [risos]. Eu me sinto muito honrado com a utilização do meu nome como jurista. É claro que nem todos concordam comigo, o que é normal, assim como eu não concordo com todos. O direito é uma ciência interpretativa e essa interpretação depende de muitos fatores subjetivos e objetivos. É muito normal que alguém discorde. Meu filho [Virgílio Afonso da Silva, professor titular do departamento de Direito do Estado da USP] discorda de mim, mas eu não tenho que achar ruim por isso. A ciência jurídica se faz exatamente nessa dialética dos contrários.
ConJur — O senhor se incomoda quando desvirtuam sua tese?José Afonso da Silva — Isso não é muito frequente, mas acontece. Eu não tenho o que fazer ou ficar debatendo com as pessoas. Se eu tiver a oportunidade de escrever alguma coisa, eu digo: “olha, o senhor utilizou indevidamente do meu ponto de vista”. Isso eu já fiz em algumas oportunidades.

FONTE: CONJUR