sexta-feira, 27 de maio de 2011

A LEI Nº 12.016/09 E O MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA CRIMINAL

por Rômulo de Andrade Moreira

I - INTRODUÇÃO

Antes de abordar o tema, farei uma breve exposição a respeito da origem do Mandado de Segurança e, nessa tarefa, é preciso que se tenha especial atenção para uma outra garantia constitucional igualmente importante (uma outra ação), que é o habeas corpus, pois tudo começou com ele.1

Com a primeira Constituição Republicana, em 1891, previu-se, pela primeira vez em nosso País, o habeas corpus que, originariamente (eu diria até etimologicamente), sempre serviu para a tutela do direito à locomoção (do direito de ir, vir e ficar). Isso é da origem do habeas corpus desde a Magna Carta de João Sem Terra, na Inglaterra. Então, em 1891, a Constituição Republicana, prevendo o habeas corpus, deu-lhe contornos mais amplos, ou seja, não garantia apenas o direito à liberdade (isto estava expresso no art. 72, § 22 da Constituição de 1891). Por conta dos termos em que estava grafado este dispositivo, houve uma séria e importante discussão doutrinária entre dois personagens do Direito Brasileiro – Pedro Lessa e Ruy Barbosa – acerca da amplitude que essa garantia constitucional efetivamente tinha, é dizer, se o habeas corpus estava posto como garantia apenas do direito à liberdade (como pensava Pedro Lessa e como acabou por definir o Supremo Tribunal Federal) ou, por outro lado, na visão de Ruy Barbosa, se o habeas corpus prestava-se, nos termos da Constituição, para a garantia de todo e qualquer direito (não somente do direito de ir, vir e ficar) porventura violado ou ameaçado por abuso de poder ou ilegalidade.

Durante a vigência da Constituição de 1891, o certo é que outros direitos acabaram por ser, vez por outra, tutelados (garantidos) com a impetração do habeas corpus. É fato, por exemplo, que o habeas corpus serviu para reintegrar o Governador do antigo Estado da Guanabara ao seu cargo (quando não havia, evidentemente, nenhum perigo à locomoção desse agente público, pois era apenas uma questão administrativa).

Com o passar dos anos, mais exatamente com uma Reforma Constitucional que houve em 1926, o habeas corpus voltou à sua origem inglesa, e esta Reforma estabeleceu, em sede constitucional, que o habeas corpus seria uma garantia específica para tutelar o direito à liberdade (na forma como estava estatuída no mesmo art. 72, § 22, só que com a reforma: “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção”).

Portanto, a partir de 1926, restaram sem tutela outros direitos que não o direito à liberdade; não tínhamos uma garantia constitucional para isto e não se podia mais usar o habeas corpus como se usava desde a República (por força da Constituição de 1891) exatamente porque agora estava expressamente posto que o habeas corpus serviria apenas para a tutela da liberdade física.

Ficou, então, esse hiato de 1926 até 1934. Somente com a Constituição de 1934 que, pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, foi previsto o Mandado de Segurança (com esse nome)2. Portanto, a sua origem, do ponto de vista do Direito Positivo, está na Constituição de 1934, exatamente no seu art. 113, § 33, nos seguintes termos (que não muda muito com relação ao que temos hoje): “Dar-se-á mandado de segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes”. Depois da Constituição de 1934 editou-se a Lei nº. 191/36 regulando o procedimento do Mandado de Segurança 3.

Em 1937, com o Estado Novo e a Constituição de 1937 (Constituição fascista outorgada por Getulio Vargas), o Mandado de Segurança desaparece da Constituição. Ou seja, depois de 1934, a única Constituição brasileira que não previu o Mandado de Segurança foi a de 1937, mas nem por isso este instituto deixou de ser utilizado. Este fato deve-se à Lei 191/36, que sofreu uma pequena, importante e odiosa alteração em 1937 através de um Decreto-lei que a modificou apenas para tornar imune ao Mandado de Segurança algumas autoridades (o Presidente da República, os Ministros, os Governadores e os Interventores). Portanto, nesse período do Estado Novo tivemos o Mandado de Segurança com imunidade para os referidos agentes públicos. Esta imunidade perdurou, inclusive, com a edição do Código de Processo Civil de 1939, que o previu, mas não excluiu tais imunidades; imunidades estas que só foram extirpadas com a Lei nº. 1.533, que não mais previa a imunidade para aqueles agentes públicos. Posteriormente, também previram o Mandado de Segurança a Constituição de 1967, a Emenda Constitucional de 69 e, hoje, a atual Constituição, que no seu artigo 5º, LXIX, estabelece: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

A pergunta que se faz agora é a seguinte: “quando é que começou a se teorizar, na doutrina brasileira, a possibilidade do Mandado de Segurança contra ato jurisdicional, contra decisão judicial”? Este questionamento é feito porque, inicialmente, a sua utilização era, normalmente, para combater atos do Poder Executivo, mas não atos emanados de órgãos do Poder Judiciário. Portanto, não havia essa possibilidade. Mas, desde a Constituição de 1934 já era possível a utilização do Mandado de Segurança para este fim, porque os termos da Constituição de 1934 assim permitiam. Tanto que houve um caso célebre, no Estado de Minas Gerais, em que uma penhora que havia sido determinada por um Juiz Federal foi suspensa por força da impetração de um Mandado de Segurança concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, antes mesmo da antiga Lei nº. 1.533/51 já tínhamos um caso em que uma decisão judicial tinha sido desconstituída por força de um Mandado de Segurança.

Atualmente esta possibilidade é clara, nos termos do art. 5º., II e III da Lei nº. 12.016/09 (que revogou a Lei nº. 1.533/51), que, lido a contrario sensu, diz que não se dará Mandado de Segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo ou de decisão judicial transitada em julgado4. Então, interpretando-se literalmente este art. 5º., II e III, temos que é possível a impetração do Mandado de Segurança contra decisão judicial, inclusive em matéria criminal.

Por sua vez, o Enunciado 267 da súmula do Supremo Tribunal Federal estabelece que “não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”. Este Enunciado, no entanto, deve ser interpretado no sentido que é possível, sim, o Mandado de Segurança contra decisão judicial, mesmo em decisão que caiba recurso, desde que não tenha efeito suspensivo e, portanto, não seja apto a evitar um dano irreparável5. Portanto, o Mandado de Segurança serviria, justamente, para dar o efeito suspensivo ao recurso e evitar um dano se este ato for violado a posteriori. Neste sentido:

“Em casos excepcionais, a jurisprudência pátria tem admitido o uso do mandado de segurança para atribuir efeito suspensivo a recurso desprovido de tal característica, quando se verificar a plausibilidade jurídica do pedido e possibilidade de dano efetivo até o julgamento da irresignação pelo Tribunal, situação caracterizada no caso em tela pela iminente remessa dos autos ao Juízo Estadual em face de declinação da competência, com possibilidade de anulação ab initio do processo. Nessa situação, a via mandamental não é utilizada como substitutivo do recurso cabível, mas como medida meramente cautelar, cuja finalidade é resguardar a decisão de mérito a ser proferida pela Turma no julgamento do RSE” (TRF 4ª R. – 8ª T. – MS 2008.04.00.039673-3 – rel. Élcio Pinheiro de Castro – j. 03.12.2008 – DJU 10.12.2008).

Em sentido contrário, ao menos quando se trata de dar efeito suspensivo a agravo em execução:

“HABEAS CORPUS N.º 62.848-SP - Rel.: Min. Arnaldo Esteves Lima/5.ª Turma - EMENTA - Penal. Habeas corpus. Ministério Público. Mandado de segurança buscando atribuir efeito suspensivo no agravo em execução. Ilegitimidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. Segundo pacífico entendimento desta Corte, não possui o Ministério Público legitimidade para impetrar mandado de segurança buscando atribuir efeito suspensivo a agravo em execução. 2. Ordem concedida para anular o acórdão proferido no Mandado de Segurança n.º 965.187.3/0, excluindo, por conseguinte, o efeito suspensivo atribuído ao agravo em execução.” (STJ/DJU de 18/12/06, pág. 440). Idem: “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - MANDADO DE SEGURANÇA (CRIMINAL) N° 1.0000.06.442541-6/000 - RELATOR: DES. PEDRO VERGARA - EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - PEDIDO DO CONDENADO DE AUTORIZAÇÃO PARA FREQÜENTAR CURSO SUPERIOR E REALIZAR TRABALHO EXTERNO DEFERIDO - AGRAVO EM EXECUÇÃO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PENDENTE DE JULGAMENTO - IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO - IMPOSSIBILIDADE VIA AÇÃO MANDAMENTAL - ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MANDADO DE SEGURANÇA EXTINTO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. O Ministério Público não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança objetivando a atribuição de efeito suspensivo ao recurso de agravo em execução interposto, vez que não pode restringir o direito do condenado, além dos limites conferidos pela legislação. O agravo em execução não é dotado de efeito suspensivo, nos termos do artigo 197 da Lei de Execuções Penais. V.v: PROCESSO PENAL - RECURSO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE DIREITO À EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA - MANDADO DE SEGURANÇA PARA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - POSSIBILIDADE - PRELIMINAR REJEITADA.” Vejamos este trecho do voto: “(...) Entendo que não é vedado ao Ministério Público o manejo do remédio heróico do Mandado de Segurança em âmbito penal; contudo, seu cabimento prescinde da demonstração do direito líquido e certo violado, sem o qual, não pode o Parquet socorrer-se a tal recurso. O Ministério Público não pode restringir o direito de liberdade do condenado, fora das hipóteses previstas no ordenamento processual penal, sob pena de afronta ao texto constitucional e ao princípio do devido processo legal. Dispõe a Carta Magna de 1988, no seu artigo 5º, inciso LIV, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Como é cediço, o artigo 197 da Lei de Execução Penal, proíbe, expressamente, a concessão de efeito suspensivo ao agravo em execução, in verbis: "Artigo 197 - Das decisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo." Assim, pretende o Parquet restringir o direito do condenado, fora dos limites impostos pela lei, utilizando-se de manobras processuais, o que não lhe é permitido. Não admitindo a legislação penal, efeito suspensivo a recurso de agravo em execução, não pode o Ministério Público valer-se do recurso de Mandado de Segurança para tal. Dessa forma, entendo prudente o aguardo pelo Parquet do trâmite regular do agravo em execução interposto, que se encontra pendente de julgamento. Amparando a tese, já decidiu esta Corte: "AGRAVO REGIMENTAL - MANDADO DE SEGURANÇA - PENAL - CONCESSÃO DE PROGRESSÃO DE REGIME EM CRIME HEDIONDO - EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO - ART. 197 DA LEP - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENDENTE DE JULGAMENTO - EFEITO SUSPENSIVO PLEITEADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE DA VIA AÇÃO MANDAMENTAL - ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDO. O Mandado de Segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo ao agravo em execução, quando ausentes os requisitos excepcionais autorizadores da medida buscada. Também é uníssona a jurisprudência no sentido do descabimento do manejo do mandamus pelo Ministério Público para conferir efeito suspensivo ao agravo em execução. V.V." (Agravo Regimental nº. 1.0000.06.442590-3/001, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, 5ª Câmara Criminal do TJMG, DJ 27.10.2006) "MANDADO DE SEGURANÇA - PENAL - CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL - EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO - ART. 197 DA LEP - AGRAVO EM EXECUÇÃO PENDENTE DE JULGAMENTO - EFEITO SUSPENSIVO PLEITEADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE PELA VIA AÇÃO MANDAMENTAL - ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDO. O Mandado de Segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo ao agravo em execução, quando ausentes os requisitos excepcionais autorizadores da medida buscada. Também é uníssona a jurisprudência no sentido do descabimento do manejo do mandamus pelo Ministério Público para conferir efeito suspensivo ao agravo em execução .V.v PROCESSO PENAL - RECURSO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE LIVRAMENTO CONDICIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA PARA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - POSSIBILIDADE - AÇÃO MANDAMENTAL ADMITIDA, PARA ANÁLISE DO MÉRITO." (Mandado de Segurança nº. 1.0000.06.436184-3/000, Rel. Des. Maria Celeste Porto, 5ª Câmara Criminal do TJMG, DJ 28.07.2006) (grifamos) "MANDADO DE SEGURANÇA - IMPETRAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO EM RECURSO DE AGRAVO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - FALTA DE AMPARO LEGAL - ORDEM NÃO-CONHECIDA. Embora seja sabido e consabido que o Ministério Público detém legitimidade para impetrar Mandado de Segurança, inexistindo previsão legal de efeito suspensivo em Recurso de Agravo, tem-se por prejudicada a aferição do alegado direito líquido e certo a amparar sua impetração, até porque ao Parquet não cabe valer-se do remédio constitucional para buscar restringir direitos do condenado, ferindo não só o regramento processual penal, como também o princípio constitucional do devido processo legal. Mandamus não-conhecido. V.v.: PROCESSO PENAL - RECURSO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO CONCESSIVA DE LIVRAMENTO CONDICIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA PARA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO - POSSIBILIDADE - RECURSO CONHECIDO." (Mandado de Segurança nº. 2.0000.00.461956-7/000, Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos, 2ª Câmara Mista do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, DJ 23.10.2004) (grifamos) Instado a se pronunciar sobre o tema, o e. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no mesmo sentido, in verbis: "HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITO SUSPENSIVO. AGRAVO EM EXECUÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. O Ministério Público não possui legitimidade para impetrar mandado de segurança com intuito de atribuir efeito suspensivo a agravo em execução, na medida em que o princípio do devido processo legal obsta a restrição das garantias dadas aos acusados além dos limites estabelecidos pela legislação; 2. A dicção do artigo 197 da Lei de Execuções Penais é clara ao proclamar que o agravo em execução não é dotado de efeito suspensivo; 3. Ordem concedida para cassar o efeito suspensivo atribuído ao agravo, determinando a imediata retirada do paciente do regime disciplinar diferenciado." (HC 45299/SP; Habeas Corpus 2005/0106688-0, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 6ª Turma do STJ, DJ 27.03.2006, p. 339) "HABEAS CORPUS. CONDENADO CUMPRINDO PENA. PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA PARA O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO - RDD. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS. AGRAVO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA COM O FITO DE EMPRESTAR EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO. DEFERIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO. ILEGALIDADE. 1. O Ministério Público não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança almejando atribuir efeito suspensivo ao recurso de agravo em execução, porquanto o órgão ministerial, em observância ao princípio constitucional do devido processo legal, não pode restringir o direito do acusado ou condenado além dos limites conferidos pela legislação, mormente se, nos termos do art. 197, da Lei de Execuções Penais, o agravo em execução não possui efeito suspensivo. Precedente do STJ.”

II - NATUREZA JURÍDICA

O Mandado de Segurança não é um recurso, assim como o habeas corpus e a revisão criminal também não o são. Refiro-me ao habeas corpus e à revisão criminal porque, equivocadamente, o Código de Processo Penal estabelece (ou indica), como recursos, estas duas verdadeiras ações autônomas de impugnação. O Código de Processo Penal, entre tantas outras impropriedades técnicas (é um código de1941), elenca o habeas corpus e a revisão criminal como meios recursais e não o são. São ações autônomas de impugnação, como é o Mandado de Segurança. Não é recurso por um motivo muito simples, qual seja, com a ação de Mandado de Segurança instaura-se uma nova relação jurídica processual, ao passo que o recurso apenas dá continuidade àquela primeira relação jurídica.

O Mandado de Segurança tem caráter mandamental e índole constitucional; é uma ação de conhecimento que pode ter efeito meramente declaratório ou constitutivo. Por exemplo, pode-se trancar uma ação penal por Mandado de Segurança quando se esteja diante de uma ação penal cujo objeto é uma contravenção penal punida, tão-somente, com a pena de multa. Como a multa, hoje, por conta da modificação estabelecida no art. 51 do Código Penal (e a revogação do art. 182 da Lei de Execução Penal – Lei nº. 7.210/84), não mais pode ser convertida em pena privativa de liberdade, a liberdade de locomoção, nestes casos, não estaria ameaçada. Portanto, o remédio cabível não é mais o habeas corpus6, que tutela somente o direito à liberdade de locomoção; possível será a impetração do Mandado de Segurança.

O Mandado de Segurança pode ser repressivo ou preventivo (assim como o habeas corpus) e, como toda ação, é necessário estabelecer as condições para o seu exercício e os pressupostos processuais.

III - CONDIÇÕES DA AÇÃO7 DE MANDADO DE SEGURANÇA E OS SEUS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Para ser o possível, juridicamente, o Mandado de Segurança, é necessário que haja um ato jurisdicional8 eivado de ilegalidade, que tenha a possibilidade real, efetiva ou iminente, de ferir um direito líquido e certo9. Portanto, o ato tem que ser ilegal, contrário à lei ou praticado com abuso de poder.

Segundo Hely Lopes Meirelles, “direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais."10

No mesmo sentido, Carlos Mário da Silva Velloso:

“O conceito, portanto, de direito líquido e certo, ensina Celso Barbi, lição que é, também, de Lopes da Costa e Sálvio de Figueiredo Teixeira, é processual. Quando acontecer um fato que der origem a um direito subjetivo, esse direito, apesar de realmente existente, só será líquido e certo se o fato for indiscutível, isto é, provado documentalmente e de forma satisfatória. Se a demonstração da existência do fato depender de outros meios de prova, o direito subjetivo surgido dele existirá, mas não será líquido e certo, para efeito de mandado de segurança. Nesse caso, sua proteção só poderá ser obtida por outra via processual."11

A segunda condição da ação é o interesse de agir. Nesse sentido, lembramos do trinômio: “necessidade, adequação e utilidade”. O Mandado de Segurança tem que ser um remédio adequado para combater um ato ilegal ou praticado com abuso de poder; e tem que ser necessário e útil para evitar um dano irreparável. Portanto, o interesse de agir está na probabilidade de um dano irreparável, porque não garantido por outro remédio12, não garantido pelo habeas corpus, pelo habeas data ou mesmo por recurso com efeito suspensivo13.

Por fim, como última condição da ação, tem-se a legitimidade das partes. Parte no Mandado de Segurança, no pólo ativo, é qualquer pessoa física ou jurídica que se sinta ameaçada ou violada em seu direito, e que possa comprovar, de plano, essa violação, ou esta ameaça. Sujeito passivo, como entende modernamente a doutrina, é o Estado (não exatamente a autoridade coatora). É importante observar que no pólo passivo, via de regra, haverá a necessidade de se estabelecer um litisconsórcio necessário, sob pena de nulidade do processo. Assim, por exemplo, em um Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público, evidentemente que, ao ser notificada a autoridade dita coatora (o Juiz de Direito), é imprescindível que sejam citados os réus para contestar a ação mandamental (não para prestar informações).

Neste ponto, faço referência a um Enunciado ainda mais recente do Supremo Tribunal Federal, o de nº. 701, que, espancando algumas dúvidas doutrinárias ainda existentes, estabeleceu definitivamente (e priorizando, portanto, o princípio do contraditório) que “No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo”. Este já é um entendimento reiterado pela Suprema Corte e exatamente por isso transformou-se em enunciado.

Com relação aos pressupostos processuais, além dos já conhecidos “investidura do juiz e capacidade das partes”, faremos referência especial à regularidade formal do pedido. A lei do Mandado de Segurança (art. 6º.) estabelece que a petição deve conter, além de algumas especificidades, os mesmos requisitos da petição inicial (previstos nos arts. 282 e 283 do Código de Processo Civil). Algumas peculiaridades há. Não esqueçamos que há um prazo decadencial para a impetração do mandamus, exatamente 120 dias (art. 23).

Da mesma forma, como já mencionado, o Mandado de Segurança não é um procedimento que admita dilação probatória, pois “a ação mandamental exige, para sua apreciação, que se comprove, de plano, a existência de liquidez e certeza dos fatos narrados da inicial. É inerente à via eleita a exigência de comprovação documental e pré-constituída da situação que configura a lesão ou ameaça a direito liquido e certo que se pretende coibir devendo afastar quaisquer resquícios de dúvida.”14 No mesmo sentido:

“O remédio heróico do mandado de segurança somente pode ser agitado havendo prova pré-constituída da ofensa a direito líquido e certo da parte impetrante, não sendo o mesmo admitido, portanto, se dependente a invocação do direito de instrução probatória." (TJMG, Apc. 1.0024.03.983408-0, Rel. Desembargador José Domingues Ferreira Esteves, 6ª Câmara Cível, DJ 27.08.2004).

No julgamento do Mandado de Segurança nº. 27971, o Ministro Celso de Mello decidiu que “não se justifica, em sede de mandado de segurança, a produção tardia de documentos, eis que estes hão de ser produzidos pelo impetrante quando do ajuizamento da referida ação constitucional, como reiteradamente tem advertido o magistério jurisprudencial desta suprema Corte (RTJ 83/663, relatado pelo ministro aposentado Sepúlveda Pertence; RTJ 137/663, relator para o acórdão ministro Celso de Mello, e RTJ 171/3265-327, relator ministro aposentado Ilmar Galvão)”. “Como se sabe, a ação de mandado de segurança faz instaurar processo de caráter eminentemente documental, a significar que a pretensão jurídica deduzida pela parte impetrante há de ser demonstrada mediante produção de provas documentais pré-constituídas, aptas a evidenciar a alegada ofensa a direito líquido e certo supostamente titularizado pelo autor do writ (processo) mandamental”, observou o Ministro. Isto porque, segundo ele, “a lei exige que o impetrante, ao ajuizar o processo, instrua a petição inicial, com prova literal pré-constituída, essencial à demonstração das alegações feitas, ressalvada a hipótese - inocorrente neste caso – de o documento necessário à comprovação das razões invocadas encontrar-se em repartição ou em estabelecimento público ou, ainda, em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão (Lei nº 1.533/51, artigo 6º e seu parágrafo único, e Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - RISTF -, artigo 114)”. O ministro citou, neste contexto, doutrina do ministro Alfredo Buzaid, na obra “Do Mandado de Segurança”. Nela, Buzaid sustentava que, “diversamente do que ocorre com o procedimento comum e com o procedimento especial de jurisdição contenciosa, nos quais à fase dos articuladores se segue, de ordinário, a instrução probatória, a característica do processo de mandado de segurança está em só admitir prova documental pré-constituída”.

Excepcionalmente, contudo, é possível a juntada posterior de documentos se, com as informações da autoridade coatora ou mesmo com a contestação do litisconsorte, novos fatos forem abordados. Assim, a doutrina e a jurisprudência permitem, nestes casos excepcionais, privilegiando o princípio do contraditório, que documentos novos sejam juntados para contrapor àqueles novos argumentos trazidos nas informações ou na respectiva contestação.

A intervenção do Ministério Público no Mandado de Segurança em matéria criminal quando não for o impetrante (mas, como custos legis) é imprescindível, sob pena de nulidade processual, no prazo de 10 dias (art. 12).

IV – A POSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DE LIMINAR

A possibilidade da concessão de liminar está prevista muito claramente no art. 7º., III da Lei nº. 12.016/09. A liminar, como uma medida antecipatória, exige os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora e pode ser, na forma do Código de Processo Civil, revogada pelo próprio Juiz que a concedeu. Portanto, “para a concessão da medida liminar em sede de mandado de segurança é necessária a presença de dois requisitos, ou seja, prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação e o perigo na demora (com a possibilidade de se tornar inócua a decisão final).”15

Havendo justo receio (art. 1º.), é também possível, ainda que excepcionalmente, o Mandado de Segurança preventivo; neste sentido, veja-se esta decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“MS 1.0000.06.445739-3/000(1) – 1ª TURMA – REL. DES. MÁRCIA MILANEZ - EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. JUSTO RECEIO NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA. O mandado de segurança é remédio de natureza constitucional destinado a proteger direito líquido e certo, contra ato ilegal ou abusivo de poder, emanado de autoridade pública. É possível o manejo do mandado de segurança preventivo contra ato ainda inexistente, mas presumido, desde que comprovada a ameaça objetiva e real, decorrente de existência de comando legal. Não basta o simples risco de lesão a direito líquido e certo, baseado apenas no julgamento subjetivo do Impetrante; impõe-se que a ameaça a tal direito se caracterize por ato concreto da autoridade impetrada, que virá a atingir o patrimônio jurídico da parte. O 'justo receio' a que alude o artigo 1º. da Lei nº. 1.533/51, para justificar a segurança, há de revestir-se dos atributos da objetividade e da atualidade. Naquela, a ameaça deve ser traduzida por fatos e atos, e não por meras suposições, e nesta é preciso que exista no momento, não bastando tenha existido em outros tempos e desaparecido."

Portanto, “não basta a invocação genérica de uma remota possibilidade de ofensa a direito para a concessão de segurança preventiva; exige-se a prova da existência de atos ou situações atuais que evidenciem a ameaça remida." (STF, RE 92.562, Relator o Ministro Cordeiro Guerra, DJ 1º.07.1980, p. 4.949).

No mesmo sentido:

“MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO - GRAVE AMEAÇA - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. Em mandado de segurança preventivo, o receio do impetrante de ter seu pretenso direito ameaçado deve vir sustentado em algum ato de ameaça real a direito seu, a constituir elemento objetivo, autorizador da impetração, sob pena de indeferimento da inicial." (TJMG, Reexame necessário nº 1.0040.99.002806-6/001, Rel. Des. Moreira Diniz, 4ª Câmara Cível, publicado em 01.06.2004).

Sobre o conceito de justo receio, veja-se a lição de Celso Agrícola Barbi:

“O que deve importar não é o receio do autor, que varia conforme a sensibilidade. A nosso ver, o que deve ser qualificado não é o receio, mas a ameaça, que é o elemento objetivo. Aquele é apenas o reflexo subjetivo desta, e não o elemento para sua definição."16

Para Theotonio Negrão "o justo receio a que alude o artigo 1º., da Lei nº. 1.533/51 (já revogada), para justificar a segurança, há de revestir-se dos atributos da objetividade e da atualidade. Naquela, a ameaça deve ser traduzida por fatos e atos, e não por meras suposições, e nesta é preciso que exista no momento, não bastando tenha existido em outros tempos e desaparecido."17

V - COMPETÊNCIA E RECURSOS

A competência para julgar o Mandado de Segurança vem estabelecida na Constituição Federal, levando-se em conta duas circunstâncias, quais sejam: a qualificação da autoridade coatora – federal ou estadual – e a hierarquia. Uma observação importante que se faz é a seguinte: discute-se quem é o órgão competente para conhecer o Mandado de Segurança contra ato de Juiz do Juizado Especial Criminal – se seria a Turma Recursal ou o Tribunal de Justiça. Sempre entendi que não era a Turma Recursal, pois esta julga recursos (e Mandado de Segurança não é recurso). Neste sentido, a lei estadual nº. 7.033/97, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Juizados Especiais Cíveis, no art. 14, estabelece que será do Tribunal de Justiça a competência para o habeas corpus e o Mandado de Segurança quando o autor for Juiz do Juizado Especial Criminal.

E quando a autoridade coatora for a Turma Recursal? O Mandado de Segurança deve ser impetrado perante qual órgão? Com relação ao habeas corpus, a Súmula 690 do Supremo Tribunal Federal estabelece que “Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de Turma Recursal de Juizados Especiais Criminais”. Portanto, o Supremo já sumulou que, quando a autoridade coatora for a Turma Recursal, o habeas corpus deve ser dirigido a ele.18


Em relação ao Mandado de Segurança, o Supremo Tribunal Federal também já entendeu que contra ato da Turma Recursal a competência é do respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal.19

Com relação ao recurso da decisão que denega a ordem de Mandado de Segurança nos tribunais, cabe o recurso ordinário constitucional para o Superior Tribunal de Justiça ou para o Supremo Tribunal Federal, conforme o caso, no prazo de 15 dias. Nos demais casos, poderá caber o recurso especial ou o extraordinário (art. 18).

VI - CASOS EM QUE FOI ADMITIDO O MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA CRIMINAL OU À GUISA DE CONCLUSÃO

Normalmente, em qualquer ataque ao direito do réu, a via correta será o habeas corpus. Portanto, o Mandado de Segurança é mais utilizado pela acusação do que pela defesa, pois esta certamente terá um remédio mais apropriado (até porque o mandado de segurança é admitido por exclusão).

Assim, já se admitiu Mandado de Segurança para o advogado obter vista dos autos fora do cartório; para o advogado ser admitido como assistente de acusação; contra apreensão de objetos para instruir a ação penal nos crimes contra a propriedade material; para obter efeito suspensivo ao recurso de agravo em execução e ao recurso em sentido estrito; para atribuir efeito suspensivo a recurso contra a liberdade provisória concedida a condenado por tráfico de entorpecentes; para se obter a restituição de coisas apreendidas; contra a decisão que denegou a produção antecipada de prova material considerada urgente, na forma do art. 366 do Código de Processo Penal; e para assegurar a permanência de presidiária com filho lactante, na forma do art. 5º., L, da CF/88.

Para ilustrar, vejamos a jurisprudência:

“Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – 7ª. TURMA – Mandado de Segurança nº. 2006.07800279 – RELATOR: DES. GERALDO PRADO - EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO PENAL. CABIMENTO. ARTIGO 195 E 196 DA LEI 7.210/84. OMISSÃO DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. DIREITO À DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL. O mandado de segurança consiste em ação constitucional por meio a qual se postula a prática de determinado comportamento, comissivo ou omissivo, pela autoridade apontada como coatora, com o propósito de fazer cessar a ilegalidade perpetrada, sendo perfeitamente cabível em matéria criminal, conforme entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no enunciado 267 de sua Súmula. Procedimento judicial aforado em agosto de 2004 com base no artigo 195 da Lei de Execuções Penais. Ausência de pronunciamento judicial acerca das seguidas questões:a) ao seu direito a receber visitas na unidade prisional em que se encontra custodiado, notadamente de seus sobrinhos e amigos; b) ao direito de seus parentes e amigos serem recadastrados, expedindo-se as respectivas carteiras de visitantes; c) ao direito de o impetrante utilizar as vestimentas e calçados que lhe for possível; d) ao direito de manter contato com o mundo exterior ao presídio, através de jornais e revistas; e) a inviolabilidade de suas correspondências; f) expedição de ofício ao Ministério Público para apuração do crime de abuso de autoridade pela violação do sigilo de correspondência. Matéria não afeta à liberdade de locomoção, mas sim à manifesta ilegalidade perpetrada pela autoridade apontada como coatora que, embora provocada, quedou-se inerte sem motivo justificável. Direito à decisão em prazo razoável (artigos 5º, inciso LXXVIII, e 93, inciso IX, da Constituição da República). Fixação de prazo para que a autoridade apontada como coatora aprecie procedimento judicial aforado pela Defesa. Aplicação do artigo 196 da Lei de Execuções Penais. ORDEM CONCEDIDA.”

Vejamos este trecho do voto:

“(...) Com efeito, respeitada a competência constitucionalmente estabelecida, o reconhecimento daqueles direitos invocados pelo impetrante devem ser apreciados no juízo da execução, em razão da necessidade de demonstração da satisfação dos requisitos legais. Por este motivo, a rigor, se torna impossível seu exame em sede de mandado de segurança, sem que tenha havido tal apreciação, sob pena de supressão de instância, com evidente afronta ao duplo grau de jurisdição. Examinar a questão pela via do mandado de segurança é o mesmo que suprimir garantias processuais, que valem para as partes do processo de execução. Isto porque, repito, não há decisão do juiz natural, o que torna o mandado de segurança, por enquanto, meio inidôneo para o exame da matéria. Assim, a matéria é imprópria para ser analisada pela estreita via do mandado de segurança, sob pena de supressão de instância e grave violação das garantias constitucionais do artigo 5º, da Constituição da República, não sendo cabível ordenar a emissão de decisão.Convém consignar, contudo, o cabimento do mandado de segurança nos limites do pretendido pela impetração. O mandado de segurança consiste em ação constitucional por meio da qual se postula a prática de determinado comportamento, comissivo ou omissivo, pela autoridade apontada como coatora, com o propósito de fazer cessar a ilegalidade perpetrada, sendo perfeitamente cabível em matéria criminal, conforme entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no enunciado 267 de sua Súmula.Na hipótese o impetrante postula a procedência do pedido para que seja determinado que o juiz da Vara de Execuções Penais aprecie pedido formulado em agosto de 2004, consistente na declaração quanto a) ao direito do impetrante receber visitas na unidade prisional em que se encontra custodiado, notadamente de seus sobrinhos e amigos; b) ao direito de seus parentes e amigos serem recadastrados, expedindo-se as respectivas carteiras de visitantes; c) ao direito de o impetrante utilizar as vestimentas e calçados que lhe for possível; d) ao direito de manter contato com o mundo exterior ao presídio, através de jornais e revistas; e) a inviolabilidade de suas correspondências; f) expedição de oficio ao Ministério Público para apuração do crime de abuso de autoridade pela violação do sigilo de correspondência.Trata-se, portanto, de matéria não afeta à liberdade de locomoção do impetrante, mas sim de manifesta ilegalidade perpetrada pela autoridade apontada como coatora que, embora provocada, quedou-se inerte sem motivo justificável. Ora, o impetrante tem direito à decisão em prazo razoável (artigos 5º, inciso LXXVIII, e 93, inciso IX, da Constituição da República) e, nesse sentido, não há como se considerara justificado o tempo decorrido desde a interposição daquele procedimento judicial, em dezembro de 2004, pois que a autoridade apontada como coatora não indicou qualquer motivo conveniente para a demora.É certo que o impetrante formulou uma série de pedidos no procedimento judicial por ele instaurado a exigir do magistrado e do Ministério Público zelo na apreciação de tais requerimentos. Esta exigência, contudo é, por certo, dirigida à própria Administração, nunca ao impetrante, pois estes não têm poderes para providenciar os documentos e informações requeridas, e como tal não pode justificar violação a garantia constitucional a razoável duração do processo, expressamente prevista no artigo 5º inciso LXXVIII, da Constituição da República, introduzida pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004.E se assim pretende o magistrado “cumpre ao Estado prover o órgão judiciário e estruturar eficientemente sua organização judiciária para que o processo possa se desenvolver sem retardos indevidos” e não, ao revés, impor ao apenado o ônus do mau aparelhamento do Estado, notadamente quando a causa que motiva a demora não é sequer, imposta legalmente (Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Ed. Lúmen Júris, Rio de Janeiro: 2006, pág.69).Nas informações, a autoridade coatora reconhece, ainda que implicitamente, que não houve a apreciação do requerimento formulado pela Defesa em 17 de agosto de 2004. Aduz que após a instauração do procedimento judicial em 06 de junho de 2005, manifestou-se o Ministério Público, tendo sido expedido ofício ao Diretor da Penitenciária Laércio da Costa Pelegrino em 06 de julho de 2005. Ato contínuo, a autoridade apontada como coatora relata diversos incidentes ocorridos na execução da pena do impetrante, notadamente a existência de processo disciplinar que resultou na aplicação de penalidade ao impetrante, impetração de habeas corpus e propositura de outro procedimento judicial, sem contudo apontar qualquer justificativa razoável para não apreciação do procedimento instaurado, perpetrando-se a ilegalidade. Assim, não há dúvida de que nestas circunstâncias foi violado o direito da parte à solução de sua demanda – ou ao exame de sua pretensão – em prazo razoável, configurando-se verdadeira ilegalidade, sanável pela via do mandado de segurança.”

“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - A inércia da autoridade coatora em apreciar recurso administrativo regularmente apresentado, sem justificativa razoável, configura omissão impugnável pela via do mandado de segurança. Ordem parcialmente concedida, para que seja fixado o prazo de 30 dias para a apreciação do recurso administrativo.” (Mandado de Segurança nº. 24167/RJ - Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA - Julgamento: 05/10/2006 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

“SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - EMENTA: Recurso ordinário em mandado de segurança . - Enquanto há omissão continuada da Administração Pública, não corre o prazo de decadência para a impetração do mandado de segurança, sendo certo, porém, que essa omissão cessa no momento em que há situação jurídica de que decorre inequivocamente a recusa, por parte da Administração Pública, do pretendido direito, fluindo a partir daí o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a impetração da segurança contra essa recusa. - Em se tratando de concurso público, a abertura de novo concurso pela Administração Pública traduz situação jurídica de evidente recusa de aproveitamento dos candidatos do concurso anterior, pondo termo, assim, à omissão continuada pela falta desse aproveitamento, começando a correr o prazo de decadência para a impetração da segurança. - Ocorrência, no caso, da decadência. Recurso ordinário a que se nega provimento.” (RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA nº. 23987/DF - Relator: Min. MOREIRA ALVES - Julgamento: 25/03/2003 - Órgão Julgador: Primeira Turma).

“PROCESSO PENAL - Mandado de segurança - Restituição de coisas apreendidas – Existência de recurso específico - Extinção sem julgamento do mérito. O cabimento do mandado de segurança contra ato judicial, a teor do art. 5º, II, da Lei nº 1.533/51 e da Súmula nº 267 do STF, condiciona-se à inexistência de recurso específico apto a modificá-lo. A utilização da via mandamental, assim, não se apresenta admissível contra a decisão que, no curso de procedimento criminal diverso, decreta a apreensão de bens, porquanto contra tal determinação há recurso próprio na legislação pátria, qual seja, o pedido de restituição de coisas apreendidas (CPP, arts. 118 a 124), sujeitando-se o decisum que o aprecia ao reexame por meio de recurso de apelação, consoante remansosa jurisprudência. Tão-somente nas hipóteses de ato judicial abusivo ou teratológico, ou, então, se houver a possibilidade de dano irreparável decorrente do mesmo, tem-se aceitado o manejo do mandamus.” (TRF - 4ª Região - 8ª T.; MS nº 2005.04.01.002277-4-RS; Rel. Des. Federal Afonso Brum Vaz; j. 4/5/2005; v.u.)

Contra a utilização do Mandado de Segurança para dar efeito suspensivo ao Recurso em Sentido Estrito:

“Não é admissível o uso do mandado de segurança com o fito de atribuir efeito suspensivo a recurso em sentido estrito interposto pela acusação contra decisão que concede a liberdade ao réu. A via mandamental não se presta a emprestar efeito suspensivo a recurso que não o tem, qual seja, o recurso em sentido estrito interposto contra decisão que relaxa a prisão em flagrante, nos termos do artigo 581, inciso V, e 584, do Código de Processo Penal. Seria um contra-senso utilizar-se da ação mandamental, que tem status constitucional, inserindo-se dentro dos direitos e garantias fundamentais, como tutela contra ilegalidade ou abuso de poder por parte de autoridade pública, para conferir efeito não previsto em lei a recurso do próprio órgão do Estado, com o objetivo de restringir a liberdade do cidadão” (TRF 3ª R – 1ª S. – MS 2008.03.00.010635-2 – rel. Márcio Mesquita – j. 07.08.2008 – DJU 03.09.2008).

NOTAS E REFERÊNCIAS

1 Este texto é uma transcrição de palestra proferida no I Encontro Baiano de Professores de Ciências Penais, na Universidade Federal da Bahia - UFBA, realizado no dia 06 de novembro de 2004, em Salvador/BA, evento promovido pela Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais – ABPCP. Fizemos, evidentemente, as devidas correções em face da Lei nº. 12.016/2009.

2 A expressão deve-se ao baiano João Mangabeira, que foi quem deu o nomen juris “Mandado de Segurança”.

3 Entendia-se, desde 1934, que o Mandado de Segurança era um dispositivo auto-aplicável, até porque o processo (como diz a própria Constituição) era o mesmo do habeas corpus. De toda maneira, editou-se a Lei 191/36 que deu contornos mais concretos ao respectivo procedimento.

4 “TJ-MG MS 1.0000.06.442442-7/000 - Relator: GUDESTEU BIBER - Data do acordão: 24/10/2006 - Data da publicação: 31/10/2006 - O mandado de segurança não é remédio para todos os males, razão por que existem hipóteses em que a ação não é cabível. Outra situação é a dos atos judiciais. Consta na lei descaber o mandado de segurança contra despacho ou decisão judicial, quando houver recurso previsto nas leis processuais idôneo para discuti-los" - Inteligência da Súmula nº 267 do STF, c/c o art. 5º, II, da Lei 1.533/51 - "A conciliação dos interesses da investigação e do direito à informação do investigado nasce de outras vertentes. A primeira é a clara distinção, no curso do inquérito policial, daquilo que seja a documentação de diligências investigatórias já concluídas - que há de incorporar-se aos autos, abertos ao acesso do advogado - e a relativa a diligências ainda em curso, de cuja decretação ou vicissitudes de execução nada obriga a deixar documentação imediata nos autos do inquérito" - Ordem parcialmente concedida, com recomendação.” VOTO: (...) “ De sabença geral que o mandado de segurança é ação constitucional de rito especial, célere, de caráter cível, que tutela, residualmente, direito líquido e certo, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, sendo certo que a impetração contra ato judicial somente se mostra cabível quando for manifesta a ilegalidade ou abuso de poder, que atinge direito líquido e certo aferível, de imediato, e, ainda, diante da irreparabilidade do dano pelos meios processuais comuns. É o que dispõe o inciso II do artigo 5º da Lei nº 1.533/51, que diz: "Não se dará mandado de segurança quando se tratar de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição". Entendimento este, inclusive, já sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, no verbete nº 267: "Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição". Outra não tem sido a interpretação do Colendo Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. INDEFERIMENTO. DECISÃO JUDICIAL DE NATUREZA DEFINITIVA. UTILIZAÇÃO DO 'WRIT' COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO PREVISTO EM LEI. IMPOSSIBILIDADE. A decisão judicial que resolve questão incidental de restituição de coisa apreendida tem natureza definitiva (decisão definitiva em sentido estrito ou terminativa de mérito), sujeitando-se, assim, ao reexame da matéria por meio de recurso de apelação, nos termos do art. 593, inciso II, do CPP. O mandado de segurança não é sucedâneo de recurso, portanto imprópria a sua impetração contra decisão judicial passível de recurso de apelação, consoante o disposto na Súmula n.º 267 do Supremo Tribunal Federal. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO." (STJ - ROMS n. 17993/SP - 2004/0032904-1 - Rel. Min. Paulo Medina - 6ª Turma - Julg. 26/05/2004 - Publ. "DJU" de 01/07/2004, p. 279). 1. A decisão judicial que resolve questão incidental de restituição de coisa apreendida tem natureza definitiva (decisão definitiva em sentido estrito ou terminativa de mérito), sujeitando-se, assim, ao reexame da matéria por meio de recurso de apelação, nos termos do art. 593, inc. II, do CPP. 2. O mandado de segurança não é sucedâneo de recurso, sendo imprópria a sua impetração contra decisão judicial passível de recurso de apelação, consoante o disposto na Súmula n.º 267 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes do STJ. 3. Não havendo situação excepcional para justificar a reforma da decisão, nega-se provimento ao recurso". (STJ - ROMS n. 14288/GO - 2001/0198191-5 - Relª. Minª. Laurita Vaz - 2ª Turma - Julg. 25/06/2002 - Publ. "DJU" de 26/08/2002, p. 188). E ainda: "CRIMINAL. RMS. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. RECURSO PRÓPRIO PARA A IMPUGNAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO ATACADA. NÃO-CABIMENTO DO 'MANDAMUS'. SÚMULAS 267 e 268/STF. RECURSO DESPROVIDO. É incabível o mandado de segurança, se o ato atacado é passível de recurso próprio e se a decisão atacada já transitou em julgado. Incidência das Súmulas 267 e 268, ambas do STF. Recurso desprovido". (STJ - ROMS 4515/RO - 1994/0018869-2 - Rel. M. Gilson Dipp - 5ª Turma - Julg. 02/05/2002 - Publ. "DJU" de 03/06/2002, p. 213). De acordo também com o magistério de José dos Santos Carvalho, em seu "Manual de Direito Administrativo": "O mandado de segurança não é remédio para todos os males, razão por que existem hipóteses em que a ação não é cabível. Outra situação é a dos atos judiciais. Consta na lei descaber o mandado de segurança contra despacho ou decisão judicial, quando houver recurso previsto nas leis processuais idôneo para discuti-los (art. 5º, II). A 'ratio legis' é clara: se o ato judicial pode ser discutido por recurso processual próprio, fica afastada a possibilidade de impugnação pelo 'mandamus', porque, a não ser assim, ou teríamos dois meios de ataque para o mesmo objetivo, ou o mandado de segurança estaria substituindo o recurso previsto na lei processual, o que refugiria à sua finalidade". (3ª ed., "Lumen Juris", 1999, pág. 661). Posto isto, é de se concluir que o impetrante utilizou-se da via imprópria para buscar a restituição dos bens remanescentes, vez que, por se tratar de decisão que pôs fim a um incidente instaurado, cabia-lhe a interposição de recurso de apelação, ex vi do artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal, e não a impetração do presente mandamus, como o fez.”

5 Há posições mais radicais, mais específicas, que advogam a possibilidade do mandado de segurança em relação a decisões judiciais que comportem recurso com efeito suspensivo. Como exemplo há o Professor Calmon de Passos, que em 1962, no I Congresso Internacional de Processo Civil, em São Paulo, defendeu a tese do cabimento do mandado de segurança contra ato jurisdicional ainda que em relação a essa decisão fosse cabível um recurso com efeito suspensivo.

6 O Supremo Tribunal Federal sumulou recentemente esse entendimento com o Enunciado 693: “Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”.

7 Não desconhecemos, muito pelo contrário, da polêmica questão que envolve tais condições da ação, muitas vezes verdadeiras questões de mérito.

8 Estamos tratando de Mandado de Segurança contra ato jurisdicional penal.

9 O direito líquido e certo é aquele comprovado de plano, ou seja, na ação de mandado de segurança não se permite dilação probatória, deve-se comprovar, de imediato, com a petição inicial (com a juntada de documentos), o direito líquido e certo.

10 Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, Malheiros Editores, 15ª edição, São Paulo, 1994, p. 25.

11 Do Mandado de Segurança e Institutos afins na Constituição de 1988; apud "Mandados de Segurança e Injunção". Coordenação: Sálvio de Figueiredo Teixeira; São Paulo, Saraiva, 1990, p. 81.

12 Recentemente o STF editou três enunciados que dizem respeito ao habeas corpus, afastando-o em algumas hipóteses exatamente pela sua inadequação àquele caso concreto:

693: “Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”;

694: “Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública”;

695:” Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade”.

13 A então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Gracie, indeferiu liminar requerida na Ação Cautelar (AC) 1525 contra relator do Superior Tribunal de Justiça, que negou liminar em mandado de segurança impetrado naquela corte. O autor pediu a segurança ao STJ para anular decisão de sua Corte Especial, que determinou seu afastamento do exercício de suas funções no Ministério Público Federal (MPF) no estado do Espírito Santo. O relator indeferiu a liminar e ele recorreu ao próprio STJ, que manteve o afastamento, levando-o a interpor recurso ordinário para o STF, distribuído ao Ministro Ricardo Lewandowski. Requereu ao Supremo a antecipação de liminar requerida no mandado de segurança, para suspender, até seu julgamento final, a eficácia da decisão que o afastou de suas funções. A Ministra Ellen Gracie considerou que o mandado de segurança, impetrado contra decisão da Corte Especial do STJ, foi utilizado como “sucedâneo recursal”, em desacordo, portanto, com a Súmula 267/STF [Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição] e com o artigo 5º, inciso II, da Lei nº 1.533/51 que dispõe: Não se dará mandado de segurança quando se tratar: II - de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correção. Ademais, ponderou a ministra, “não se demonstrou que, em natureza, a questão decidida é de exclusiva índole infraconstitucional, não bastando, como não basta, para tanto, a afirmação de que, no acórdão, não se discutiu qualquer questão constitucional”. Ante o exposto a presidente do STF indeferiu a liminar e determinou que os autos deste pedido sejam anexados aos da ação principal, recurso ordinário em mandado de segurança (RMS) 26.265. Fonte: STF.

14 “SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - ROMS nº 15.537/BA, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, publicado do DJ de 24/03/03. "

15 AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 397.708-2 – Tribunal de Justiça do Paraná - Rel.: Rosene Arão de Cristo Pereira/5ª. Câmara Cível.

16 Do Mandado de Segurança, Rio de Janeiro: Forense, 4ª edição, 1984, p. 108.

17 Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, São Paulo: Saraiva, 35ª. Ed., 2003, p. 1.667.

18 Porém, na sessão do dia 23 de agosto de 2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por oito votos a três, declinar da competência para julgar habeas corpus impetrado contra decisão de Turma Recursal. A decisão foi adotada no julgamento do Habeas Corpus nº. 86834, impetrado contra a Turma Recursal do Juizado Especial Criminal da Comarca de Araçatuba/SP. Neste julgamento, o Ministro Sepúlveda Pertence abriu a divergência na matéria ao considerar que as turmas recursais dos Juizados Especiais não se sujeitam à hierarquia funcional da Justiça, argumentando que, pelo fato de a turma recursal já se configurar de fato um duplo grau de jurisdição, não poderia estar subordinado aos respectivos Tribunais de Justiça: “As Turmas de recurso dos juizados especiais, com efeito, sob o prisma da hierarquia jurisdicional estão em aparente paradoxo em plano mais elevado que os tribunais de segundo grau da União e dos Estados na medida em que, a exemplo dos tribunais superiores, sujeitam-se imediata e exclusivamente a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, dada a competência deste, e só dele, de rever suas decisões mediante recurso extraordinário. De tudo resulta que também e apenas o Supremo Tribunal Federal detém competência para julgar o presente habeas corpus”. Na avaliação do Ministro Pertence, os juizados especiais fugiriam de seu propósito, isto é, dar agilidade ao processamento das causas, quando constitucionais, se este tivesse que se sujeitar aos Tribunais de alçada ou Tribunais de Justiça e, posteriormente, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. A divergência aberta foi acompanhada pela Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e pelo Ministro Celso de Mello. Mas os demais Ministros acompanharam o voto do relator, Ministro Marco Aurélio. Dessa forma, nos termos do voto do relator, a interpretação de que se deve seguir a hierarquia funcional dos tribunais e, por isso, o processamento de habeas corpus impetrado contra decisão de Turma Recursal nos Tribunais de Justiça foi vencedor. Veja este trecho do voto: “HABEAS CORPUS 86.834-7 SÃO PAULO - RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO - VOTO: A competência para julgar habeas corpus é definida em face dos envolvidos na impetração. O paciente quase sempre não detém prerrogativa de foro. Então, cumpre perquirir quanto à autoridade coatora. Consoante dispõe o artigo 96, inciso III, da Constituição Federal, aos tribunais de justiça cabe processar e julgar os juízes estaduais nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Então, imputado o ato de constrangimento a turma recursal de juizado especial criminal, incumbe ao tribunal de justiça examinar o habeas. Essa óptica é reforçada pelo fato de a competência originária e recursal do Supremo estar fixada na própria Carta, e aí não se tem preceito a versá-las que, interpretado e aplicado, conduza à conclusão sobre competir a esta Corte apreciar os habeas ajuizados contra atos de turmas recursais criminais, tratando-se de processo concernente a delito de menor potencial ofensivo.” Depois deste primeiro julgamento, o Ministro Gilmar Mendes aplicou, em três HCs que tramitavam na Corte, este mesmo entendimento sobre a incompetência do STF para analisar pedidos de habeas corpus contra atos de turmas ou colégios recursais de Juizados Especiais. Para o Ministro, não competeria mais ao STF processar e julgar as ações impetradas contra decisão de turmas recursais. As decisões foram tomadas pelo relator (monocraticamente) nos Habeas Corpus 87835, 89495 e 89460.

19 Durante a sessão plenária do dia 02 de março de 2007, os Ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram encaminhar para o tribunal competente um mandado de segurança impetrado erroneamente no STF. A decisão unânime foi tomada no julgamento do Agravo Regimental no Mandado de Segurança (MS) 26006. Na primeira decisão sobre o MS, o relator do caso, ministro Celso de Mello, apontou a falta de competência do STF para julgar um mandado contra ato do Tribunal Superior do Trabalho. “O STF não dispõe de competência originária para processar e julgar mandados de segurança impetrados contra qualquer tribunal judiciário”, afirmou em sua decisão. Ele também determinou o arquivamento do processo, apontando que não caberia ao relator encaminhá-lo ao órgão judiciário competente. No caso, o TST. O município de Guariba (SP), autor do MS, interpôs um Agravo Regimental solicitando que o relator reconsiderasse a parte da decisão que determinou o arquivamento do processo. Nesta sessão de hoje, Celso de Mello lembrou que há decisões recentes do Plenário do STF que permitiram o encaminhamento dos autos de mandado de segurança para o tribunal competente. Essa é uma jurisprudência nova, já que a orientação firmada pelo Plenário era a de que não cabia ao STF remeter ao juízo competente mandado impetrado erroneamente na Corte. “No entanto, por força do princípio da colegialidade, eu devo submeter-me a essa nova orientação que o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou”, finalizou. Outros dois Ministros que haviam votado com Celso de Mello pelo arquivamento do MS também mudaram de posição. “Alterei meu ponto de vista preocupado com a questão da decadência”, disse o Ministro Ricardo Lewandowski. Mas ele reconheceu que, “do ponto de vista prático”, há dificuldade para seguir a orientação. “São centenas de mandados de segurança que nós recebemos e temos de decidir quando o advogado não sabe a quem endereçar e endereça ao Supremo”, lembrou. Fonte: STF (02/03/2007).

quinta-feira, 26 de maio de 2011

TRIBUTOS PAGOS ENCERRAM AÇÃO PENAL POR DESCAMINHO

Ação penal por descaminho pode ser encerrada se o réu pagar os tributos correspondentes à operação antes do recebimento da denúncia. O entendiemnto e da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que atendeu pedido de Habeas Corpus do réu para trancar ação penal em trâmite na 7ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo.

O réu foi denunciado pela prática de descaminho, caracterizado por aquele que expõe à venda, mantém depósito, adquire e recebe em benefício próprio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira introduzida clandestinamente no país.

Ainda no curso do inquérito policial, a defesa alegou que o réu havia pago os débitos tributários. Isto porque, conforme os advogados, a Lei 9.249/95 é taxativa ao estabelecer em seu artigo 34, caput, a extinção da punibilidade da pessoa que promover o pagamento do tributo ou contribuição social antes do recebimento da denúncia.

O STJ, bem como o TRF-3, entenderam que apenas poderia ser extinta a punibilidade em relação aos crimes definidos na Lei 8.137/90 e na Lei 4.729/65, não podendo ser aplicada ao crime de descaminho e negou o pedido

RElator da matéria, o ministro Luiz Fux manteve a liminar concedida pelo ministro Eros Grau, relator anterior do caso e atualmente aposentado. “Eu entendo que assiste razão ao impetrante”, avaliou Luiz Fux. Para Fux, o artigo 34, da Lei 9.249/95, prevê a extinção da punibilidade dos crimes definidos na Lei 8.137/90 e na Lei 4.729/65, “quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessório, antes do recebimento da denúncia”.

O ministro considerou que o entendimento do TRF-3 e do STJ devem ser reformados. Ele explicou que, na época em que foi efetuado o pagamento, a causa de extinção da punibilidade prevista no artigo 2º, da Lei 4.729, não estava em vigor, por ter sido revogado pela Lei 6.910/80. “No entanto, com o advento da Lei 9.249/95, a causa extintiva da punibilidade foi novamente positivada e, tratando-se de norma penal mais favorável, impõe-se a sua aplicação na forma do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal”, salientou o relator. Com Informações da Assessoria de Imprensa do STF.

terça-feira, 24 de maio de 2011

LEI Nº 12.403/2011 - PRISÃO CAUTELAR FICOU MAIS BEM DISCIPLINADA

Por Silvio César Arouck Gemaque

A prisão cautelar sempre teve uma natureza processual, nos termos da Constituição Federal, da doutrina e consoante Tratados Internacionais dos quais o País faz parte. Ocorre que, tendo em vista situações em que, na prática, ocorria um desvirtuamento do instituto, em boa hora surgiu a Lei nº 12.403/2011, reafirmando o caráter instrumental do instituto e trazendo ao Juiz mecanismos alternativos às medidas cautelares, bem como a valorização do instituto da fiança.

A Lei nº 12.403/2011 trouxe algumas inovações no tocante às prisões cautelares, principalmente quanto à possibilidade de medidas alternativas.

No art. 282 tem-se, na realidade, a fixação de critérios gerais quanto ao cabimento das medidas cautelares em geral, que devem ser seguidos pelo Juiz para a admissão das mesmas.

Assim é que, o art. 282, incisos I e II, alude principalmente à presença de dois requisitos essenciais para a fixação das medidas cautelares, a saber: “necessidade” e “adequação”, o que nada mais é do que a proporcionalidade. Por necessidade, entende-se que só é possível o cabimento da medida quando a mesma for imprescindível para a situação fática delineada, bem como por “adequação”, a aplicação da medida específica para a situação concreta determinada, verificando-se as circunstâncias do fato para a escolha da medida perfeitamente aplicável à hipótese.

Na realidade, procura o legislador indicar ao Juiz os parâmetros gerais que devem guiá-lo na escolha da medida cautelar cabível. Por primeiro, deve decidir pela aplicação ou não da prisão cautelar propriamente dita. Não sendo cabível, eis que desnecessária ou inadequada na hipótese, escolher qual a medida alternativa cabível, desde que evidentemente esta também se faça necessária.

Por óbvio, que o legislador, ao criar meios alternativos de medidas cautelares, não o fez com o propósito de instaurar um novo sistema, em que as medidas cautelares sejam a regra, pois não seria isso razoável, face ao princípio de que a liberdade é a regra, a exceção é a prisão. Optou o legislador por conceder ao Juiz instrumentos alternativos à prisão cautelar propriamente dita.

O § 1º. do art. 282 prevê a aplicação isolada ou cumulativa das medidas cautelares, o que me parece razoável, desde que necessária, por exemplo, a soma das medidas e também, é claro, desde que o acúmulo das mesmas não leve a situações esdrúxulas, como a de se prender preventivamente e, ao mesmo tempo, se determinar a proibição de frequência em determinados lugares.

É claro também que qualquer decisão, pela aplicação isolada ou cumulativa de medidas cautelares, sempre deverá se basear em um critério de adequação às circunstâncias do caso concreto.

O § 3º. prevê, como regra, a intimação da parte para se manifestar sobre pedido de aplicação de medida cautelar, salvo as hipóteses de urgência ou de ineficácia da medida. Só vejo utilidade neste dispositivo para as situações de medidas alternativas, previstas no art. 319 do CPP, pois, à evidência, quando se estiver diante de um pedido de prisão temporária ou de prisão preventiva, não há que se falar em intimação do indiciado ou acusado para se manifestar, sob pena de esvaziamento da medida. Todavia, em algumas situações do art. 319, quando não houver esse perigo, poder-se-á falar em intimação para esse fim. Assim, me parece que, no plano prático, a regra criada pelo legislador, é, na realidade, excepcional.

O § 4º. prevê a ampla possibilidade de o Juiz sempre poder alterar a situação, seja para substituir a medida aplicada por outra, seja para revogá-la ou seja para aplicar outra em acréscimo.

O § 5º. trata da possibilidade de revogação da medida ou substituí-la, quando verificar a ausência dos motivos que a justificavam, voltar a decretá-la se sobrevierem as razões que a justificavam. Portanto, trata de mera complementação do disposto no § 4º, reafirmando-se o caráter precário da situação jurídica estabelecida em sede de processo cautelar.

O § 6º. confirma o que já seria lógico em decorrência do “caput”, mas não custa nada repetir, diante da teimosia de alguns que não entendem o caráter excepcional das medidas cautelares restritivas da liberdade de deambulação, que é a regra de que a “prisão preventiva só será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”.

O controle sobre a prisão em flagrante
Traz a lei importantes avanços em relação à prisão em flagrante, avanços esses que consolidam posição da doutrina sobre o tema e também da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal a respeito, que determina um controle mais rigoroso do Juiz quanto a este tipo de prisão.

Assim é que os arts. 306 e 310, do Código de Processo Penal, devem ser lidos conjuntamente. Trata, por exemplo, o primeiro, da imprescindível diligência de comunicar aos familiares do preso a prisão deste, como forma de garantir a inviolabilidade física e psíquica da pessoa presa. Salutar, sob esse prisma, a necessidade de comunicação à Defensoria Pública para a garantia de cumprimento de seus direitos constitucionais.

Menciona ainda a indispensável necessidade de se encaminhar, no prazo de 24 horas, o auto de prisão em flagrante.

Há a necessidade de comunicar a prisão ao Juiz, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. Vê-se, portanto, que o dispositivo menciona a necessidade de comunicação ao MP, pelo que inova e, a nosso ver, retira a necessidade de o Juiz, antes de decidir fundamentadamente sobre a regularidade da prisão, encaminhar os autos ao Promotor, na medida em que este já foi comunicado da prisão, podendo se manifestar acerca da mesma. É o que deflui do ar. 310, observando-se que, antes, a redação era diferente e exigia a manifestação prévia. Se quiser ouvir o MP, poderá fazê-lo, mas não há obrigatoriedade.

É necessário também que o preso seja informado de seu direito ao silêncio, previsto no art. 5º, LXIII, da CF, conforme inclusive preceitua o art. 289-A, § 4º., assim que efetivada a prisão, garantia esta que tem por escopo protegê-lo integralmente, não podendo ser comunicado deste direito apenas quando for ouvido, mas sim durante a efetivação da prisão (Silvio César Arouck Gemaque, Dignidade da Pessoa Humana e Prisão Cautelar, RCS, 2006, p. 123). Conforme já tivemos oportunidade dizer, quando do comentário ao art. 289-A, o disposto no § 4º deste dispositivo, reforça a necessidade dessa comunicação, com já decidiu a Suprema Corte dos Estados Unidos, no célebre caso Miranda x Arizona.

Já o art. 310 propriamente dito traz importantes avanços, em matéria de controle judicial sobre a prisão em flagrante, em que se consagra como regra geral a liberdade provisória e como exceção a manutenção da prisão em flagrante, pois além de o juiz poder conceder a liberdade provisória nas hipóteses em que não estiverem presentes as hipóteses do art. 23, I, II e III, do Código Penal, isto é, quando houver provas de que praticou o fato sob alguma excludente de antijuridicidade, deverá ainda observar se estão presentes os requisitos que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312), conforme preceitua o parágrafo único do art. 310, que foi acrescentado ao art. 310 com a Lei n. 6.416/77 e modificado pela Lei nº. 12.403/2011, para só nesta hipótese, isto é, se presentes os requisitos da prisão preventiva, não mais manter o indicado preso em flagrante, como era antes, mas, nos moldes do inciso II, “converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão”.

Forçoso, pois, concluir ser inadmissível mero despacho ordinário, nos termos do clássico “flagrante formalmente em ordem. aguarde-se a vinda dos autos principais”. Deve o juiz, ao contrário, atentar ao caráter excepcional da prisão em flagrante, controlando sempre a presença ou não dos requisitos da prisão preventiva. Resulta claro, ainda, que a prisão em flagrante, como decorrência, aliás, de sua natureza excepcional, só existe até a confirmação da autoridade judiciária, após o que passa a ser uma prisão preventiva, eis que convertida nessa, se presentes as hipóteses do art. 312.

Merece, portanto, aplausos a nova redação do art. 310, que assegura um controle efetivo do Juiz sobre a prisão em flagrante, evitando-se situações injustas, de pessoas mantidas indevidamente em flagrante.

Entendemos também desnecessário aguardar manifestação prévia das partes ou da polícia, quanto à eventual medida cautelar a ser aplicada. O art. 310, II, não menciona isto, tratando-se de norma especial ao disposto no art. 282, § 2º (norma geral). Além disso, na fase de convalidação ou não da prisão em flagrante, exerce o Juiz um controle imediato sobre a prisão em flagrante, prisão esta eminentemente excepcional.

A prisão preventiva com a nova lei
A prisão preventiva é talvez a mais importante prisão cautelar existente, até porque, como visto do art. 310, seus requisitos é que controlam a manutenção ou não da prisão em flagrante, servindo como parâmetro, à exceção da prisão temporária, às prisões cautelares em geral.

Até 1967, havia a prisão preventiva obrigatória e a facultativa. Atualmente, há apenas a facultativa. A obrigatória foi sempre combatida pela doutrina, até que abolida em 1967, conquanto as inúmeras iniciativas legislativas no sentido de vedar a concessão de liberdade provisória para uma série de crimes sejam, por via oblíqua, a admissão da prisão preventiva obrigatória.

A prisão preventiva pode ser decretada durante a investigação policial ou do processo penal, observando-se que na nova redação da lei não fala mais em “inquérito policial”, o que reforça a ideia de que não há necessidade de um inquérito policial formalmente instaurado para a prisão preventiva. Todavia, a lei menciona “investigação policial”, e não investigação por outros órgãos, tais como o MP, por exemplo, muito embora o art. 282, §2º., fale em “investigação criminal”, fato este que tem que ser levado em consideração, observando-se aí uma contradição na lei. Entende-se apenas que, uma vez decretada durante a investigação, deve também o Promotor, ao requerer o decreto da prisão, oferecer também a respectiva denúncia, até porque para o oferecimento da denúncia são necessários indícios suficientes de autoria e prova da materialidade requisitos esses que são também pressupostos para o decreto da prisão preventiva, a teor do art. 312 do CPP.

Pode também este tipo de prisão cautelar se decretada de ofício pelo Juiz, se durante o processo, o que modificou a redação anterior, que falava, de ofício, mas sem vincular ao processo, permitindo-se a prisão preventiva decretada, de ofício, pelo Juiz, quando nem ainda havia processo penal instaurado. Andou melhor a lei nova, a qual, ainda mantendo a prisão, de ofício, o faz apenas após a instauração da ação penal. Todavia, o mais comum é que a prisão seja decretada pelo Juiz, mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial. Os termos “requerimento” e “representação” diferenciam-se, uma vez que o requerimento é pedido formulado apenas pela parte no processo, neste caso, o MP, que detém legitimidade para fazer pedidos em geral e até recorrer. A autoridade policial, por seu turno, faz apenas representação, uma vez que não é parte no processo e não detém, portanto, legitimidade para recorrer. Daí o cabimento apenas de representação. Não há óbice a que o assistente de acusação requeira.

Pressupostos: prova da existência do crime e indícios de autoria ou probabilidade suficiente. Por serem os mesmos que sustentam o oferecimento de uma denúncia, é que se diz que, nos casos em que o Promotor pede a decretação da prisão preventiva, deve também oferecer a denúncia.

Requisitos ou circunstâncias que autorizam a medida: 312 do CPP: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica (lei n. 8.884/94); c) conveniência da instrução criminal e d) asseguração de eventual pena a ser imposta. Observe-se que a Lei nº. 12.403/2011, repetiu praticamente o dispositivo anterior, com a única novidade do parágrafo único, nada sendo alterado, portanto, quanto aos pressupostos e requisitos da prisão preventiva.

Para alguns, como Tourinho Filho, só se justifica a prisão preventiva para a conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal (Processo Penal, 2010, p. 552). Beccaria já anotava que “o acusado não deve ser encarcerado senão na medida em que for necessário para impedi-lo de fugir ou de ocultar as provas do crime” ( Dos Delitos e das penas, SP, Edipro, 2003, p. 58).

Garantia da ordem pública: ordem pública “é a situação ou o estado de legalidade normal em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto” (Vocabulário jurídico, RJ, Forense, v.3, p. 1101). Expressões vagas não são admissíveis para a comprovação de ofensa a ordem pública, tais como: “periculosidade do réu”, “crime perverso”, “insensibilidade moral”, “os espalhafatos da mídia”, “reiteradas divulgações pelo rádio, jornais ou televisão”. Cabe ao Juiz o controle dessas expressões vagas, sempre se pautando por uma análise concreta. Com efeito, Tornagui ensinava: “O juiz prepotente é uma calamidade: é um criminoso que tem numa das mãos a poderosa arma da prisão preventiva e na outra um “Bill” de indenidade. Para ele não há freios internos nem disposições de espírito; só a lei pode coartá-lo e contê-lo dentro dos limites da razão ou mandá-lo para o manicômio” (Manual de processo penal, RJ, Freitas Bastos, 1963, v. 1, p. 270, nota 12).

Assim, não podem ser admitidas expressões vagas, que denotem uma análise abstrata e genérica da medida, e sim uma análise concreta e circunstanciada da prisão preventiva sob este fundamento da manutenção da ordem pública. O juiz deve pautar sua fundamentação, utilizando-se de expressões que remetam ao caso concreto, que analisem o autor do fato e as circunstâncias subjetivas e objetivas que o rodeiam. A decisão não pode ser genérica, não bastando a mera alusão à letra da lei, não podendo basear-se em presunções, nem em preconceitos sociais ou de quaisquer espécie.

Neste sentido, é a sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Por falta de motivação idônea, a Turma deferiu ‘habeas corpus’ para revogar a prisão preventiva decretada contra pronunciado pela suposta prática de homicídio simples, a fim de determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso. No caso, a custódia fundamentara-se na necessidade de resguardo da ordem pública, em razão do alegado envolvimento do paciente em homicídios anteriores, bem como na gravidade das penas cominadas aos crimes a ele imputados, a indicar a impossibilidade de sua fuga do distrito da culpa. Inicialmente, salientou-se que ao mesmo tempo em que o tribunal estadual assentara inexistir embasamento para a prisão cautelar do paciente pelo seu suposto envolvimento em outros homicídios, utilizara-se de tais fatos para justificar a sua segregação em outra ação penal (...) Asseverou-se, no ponto, que a ameaça à ordem pública só pode ser aferida no contexto dos fatos. Ademais, considerou-se que o decreto impugnado não apontara circunstâncias concretas a justificar a adoção da excepcional prisão preventiva, valendo-se, da presunção de que, em liberdade, o paciente subtrair-se-ia à aplicação da lei penal, tendo em conta a pena prevista para o delito de homicídio” (HC 90936/RS, rel. Min. Carlos Britto, 3.8.2007, 1ª Turma), cf. Roberval Rocha Ferreira Filho (org), Principais Julgamentos do STF, Podivm, 2008, Salvador, p. 289.

A reiteração criminosa tem sido admitida pela jurisprudência como fundamento para a decretação da prisão preventiva por ofensa à ordem pública, ressurgindo, agora, bem fortalecida com a redação do art. 282, I , ao mencionar a “necessidade...e... para evitar a prática de infrações penais”.

Por conveniência da instrução criminal justifica-se quando necessária a prisão para garantir a produção das provas e o regular andamento do processo. Tem finalidades “endoprocessuais”. Vale frisar que a prisão, nesta hipótese, deve estar vinculada ao processo propriamente dito; assim, não havendo mais necessidade da prisão, uma vez que a testemunha que precisava ser ouvida e estava sendo ameaçada, por exemplo, já foi ouvida, não há mais sentido na manutenção da prisão e o réu precisa ser colocado em liberdade.

Para assegurar a aplicação da lei penal: ocorre quando o réu está tentando se evadir ou se desfazer de seus bens, sendo, portanto, necessária a prisão para garantir a efetividade da lei penal. Evidentemente que, para a configuração deste requisito, também se fazem presentes os mesmos argumentos apresentados quando se tratou do requisito da “ordem pública”, na medida em que não são admissíveis meros argumentos genéricos, mas sim concretos, não sendo possível, por exemplo, admitir-se a prisão sob esta modalidade, apenas por que o réu é rico e pode se evadir do País mais facilmente ou porque reside em região de fronteira ou próximo a um aeroporto. Tais presunções, como visto, não são aceitas e ferem, a rigor, o princípio da dignidade da pessoa humana, em seu núcleo essencial, além é claro do princípio da presunção de inocência.

Já entendeu, por exemplo, o STF que a decretação da prisão sob este fundamento não pode ser de molde a inviabilizar a vida profissional da pessoa: “(...)tendo em conta o fato de o paciente ser piloto comercial e a existência de tratado celebrado entre o Brasil e o Reino da Espanha, em que assentada a possibilidade de cumprimento de pena, formalizada tanto aqui quanto lá, no país do qual seja originário o condenado, julgou-se conveniente viabilizar a continuidade de sua vida profissional, porquanto a sua retenção no país implicaria verdadeira apenação, e eventual perda, inclusive, da própria fonte de sustento do paciente e de sua família. Assim, concluiu-se pela devolução do passaporte ao paciente, ante o disposto no Decreto 2.576/98, mediante o qual foi promulgado o aludido tratado sobre transferência de presos” (HC 91690/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 6.11.2007, 1ª Turma, in “Roberval Rocha Ferreira Filho (org), op. cit., p. 290.

Ordem econômica: é uma espécie do gênero ordem pública. Conforme Guilherme de Souza Nucci: “Nesse caso, visa-se, com a decretação da prisão preventiva, impedir que o agente, causador de seríssimo abalo à situação econômico-financeira de uma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permaneça em liberdade, demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área” (Código de Processo Penal Comentado, 9ª. edição, RT, SP, 2009, p. 586). A Lei n. 8.884/94, alterou a redação do art. 312 do CPP para trazer a possibilidade de prisão para “garantia da ordem econômica”. O mais correto seria a criação de sanções econômicas contra as empresas faltosas e não uma nova faceta de ordem pública. Há também a magnitude da lesão prevista na Lei n. 7.492/86.

A nosso ver, seria melhor retirar o critério “ordem pública” para a prisão preventiva, admitindo-a apenas nas para garantir a instrução e aplicação da lei penal e para evitar a reiteração criminosa, como acontece na maioria dos países civilizados e também consoante previsto no Estatuto de Roma para o Tribunal Penal Internacional.

Aliás, neste sentido, parece-nos melhor a redação anterior do anteprojeto, que previa o seguinte: “art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada quando verificados a existência de crime e indícios suficientes de autoria e ocorrerem fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença ou venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira consideradas grave, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa”. Seria a admissão da reiteração criminosa e para alguns tipos de crime.

O parágrafo único prevê a prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º.). É o cabimento da prisão preventiva como instrumento de cumprimento de outras medidas cautelares.

Já o art. 313 refere-se às hipóteses legais em que cabe a medida: a) crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; b) se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1040 – Código Penal; c) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; d) quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inc. I do art. 64 do CP; d) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher.

Andou bem o legislador ao estipular o patamar mínimo de 4 anos para admitir o cabimento de prisão preventiva, pois não era aceitável a admissão de uma prisão cautelar, quando, na hipótese de condenação definitiva, a pena não seria privativa de liberdade ou em patamar mínimo e suficiente para eventual substituição. É o que sempre defendemos, como juízo prognóstico para a decretação da medida (Dignidade da Pessoa Humana, op.cit., passim).

Andou bem também ao retirar a previsão para o réu vadio, o que era inconstitucional.

Entendemos que não poderá ser decretada a prisão preventiva, nos termos do inciso III, isto é, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência em razão de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da redação conferida pela Lei n. 11.340/2006, uma vez a pena definitiva cominada pelo legislador não é de molde a justificar a prisão preventiva. Apenas para casos mais graves, como tentativa de homicídio, por exemplo, estaria justificada a medida (Guilherme de Souza Nucci, op.cit., p. 638), observando-se, inclusive, que para a hipótese é perfeitamente cabível, se o crime tiver pena inferior a 4 anos, a aplicação das medidas previstas nos inciso II e III, do art. 319.

Em relação a isso, tivemos oportunidade de asseverar em tese de doutorado o seguinte: “Ao que parece, neste particular, a Lei foi mais além em seu afã pela eficiência do que poderia, sob a égide da Constituição Federal e da proporcionalidade, pois o simples descumprimento de uma medida protetiva, ainda que configure um desrespeito à decisão judicial e deva ser punido sob este aspecto, não deveria configurar sempre na possibilidade de prisão preventiva. O que se dirá das hipóteses em que a pena abstratamente cominada sequer permitir a restrição à liberdade em regime fechado. Assim, conforme pensa Guilherme de Souza Nucci, não pode permitir que o acusado fique mais tempo preso do que ficaria se condenado definitivamente[1]. Nada justifica essa desproporcionalidade e a Lei não pode ir além da Constituição, que prevê o princípio da presunção de inocência, da individualização da pena e o princípio do respeito à dignidade humana, em seu núcleo essencial[2]. Assim, o equilíbrio entre a eficiência e o garantismo, conforme visto, instrumento balizador do processo penal, deve ser aplicado para suavizar os contornos legais e melhor aplicá-lo diante dos sistemas normativos como um todo (Silvio César Arouck Gemaque, A necessária influência do Processo Penal internacional no Processo Penal brasileiro, Tese de Doutorado, USP, 2010, pág.119).

Também caberá a prisão preventiva na hipótese de acusado reincidente, desde que não tenha ainda escoado o prazo de 5 (cinco) anos previsto no art. 64, I, do CP.

Traz o parágrafo único a possibilidade de prisão preventiva para “esclarecer dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la”. Uma vez esclarecida a identidade, o preso deve ser logo colocado em liberdade.

Tal dispositivo é bastante similar à hipótese de prisão temporária, prevista no art. 1, II, da Lei nº 7.960/89. Todavia, esta se refere a prisão do indiciado para a investigação. Esta nova modalidade de prisão preventiva, que não é um pressuposto simples como os demais, mas sim uma nova modalidade de prisão, é pura e simplesmente, para esclarecer a identidade, seja a pessoa indiciada, seja acusada, prescindindo-se da necessidade de imprescindibilidade para a investigação. Isto é, a prisão da pessoa que não forneça elementos para sua identificação pode até ser totalmente desnecessária para a investigação, mas será feita simplesmente porque não há prova desta identificação pessoal. Seria uma espécie de uma cristalização da defesa da ordem pública.

Entendo ser inconstitucional a aplicação isolada deste dispositivo, por ofensa direta ao princípio da presunção de inocência e ao princípio da proporcionalidade, uma vez que ninguém pode ser preso preventiva apenas porque não tenha como comprovar sua identidade, sem que haja qualquer indício de prática de crime; trata-se, na realidade, de uma prisão para averiguações com chancela judicial.

Observe-se ainda que nenhum sistema processual civilizado preveja esse tipo de prisão, ressaltando-se que, mesmo países que admitem a prisão para averiguações sem ordem judicial, como a França e Inglaterra, por exemplo, o fazem por curto período e sempre com algum liame objetivo com determinado crime (Silvio César Arouck Gemaque, Dignidade da Pessoa Humana e Prisão Cautelar, RCS, passim).

A única interpretação capaz de salvar o dispositivo de risco de inconstitucionalidade é aquela que o aplique apenas nas hipóteses em que houver suspeita da prática de crime, deixando-se a aplicação do disposto no art. 1º, II, da Lei nº 7.960/89, que trata da prisão temporária, para as hipóteses em que houver imprescindibilidade para esclarecer determinada investigação. Seria aquela um minus em relação a esta.

Assim, prende-se pelo parágrafo único do art. 313, se houver suspeita, sem analisar a imprescindibilidade para a investigação, mas se essa estiver presente, pode-se prender temporariamente. É esta a melhor interpretação sistemática a ser feita, sob pena de trazer confusão ao sistema ou até a inconstitucionalidade da norma ora comentada.

A prisão domiciliar
No art. 317 trouxe a lei a previsão da chamada prisão domiciliar, indicando no 318 das hipóteses em que será admitida.

Tenho para mim que se trata de importante avanço da Lei nº. 12.403/2001, pois, muitas vezes, as condições do caso concreto, evidenciam a impossibilidade do cumprimento da medida cautelar no cárcere, devendo a lei oferecer alternativas ao Juiz para melhor aplicá-la. A previsão de prisão domiciliar já existia na Lei de Execução Penal (Lei nº. 7.210/84), bem como já era admitida pela jurisprudência, mas é bom que a lei deixe isso claro, principalmente diante de nossa cultura eminentemente positivista. As hipóteses para seu cabimento estão no art. 318, a saber: a) maior de oitenta anos; b) problemas graves de saúde; c) imprescindível para cuidar de menor de 6 (seis) anos e idade ou deficiente e d) gestante a partir do 7º mês de gravidez ou em caso de gravidez de risco. São as hipóteses de cabimento da prisão domiciliar, cuja clareza falam por si, exceção ao fato de que não se entende por que se estabeleceu o 7º mês apenas de gravidez para o cabimento, quando se sabe, que muito antes, já a partir do terceiro mês já se tem a formação do feto, sendo que a partir daí já se poderia garantir o implemento da medida para melhor salvaguarda psíquica do futuro ser humano.

As medidas alternativas à prisão preventiva
Encontram-se previstas no art. 319 do CPP. Trata-se de importante inovação da Lei nº. 12.403/2001, pois confere ao Juiz uma gama de alternativas para restringir direitos, deixando a prisão efetivamente como ultima ratio. Não poucas vezes, o Juiz se deparava com situações em que um minus poderia ser aplicado ao acusado em matéria de restrição a direitos, mas, tendo em vista a ausência de dispositivo legal, não restava alternativa senão a decretação da prisão preventiva. As situações concretas previstas nos diversos incisos do art. 319 são auto-explicativas. Observe-se que inúmeras situações encontram-se previstas no dispositivo, a saber: determinação de um distanciamento entre acusado e vítima, para afastar o acusado de função pública, desde que haja justo receito de reiteração criminosa, para que não se ausente da comarca, internação provisória do acusado inimputável ou semi-imputável, monitoramento eletrônico etc.

Tais medidas poderão ser aplicadas isoladamente ou cumulativamente, mas sempre alternativamente à prisão preventiva.

Uma consequência é a ampliação da fiança, que sai fortalecida, não havendo mais limitação quantitativa para seu cabimento, observando-se que os dispositivos que a limitavam em patamares numéricos foram revogados, como se vê dos arts. 321 e 323.

Outro aspecto que comprova isto é a ampliação do poder do Delegado de Polícia para a concessão da fiança, pois o art. 322 prevê a possibilidade de concessão pelo Delegado em infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Além disso, as hipóteses em que não será concedida fiança encontram-se limitadas por tipos de crime, como se vê do art. 323 (crimes de racismo, crimes de tortura tráfico, etc.).

A fiança tem por escopo assegurar o “comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial”.

O fortalecimento da fiança
Sem dúvida alguma a fiança resulta fortalecida no novo sistema, considerando-se que qualquer crime, em tese, é passível de fiança, exceção àqueles inafiançáveis previstos no 323.

A regra, a partir do que estabelece esse dispositivo, que fala em “ausentes os requisitos...”, em matéria de liberdade durante o processo, é a seguinte: a) se presentes os requisitos para prisão preventiva, não se aplica medida alternativa, nem fiança, prende-se apenas; b) se ausentes os requisitos para a prisão preventiva, aplica-se a fiança nas hipóteses em que se admite, para “assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial”, podendo ser cumulada com outras medidas alternativas; c) não se aplica a fiança, mas sim uma das medidas alternativas; d) fica o indicado ou acusado em liberdade provisória sem fiança e sem medidas alternativas, se não couber a primeira, por faltar condição econômica à pessoa ou por que está solto desde o início das investigações não havendo necessidade de nenhuma custódia cautelar.

Entendemos que em todas as hipóteses de um processo penal instaurado, há sempre um gravame ou restrição à liberdade individual de alguém e, se eventual acusado está em liberdade, isto ocorre sempre em caráter provisório pelo menos até o julgamento definitivo.

Frise-se que o art. 321 fala em “ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder a liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código” (grifo nosso).

Em suma, não se pode admitir que, a partir de agora, qualquer crime tenha sempre uma medida alternativa. O quê mudou efetivamente é a ampliação do cabimento das hipóteses de liberdade provisória com fiança e também a admissão de critérios alternativos para o cumprimento da prisão cautelar, desde que ausentes os critérios para a prisão preventiva, no caso de prisão em flagrante, em que o juiz entenda pela inocorrência dos requisitos da prisão preventiva. Esta é a única leitura possível deste dispositivo, tendo em vista o disposto no art. 282, § 6º e da parte final do presente dispositivo sob comento, que manda aplicar, no que for aplicável, o art. 282. Portanto o disposto no art. 321 deve ser analisado quanto ao momento processual ao qual ele se refere, isto é, o momento da prisão em flagrante e o controle que se faz para a concessão ou não da liberdade provisória.

Diz o art. 322 que a autoridade policial poderá conceder fiança a infrações cuja pena privativa de liberdade não seja superior a 4 anos. Em boa hora essa redação que valoriza a atuação da autoridade policial e deixa claro o cabimento da fiança para todas as infrações penais, exceção àquelas previstas no art. 323.

Nestas hipóteses, de crimes inafiançáveis, em que o legislador, de antemão, estipula a gravidade dos mesmos, não caberá fiança, mas, embora haja quase sempre o decreto de prisão preventiva, podem ocorrer situações em que isso não ocorra, ou seja, ficará o acusado livre independentemente de fiança e em situação mais favorável do que acusados por crimes considerados menos graves, eis que afiançáveis.

Nas situações previstas no art. 324, de quebramento de fiança anterior, da prisão do devedor de alimentos, preso militar e se presentes os requisitos que autorizam a preventiva, não se concederá fiança.

O art. 325 trata dos valores da fiança, em que há um reforço considerável nos recursos arrecadados, valorizando a respeitabilidade das funções policiais e judiciárias, pois o depósito dos valores será mais uma garantia de obediência aos deveres processuais por parte dos acusados, devendo os juízes exercer este poder que a lei concede, tendo em vista o respeito a uma conduta mais ética no processo.

Ressalte-se que o critério para a estipulação dos valores deverá levar em consideração a condição econômica dos acusados ou indiciados e também as circunstâncias do caso concreto.

O art. 336 traz importante norma quanto, pois indica que a fiança deverá ressarcir também o dano causado, pois além das garantias mencionadas quanto ao dever de comparecimento ao processo e demais previstas no inciso VIII do art. 319, servirá também para cobrir as custas, indenização do dano, prestação pecuniária e multa, em caso de condenação. É de se observar que, como os valores foram muito ampliados, podendo chegar, à vista da condição econômica do acusado, a valores milionários; é importante tal dispositivo como forma de atender às despesas do processo e indenização às vítimas do crime. O parágrafo único não se refere apenas ao “caput” do art. 110, o que permite concluir que também se aplica às hipóteses de prescrição da pretensão punitiva pela pena aplicada, com trânsito para o MP, isto é, a prescrição retroativa. Entendemos que não há ofensa ao princípio da presunção de inocência, na medida em que este não é absoluto e também porque a sentença que extingue a punibilidade pela prescrição não tem cunho absolutório, podendo implicar em algum gravame para o acusado, considerando-se, inclusive, conforme visto as finalidades indenizatórias destinada à fiança.

A aplicação da Lei no tempo
Dispõe o art. 3º, da Lei nº. 12.403/2001: “Esta Lei entre em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação oficial”. Na medida em que se está diante de normas que afetam o direito de liberdade, seja em situações, em sua maioria mais benéficas, seja também em situações mais gravosas, alguns poderiam imaginar a não aplicação imediata da lei, vencido o prazo da vacatio, mas não é isso que entende a maior parte da doutrina, na medida em que são normas processuais:

“É evidente, também, que uma nova lei processual penal pode acarretar maiores gravames para o autor do delito se, por exemplo, restringe o direito à liberdade provisória, exclui um recurso, aumenta as hipóteses de prisão preventiva, diminui os meios de defesa, etc. Mesmo assim, aplica-se o princípio do efeito imediato previsto no artigo 2º. do CPP, que não contraria, como já visto, as normas constitucionais” (Mirabete, Processo Penal, Atlas, SP, 2002, p. 57);

Neste mesmo sentido, José Frederico Marques:

“A fiança e a prisão preventiva,a lei nova é que as regula, pois não passam de medidas cautelares de coação processual. Se a lei de processo considerava afiançável o crime, na época em que foi cometido, mas em inafiançável o tornou a lei nova, esta é que vigorará; todavia, se a fiança já foi prestada, o ato permanece válido, produzindo assim todas as suas consequências. Sobre a prisão preventiva, diz MASSARI que, se ‘a lei nova introduz disciplina mais rigorosa no tocante a, o instituto, os dispositivos legais posteriores são aplicáveis também aos crimes cometidos precedentemente; por consequência, se a lei anterior não autorizava a expedição de mandado de prisão, ou o considerava facultativo em lugar de obrigatório, não pode o réu invocar essa liberalidade da lei do tempo em que o crime foi cometido, devendo, ao contrário, vigorar os preceitos novos, embora mais rigorosos” (Jose Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Bookseller, Campinas, 1998, p. 62).

Enfim, são essas as principais características da lei, outras poderiam ser citadas também, mas preferimos nos ater aos aspectos mais importantes. Entendemos que o instituto da prisão cautelar fica mais bem disciplinado com o novo regime, atendendo-se melhor ao equilíbrio entre o binômio eficiência e garantismo e às características da prisão cautelar como fenômeno essencialmente processual e a este diretamente relacionado, amoldando-se ainda o País ao que de mais moderno existe no mundo em matéria de prisão cautelar. Saliente-se ainda que eventuais percalços materiais não devam ser de molde a evitar a plena aplicação da lei.

Além disso, não há na lei um incentivo à impunidade, na medida em que esta foge ao âmbito meramente jurídico do tema, configurando-se, muito mais, por razões sociais e estranhas ao processo e que o utilizam meramente como instrumento.

Com efeito, é uma lei moderna que, em muitos aspectos assimilou entendimentos já consolidados na melhor doutrina e jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, bem como do direito comparado, além do que servirá aos juízes como um leque de opções para melhor fazer frente à situações de cautelaridade que se apresentem no processo.


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[1] NUCCI, G. de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: RT, 2006, p. 877.

[2] GEMAQUE, S. C. A. Prisão cautelar e dignidade da pessoa humana. RCS, 2006, passim.