FAMÍLIA: ambiente de proteção ou de risco?
(Por Angela Maria Moraes Salazar*)
Tenho como ponto de partida os últimos fatos que vêm tomando espaços na mídia nacional envolvendo crianças e adolescentes vítimas de violência em suas diversas facetas: física, psicológica, sexual e negligências.
(Por Angela Maria Moraes Salazar*)
Tenho como ponto de partida os últimos fatos que vêm tomando espaços na mídia nacional envolvendo crianças e adolescentes vítimas de violência em suas diversas facetas: física, psicológica, sexual e negligências.
Com efeito, a prática de violências contra crianças e adolescentes é um fenômeno complexo, que ocorre em diversos países, permeando todas as classes sociais. Entretanto, essa prática vem acontecendo de forma crescente e habitual em países que passam por uma transição econômica.
No Brasil não tem sido diferente. Basta acompanhar a mídia para se perceber a prática e as situações de violências a que são submetidos nossos infantes nas ruas, escolas, e o mais grave ainda, no próprio ambiente familiar, cujos autores, na maioria dos casos são os próprios pais biológicos. Esse quadro, ao nosso sentir, revela uma realidade marcada pela desigualdade absoluta das classes sociais e econômicas do país.
Então, é o momento de perguntarmo-nos: o que está acontecendo com as nossas famílias? O que leva os pais ou responsáveis a praticarem violências nas suas mais variadas formas contra os seus infanto-adolescentes?
Penso que a resposta não é tão simples de ser dada. Contudo, podemos pontuar alguns fatores concorrentes, como o estresse provocado pela situação econômica do indivíduo, desemprego, desajuste familiar, consumo abusivo de drogas ilícitas e licítas, a repetição da história de abusos vivenciadas na infância etc.
Como Juíza titular de Vara especializada em crimes contra crianças e adolescentes, constato assombrada que a prática de violência contra a população infanto-juvenil vem crescendo de modo quase incontrolável no Município de São Luís, com destaque para a exploração sexual e abusos sexuais, cujas práticas acontecem, na sua maioria, no âmbito familiar, envolvendo pais biológicos, adotivos e parentes. É inconteste que possuímos uma legislação menorista altamente moderna e garantista, em plena harmonia com os tratados internacionais, inclusive com a Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pelas Nações Unidas em 1989, reconhecendo em seu preâmbulo: “ que para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, a criança deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão.”
Não é só. Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 8.069/90 - o Estatuto da Criança e do Adolescente, passou a vigorar no Brasil a Doutrina da Proteção Integral destinada indistintamente a todas as crianças e adolescentes, atribuindo-se à família, em primeiro lugar, à comunidade e à sociedade em geral e ao Estado o dever de assegurar, com prioridade absoluta, os seus direitos fundamentais, incluindo, entre eles, o direito à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Embora se tenha, via de regra, a família como grupo básico da sociedade, o ambiente natural para o crescimento dos infanto-adolecentes, o aporte afetivo fundamental para o seu desenvolvimento saudável e repositório de valores éticos, religiosos e de conduta, esse conceito está se deteriorando em sua essência, face as atrocidades perpetadas no dia-a-dia.
Ao longo dos anos, a família considerada “padrão” ou “regular” e unidade essencial de organização na sociedade brasileira vem sofrendo mudanças substanciais, resultantes dos efeitos do desenvolvimento sócio-econômico, com reflexos na diminuição do seu tamanho e na diversificação dos arranjos familiares, destacando-se o aumento do número de famílias monoparentais, das famílias formadas pelos cônjuges e filhos de casamentos anteriores, famílias compostas por membros de várias gerações, de domicílios multifamiliares e das unidades homoafetivas.
Entretanto, em que pesem esses processos de mudanças, entendo que a família deve ser um ambiente de proteção integral para os infanto-adolescentes e não de vulnerabilidade e/ou riscos como se vê nos dias atuais.
Repise-se: as práticas de violências a que são submetidas crianças e adolescentes no ambiente familiar tem causas econômicas, sociais e culturais que exigem ações não só do poder público, mas de toda a sociedade civil, incluindo os meios de comunicação. Ao nosso olhar, combater este fenômeno significa, acima de tudo, enfrentar os problemas da educação, da saúde, da moradia, do lazer e da geração de emprego e renda.
Acredito que, garantindo-se os direitos fundamentais das famílias, pode-se combater e prevenir todas as formas de violências: a que oprime, a que degrada e a que extermina.
fonte: ANGELA MARIA MORAES SALAZAR* Juíza Titular da 11ª Vara Criminal (Crimes Contra Crianças e Adolescentes), Assistente Social, Pós-graduanda em Ciências Criminais
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