quinta-feira, 6 de setembro de 2012

STJ anula provas colhidas em escritório de advogado

O Superior Tribunal de Justiça considerou ilegais as provas colhidas pela Polícia Federal em busca e apreensão feita no escritório Oliveira Neves durante a operação Monte Éden, em junho de 2005. Isso porque o pedido de busca foi feito de forma genérica, tendo sido os elementos encontrados usados para incriminar o advogado Newton José de Oliveira Neves, que não era alvo da investigação originária. Acusado de sonegação fiscal e evasão de divisas, o advogado foi preso e ficou detido por sete meses, até fevereiro de 2006.
O artigo 133 da Constituição Federal garante que o advogado é "inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão".
Na decisão, o ministro relator Marco Aurélio Belizze deferiu pedido de extensão de acórdão que já havia considerado ilegais elementos de prova colhidos no escritório do advogado. A determinação anterior dizia que houve "excesso na instauração de investigações ou de ações penais com fulcro apenas em elementos recolhidos durante a execução de medidas judiciais cautelares, relativamente a investigados que não eram, inicialmente objeto da ação penal".
Para o relator, essa decisão também deve beneficiar o advogado Newton José de Oliveira Neves, já que, em sua avaliação, trata-se de situação semelhante. Segundo Bellizze, as provas colhidas contra o advogado foram baseadas numa busca e apreensão “genérica” no escritório. Além disso, de acordo com a decisão, a Polícia Federal colheu documentos sem relação com a investigação anterior e usou esses documentos para iniciar novas investigações contra clientes do escritório e, inclusive, contra o advogado.
“Observem que estamos diante de procedimento de busca e apreensão genérico, realizado com o objetivo de coletar todo o arquivo documental do departamento societário do escritório de advocacia Oliveira Neves, para se averiguar se da documentação apreendida poder-se-ia constatar a ocorrência de algum ilícito", afirma o ministro.
Além disso, explica, é possível ver nos autos que a decisão que determinou a diligência não mencionou o nome dos peticionários nem das empresas a eles relacionadas.
Oliveira Neves disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que teve sua vida —tanto profissionalmente quanto pessoalmente — profundamente afetada e afirmou que vai buscar reparação por danos sofridos. Antes de ser preso, diz, era sócio de um escritório com cerca de 300 funcionários e, hoje, advoga sozinho.
Para o tributarista Raul Haidar, a decisão do STJ comprova que as investigações relacionadas a crimes financeiros e tributários não obedecem as normas constitucionais.
"Busca e apreensão sem inquérito é abusiva, tanto quanto as 'investigações' feitas pela polícia sobre sonegação fiscal, sem que haja um lançamento tributário", afirmou. "Uma prisão indevida não tem conserto, pois honra arranhada não se recupera", disse Haidar.
Para Fernanda Tórtima, presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, apenas quando o advogado é investigado, seu escritório pode ser objeto de busca. "Nenhum documento ou objeto pertencente a cliente seu pode ser apreendido, a não ser que o cliente seja investigado pelos mesmos fatos que deram ensejo ao afastamento da inviolabilidade, vale dizer, que esteja atuando em coautoria com o advogado na prática de crimes", disse Fernanda.

DECISÃO:

Superior Tribunal de Justiça


PExt no HABEAS CORPUS Nº 149.008 - PR (2009/0190819-0) (f)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:


Trata-se de pedidos de extensão formulados em favor de Jairo Machado

Maluf e Newton José de Oliveira Neves por meio dos quais se pretende, com

fundamento no art. 580 do Código de Processo Penal, a extensão dos efeitos da

decisão de fls. 616/622, que concedeu em parte a ordem para declarar imprestáveis os

elementos de prova colhidos na busca e apreensão realizada no escritório Oliveira

Neves Advogados Associados.

Eis os fundamentos do acórdão (fls. 616/622):

Senhores Ministros, concordo inteiramente com o Senhor Ministro

Relator que um escritório de advocacia, como também o de

outros profissionais, não é impenetrável à investigação de crime.

Isso está fora de questionamento e até fora de qualquer dúvida

jurídica.

2. A minha dúvida é se será possível, nessa busca e apreensão,

arrecadar-se tudo o que estiver no escritório. Vamos até admitir

que se possa. Mas, depois, instaurar-se investigações ou ações

penais com base nesses elementos que foram recolhidos no

escritório de advocacia sem que, relativamente aos novos

investigados, houvesse previamente investigação, creio que

aparenta-se como um excesso.

3. Tenho visto isso ultimamente, Senhor Ministro Arnaldo Esteves

Lima, e tenho me preocupado intensamente com esse problema

da busca e apreensão, e penso que é necessário se pôr controle

nessa atividade policial porque, pelo que observo, a busca e

apreensão tem crescido de maneira assustadora e absolutamente

incontrolada. Tenho visto casos em que só depois de feita a

arrecadação dos elementos indiciários é que se pede autorização

e o Juiz concede, como que legitimando uma busca e apreensão

feita ao arrepio da norma.

4. Que pode investigar, sem dúvida que se pode. Que se pode

instaurar qualquer inquérito policial, se pode, tendo-se os

elementos suficientes. Mas, será que se pode começar a

investigação fazendo-se a busca e apreensão? O paciente,

segundo Vossa Excelência referiu, Senhor Ministro Arnaldo

Esteves Lima, não constava no pedido de busca e apreensão e

obviamente não constava do mandado respectivo. O nome dele


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não figurava nessas peças.

5. Que se podia instaurar um inquérito contra ele, repito que

podia. Até se devia, se a autoridade policial tem os elementos de

suspeita contra o indivíduo, tem de abrir inquérito contra ele. Mas,

penso que autorizar, ou homologar, ou abonar, esse tipo de

busca e apreensão, Senhor Ministro Arnaldo, com a devida vênia

de Vossa Excelência, penso que se cria uma insegurança

desbragada para a sociedade. Fazer investigação de uma pessoa

contra a qual se tem indícios e se vai ao escritório de advocacia e

se arrecada tudo ali, e faz um inquérito com base naqueles

elementos que foram arrecadados desse modo, contra pessoas

que não estavam indiciadas?

6. Sei que isso facilita o exercício da atividade policial. Mas, a

busca e apreensão tem um procedimento previsto nos

dispositivos legais que Vossa Excelência, muito oportunamente,

lembrou. Tem que haver pedido e ditas as fundadas razões. Não

se pode fazer busca e apreensão sem fundadas razões. Está no

art. 241 do Código de Processo Penal. Porque, do contrário,

todos os nossos domicílios e escritórios ficam ao alcance de uma

autoridade policial que acha que pode fazer a chamada busca e

apreensão exploratória. Fazer a busca e apreensão para ver se

há alguma coisa incriminadora. Penso que isso deve ser refreado.

Se não se refrear, isso, dentro de pouco tempo, vai se

transformar num gigante, num leviatã, que vai engolir todas as

liberdades e então não haverá mais como se fazer oposição.

7. A polícia é muito eficiente, muito arrojada, muito impetuosa e

muito frequentemente atilada para descobrir coisas sem instaurar

inquérito. Por que não instaura inquérito contra o paciente Paulo

Cezar Felipe? Instaura-se um inquérito contra ele e em seguida

se pede ao Juiz a quebra de sigilo, busca e apreensão, prisão

temporária, prisão preventiva e tudo o mais. Mas, sem o

inquérito? Sem nada contra ele? Sem nada contra o cidadão,

pode-se fazer isso? Arrecadar num escritório de advocacia,

elementos relativos à vida pessoal dele e ele não estava indiciado

em nada antes?

8. Vou pedir vênia a Vossa Excelência, Senhor Ministro Arnaldo

Esteves Lima, para conceder parcialmente a Ordem de Habeas

Corpus, não para trancar o inquérito, o qual deve prosseguir. E o

delegado, ou o Ministério Público, que represente ao Juiz ou

adote o procedimento legal para obter autorização de fazer busca

e apreensão com relação às coisas do paciente, onde quer que

estejam, inclusive no escritório do seu advogado.

9. Mas que na minha avaliação é necessário, mais do que

disciplinar, refrear essa sanha de busca e apreensão, que está

disseminada na sociedade com uma violência assombrosa. Na

minha percepção. Vejo isso em Fortaleza, vejo isso em Recife,

uma atividade completamente desimpedida. Vou repetir para

encerrar, Senhor Ministro Arnaldo Esteves Lima: faz-se busca e

apreensão em um endereço e lá, sem que nada se tenha contra


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quem se recolhem esses elementos, acha-se qualquer coisa ou

não se acha nada contra aquela pessoa, traz-se aquilo e

instaura-se um processo contra aquela pessoa, com base em

elementos que foram colhidos, a meu ver, de forma ilegal ou até

inconstitucional.

10. Vou pedir vênia a Vossa Excelência para considerar

imprestáveis, para instaurar o inquérito, elementos conseguidos

dessa maneira, sem prejuízo, evidentemente, de que se instaure

o inquérito policial e, através do controle do Ministério Público e

do Poder Judiciário, se autorize contra o indiciado no inquérito

tudo que for necessário, inclusive a prisão preventiva. Peça-se a

preventiva, peça-se a temporária, faça-se a busca e apreensão,

arrecadem-se bens, faça-se tudo. Mas desde que existindo o

inquérito, a meu ver.

11. Então, peço vênia a Vossa Excelência, não para trancar o

inquérito, pois concedo apenas parcialmente a Ordem de Habeas

Corpus, Senhor Ministro Arnaldo, para declarar imprestáveis

esses elementos colhidos por esse procedimento que, a meu ver,

é inconstitucional e ilegal, sem prejuízo de que se instaure o

devido inquérito policial e no bojo desse inquérito policial,

devidamente instaurado, se indicie o paciente, se for o caso,

requeira-se a sua prisão temporária, se for o caso, ou a

preventiva, se for o caso. E faça a busca e apreensão em

qualquer lugar onde se possa demonstrar que há fundadas

suspeitas de existir alguma coisa que interesse à investigação.

12. Voto pedindo vênia, louvando o voto de Vossa Excelência,

como sempre muito bem equilibrado e posto.


Noticiam que o peticionário Jairo Machado Maluf, assim como o paciente

em favor do qual foi concedida em parte a ordem de
habeas corpus, é investigado no

Inquérito Policial n.º 12.0498/06, em curso perante a Delegacia de Repressão a

Crimes Financeiros da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo.

Sublinham que Jairo Machado Maluf era cliente do escritório de

advocacia Oliveira Neves, e passou a ser investigado a partir da busca e apreensão lá

realizada por ordem do Juiz da Quinta Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de

Janeiro. Assere que, da mesma forma que o paciente deste
writ, Jairo Maluf não fora

citado no pedido de busca e apreensão, na decisão que o deferiu ou no respectivo

mandado.

Defendem que a situação do mencionado peticionário é idêntica a de

Paulo Cezar - paciente - ressaltando que não existem motivos de caráter pessoal a

obstar o pedido de extensão, razão porque deve ser aplicado o art. 580 do Código de

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Processo Penal.

Relativamente a Newton José de Oliveira - denunciado por infração ao

art. 22 da Lei n.º 7.492/1986, bem como ao art. 299 do Código Penal - argumentam

que todas as provas que incriminam o mencionado peticionário foram produzidas no

Inquérito Policial n.º 17/2004, o que justifica a extensão dos efeitos da ordem

parcialmente concedida em favor do paciente.

Sublinham que a Ação Penal n.º 2007.61.81.003664-9 - movida em

desfavor de Newton José de Oliveira - fora "embasada em provas colhidas em total

desacordo com diversos preceitos fundamentais, tendo sido violado o devido processo

legal" (fl 1584).

Diante disso, requerem seja determinado em caráter liminar o

sobrestamento da Ação Penal n.º 2007.61.81.000392-9.

No mérito, buscam a extensão dos efeitos do acórdão aos peticionários,

com o fim de declarar imprestáveis os elementos de convicção colhidos na diligência

de busca e apreensão realizada no escritório de advocacia Oliveira Neves.

O pedido liminar foi deferido para "suspender o andamento da Ação

Penal n.º 2007.61.81.000392-9, em curso perante a Segunda Vara Criminal da

Subseção Judiciária de São Paulo, até ulterior deliberação desta Corte" (fls. 785/789).

Foram os autos encaminhados ao Ministério Público Federal, que se

manifestou pelo indeferimento dos pedidos (fls. 882/885 e 2118/2124).

É o relatório.

PExt no HABEAS CORPUS Nº 149.008 - PR (2009/0190819-0) (f)


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VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):


Foram os elementos coletados durante o procedimento de busca e

apreensão utilizados pelo Ministério Público para embasar as denúncias formuladas

em desfavor de Paulo Cezar Felipe, de Jairo Machado Maluf e de Newton José de

Oliveira, e ao primeiro a Quinta Turma concedeu em parte a ordem para declarar

imprestáveis os elementos de prova colhidos durante a execução da medida cautelar.

Nesse contexto, parece-me que se tratam de situações processuais

semelhantes, embora a diligência questionada tenha dado origem a distintas ações

penais, pois entendo que esse fato não é relevante para fins de nulidade.

Observem que estamos diante de procedimento de busca e apreensão

genérico, realizado com o objetivo de coletar todo o arquivo documental do

departamento societário do escritório de advocacia Oliveira Neves, para se averiguar

se da documentação apreendida poder-se-ia constatar a ocorrência de algum ilícito.

Além disso, depreende-se dos autos que a decisão que determinou a diligência não

mencionou o nome dos peticionários ou das empresas a eles relacionadas.

Conforme se lê no acórdão proferido por esta Quinta Turma, a Polícia

Federal, em poder do referido mandado de busca e apreensão - que deveria apenas

apurar possíveis irregularidades cometidas pelos integrantes do escritório de

advocacia Oliveira Neves e a rede Chebabe - apreendeu documentos que não

estavam relacionados às investigações já em andamento e utilizou-os para iniciar

novas investigações contra os clientes do mencionado escritório de advocacia, entre

eles os peticionários, que desdobraram-se em diferentes processos criminais.

Há mais: o paciente - Paulo Cezar Felipe - foi beneficiado com a

declaração de nulidade dos elementos coletados durante o procedimento cautelar,

tendo em vista o "excesso na instauração de investigações ou de ações penais com

fulcro apenas em elementos recolhidos durante a execução de medidas judiciais

cautelares, relativamente a investigados que não eram, inicialmente objeto da ação

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penal" - circunstância de ordem objetiva.

Desse modo, parece-me que foi dado tratamento igualitário ao paciente e

aos peticionários no momento em que a medida de busca e apreensão foi utilizada

pelo Ministério Público como suporte às denúncias oferecidas em desfavor deles, fato

que permite a extensão requerida, nos termos do que dispõe o art. 580 do Código de

Processo Penal,
in verbis:

No caso de concurso de agentes, a decisão do recurso

interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não

sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos

outros.


No mesmo sentido:

PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE EXTENSÃO. HABEAS

CORPUS CONCEDIDO. REVOGAÇÃO DE PRISÃO

PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO.

INTELIGÊNCIA DO ART. 580 DO CÓDIGO DE PROCESSO

PENAL. EXTENSÃO DEFERIDA.

1. Havendo identidade de situações fático-processuais e não

tendo sido a ordem, cujos efeitos se pretende ver

estendidos, concedida com base em circunstâncias de

caráter exclusivamente pessoal, deve ser a decisão

aproveitada a co-réu, nos termos do art. 580 do Código de

Processo Penal.


2. Pedido de extensão deferido para revogar a prisão preventiva

do co-réu LEONARDO VIANA DAS MERCÊS e determinar, por

conseguinte, a expedição de seu alvará de soltura, caso não se

encontre preso por outro motivo. (PExt no HC 46482/RJ, Relator

o Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 23/10/2006.)

Diante dessas considerações, defiro os pedidos de extensão para

declarar imprestáveis os elementos de prova colhidos na Busca e Apreensão n.º

2005.51.01.503930-0, Quinta Vara Federal, Seção Judiciária do Rio de Janeiro, em

relação aos ora requerentes.

É como voto.

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