domingo, 1 de agosto de 2010

INOCÊNCIA: PRESUNÇÃO OU ESTADO

POR FERNANDO CESAR FARIA

Mais uma vez a falta de precisão terminológica bate em nossa porta!
INOCÊNCIA: Presunção ou Estado (da pessoa)?
Se fosse apenas a falta de precisão, ficaríamos confortados. Diga-se isto em
razão de haver vozes na defesa de uma tal presunção de culpabilidade. É isso mesmo,
querem voltar ao passado e estatuir o distrito da culpa no processo penal:
“ridicularização dos direitos fundamentais”, tão “sangrentamente” conquistados.

Pois bem, divide-se esses comentários em dois momentos, primeiramente
discute-se a respeito da diferença entre a presunção e o estado de inocência,
concluindo que há, tão-somente o segundo, o estado. Ao depois, chega-se
ao tema que nos aflige sobremaneira, a presunção de culpabilidade.

Parte I:

Por primeiro, pontua-se que é tecnicamente mais aceito dizermos que a
Constituição da República garante a obediência literal do princípio da nãoculpabilidade,e, entendemos que nada mais é do que dizer que a pessoa
(investigada em Inquérito Policial ou acusada em Processo-Crime) não é
originalmente culpada, ou sob a qual não recai o pesado manto da culpabilidade
presumida, até que a sentença penal condenatória passe em julgado.

O princípio da inocência (que aqui se entende ser um estado da pessoa)
remonta, historicamente, do art. 9° da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão (Paris, 26.08.1789), inspirado na razão iluminista (Voltaire, Rousseau etc.).
Posteriormente, foi reafirmado no art. 26 da Declaração Americana de Direitos e
Deveres (22.05.1948) e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na
Assembleia das Nações Unidas (Paris, 10.12.1948).

Compulsando a Constituição da República, não encontramos a palavra
"presunção". É dizer, não se acha plasmada a dúvida sobre a inocência em nosso
texto máximo (CRFB/88).

É necessária a distinção sob pena de cometermos injustiças graves. Uma
coisa que se presume, se suspeita, se conjectura (vide dicionário qualquer).
A expressão "Presunção de Inocência" para se referir ao princípio inserto na
Constituição da República (art. 5°, inciso LVII), é tecnicamente incorreta.

Veja-se [nas palavras do Prof. Edilson Mougenot Bonfim] que "presunção"
é o nome da operação lógico-dedutiva que liga um fato provado (um indício) a outro
probando, ou seja, é o nome jurídico para descrição justamente desse liame entre
ambos.

O jurista espanhol JUAN MONTERO AROCA bem pontua:
.
"Pese sua denominação pela jurisprudência como 'presunção'' juris tantum,
'verdade interina de inculpabilidade', trata-se de maneira pouco adequada de
afirmar que o acusado é inocente enquanto não se demonstre o contrário. A
presunção exige um fato base ou indício, do que se desprende a existência do
segundo, o fato presumido, como nexo lógico entre eles que é a presunção" .

Ora, disso pode-se asseverar que quando existe suspeita sobre um cidadão, e sobre o qual recai uma imputação (constrangimento de per se), de toda sorte, ele sempre será presumido inocente, ou seja, parte-se de um conceito errado: o cidadão não é presumidamente inocente, ele não é culpado, e isso é um estado!

Com efeito, abro um parêntese e indago os senhores leitores:

Destarte, a pessoa que está sendo processada criminalmente (através de
um devido processo criminal impregnado pelos direitos fundamentais) está
acobertado pelo manto da garantia da "presunção de inocência"?

Estaria ele com essa conquista de um "Estado Demagógico de Direito"?
Estas indagações e impressões (talvez são apenas isso!) são respondidas
com o crédulo, todavia extremamente portentoso argumento: a INOCÊNCIA NÃO
SE PRESUME, É UM ESTADO DA PESSOA HUMANA, ERIGIDA COMO GARANTIA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

Reza o art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República, verbis:

"LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória";

Sinceramente não sei de onde saiu esta história de "presunção"! Do inciso
acima transcrito é que não foi!

O inciso adrede citado não deixa outra interpretação no Estado brasileiro,
ninguém, e absolutamente ninguém, poderá ser considerado culpado até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, de toda evidência, se ninguém
pode isto, então todos são inocentes até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória.

E não venhamos com absoluta e repugnante demagogia jurídica e não chamar a pessoa por culpada mas, por alguma via vil oblíqua, outorgar-lhe esse
"capuz" da culpabilidade.

A presunção não existe. Não mesmo. Se é presumido é porque não é. O que realmente existe, pelo estrita exegese do mandamento constitucional, é uma relação de fato, no mundo real, que não dá margens a critérios interpretativos (o que seria se fosse uma mera presunção!).

Existe um ESTADO DE INOCÊNCIA, como sempre (e deveras bem) pontuado pelo procurador regional da República, Eugênio Pacelli de Oliveira, que em todo a sua obra (Curso de Processo Penal) assevera que existe um estado de inocência, existe um fato, ou seja, o fato existente de que inexiste sentença penal condenatória em desfavor do agente que praticou (ou não) o tipo de injusto a ele imputado.

Um fato não pode ser presumido, assim, entende-se que em processo penal onde se busca sempre a verdade real nunca pode se dar por satisfeito com uma mera presunção. Isso somente na seara cível que temos o instituto da revelia (art. 319 do Código de Processo Civil: "Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os
fatos afirmados pelo autor.").

Imagine-se (uma situação esdrúxula!): se o acusado não apresentar defesa (sentido lato), presumir-se-ão verdadeiros os fatos ventilados na peça inicial acusatória (denúncia ou queixa)? Nesse caso não fez o acusador (membro do Parquet ou o querelante) todo o trabalho processual (acusar X defender X julgar)?

A resposta negativa se impõe e desafia o senso racional! Evidente que
não. Entendemos que o emprego "presunção" é impropriamente utilizado, vez que
não se tem presunção, mas sim uma CERTEZA, vigorando o aforismo popular "é
inocente até que se prove o contrário", sendo que essa “prova” é a sentença penal
passada em julgado.

Ao fim e ao cabo, não podemos deixar de citar o preclaro doutrinador
EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA, que sabiamente inadmite a presunção:
.
"... Em outras palavras, o estado de inocência (e não a presunção) proíbe a
antecipação dos resultados finais do processo, isto é, a prisão, quando não fundada
em razões de extrema necessidade..."

Conclusivamente, a Constituição da República, no dispositivo já citado,afirma categoricamente a garantia que ninguém será considerado culpado (...), assim,
não há espaço para a expressão de presunção de inocência e sim um estado jurídico
de inocência.

Parte II:

Como se sabe, a Constituição da República garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”
(CR/88, art. 5, inciso LVII). Nesse sentido, réu tem pleno direito de recorrer, nas vias excepcionais, em liberdade, salvo se presente necessidade excepcional de sua
prisão.

Ao revés, se pensarmos que o acusado em Processo-Crime é “presumidamente” inocente não há como negar que sobre ele paira dúvida sobre a sua culpabilidade, por lógica uma vez que se é presumidamente inocente é presumidamente culpado. É dizer, a afirmação de “presunção” abre margens para considerações em ambos os sentidos do processo criminal: inocente e culpado.

Com efeito, pensamos que a chamada presunção de culpabilidade nos traz
à tona uma trágica época de nossa história, o Estado Novo, impregnado pela
ditadura e tirania, onde Direitos fundamentais não eram assegurados minimamente.
Falamos do Decreto-Lei 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5.

Por esse “maldito” Decreto-Lei, o acusado deveria provar a sua inocência e
não o contrário. Isso já imperou no Brasil. Hoje já, felizmente, não mais. Porém,
algumas chagas (ranço) ainda carregamos, a exemplo de um requisito da constrição
preventiva, inventado, chamado de “distrito da culpa”. Essa expressão deita raízes
na época do indigitado Decreto-Lei.

Algumas (bem poucas, mas essa pequenez merece ser expurgada) vozes na seara jurídica insistem em asseverar que na atual dimensão dos direitos fundamentais (e aqui impregna-se todo o processo criminal) há espaço a um malfadado princípio da “presunção de culpabilidade”, isso, a nosso sentir, é ranço de um regime aberracional e desprovido de qualquer razão de ser.

Essas vozes dizem que pelo simples fato de a pessoa estar inserida em inquérito policial ou mesmo uma ação penal, como indiciada ou acusada respectivamente, este fato (simples) tem o condão de fazer exsurgir a presunção de culpabilidade. Reconhece-se que é uma teoria mesmo incrível. Incrível como tangencia a razoabilidade, caindo no poço da ignorância tirânica e parva, de onde
não merece ser resgatada.

Ora, a Constituição da República é de clareza meridional. Para aqueles que
sustentam esse posicionamento, o caminho é rever seus conceitos jurídicos
sociológicos, consertando, assim, a estupidez desse argumento.

Não conseguimos compatibilizar esse princípio da presunção de culpabilidade pelo simples fato de se responder um processo-crime. Todos os países civilizados afastam essa aberração jurídica. Peguemos como parâmetro, então, o surgimento e o alardeamento do estado jurídico de inocência (verdadeiro princípio).

Foi na França que teve origem, na célebre Declaração dos Direitos do Homem, que
tinha por escopo justamente a proteção do cidadão do arbítrio do Estado, que o
presumia culpado (veja só quanto tempo se passou); ao depois foi adotado pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas –
ONU/1948 e, ao fim, pelo Pacto de San Jose da Costa Rica, em 1969. A nota triste é
que somente foi introduzido no Brasil em 1988 com a promulgação da Constituição
da República.

Às pessoas que sustentam a existência do princípio da presunção da culpabilidade, ao argumento de estar sob investigação policial ou judiciária, diga-se que o estado jurídico de inocência tem natureza jurídica de garantia individual, verdadeira norma-princípio (essas têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema), tendo repercussão direta no processo criminal (sentido amplo, englobando o inquérito e o processo-crime) em favor da pessoa. Vamos mais longe: não há, hodiernamente, como utilizar um princípio contra a pessoa acusada.

Não há como não deixar registrado que a regra contida no art. 5°, inciso
LVII da CRFB/88 reflete a conquista de um povo livre e soberano. O estado jurídico
de inocência (e aqui, de vez, abandonemos a nomenclatura de presunção de inocência, uma vez que o que se presume não se tem certeza que não o é, como já dissemos na parte I desse trabalho), traz o significado de que o acusado (sentido amplo) não poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, devendo, assim, ser considerado e tratado como inocente.

Ora, chega até ser engraçado (ou aqui classifico como uma anedota jurídica ou perfumaria jurídica) que as vozes que sustentam a presença em nosso ordenamento da presunção de culpabilidade não lançam olhos em coisas básicas do processo penal constitucional, vamos, então, aqui, fazer o papel de “abrir os olhos” dessas pessoas.

Com efeito, não há como negar que só existe o estado de inocência, afirmase
isso pelos seguintes combinações fatores:

(1) no caso de dúvida aplica-se o princípio in dubio pro reo,
indiscutivelmente sua matriz é buscada no estado jurídico de inocência e acolhido
pelo nosso Código de Processo Penal, art. 386, VII;

(2) Somente decisão irrecorrível pode declarar a culpabilidade do acusado,
depois de provada durante a instrução criminal de processo dialógico, e só depois
disse poderá ser tratado como culpado;

(3) A prova da culpa do acusado é, exclusivamente, do Ministério Público
ou querelante (os donos da ação pública e privada, respectivamente);

(4) O juiz está obrigado a verificar, acuradamente, a estrita necessidade de
constrição de liberdade (que a toda evidência é antecipada), sujeitando-se a
fundamentação obrigatória de sua decisão, sob pena de nulidade, CRFB/88, art. 93,
IX; e

(5) A não recepção do art. 393, inciso I e II, notadamente o inciso II, que
determina, como efeito da sentença penal recorrível, lançar o nome do réu no rol dos
culpados. Destarte, a jurisprudência do STF está orientada no sentido de que o
princípio constitucional do estado jurídico de inocência impede que se lance o nome
do réu no rol dos culpados enquanto não tiver transitado em julgado a decisão
condenatória. Frisa-se, não se lança o nome do réu no “poço dos culpados” em razão
de simplesmente não ser, ainda, considerado culpado.

Notável é a manifestação do penalista ROBERTO DELMANTO JUNIOR,para ele o estado jurídico de inocência abrange, além da inversão do ônus da prova, como também, a impossibilidade jurídica de qualquer tratamento preconceituoso em função da condição de acusado. Por exemplo, direito a sua imagem (que na maioria das vezes é violada, sabemos bem um exemplo disso aqui na capital do Estado de Mato Grosso), ao silêncio, sem que se isso retrata culpabilidade, local condigno em sala de audiências ou no plenário do Júri, ao não uso de algemas, salvo em casos excepcionais, e, ao fim, à cautelaridade e excepcionalidade da prisão provisória.

Absurdez maior reside na questão levantada pelos que sustentam a tese da presunção de culpabilidade, dizem que haveria uma terceira categoria de situação processual: o suspeito!

Mais uma vez há equívoco e dessa vez o chega-se a tangenciar a demência.

Não existe essa terceira figura. O que existe, tão-somente, são as personagens:
inocente e culpado. Só essas.

Para afastar a absurdez da admissão dessa terceira figura [o suspeito],
trazemos a colação as lições do Prof. Argentino ALBERTO M. BINDER em sua obra
Introdução ao Direito Processual Penal:

(1) Que somente a sentença tem essa faculdade;

(2) Que no momento da sentença existem somente duas possibilidades:
culpado ou inocente. Não existe uma terceira possibilidade;

(3) Que a ‘culpabilidade’ deve ser juridicamente provada;

(4) Que essa construção implica a aquisição de um grau de certeza;

(5) Que o acusado não tem que provar sua inocência;

(6) Que o acusado não pode ser tratado como um culpado; e

(7) Que não podem existir mitos de culpa, isto é, partes da culpa que não
necessitam ser provadas.

Aos que sustentam a existência da presunção de culpabilidade, perguntolhes:
negam a existência do que está elencado acima? Se sim, como compatibilizar
racionalmente a negativa?

Sabendo que não encontrarão resposta plausível, continuemos.

Em leitura da obra do Prof. ROBERTO DELMANTO JUNIOR (cuja genealogia impõe respeito!) é possível extrair várias conclusões, que ricamente são aproveitadas e, com respeito, compartilha-se com elas, sintetizemos então.

A pessoa, definitivamente, chega ao inquérito policial (ou processo-crime)
completamente isenta de culpa e somente a sentença penal condenatória transitada
em julgado poderá ser declarado culpada. O início da ação estatal e a imutabilidade
da sentença são marcadas por um período chamado instrução criminal, onde na qual
ser-lhe-á assegurada plena capacidade de defesa, formal e substancial. Há, então,
dois extremos: a inocência e a culpabilidade formada com o devido processo
criminal dialógico, não há um meio termo em que se alberga uma tal de presunção
de culpabilidade.

Assim, o cidadão (leia-se: qualquer pessoa) deve ser considerado pelo Estado como um cidadão livre, mesmo porque pesam, tão-somente, indícios de autoria (impregnados de um mínimo de certeza, desprovidos totalmente da vagueza típica da tirania), em nenhum momento a sua culpabilidade poderá ser antecipada. Pensarmos diferente é admitirmos o manuseio da prisão preventiva como antecipação da pena (não só pensemos isso, mas, infelizmente, é utilizada assim hodiernamente).

Devemos respeito, antes de tudo, à Constituição da República, giza-se que
a atual situação do nosso processo penal causa espanto e está longe de cumprir os
mandamentos insertos na Lei maior. Ao revés do que pensamos, muita gente no
Brasil sustenta a presunção de culpabilidade (a sociedade tende a pensar assim por
puro e odioso preconceito), aqueles que são submetidos ao processo-crime são
tratados como culpados, pela denúncia, pelos meios de comunicação em massa,
enfim, pelo povo.

O Brasil tem, dados do Conselho Nacional de Justiça, cerca de 440 mil
presos, sendo que 189 mil são presos provisórios (os chamados presos sem
condenação), em prisão provisória. Nada obstante a isso, é falso o fenômeno dos
presos sem condenação, da utilização do processo como controle social, das
restrições à ampla defesa (notadamente à Defensoria Pública), das aberrações
jurídicas consistentes nas várias espécies de presunções existentes, virtualmente, no
ordenamento repressivo, da utilização do ônus da prova contra o acusado, do
tratamento subumano da prisão preventiva.

O estado de inocência é uma verdadeira garantia constitucional que suplanta os limites formais e materiais do processo penal, está presente em toda ação estatal que perquire a sanção penal, é, a toda evidência, a comporta que separa o poder punitivo da tirania.

Para dar efetividade ao princípio aqui comentado, é necessário ter em mente que se trata de uma garantia constitucional que ultrapassa os limites do processo penal, penetrando todos os procedimentos que visem à aplicação de alguma sanção penal.

Sustentar que há princípio da culpabilidade tão-somente em virtude de uma investigação, ao argumento de proteção da sociedade (porque ela vê assim) é
invocar o Direito para espezinhar o próprio Direito, sob o pretexto de tutela. Ora,
invocar os Direitos sociais, econômicos e culturais para legitimar verdadeiros
simulacros de tutela, que a bem da verdade costumeiramente recai sobre aqueles
que, legitimamente e por meios idôneos de realização, reclamam por seu respeito.

Vivemos em um Estado de Direito. É certo de que não há Estados de Direito perfeitos, e sim modelos concretos que se avizinham mais ou menos do “ideal”. Existe, a bem da verdade, dois Estados: o de Direito e o de Polícia. A rigor, todo Estado de Direito contém um Estado de Polícia na sua parte interna, que briga sangrentamente pelo rompimento de seus limites. Reconhece-se que o Estado de Polícia não desapareceu, está vivo em cada Estado de Direito, mais ou menos contido por este. O Estado de Direito que mais se aproxima do ideal é aquele que contém em menor quantidade esse Estado de Polícia (tirânico por excelência).

O poder punitivo é o melhor exemplo do Estado de Polícia, a sua natureza
é sempre violenta e discriminatória e a função do Direito criminal de garantias é
justamente contê-lo numa dimensão de total utilidade, a repressão é a ultima razão,
é o argumento decisivo e terminante dos conflitos.

Pensar com aqueles que sustentam a existência de uma presunção de culpabilidade aos que estão entregues a persecução penal (inquérito policial ou ação penal), é abraçar o Estado de Polícia; é pendular no sentido da construção de um Estado Penal de Direito; é desdizer as garantias conquistadas por uma nação hoje soberana e que visa garantir a dignidade da pessoa humana (fundamento da República, CRFB/88, art. 1°, inciso III); é dar as costas ao fim do Estado de Direito: construir uma sociedade livre, justa e solidária; enfim: inadmissível qualquer lampejo de volver aos anos de “chumbo”, qualquer simulacro de defesa social em detrimento do cidadão provido de garantias constitucionais, qualquer ilusão à tutela virtual.

Com tudo o que se disse até aqui, brindemo-nos com as argutas palavras do Decano do STF, Ministro CELSO DE MELLO:

“Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar
sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, DE FORMA
INEQUÍVOCA, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso
sistema de direito positivo, a regra que, em dado momento histórico do processo
político brasileiro (Estado Novo) criou, para o réu, COM A FALTA DE PUDOR
QUE CARACTERIZA OS REGIMES AUTORITÁRIOS, A OBRIGAÇÃO DE
O ACUSADO PROVAR A SUA PRÓPRIA INOCÊNCIA (Decreto-lei nº 88, de
20/12/37, art. 20, nº 5). Não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação
possível de qualquer juízo condenatório, QUE DEVE SEMPRE ASSENTAR-SE
— para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica — EM
ELEMENTOS DE CERTEZA, os quais, ao dissiparem ambiguidades, ao
esclarecerem situações inequívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade,
revelam-se capazes de informar, COM OBJETIVIDADE, o órgão judiciário
competente, afastando, esse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que”.
poderiam conduzir qualquer magistrado ou tribunal a pronunciar o non liquet”
(HC 73.338, rel. Ministro CELSO DE MELLO, DJ 19/12/96).

E buscando sintetizar o que aqui já se disse, não poderíamos deixar de
citar as palavras, judiciosas, do Eminente Ministro EROS GRAU, no julgamento do
Habeas Corpus n. 91.176/SP, o que corrobora a tudo o que pensamos:
.
“HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA
"EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso
extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os
autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da
sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de
liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do
Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí a
conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à
ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto
no art. 637 do CPP. 3. Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da
condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se
a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as
recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o
julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa,
caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito,
do acusado, de elidir essa pretensão. 5. A antecipação da execução penal, ademais
de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em
nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o
princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados
por recursos especiais e extraordinários, e subseqüentes agravos e embargos, além
do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação
à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo
amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de
funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 6. Nas democracias
mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se
transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas
beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. É inadmissível a sua
exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as
singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente
quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida”. (HC
91176, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em
16/10/2007, DJe-165 DIVULG 18-12-2007 PUBLIC 19-12-2007 DJ 19-12-2007
PP-00074 EMENT VOL-02304-02 PP-00226). (grifamos).

Conclusão:
.
Enfim, em conclusão, não há presunção de inocência nem a presunção de
culpabilidade e sim, tão-somente: UM ESTADO JURÍDICO DE INOCÊNCIA...

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