terça-feira, 18 de maio de 2010

SEPARAÇÃO - QUEM FAZ USO EXCLUSIVO DE IMÓVEL DEVE INDENIZAR

Por Luiz Eduardo Vacção da Silva Carvalho

O direito de propriedade é constitucionalmente garantido, através do caput do artigo 5º e inciso XXII da Constituição Federal, e artigo 1228 do Código Civil Brasileiro in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII – é garantido o direito de propriedade;

Art. 1228. O proprietário tem o direito de usar,gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha.

Em um casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial de bens, os bens adquiridos na constância do matrimônio, pertencem igualmente a ambos os cônjuges, nos termos do artigo 1658 do Código Civil.

Art. 1658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

O estado dos bens do casal, enquanto perdurar o casamento, é substantivado como mancomunhão.

A mancomunhão se caracteriza como a situação jurídica da propriedade dos bens em relação ao casal. Aqueles os pertencem de forma igual, sem qualquer distinção ou divisão ou preferência.

Isto implica dizer que não há direito individual, não havendo qualquer distinção ou hierarquia ou primazia quanto à possibilidade de exercer direitos entre ambos. Ou seja, o direito pode ser exercido de forma idêntica.

Há, ainda, especial atenção em relação aos bens imóveis, dando fundamento a outros institutos jurídicos, como o da necessidade da outorga uxória para alienação ou mesmo onerar tais bens.

Assim, a mancomunhão existente sobre os bens, decorrente do casamento, somente se extingue com a dissolução deste, o que atualmente se da através de sentença judicial de separação ou divórcio ou mesmo através da escritura pública lavrada em cartório, nos casos permitidos em lei.

Ocorre, todavia, que o fim do casamento muitas vezes se da muito anteriormente à lavratura da escritura ou a prolação da sentença judicial.

A separação de fato é situação jurídica atual e que apesar de receber tratamento do ordenamento jurídico, ainda padece de regramento quando o assunto são os bens do casal.

No presente artigo será analisada uma das situações mais corriqueiras da separação de fato, quando, havendo um único imóvel do casal, um dos cônjuges é “obrigado” a deixá-lo, ficando o outro nele residindo, sem a obrigação de qualquer contraprestação pela utilização da parte do imóvel que não lhe pertence.

Para tanto, há de início que se considerar que com o a separação de fato já não mais existe a intenção do casal em prosseguir com o casamento.

Entretanto, como somente com a escritura ou sentença de separação ou divórcio há a dissolução do enlace matrimonial, a mancomunhão perduraria até o advento de tal fato, o que em não poucos casos, em especial aqueles onde há processo judicial, pode consumir considerável lapso temporal.

Para aquele que se viu obrigado a deixar o lar pode ocorrer de se ver sem destino, implicando muitas vezes na necessidade de alugar um imóvel ou mesmo hospedar-se em hotéis, ou casa de amigos e/ou parentes, enquanto aquele imóvel com o qual colaborou de modo fundamental para aquisição, encontra-se ocupado unicamente pela outra parte, sem qualquer contrapartida pelo uso exclusivo.

Invadidos pelo sentimento da injustiça, não poucos são aqueles que acionam a máquina judiciária para que seja sua ex-cara metade condenada ao pagamento de quantia a titulo de aluguel da parte do que não mais lhe pertence desde a separação de fato do casal.

Entretanto, até então os entendimentos jurisprudenciais, ainda arraigados no arcaico entendimento de que o casamento somente cessa através da sentença de dissolução, têm se norteado no sentido de que não havendo tal decisão os bens continuariam em mancomunhão, não se podendo então falar em arbitramento de aluguel.

Somente com a sentença ou escritura é que cessariam todos os direitos recíprocos inerentes ao casamento. O patrimônio ainda não dividido pela partilha, por sua vez, transmutar-se-ia para a situação condominial, quando só então nasceria a possibilidade de se requerer o justo arbitramento de aluguéis.

Todavia, motivado pela latente injustiça da situação, novo posicionamento vem tomando força perante os Tribunais pátrios, no sentido de que logo com a separação de fato o casamento é despido de seu caráter social, já que a família deixa de subsistir, independentemente de uma sentença que assim decrete. Tal fato implica na conseqüência lógica do fim da mancomunhão havida sobre os bens conjugais, que a partir de então passariam à condição de propriedade em condomínio.

Este entendimento vem sido adotado de forma costumeira pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde em brilhante abordagem e explanação o Relator Desembargador Francisco Loureiro julgou caso que envolveu a questão posta , quando da análise do Agravo de Instrumento 678.438.4/3, julgado em 15 de outubro de 2009.

Do julgado extraem-se os seguintes trechos que bem servem para pontuar a questão:

“Indiscutível a possibilidade de se exigir o pagamento de aluguel proporcional do condômino que utiliza a coisa com exclusividade, em detrimento dos demais, com fundamento no princípio que veda o enriquecimento sem causa. Embora a lei não explicite, tal situação é admitida de longa data pela doutrina e jurisprudência. (Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. VIII; Monteiro, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, vol. 4, p. 208; JTJ 122/87 e 206/27)



O presente caso, porém, não trata de condomínio comum, mas sim de mancomunhão, ou condomínio de mão comum, expressão utilizada para designar o estado dos bens do casal, durante o casamento, ou separado de fato.



Na mancomunhão os bens não pertencem a cada um dos cônjuges em metades idéias: pertencem ao casal. (Pontes de Miranda, Tratado de Direito de FAMÍLIA, atualizado por Vilson Rodrigues, Campinas, Bookseller, 2001, p.230 apud Rel. Antonio Vilenilson, TJSP, A.C. 248.610.4/8), Integram um patrimônio, ou seja, um complexo de relações jurídicas, contendo ativos e passivos. Disso decorre a distinção com o condomínio, onde há a possibilidade de disposição de parte ideal da coisa.



Embora não seja pacífica nos Tribunais de Justiça, a possibilidade de indenização pelo uso exclusivo do bem em estado de mancomunhão, compartilho do entendimento de Maria Berenice Dias, que mesmo antes da separação judicial e independentemente da propositura da ação de partilha, admite o pagamento pelo uso exclusivo de bem comum, sob pena de chancelar o enriquecimento injustificado. (Manual de Direito das Famílias, 4ª Ed., Ed. RT, pg. 296).



Parece-me cada vez mais que a separação de fato do casal provoca efeitos jurídicos, pois não mais há a instituição do casamento, mas apenas a sua carcaça jurídica, desprovida de conteúdo. Parece violar a cláusula geral que veda o enriquecimento sem causa, assim, que durante longa tramitação de uma ação de separação, possa um dos cônjuges usar e fruir o patrimônio comum, em detrimento do outro.



Sob essa ótica, nada justifica que o ex-cônjuge usufrua com exclusividade de imóvel comum sem remunerar a ex-esposa pela parte que lhe cabe.

(grifos existentes no original)



O eminente desembargador paulista analisou e julgou o caso sob o prisma da latente injustiça da situação, pois enquanto um dos cônjuges desfruta gratuitamente do imóvel adquirido através da soma de forças do casal, o outro se encontra procurando abrigo sem qualquer contrapartida pelo que ajudou a construir.

O que fez o magistrado foi atender a um dos princípios básicos do Direito, que como área da ciência oriunda da evolução social, destinado à pacificação das relações humanas, deve sempre primar pela observância do estado real das coisas, deixando, quando necessário, de aplicar conceitos ultrapassados em razão da própria evolução das relações sociais.

Não há razão lógica para insistir no entendimento de que enquanto não cessado documentalmente o casamento não poderia aquele que deixou o lar exigir uma contraprestação do outro pela utilização de sua parte do imóvel.

Como na grande maioria dos casos não há a menor chance de reconciliação entre as partes, sendo certo que os bens do casal fatalmente serão alvo de partilha, não há razão lógica para se adiar a possibilidade do pedido de arbitramento, sob pena de dano irreparável ao postulante.

MARIA BERENICE DIAS[1], citada no acórdão referido, nos brinda com entendimento atual, discorrendo brevemente acerca da evolução das formas de se por fim ao casamento. Em sua obra Manual de Direito das Famílias traça breve histórico acerca dos meios para se por fim ao casamento.

Em sua explanação, questiona a necessidade da via dúplice para alcançar tal mister, fato este que se originou do pensamento vigente na sociedade no momento histórico quando foram criados.

Discorre ainda sobre o novo momento vivido, citando inclusive a existência de projetos de lei que visam dar fim ao instituto da separação, passando então a subsistir tão somente o divórcio propriamente dito.

Aproximando-se do ponto que interessa, a autora aborda a separação de fato, para quem este é o que caracteriza, no mundo real, o fim do matrimonio[2].

“Quando cessa a convivência, o casamento não gera mais efeitos, faltando apenas a chancela estatal. O casamento nada mais produz, porque simplesmente deixou de existir. Não há mais sequer o dever de fidelidade, a impedir a constituição de novos vínculos afetivos. Tanto isso é verdade que os separados de fato podem constituir união estável. Só há proibição de casar”.



“O fim da vida em comum leva à cessação do regime de bens, independentemente do regime adotado, porquanto já ausente o ânimo socioafetivo, real motivação da comunicação patrimonial. Esse é o momento de verificação dos bens para efeitos de partilha”.



(...)



“Apesar do que diz a lei (C.C. 1.575 e 1.576) é a data da separação de fato que põe fim ao regime de bens. Este é o marco que finaliza, definitivamente, o estado patrimonial, não tendo nenhuma relevância que seja um período de tempo prolongado.

(grifos nossos)





Significa dizer então que apesar do casamento apenas se dissolver legalmente com a prolação da sentença de divórcio, seu conteúdo se esvai na data da separação de fato do casal, inclusive no que pertine ao regime de bens.

Ainda que se cogite que os bens permaneçam juridicamente em mancomunhão, o intuito de manter patrimônio comum não mais interessa aos agora ex-cônjuges, pelo que não se pode um utilizar do patrimônio do outro sem a justa contraprestação.

Se não é do interesse de uma das partes dispor de seu patrimônio gratuitamente, não pode a lei nem os institutos jurídicos obrigá-lo, sem justa causa.

A citada autora assim conclui[3]:

“A doutrina chama de mancomuhão o estado de indivisão patrimonial decorrente do regime de bens. Tal orientação leva boa parte da jurisprudência a negar à separação de fato e à separação judicial a possibilidade de romper o regime de bens, o que só ocorreria com a ultimação da partilha. Esta posição pode levar à injustiças enormes, pois, estando o casal separado, a posse de fato dos bens por um deles sem se impor a ele qualquer dever pelo uso, gera injustificável locupletamento”.

A necessidade de se imputar àquele que usufruiu do imóvel o pagamento pelo uso de imóvel do qual o Requerente é proprietário na proporção de 50% é medida que se impõe, pois a situação atual se demonstra claramente injusta.

O Poder Judiciário tem a incumbência de dar cabo às injustiças havidas nas relações pessoais, devendo sempre dar a cada um o que lhe compete.

Perante a situação posta, onde uma das partes está residindo gratuitamente em imóvel do casal enquanto outra vive muitas vezes de aluguel ou de favor, não há como não se concluir pela obrigatoriedade da primeira em indenizar o uso da parte do imóvel do qual não é proprietária.

Imperioso, portanto, que em tais casos seja a parte usufrutuária compelida a pagar ao outro valor correspondente a 50% do valor de aluguel do imóvel que lhe pertence, sob pena desta incorrer em locupletamento ilícito por estar fazendo uso exclusivo do imóvel do qual não é totalmente proprietário.

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