quinta-feira, 4 de novembro de 2010

SOCIEDADE TAMBÉM DEVE COIBIR ALIENAÇÃO PARENTAL

Por Carolina da Cunha Pereira França Magalhães

A alienação parental é tema relevante quando experimentamos a progressiva valorização jurídica de proteção dos direitos e interesses dos filhos. Com o rompimento dos laços afetivos entre marido e mulher, muitas vezes nos deparamos com situações em que um dos pais exerce influência negativa sobre a criança, levando-a a uma ruptura inconsciente com o outro genitor.

Isso ocorre quando o casal não processa adequadamente o luto da separação, desencadeando um processo de vingança contra o antigo parceiro. Nesse contexto, o filho é utilizado por um dos pais (denominado genitor alienante) como instrumento de agressão dirigida ao outro (genitor alienado). A criança passa a nutrir uma espécie de implicância por esse último, guardando sentimentos negativos, se recusando a permanecer em sua companhia, nutrindo uma profunda raiva por ele.

Em 26 de agosto de 2010, foi promulgada a Lei 12.318 destinada a combater a alienação parental. No texto da lei, “considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este".

Entre os mais variados exemplos de atos de alienação parental, segundo a lei, está a campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade. O texto legal apresenta um rol de atitudes negativas, como: dificultar o exercício da autoridade parental; não permitir o contato da criança ou do adolescente com o genitor; pôr empecilho para o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; negar deliberadamente ao genitor informações relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alteração de endereço; denunciar falsamente o genitor e seus familiares, procurando obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a evitar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com seus familiares, inclusive os avós.

Porém, a lei não esgota, em seu texto, os atos característicos da alienação parental. O genitor alienante, às vezes, toma, com exclusividade, decisões importantes sobre a vida dos filhos, em casos como: mudar de escola ou de médico sem prévia anuência do outro; transmitir seu desagrado diante da manifestação de alegria externada pela criança em estar com o outro genitor; organizar atividades no dia de visita do outro, objetivando torná-la desinteressante para a criança; controlar cada minuto da visita do genitor. Estes e muitos outros exemplos configuram atos de alienação parental.

Em meio a estas situações criadas pelos pais, encontramos a figura da criança, que passa a ser o meio utilizado pelos genitores para atingir um ao outro. A criança se sente reprimida, passando a ter de anular os momentos felizes que passou com os dois pais, sendo forçada a tomar partido por um deles, devido à dependência emocional criada com aquele que está mais presente.

O psicólogo João David Cavallazzi Mendonça, especialista em Psicologia Clínica e professor supervisor clínico no curso de Especialização em Terapia Familiar, diz que a criança costuma enfrentar dois cenários distintos:

Penso aqui em dois cenários. Um deles é a falta de informações a respeito do genitor ausente, que pode gerar na criança fantasias de ter sido abandonada ou rejeitada. No outro cenário, característico da “alienação parental”, as informações recebidas pela criança a respeito do genitor alienado são sempre de desqualificação e críticas negativas, com vistas a denegrir a sua imagem perante a criança. Eu considero ambos os cenários uma forma de abuso psicológico contra a criança, cujas consequências podem incluir até mesmo sérios distúrbios emocionais, transtornos de identidade e drogadição. Na Terapia de Família, trabalhamos com um importante conceito que pode se encaixar neste caso, que é o da “lealdade invisível”. Mesmo que a criança inicialmente não concorde nem perceba o genitor ausente sob a ótica do genitor alienador, ela passa a “ter de acreditar” nas mesmas coisas devido ao seu vínculo e dependência emocional com o genitor que está mais próximo. Ou seja, apesar de gostar e sentir saudade do genitor alienado, a criança não pode deixar transparecer tal sentimento, sob pena de decepcionar ou desagradar o genitor com quem ela convive. É simplesmente uma situação enlouquecedora para a criança.

A criança permanece em meio a um fogo cruzado entre os pais, o que pode levar a consequências extremamente nocivas: depressão, ansiedade, pânico, uso de drogas e álcool, buscando aliviar a dor e a culpa da alienação, baixa autoestima, problemas de caráter e, em alguns casos, até mesmo o suicídio.

A Lei 12.318 veio para reafirmar o princípio da proteção integral à criança. Ela estabelece mecanismos para punir quem dificulta o acesso físico ou emocional ao filho, prevendo sanções que vão desde a advertência até a revisão da guarda.

Embora a situação esteja tipificada em lei, de acordo com a desembargadora Teresa Castro Neves, existe uma grande dificuldade em lidar com o embate: “Por um lado, o risco de deferir a guarda da criança a um eventual pedófilo que abusa sexualmente da menor, por outro, o risco de privar um pai inocente da convivência com sua prole e participação no seu crescimento”.

De fato, a questão é muito delicada. Nos casos de alienação parental, estamos lidando não só com o conflito existente entre marido e mulher, mas com sentimentos de afeto e amor entre pais e filhos. Porém, restando configurado o abuso de um dos genitores, outra medida não há de ser tomada senão a de confiar a solução da divergência ao Judiciário.

Nesses casos, quando a solução é conferida ao Poder Judiciário, segundo o artigo 4º da lei, declarado indício de alienação parental, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará as medidas provisórias necessárias para a preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, ouvido o Ministério Público.

O juiz poderá, ainda, em havendo indício de ato de alienação parental, determinar perícia psicológica ou biopsicossocial por uma equipe multidisciplinar de profissionais habilitados. O laudo pericial deverá compreender entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou o adolescente se manifesta acerca da acusação contra o genitor (artigo 5º, parágrafos 1º e 2º).

A equipe multidisciplinar designada terá o prazo de 90 dias para apresentar o laudo. Esse prazo poderá ser prorrogado exclusivamente com autorização judicial, baseada em justificativa circunstanciada (artigo 5º, parágrafo 3º).

Caso fiquem caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer ato que dificulte a convivência da criança com o genitor, o juiz poderá: declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente, declarar a suspensão da autoridade parental; sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal (artigo 6º).

Embora a promulgação da Lei de Alienação Parental seja um grande passo para estabelecer medidas para o combate à violência psicológica, característica da alienação parental, cabe também à sociedade coibir tais abusos, conscientizando pais e mães da responsabilidade que possuem na formação de seus filhos.

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