quarta-feira, 17 de novembro de 2010

NOVO PAPEL PARA A ANVISA

Três diferentes pesquisas sobre quais tecnologias e ideologias moverão o cenário de pesquisas, desenvolvimento e inovação colocam a biotecnologia entre as três maiores expectativas e desafios da década. Em certo sentido, e com alguma razão, fica atrás de cloud computing (computação através de nuvens, que promete substituir os padrões atuais de armazenamento e deslocamento de informação) e banda larga (em um ambiente de altíssimos investimentos das telefônicas, retornos duvidosos, eterna insatisfação dos usuários e expansão e infraestrutura sob incógnita). Biotecnologia está entre as 23 tecnologias que merecem cuidado e atenção do estado brasileiro.

O Brasil tem excelentes pesquisadores e centros de pesquisa imaginando encaixes às tecnologias cloud computing e banda larga, não há dúvidas. Sobretudo quando se observa que o mercado interno brasileiro de TI é de 30,2 bilhões de dólares e o de telefonia passa de 64 bilhões. Juntos, representam, hoje, quase 10% do PIB. O crescimento de cada um e de ambos depende do crescimento econômico da sociedade, mas é seguro que todas as esferas sociais continuarão o processo de uso intensivo e extensivo de TI e de banda larga.

Onde está nosso diferencial? Na possibilidade de começar antes e chegar primeiro nas pesquisas biotecnológicas com o material biodisponível no país. Se os gargalos reais e empecilhos imaginários subvertem a força de interesse, fazendo-nos acreditar que não conseguiremos e que as bases de investimentos e financiamentos são tragadas pela burocracia e por legislações desconectadas com a realidade de quem, ao fim e ao cabo, pesquisa, inova, desenvolve e faz chegar aos médicos e aos cidadãos, é preciso pensar que as realidades estão dadas, mas podemos melhorá-las.

Toda essa preparação para dizer duas coisas sobre a ANVISA. Primeiro, ressaltar a importância de uma agência de vigilância sanitária que tem interesse de dotar o país dos mais seguros controles, fazendo um papel correto de mediador de interesses entre o Estado, o Mercado e a Sociedade. Se há um modelo de agência reguladora a seguir, o modelo é o de mediar interesses e oferecer, ao final, aos cidadãos, medicamentos circunscritos a todos os critérios de segurança e eficácia, desde as práticas de pesquisa e controles, às práticas de fabricação e uso.

Segundo, e com base em três décadas e meia, no setor farmacêutico brasileiro, e considerando que acompanho a ANVISA desde seus primeiros movimentos, acredito que, a um passo de uma nova década, a década da biotecnologia, ela precisa ter um novo papel. Alguém terá toda razão de dizer que a ANVISA tem um papel de mediar as questões sanitárias em favor da sociedade. Estará certo, concordo. Mas não estaria certo, também, que tais questões contassem com uma proposta de diálogo, envolvendo Estado, Sociedade e Mercado?

Como seria esse diálogo?, pode perguntar qualquer um de nós. Caberia a uma agência reguladora o papel de estabelecer um modelo de diálogo? Dizer que a ANVISA não tem procurado modelos de dialogar é equívoco, pois lá está um conselho consultivo que procura representar os interesses do Estado, da Sociedade e do Mercado. Isso é verdade. Tive a oportunidade de integrar o conselho consultivo da ANVISA durante dois mandatos de três anos cada, como representante da CNI – Confederação Nacional da Indústria e atesto que há um franco encaminhamento ao diálogo.

Mas o conselho consultivo não cobre todos os aspectos e, muitas vezes, quem pesquisa, inova e produz medicamentos no Brasil é surpreendido com resoluções demarcadas por prazos exíguos, fáceis de ser aceitos por quem não está ocupado com investimentos, boas práticas, pesquisa, comercialização, interação com a classe médica. Mas impensável e impossível na prática. Sobretudo, para as indústrias nacionais, menores, com menos recursos, atribuladas com a complexa rede de impostos nacionais, estaduais, diretos, indiretos, acoplados e dissociados.

Não caberia à ANVISA compreender mais de perto qual é a importância da indústria farmacêutica nacional para a soberania do país e criar um programa de apoio e incentivo à pesquisa, desenvolvimento e inovação de biotecnológicos brasileiros, já que essa área representa algo com 80% de sua demanda? Nas reuniões oficiais, coordenadas por autarquias estatais, com o objetivo de deslanchar iniciativas de um programa nacional de biotecnológicos, é comum observar que todas as atenções e respostas se voltam às decisões da ANVISA e ao cumprimento de questões envolvendo legislação e resoluções que, em geral, não têm ajudado a indústria nacional a se tornar uma referência dentro do próprio Brasil.

Mas aí está. As bases desse diálogo e de um novo papel, sem perder as características importantes de mediador e regulador, podem ser construídas a tempo de construir um cenário vitorioso para a próxima década. As indústrias nacionais precisam que a ANVISA tenha esse novo papel.

A primeira etapa a ANVISA já cumpriu e bem nos seus 10 anos de vida. Criou um marco regulatório consistente, estabeleceu as regras gerais para o maior mercado farmacêutico da América Latina. Vindo a construir esse diálogo produtivo, olhando a indústria farmacêutica e farmoquímica como um bem nacional, certamente estaremos caminhando para a consolidação do mercado farmacêutico e farmoquímico nacional, que será, sem sombra de dúvida, o maior da América Latina.

*Josimar Henrique é Presidente da Hebron Farmacêutica - www.hebron.com.br e Diretor Temático de Assuntos Parlamentares da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades - ABIFINA - www.abifina.org.br.
E-mail: presidencia@hebron.com.br.

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