quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A NULIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR POR VÍCIO NA DESIGNAÇÃO DE COMISSÃO PROCESSANTE

por Luiz Cláudio Barreto Silva

É causa de nulidade do processo disciplinar o vício na designação de Comissão Processante. É que esse ato não pode se distanciar do comando da lei. Por isso, desatendido o comando legal, o caso é de nulidade por violação aos princípios da legalidade e do juiz natural.

Poderia se objetar com o argumento de existência de julgados não proclamando a nulidade do processo disciplinar em casos excepcionais, fundado no argumento de ausência de prejuízo, o que se constata de precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Gilson Dipp, em que a Comissão Processante foi composta por quatro membros, mas a legislação estabelece o número de três:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PORTARIA INAUGURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. "WRIT " IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. I – Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que a exposição pormenorizada dos acontecimentos se mostra necessária somente quando do indiciamento do servidor. Precedentes. II – Nos termos do artigo 149 da Lei 8.112/90, o processo administrativo será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, exigindo que o Presidente deverá ocupar cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado, não havendo qualquer irregularidade no fato de a comissão ser composta por quatro servidores. Precedentes. III - Aplicável o princípio do "pas de nullité sans grief", pois a nulidade de ato processual exige a respectiva comprovação de prejuízo. In casu, o servidor teve pleno conhecimento dos motivos ensejadores da instauração do processo disciplinar. Houve, também, farta comprovação do respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, sendo certo que foi oportunizada ao indiciado vistas dos autos, indicação de testemunhas e apresentação de defesa. IV - Consoante prevê o art. 156, § 1º da Lei nº 8.112/90, "O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos." V - Descabida a argüição de nulidades quando o "writ" é impetrado como forma derradeira de insatisfação com o robusto e conclusivo desfecho do do processo administrativo disciplinar. VI - Ordem denegada”. [1]

No entanto, no que diz respeito à observância do requisito do juiz natural e do princípio da legalidade, o entendimento predominante é no sentido da nulidade do processo disciplinar.

Sobre o assunto, no campo doutrinário, as oportunas considerações de Claudio Rozza:

“Sem o requisito do juiz natural/autoridade competente, o processo é nulo, e por vezes, sequer existente.

Após a Constituição Federal/1988, não pode mais existir processo de estrutura inquisitorial, e o processo disciplinar reclama uma nova visão, aproximando-o de uma estrutura de caráter acusatório,

Comissões de exceção, parciais, improvisadas, acidentais, despreparadas, dependentes, submissas, medrosas, designadas sob encomenda, devem ser banidas de vez, dando-se prévia publicidade das autoridades instauradora, instrutora, julgadora, investidas das respetivas competências, com mandato e critérios predefinidos, antes da ocorrência dos fatos que lhes vierem a ser submetidos à análise mediante sindicância ou processo disciplinar.

O processo administrativo disciplinar deve espelhar, pelo desenvolvimento concretizador dos princípios constitucionais na sua prática quotidiana, o Estado Constitucional Democrático de Direito.

Assim, no entardecer do outono, à luz crepuscular, ao ouvir o ruflar da bandeira, agitada ao vento, será menos utópica a mensagem simbólica de ordem e progresso, e, ainda que, estrela inacessível, mais próximo o objetivo fundamental da nação, ao qual se agrega o do servidor público: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. [2]

Em sede jurisprudencial, precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Paulo Galotti, anulando processo disciplinar contra policial federal, uma vez que a legislação[3] estabelece que a apuração deve se processar por meio de “Comissão Permanente”[4], mas, no caso concreto, se deu por intermédio de “Comissão Provisória”:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. NULIDADES. ARTIGO 53, § 1º, DA LEI Nº 4.878/65. VÍCIO DE COMPETÊNCIA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTE ESPECÍFICO.

1. A instauração de comissão provisória, nas hipóteses em que a legislação de regência prevê expressamente que as transgressões disciplinares serão apuradas por comissão permanente, inquina de nulidade o respectivo processo administrativo por inobservância dos princípios da legalidade e do juiz natural. 2. Precedente. 3. Ordem concedida”. [5]

Em igual sentido, precedente da relatoria do Ministro Felix Fischer, com a seguinte ementa:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. POLICIAL FEDERAL. ART. 53, § 1º, DA LEI Nº 4.878/65. COMISSÃO AD DOC. NULIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. A designação de comissão temporária para promover processo administrativo disciplinar contra servidor policial federal viola os princípios do juiz natural e da legalidade, a teor do art. 53, § 1º, da Lei 4.878/65, lei especial que exige a condução do procedimento por Comissão Permanente de Disciplina. (Precedentes: MS 10.585/DF, 3ª Seção, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 26/02/2007 e MS 10.756/DF, Rel. Min. Paulo Medina, cujo voto foi modificado após voto-vista do Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 30/10/2006.) Segurança concedida”. [6]

É também o entendimento do Ministro Arnaldo Esteves Lima, em precedente da relatoria do Ministro Paulo Medina, com trecho de voto-vista nos seguintes termos:

“Segundo o princípio do juiz natural, a Constituição garante que as pessoas serão processadas e julgadas somente pelas autoridades competentes (art. 5º, inc. LIII), todavia, isto não foi respeitado no caso, porquanto o Impetrante foi submetido a uma Comissão ad hoc de disciplina, e não a uma Comissão Permanente, como prevê o citado art. 53, § 1º, da Lei 4.878⁄65.

Segundo a Lei do Processo Administrativo (Lei nº 9.784⁄99), a competência é irrenunciável (art. 11) e não pode ser objeto de delegação, quando a matéria for exclusiva do órgão ou autoridade (art. 13, inc. III).

Não podia a autoridade instauradora do processo administrativo, Sr. Diretor-Geral do DPF, delegar a atribuição da Comissão Permanente de Disciplina a uma Comissão ad hoc, mas, como o fez, provocou a nulidade do processo de demissão do Impetrante ab ovo, que se sujeitou ao processo administrativo disciplinar perante um órgão incompetente, a Comissão ad hoc, conforme o art. 5º, inc. LIII, da CF⁄88, c⁄c art. 53, § 1º, da Lei nº 4.878⁄65”. [7]

Portanto, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, não observado o comando legal na designação da Comissão Processante o caso é de nulidade do processo por violação ao requisito do juiz natural e princípio da legalidade.

*O autor é Advogado, escritor, pós-graduado em Direito do Trabalho e Legislação Social, ex-Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da 12ª Subseção de Campos dos Goytacazes e Professor Universitário.

Notas e referências bibliográficas

[1] STJ. MS 8297 / DF. Relator: Min. Gilson Dipp. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ms+8297&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=14 . Acesso em: 17 dez. 2009.

[2] ROZZA, Claudio. Processo administrativo disciplinar e comissão processante escolhida por encomenda . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2081, 13 mar. 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2009.

[3] BRASIL. LEI Nº 4.878, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1965. . Dispõe sôbre o regime jurídico peculiar dos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L4878.htm . acesso em: 17 dez. 2009.

[4] ARTIGO 53, § 1º, DA LEI Nº 4.878/65.

[5] STJ. MS 10585 / DF. Relator: Min. Paulo Gallotti. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ms+10585&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2 . Acesso em: 17 dez. 2009.

[6] STJ. MS 13250 / DF. Relator: Min. Felix Fischer. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ms+10585&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1 . Acesso em: 17 dez. 2009.

[7] STJ. MS. 10756. Relator: Min. Paulo Medina. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200501011632&dt_publicacao=30/10/2006 . Acesso em: 17 dez. 2009.

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