sexta-feira, 4 de junho de 2010

O USO DO PODER JUDICIÁRIO PARA FINS LUCRATIVOS

Por Pedro Benedito Maciel Neto

Durante as eleições de 2008 na condição de advogado tive a oportunidade de, numa preliminar de defesa em processo eleitoral, denunciar a aparente utilização do Poder Judiciário para fins político-eleitorais, através da judicialização de fatos políticos e de sua midiatização quase que imediata. É verdade que a preliminar não mereceu atenção expressa do então juiz eleitoral, mas a representação foi julgada improcedente.

Bem, sabemos que quando as relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessam um momento de tensão ocorre a denominada judicialização da política (há judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política), no Brasil a judicialização é grandemente de responsabilidade da classe política que se mostrou por muito tempo incompetente.

Penso que também que o excesso da judicialização conduz à politização da justiça, que é muito pior que a judicialização, pois como ensina o Sociólogo Português Boaventura Santos, pode comprometer significativamente a harmonia entre os Poderes e a própria democracia.

Esse fato, segundo o Professor Boaventura, pode ocorrer por duas vias principais: uma, de baixa intensidade, quando membros isolados da classe política são investigadores e eventualmente julgados por atividades criminosas que podem ter ou não a ver com o poder ou a função que a sua posição social destacada lhes confere, o que é, na minha maneira de ver, positivo.

Mas há outra espécie de judicialização, a de alta intensidade, que ocorre quando parte da classe política, não se conformando ou não podendo desenvolver a luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político democrático, transfere para os tribunais os seus conflitos internos através de denúncias, podendo, algumas vezes, ter como aliados membros do Ministério Público ou do Poder Judiciário.

Penso que é mais ou menos isso que o PSDB fez nas eleições em Campinas no ano de 2008, e isso pode se reproduzir nas eleições presidenciais de 2010.

O PSDB, um partido de importância enorme na minha cidade e no Brasil e que, em tese, possui conteúdo e propostas, acabou por renunciar ao debate democrático e optou por deslocar para a Justiça Eleitoral conflitos que não são, a priori, jurídicos ou judiciais.

E o que é pior, muitos de nós tem a impressão que alguns representantes do Ministério Público se prestaram e se prestam a fazer a luta política ao invés de cumprir seu dever constitucional, o que é no mínimo lamentável.

Exemplo típico do que estou dizendo é episódio recente, amplamente divulgado pela revista Veja, envolvendo Vaccari, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores e o MP de São Paulo. Com possível objetivo político-eleitoral o Ministério Público bandeirante denunciou o tesoureiro, mas a denuncia foi rejeitada pelo Juiz Eleitoral por falta de provas.

Contudo a revista Veja, apesar de rejeitada a denuncia, apresentou ao seu leitor Vaccari como sendo um exemplo de corrupto da pior qualidade, mas tecnicamente não há nem denuncia, quanto mais processo contra ele.

A revista esqueceu-se de dizer também que o Ministério Público Federal de São Paulo já havia informado, em nota oficial, que o material que recebeu da Procuradoria-Geral da República e que Lúcio Bolonha Funaro, apresentado pela revista como o “bom e arrependido moço”, é na realidade um doleiro denunciado pelo MPF por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro e que o processo que tramita na Justiça Federal não faz nenhuma menção ao ex-presidente da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) João Vaccari Neto, atual tesoureiro do PT.

O Ministério Público de São Paulo também não fez questão de esclarecer o erro de informação da revista. Por quê?

A Veja “esqueceu-se” de esclarecer ao seu leitor que a denúncia feita pelo Ministério Público de São Paulo contra João Vaccari Neto foi rejeitada pelo Judiciário por falta de provas. O texto da tradicional revista passa a impressão ao leitor que há um processo, quando na realidade não há. O Ministério Público nesse caso, em tese, fez uso indevido do Poder Judiciário e a Judicialização do fato e sua midiatização transformaram Vaccari em inimigo público.

A revista de maior circulação do país também não informou o seu leitor que o Ministério Público de São Paulo passou ainda pelo vexame de ver o juiz negar o bloqueio das contas da Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo) e adiar a decisão sobre a quebra do sigilo bancário e fiscal do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, afirmando em seu despacho publicado no Diário Oficial que não havia embasamento técnico em parte do pedido feito pelo Promotor.

O juiz corajosamente afirmou no seu despacho que, na questão da Bancoop e de João Vaccari, não seria possível desconsiderar o fato de o caso ter voltado à tona a apenas meses das eleições, em sendo assim para que tais informações não contaminassem a investigação ou, noutro sentido, que esta não venha a ser utilizada por terceiros para manipulação da opinião pública por propósitos políticos o pedido foi indeferido.

Não se pode desconsiderar a repercussão política que qualquer fato passa a ter a partir do momento em que um simples requerimento do Ministério Público é divulgado pela imprensa, antes mesmo que fosse apresentado ou apreciado pelo Juízo.

Mas voltemos a Campinas.

O objetivo dessa tática antidemocrática (renunciar ao debate democrático e judicializar e midiatizar todos os fatos) é obter, através da mídia, a exposição judicial do adversário, qualquer que seja o desenlace, para enfraquecê-lo ou mesmo liquidá-lo politicamente, algo no mínimo questionável sob o ponto de vista ético e democrático.

O professor Boaventura Santos afirma que no momento em que ocorre judicialização de alta intensidade a classe política, ou parte dela, renuncia ao debate democrático e transforma a luta política em luta judicial, mas fica muito pior quando se identifica prováveis verdadeiras joint ventures entre membros da classe política, membros do ministério público e da imprensa.

Penso que não é fácil saber o reflexo do impacto da judicialização e midiatização de fatos políticos (que passam a ser vistos como fatos judiciais) no sistema político, no sistema judicial ou na sociedade, mas seria possível afirmar que isso “... tende a provocar convulsões sérias no sistema político”¹ e na própria sociedade.

Nesse sentido é possível afirmar que os que alguns dirigentes de partido político fizeram em Campinas nas eleições de 2008 afastam a social-democracia de suas tradições democráticas e nega a tradição republicana. O Poder Judiciário tem de estar atendo e o Ministério Público deve refletir sobre tudo isso.

Essa judicialização da política pode a conduzir à politização da Justiça, a qual por seu turno consiste num tipo de questionamento da justiça que põe em causa, não só a sua funcionalidade, como também a sua credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que violam as regras da separação dos poderes dos órgãos de soberania.

Ademais, a politização da justiça coloca o sistema judicial numa situação de stress institucional que, dependendo da forma como o gerir, tanto pode revelar dramaticamente a sua fraqueza como a sua força², essa é a opinião do Professor Boaventura Santos.

A politização da justiça, que ocorreu em Campinas, buscou transformar a plácida obscuridade dos processos judiciais na trepidante ribalta midiática dos dramas judiciais e talvez isso ocorra novamente nessas eleições. É assim que se constrói o debate democrático?

Esta transformação é problemática devido às diferenças entre a lógica da ação midiática, dominada pela instantaneidade, e a lógica da ação judicial, dominada por tempos processuais lentos. É certo que tanto a ação judicial como a ação midiática partilham o gosto pelas dicotomias drásticas entre ganhadores e perdedores, mas enquanto o primeiro exige prolongados procedimentos de contraditório e provas convincentes, a segunda dispensa tais exigências. Em face disto, quando o conflito entre o judicial e o político ocorre na mídia, estes, longe de ser um veículo neutro, são um fator autônomo e importante do conflito.

E, sendo assim, as iniciativas tomadas para atenuar ou regular o conflito entre o judicial e o político não terão qualquer eficácia se os meios de comunicação social não forem incluídos no pacto institucional. É preocupante que tal fato esteja a passar despercebido e que, com isso, se trivialize a lei da selva midiática em curso.

O uso do Judiciário, o deslocamento desmedido de questões políticas para o campo judicial pode revelar ausência de espírito democrático, bem como, em tese, verdadeira litigância de má-fé de quem usa e desvirtua em verdade o processo eleitoral para atingir seus fins, procede de modo temerário e provoca, através de representações, cautelares e ações diversas, vários incidentes infundados³.

E o que mais me entristece é que apesar de a Constituição Federal (organizada em Títulos, esses divididos em Capítulos, que são sistematizados em seções) prever no artigo 133 (inserido na Seção III, que trata da Advocacia e da Defensoria, do Capitulo IV, que trata das funções essenciais à Justiça (o Ministério Público e Advocacia) do Titulo IV da Constituição, o qual trata da “Da Organização dos Poderes”) que o Advogado é indispensável à administração da Justiça, parte do Ministério Público e do Poder Judiciário insista em desqualificar a advocacia.

Tudo isso no contexto da politização do Judiciário e do próprio Ministério Público. Evidentemente me refiro a caso concreto em curso, razão pela qual não me é autorizado detalhar, apenas conceituar.

A advocacia “função essencial à Justiça” confere inviolabilidade aos atos e manifestações do advogado no exercício da profissão, nos limites da lei, mas pasmem leitores um Ilustre Representante do Ministério Público ao invés de requerer a quebra do sigilo bancário e telefônico dos investigados, num inquérito policial relacionado intrinsecamente a processo eleitoral, requereu a oitiva do advogado da vitima, sugestionando expressamente que o meu colega advogado estava artificiosamente criando fatos. Uma barbaridade.

Estou na realidade cansado de assistir inerte às reiteráveis violações às garantias dos advogados, no exercício do direito de defesa dos interesses e direitos de seus clientes e da própria sociedade e quem vive a advocacia e da advocacia sabe a que estou me referindo.

Não fosse real e significativo esse fato, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado não teria convocado, em Julho de 2009, audiência pública para debater o Projeto de Lei 83/08, que objetiva criminalizar a violação de qualquer uma das prerrogativas estabelecida no artigo 7° da Lei 8.906/94.

Lei Federal afirma que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público”, mas as diferenças de tratamento entre advogados e promotores são gritantes. Nas audiências na Justiça Federal, por exemplo, o Ministério Público senta à direita do magistrado. Um símbolo sobre o qual temos de refletir. E não é só, o Ministério Público pode ter acesso a todas as provas, mas nós advogados, mesmo com procuração, temos de requerer vistas ao magistrado, apesar de a lei federal dizer que os advogados não estão subordinados nem a magistrados nem aos Promotores.

E não é só. Os Promotores e Magistrados podem circular livremente pelos Tribunais, no horário que for preciso, enquanto nós advogados só podemos circular em horário de expediente, a todo o momento se identificando com a carteira profissional e com algum constrangimento muitas vezes.

O fato é que a advocacia está sob risco e isso é efeito colateral do processo de judicialização da política o qual transborda, para a politização da Justiça, ou do Poder Judiciário e não se pode perder de vista que o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Advocacia são, antes de tudo, instituições de Estado, e não de governo. Assim, é imprescindível que sua atuação fique acima de circunstâncias ou convicções políticas.

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