quinta-feira, 31 de maio de 2012

Entidades se manifestam sobre honorários da defesa de Cachoeira

Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) entrou no ringue para a luta travada em torno da investigação dos honorários recebidos pagos ao criminalista e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos pelo seu cliente Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. A ANPR emitiu nota de apoio a Manoel Pastana, procurador que propôs uma representação contra o advogado na Procuradoria da República em Goiás na última segunda-feira (28/5).
O Instituto dos Advogados de São Paulo também emitiu nota nesta quarta-feira (30/5), essa repudiando a atitude de Pastana. Segundo a nota, assinada pela presidente do instituto, Ivette Senise Ferreira, "descabe a alegação de que deveria ser fornecida obrigatoriamente ao acusado a defesa por parte do Estado, pois a relação é de escolha livre e de confiança".
A Ordem dos Advogados do Brasil já havia se posicionado ao lado de Thomaz Bastos. Na última terça-feira (29/5), o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou que "a partir do momento em que se imputa ao advogado a prática de crime por ele estar exercendo, dentro dos limites da lei, o direito de defesa, por óbvio se está a atentar contra as liberdades e contra o legal exercício de uma profissão, constitucionalmente protegida”.
O presidente da OAB paulista, Luiz Flávio Borges D’Urso, também saiu em defesa do ex-ministro. Antonio Ruiz Filho, presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB paulista, lembrou que o direito de defesa deve ser colocado no mesmo patamar da liberdade de imprensa. O criminalista Alberto Zacharias Toron, que iniciou a carreira no escritório de Thomas Bastos, também se mostrou indignado com a situação.
Agora, a ANPR sai em defesa do procurador, afirmando que a petição de Pastana “louva-se na aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), segundo a qual o recebimento de vultosa quantia de quem não tem renda lícita constitui crime de receptação culposa”.
Contrária aos argumentos de que a investigação dos recursos estimados em R$ 15 milhões representaria um cerceamento do direito a defesa, a associação encerra a nota explicando que sua postura “não representa, contudo, menosprezo à advocacia e ao exercício regular da ampla defesa e do contraditório, que os membros do Ministério Público Federal fazem questão de reverenciar como fundamental em um Estado de Direito”.
A assessoria de imprensa do próprio Pastana enviou uma nota à imprensa hoje, rebatendo as afirmações de que ele esteja tentando intimidar Thomaz Bastos ou cercear a defesa de Cachoeira. Pestana, diz a nota, quer apenas cumprir a Lei de Lavagem de Dinheiro, uma vez que "há indícios de crime de lavagem de dinheiro ou de receptação".
O questionamento sobre os honorários recebidos por Thomaz Bastos representa, segundo o procurador, "progresso no cumprimento da ordem jurídica".
Leia a nota de Pastana:
O Procurador Manoel Pastana, ao vislumbrar veracidade nas informações de que o advogado Márcio Thomaz Bastos teria cobrado R$ 15 milhões do acusado Carlinhos Cachoeira, para defendê-lo em processo criminal, que envolvem vários delitos, entre eles lavagem de dinheiro; por dever de ofício (art.236, inciso VII da LC 75/1993), representou para que seja apurada a origem dos recursos pagos a títulos de honorários.
O Dr. Pastana há quase duas décadas é procurador do Ministério Público Federal, atuando na área criminal; por isso, sabe que jamais conseguiria intimidar um advogado criminalista com a experiência de 60 anos. Ademais, nunca foi leviano e não tem interesse algum em prejudicar a defesa de quem quer que seja. Assim, causa espécie o tom da nota expedida pelo representado ao dizer: “Causa indignação, portanto, a tentativa leviana de intimidar o advogado, para cercear o direito de defesa de um cidadão.”
O exercício da advocacia não isenta o advogado, assim como qualquer profissional, de justificar que a renda recebida de seu trabalho provém de origem lícita. Não existe nenhum dispositivo legal que contemple o advogado com tal imunidade. Até porque, se houvesse, tornaria a Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro) letra morta, pois bastaria o criminoso celebrar um contrato milionário com o advogado. Este, sem ter que justificar a origem do dinheiro recebido a título de honorários, incluiria no seu patrimônio como renda lícita e, depois, poderia retornar mediante doação ao próprio infrator ou a quem ele indicasse.
Dessa forma, longe de ser leviano ou de querer atrapalhar a defesa do cidadão Cachoeira, o Procurador Pastana tenciona apenas que a lei seja cumprida, pois como há indícios de crime de lavagem de dinheiro ou de receptação, uma vez que a Lei Penal, neste último caso, presume que o recebimento de vultosa quantia de quem não tem renda lícita constitui crime de receptação culposa, representou para que seja apurada a origem dos recursos.
Considerando que há presunção relativa de que o recebimento do dinheiro em tal situação constitui ilícito penal, basta que o representado prove que o recurso recebido no pagamento dos seus honorários não é de origem ilícita e o problema está resolvido. Isso porque o questionamento não diz respeito ao patrocínio advocatício, mas ao vultoso recurso vindo de quem não tem renda lícita para arcar com tal patrocínio. Se o pagamento foi realizado por terceiros, basta provar que os pagantes têm renda para tanto.
Por fim, o fato de nunca ter sido questionado situação dessa natureza não impede que a lei seja cumprida neste caso, bem como não representa retrocesso, mas sim progresso no cumprimento da ordem jurídica.
Leia a nota da ANPR:
"A ANPR vem a público manifestar apoio a seu associado, o procurador regional da República Manoel Pastana, que, ao vislumbrar verossimilhança nas informações de que o advogado Márcio Thomaz Bastos teria cobrado R$ 15 milhões do acusado Carlinhos Cachoeira, para defendê-lo em ação penal que lhe imputa vários delitos - entre eles lavagem de dinheiro -, apresentou petição ao MPF de Goiás para que seja apurada a origem dos recursos pagos a título de honorários.
A petição louva-se na aplicação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), segundo a qual o recebimento de vultosa quantia de quem não tem renda lícita constitui crime de receptação culposa. É intuitivo que o advogado, assim como qualquer profissional, não está isento de justificar que a renda recebida de seu trabalho provém de origem lícita. Cuida-se de fazer com que a lei seja cumprida.
Vale lembrar que a análise da petição - de resto exercitável, também, como atributo da cidadania -, do ponto de vista de efetiva ação do Ministério Público Federal, caberá, a princípio, aos procuradores da República destinatários daquela, que detêm a inteira atribuição para agir como lhes parecer adequado sob o ditame da lei. Isto não representa, contudo, menosprezo à Advocacia e ao exercício regular da ampla defesa e do contraditório, que os membros do Ministério Público Federal fazem questão de reverenciar como fundamental em um Estado de Direito - tanto quanto o integral cumprimento da ordem jurídica."
Alexandre Camanho de Assis
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR
Leia a nota do IASP:
Causa profunda preocupação a notícia de que um membro do Ministério Público Federal encaminhou pedido de investigação sobre a origem de dinheiro pago por alegado contraventor, em processo de repercussão nacional, a seu advogado. A alegação de que advogado não poderia receber honorários de seu cliente, acusado por suposta prática criminosa, não é nova, mas ganhou nova roupagem com a Lei de Lavagem de Dinheiro. No exterior o assunto já veio a tona em diversos países, questionando-se, justamente, o recebimento de honorários de origem suspeita.
O Instituto dos Advogados de São Paulo já debateu o tema em momento anterior e se posicionou pela garantia da ampla defesa e pela isenção do advogado em tais casos. Descabe a alegação de que deveria ser fornecida obrigatoriamente ao acusado a defesa por parte do Estado, pois a relação é de escolha livre e de confiança.
Tais predicados são alocados no contexto da ampla defesa, que não significa, simplesmente, a permissão de defesa técnica. A escolha dessa defesa, específica à realidade posta, é que é fundamental. A defensoria pública é competente, e disso ninguém duvida, mas ao réu deve caber, sempre, a possibilidade de escolha de seu patrono. As relações e situações cotidianas, como a do livre exercício profissional do advogado, por outro lado, não podem, de modo algum, ser confundidas com práticas criminosas. Trata-se, por assim dizer, de uma relação de adequação profissional, que escapa ao foco do Direito Penal. A defesa é escolhida e remunerada pelo seu trabalho, não podendo ser este confundido com suposto crime anterior, e ainda não provado, do acusado.
Ivette Senise Ferreira
Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP

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