terça-feira, 29 de maio de 2012

A quem servem os ataques à prova de seleção da OAB?

Por Bartolomeu Rodrigues

Com uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) em andamento e a presidente Dilma Rousseff recortando os artigos do já aprovado Código Florestal, nossos parlamentares têm mais o que fazer, supõe-se, ao invés de se preocupar com a prova dos bacharéis de Direito aspirantes a advogados. São três chances no ano, ninguém diga que é pouca coisa. Domingo passado (27), 112 mil bacharéis prestaram prova em todo o país.
Entrementes, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) fez de seu twitter um palanque contra o Exame de Ordem. Tem milhares de seguidores, é claro, e vem agregando muito mais. O índice de reprovação do Exame é alto, como se sabe, especialmente dos alunos egressos de cursos particulares, embora não seja a prova um bicho-papão — o que se pode aferir dos resultados de escolas medianamente preparadas, públicas ou privadas.
Mas a turma reprovada adora o deputado, que aliás nem é advogado; é economista.
No dia 25 de maio, ele escreveu: “Não vou dar sossego até a gente votar o fim do Exame da Ordem”.
Aparentemente recebeu o apoio do presidente da casa, Marco Maia (PT-RS), metalúrgico, como Lula, industriário, conforme consta de seu perfil, sem contudo mencionar qualquer curso acadêmico. Maia estaria ressentido com o discurso do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, durante a posse do ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, com severas críticas ao funcionamento do Congresso. Além do delegado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), este sim bacharel em Direito, formado pela Faculdade Brasileira de Ciências Jurídicas, do Rio, que por sinal não consta das instituições agraciadas este ano com o selo de qualidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Isto sem falar de um sem-número de sem-carteiras da OAB que cerram fileiras e até protagonizaram no ano passado manifestações em frente ao Supremo pedindo a inconstitucionalidade do Exame. Ao reclamar da prova e confessar, como alguns o fizeram, que estavam na terceira, quarta ou quinta repetência, eles passaram recibo: alguma coisa está errada. O STF manteve o Exame, é claro.
A decisão foi jurídica. Ao proferir seu voto, o ministro Marco Aurélio frisou que quem exerce a advocacia sem qualificação técnica prejudica a outrem, ao cliente e à coletividade, aduzindo, no caso das faculdades mal preparadas, que estas vendem o sonho, mas entregam pesadelos.
O sonho de se formar em Direito é bem acalentado não apenas pelo que representa a profissão de advogado em si (carreira, sucesso, status etc), mas também pela chance de se tornar, lá na frente, graças à fábrica nacional do concurso público, um juiz, promotor ou delegado de polícia... Porém, seja que rumo tomar, a preparação é fundamental, pois funil é apertado, é peneira de granulometria fina. E embora concurso não seja a melhor forma de aferir competência, está provado que só passa quem se dedica com afinco aos estudos. Exame de Ordem, diante de uma prova para ser juiz, é café pequeno. E para ser juiz, precisa antes ser advogado; aí que pega.
Assim começa o pesadelo, justo quando as classes menos favorecidas têm mais acesso à educação e ao diploma. Pena que o sistema educacional privado (com exceções, sem dúvida) está entregue a empresários minimamente alfabetizados. Que sejam empresários, compreende-se, mas esta condição não os autoriza transformar instituições de ensino em fábricas de diplomas, sem qualquer responsabilidade social. O papel do governo, salvo engano, é vigiá-las, porém tudo corre tão absurdamente frouxo que nos faz supor o que se passa nos bastidores.  É material para uma grande reportagem. Mas isto antes dos reality shows substituírem o jornalismo.
Ante o descaso das autoridades, quem pode economizar, sacrificar um pouco de seu salário e se submeter a um terceiro expediente, ainda que exausto, freqüenta o curso à noite, contanto que ao final de cinco anos tenha o seu diploma. Deixasse ao sabor dos empresários do ensino, já existiria um bacharelado “expresso” em Direito de três anos de duração, quem sabe dois. Afinal, é pagar e entrar, e, uma vez dentro, bem, falar de qualidade é pedir muito, pois não? O Brasil deve figurar bonito nas estatísticas como o país quem em dez anos dobrou o número de cidadãos com terceiro grau completo. Se havia 400 faculdades de Direito em 2000, hoje são 1.100. É verdade, a Ordem dos Advogados já teve até notícia de local onde pela manhã e à tarde funcionava a Câmara de Vereadores, e, à noite, ensinava-se Direito.
Na verdade, o universo de 800 mil advogados no exercício da profissão pode até ser ampliado, dobrado, triplicado, quem sabe, o mesmo com relação ao número de cursos. Por que não? Ninguém em sã consciência é contra democratizar o ensino e abrir oportunidades para que qualquer pessoa, independentemente de sua condição social, obtenha o tão sonhado diploma. Cem por cento de aprovação no Exame. Isto é perfeitamente possível. A China, para se candidatar a líder do mundo, investe pesadamente em educação, pensando colher os frutos nas décadas vindouras. E nós? Ao menos nos resta compreender que nenhuma revolução é mais duradoura e efetiva do que a educação, que vai muito além de um canudo de papel. Educação é antes de tudo uma ideia transformadora, que nos obriga a pensar.

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