segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O STF e seus ataques à Constituição

Tiraram a nossa presunção de inocência e agora a privacidade. Qual o próximo direito que perderemos?

No século I A. C., o imperador romano Júlio César foi vítima de uma conspiração de senadores para tirá-lo do cargo. Entre eles estava o seu filho adotivo Marcus Brutus. O complô resultou no assassinato do imperador a punhaladas pelo grupo de senadores. Na hora da morte, Júlio César reconheceu o filho entre os seus algozes e proferiu a frase. "Até tu, Brutus, filho meu?". É isto que a Constituição brada ao reconhecer que está sendo ferida por quem deveria lhe proteger: o STF.
Tiraram a nossa presuno de inocncia e agora a privacidade Qual o prximo direito que perderemos
Pisada e repisada já esta história do HC 126.292 que permite a Execução Provisória de Decisão Condenatória em 2º grau. Um absurdo que fere de morte a Constituiçãoem seu artigo LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Acontece que nem bem a gente se recupera deste velório e já temos outro. Qual?
Com um placar final de 9 votos a 2, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que são constitucionais os dispositivos da Lei Complementar 105/2001 e de regulamentações posteriores que permitem o fornecimento pelos bancos à Receita Federal de informações sobre movimentações financeiras de contribuintes, sem necessidade de autorização judicial.
Como assim, gente, sem necessidade de autorização judicial? E a Constituição Federal fica como? Cito-a:
Art. 5º, XII - e inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Um argumento usado é o de que que a Constituição fala somente do sigilo das Correspondências, das Comunicações Telegráficas e de dados das comunicações telefônicas. Eis aqui o Diabo - já que ele está nos detalhes, como dizia a minha avó.
Eu sei que Direito é Interpretação, mas sei também que Interpretação não é uma terra sem lei. Não tem como ler algo que fala de Pé de Maracujá e depois falar de outro assunto porque, segundo a sua interpretação, houve o entendimento de que o que foi lido versava sobre formas de fabricar um carro. Não.
Não é isto que a Constituição diz. Ela diz - e eu vou desenhar:
É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas.
O sigilo de Dados Bancários está inserido em de dados na nossa CF. Por que digo isto? Porque eu entendo que a CF fala de 4 espécies que são protegidas. Haverá sigilo
  • Da correspondência
  • Das comunicações telegráficas;
  • De dados;
  • Das comunicações telefônicas.
Não há apenas 3 espécies protegidas: correspondênciacomunicações telegráficas dados das comunicações telefônicas. Não!
Quisesse o legislador falar do sigilo de dados referentes à correspondência e comunicações telefônicas ele não teria destacado da correspondência, de dados edas comunicações.
Sigamos.
A lei que regula o sigilo bancário é a LC 105/01 e nela consta, no art 1§ 4º, as hipóteses de quebra de sigilo. A própria LC assim se apresenta: "Dispõe sobre osigilo das operações de instituições financeiras". Se há sigilo é porque está protegido pelo direito constitucional que resguarda a intimidade e privacidade. Intimidade que é inviolável nos termos do inciso X, do artigo  da Constituição.
O mais preocupante é a retórica. Diziam os sábios de antigamente que o lado mais patético da religião é quando o discurso piedoso camufla a sordidez do caráter - e hoje podemos dizer que uma das coisas mais perigosas para a democracia é o uso da retórica obscura para camuflar o ataque aos Direitos e Garantias Fundamentais. Sobre isto tremi quando os ministros usaram este argumento:
"os dispositivos legais da LC 105 [...] não configuram violação da intimidade, pornão se tratar, propriamente, de quebra do sigilo bancário, mas de transferência de informações – dos bancos para o Fisco – de dados a quem têm acesso até os próprios gerentes das agências bancárias.”
Como assim, gente? Transferência de Informações? Eu acho que esta coisa de"transferência de informação"é eufemismo. É transfêrencia de sigilo e acabou. E esta coisa de transferencia é tipo aquela coisa que acontece quando você fala pra alguém:" olha, não conta que eu te disse isto ". Aí a pessoa contra pra outra e diz: não conta que eu disse, viu?" E assim vai. Se um segredo/sigilo foi transferido o segredo/sigilo perdeu sua característica principal: a segurança.
Eu não posso aceitar que a minha presunção de inocência acabe antes de esgotar todas as possibilidades de provar isto. Também não posso aceitar que outra instituição tenha acesso a dados meus se eu, ou um juiz mediante fundamentação, não autorizar. A gente não pode aceitar que estas coisas estejam acontecendo na nossa cara e a gente permaneça em silêncio. Estão invadindo nossos espaços, tomando os nossos direitos e a gente calado: um dia vão nos tirar a voz e aí não restará mais nada.
Publicado por Wagner Francesco 

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