sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

No caso do juiz que dirigiu carro de Eike, vence a desmoralização e o ridículo

[Editorial publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo desta quinta-feira (26/2) com o título O arbítrio faz escola]
Embora a situação venha mudando aos poucos, persiste a percepção geral de que a Justiça no Brasil favorece os ricos, reservando-se aos mais pobres os rigores da lei.
Mas o inverso também acontece. A perseguição demagógica e o abuso de poder ganham estímulo quando o acusado, além de rico, é famoso e se destaca pelos hábitos ostentatórios de consumo.
Ninguém representa melhor tal gênero de personagem do que Eike Batista, que surge agora vitimado pelos exageros do juiz federal Flávio Roberto de Souza.
Extravasando do estrito cumprimento de sua função — a qual determina que mantenha no âmbito dos autos a sua opinião sobre o processo —, o magistrado já fizera declarações bombásticas a respeito do julgamento que conduzia.
Das palavras fora de hora o juiz passou aos atos fora de expediente. Foi flagrado dirigindo o Porsche Cayenne de Eike Batista. O luxuoso carro esportivo havia sido apreendido em meio a uma operação cinematográfica que chegou até a residência de Luma de Oliveira, ex-mulher do empresário.
Noticia-se ademais que um piano branco, também de propriedade de Eike Batista, encontra-se no condomínio em que mora o juiz.
No caso do Porsche, o magistrado argumenta que julgou melhor guardá-lo em sua garagem do que deixá-lo exposto a "riscos de dano" em outros ambientes. Mas sair com o carro pelas ruas do Rio, mesmo que para abrigá-lo na garagem, não deixa de representar desprezo a riscos como os de colisão, assalto ou até multa injustificada.
Nessa última situação, talvez Flávio Roberto de Souza confiasse que poderia imitar seu colega João Carlos Corrêa, que decidiu prender por desacato uma fiscal de trânsito numa blitz da Lei Seca; a agente dissera que juiz não é Deus.
O arbítrio faz escola, como se vê. A decisão de dirigir um Porsche até o próprio condomínio valeria uma demissão sumária, caso tivesse sido tomada pelo manobrista de uma casa noturna ou pelo vigia de um estacionamento.
O caso do juiz Flávio de Souza está sob análise do Tribunal Regional Federal do Rio — que examina pedido anterior dos defensores de Eike, no sentido de que seja afastado do julgamento — e clama por avaliação rigorosa do Conselho Nacional de Justiça. A desmoralização e o ridículo, seja como for, já podem proclamar ganho de causa.

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