sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Liberdade Religiosa e Separação do Estado e da Religião

Para que se possa compreender ambos os princípios adotados pelo Estado Brasileiro, primeiramente analisaremos como a Liberdade Religiosa é tratada na Constituição Federal de 1988 no:
Art. 5o, inciso VI - E inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religioso e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.
Esse preceito constitucional abrange no conceito de religião a crença, o dogma, a moral, o culto e a liturgia, já que se trata de princípios que regem a relação do homem para com Deus, e sendo assim, abrange também o ateísmo, garantindo da mesma forma o direito a não ter nenhuma fé ou crença.
Para o Professor Régis Jolivet, o vocábulo religião pode ser entendido, subjetivamente, como uma "homenagem interior de adoração, de confiança e de amor que, com todas as suas faculdades, intelectuais e afetivas, o homem vê-se obrigado a prestar a Deus, seu princípio e seu fim". Objetivamente, religião seria "o conjunto de atos externos pelos quais se expressa e se manifesta a religião subjetiva”.
Podemos afirmar, então, que a liberdade de religião, enquanto direito fundamental é uma liberdade primária e engloba, três tipos distintos, porém intrinsecamente relacionados de liberdades: a liberdade de crença; a liberdade de culto; e a liberdade de organização religiosa.
Segundo José Afonso da Silva, a liberdade de crença consiste na"liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo…”
Já a liberdade de culto consiste na liberdade de orar e de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de recebimento de contribuições para tanto.
A liberdade de organização religiosa "diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização de igrejas e suas relações com o Estado."
A liberdade de religião não está restrita à proteção aos cultos e tradições e crenças das religiões tradicionais, uma vez que, para efeitos constitucionais, não deve haver diferença entre religiões e seitas religiosas. Desse modo, o critério que deve ser utilizado para se saber se o Estado deve dar proteção aos ritos, costumes e tradições de determinada organização religiosa não pode estar vinculado ao nome da religião, mas sim aos seus objetivos. Se a organização tiver por objetivo o engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em prol de toda a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do Estado. Porém, sob uma visão mais crítica, não haveria como deixar o próprio Estado definir quais religiões possuem “bons ou maus” objetivos. Sabe-se que existem organizações que possuem os objetivos mencionados e mesmo assim não podem ser enquadradas no conceito de organização religiosa (a maçonaria pode ser citada como um exemplo). Existindo uma coincidência de valores protegidos, deve existir uma coincidência de proteção.
Conforme mencionado acima, o conceito de liberdade de religião deve abranger também o direito de proteção às pessoas que adotam uma posição ética de não possuir uma crença, os ateus ou agnósticos. Reforçando esse argumento, afirma, Pontes de Miranda que "liberdade de religião é liberdade de se ter a religião que se entende, em qualidade, ou em quantidade, inclusive de não se ter."
Segundo Ramón Soriano, pode-se afirmar que, em face da nossa Constituição, o Estado tem o dever de proteger o pluralismo religioso dentro de seu território e criar as condições materiais para o exercício de atos religiosos das diversas religiões, mas sem incorporar a religião, seja ela qual for, em sua ideologia.
Por outro lado, não existe nenhum empecilho constitucional à participação de membros religiosos no Governo ou na vida pública. O que não pode haver é uma relação de dependência ou de aliança com a entidade religiosa à qual a pessoa está vinculada, conforme traz a Carta Magna:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
- estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Tal fato nos leva ao segundo assunto abordado, a Separação entre Estado e Religião. O fato de nossa Constituição prever essa separação, não impede que tenhamos no próprio texto constitucional algumas referências ao modo como deve ser conduzido o Brasil no campo religioso, uma vez que o Constituinte reconheceu o caráter inegavelmente benéfico da existência de todas as religiões para a sociedade.
Isso pode ser observado nos vários outros dispositivos trazidos na Constituição Federal promulgada em 1988, que tratam do assunto:
Art. 5o, inciso VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
Art. 5o, inciso VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
b) templos de qualquer culto;
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
Como podemos observar, apesar de tão almejada, essa separação ainda não é absoluta no Brasil e fatos cotidianos podem nos mostrar isso, como por exemplo a existência de feriados oficiais de caráter religioso e santo para apenas uma religião. Por trás desse fato, há um questionamento sobre qual deveria ser a postura do Estado, que paira entre proibir os feriados já existentes, adicionar ao calendário feriados das outras grandes religiões no Brasil e, assim, não cumprir sua função de proteger as minorias, ou ainda abranger todos os feriados religiosos, mas como facultativos.
Casos da jurisprudência alemã e americana mostram como é difícil delimitar até onde é constitucionalmente possível e permitido a cooperação entre Estado e religiões. Observa-se na jurisprudência desses dois países que a maioria das decisões são tomadas por uma estreita margem de votos, o que demonstra a enorme polêmica que envolve o assunto.
Considerações Finais
Verifica-se como é complexo tratar de assuntos que tenham por base algo que pertence ao foro íntimo do ser humano, mas que ao mesmo tempo deve receber total proteção do Estado, tornando-se assim, interesse público: a religião. Contudo, não só a liberdade de aderir a um credo ganha espaço, mas ainda a liberdade de não possuir um. Além disso, a religião é algo muito presente e determinante na vida do ser humano, pois ao criar valores e ditar condutas, produzirá efeitos diretamente no campo da moral, da ética, dos costumes, e do entendimento do certo e errado para cada um.
O Estado, ao declarar-se laico, deve garantir o pleno respeito aos mais variados dogmas e crenças existentes numa sociedade pluralista, que agrega múltiplas culturas e variados comportamentos. Um governo que previlegia uma religião em detrimento das outras, estará negando uma parte de seu povo que confesse credo diverso. Quando o Estado opta por uma vertente dogmática, automaticamente, minorias religiosas serão marginalizadas, e a qualquer tempo poderão sofrer algum tipo de restrição no exercício de sua fé. Dada tal situação, se tornará inviável a coexistência harmônica entre indivíduos de religiões diferentes numa mesma sociedade.
No Direito Brasileiro, entende-se que em face da secularidade assumida pelo Estado, não pode este ser subalterno a algum princípio religioso que ameace a efetividade dos direitos e garantias fundamentais. O Poder Público tem a obrigação de tutelar os mesmos, independentemente da religiosidade ou proibições impostas por uma crença, tendo em vista ser seu papel utilizar-se de todos os instrumentos a seu alcance para proteger e viabilizar os mandamentos constitucionais fundamentais, como a vida humana. Tal bem, juridicamente protegido, não pode ser posto em segundo plano, muito menos quando ameaçado. Se algum preceito de alguma crença impossibilitar a continuidade deste, o Estado sendo laico deve intervir a fim de possibilitar a vitória da proteção à vida, em contraposição a religiões que não cerceiam decisões estatais.

Acreditamos que a vida deve, sim, ser disponível e que cabe ao indivíduo decidir por sua continuidade ou não. A vontade pessoal deve ser, portanto, manifestada, e o Estado deve respeitá-la, interferindo apenas quando não for possível ao indivíduo expressá-la. Desse modo, o Estado adotaria uma postura secundária no que diz respeito à opção de viver ou morrer, dando prioridade a assuntos relacionados mais diretamente ao interesse público e coletivo, e se voltando para os predominantemente individuais apenas quando necessária a sua intervenção.

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