terça-feira, 16 de julho de 2013

A sustentação oral é o clímax do contraditório

Todos sabem que o Decreto 70.235/1972 e a Lei 9.784/1999 dão os contornos legais do processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, “visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração”, merecendo destaque, a esse propósito, as seguintes regras:
(i) o artigo 2º da Lei 9.784/1999, dispõe que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência;
(ii) já o seu artigo 3º assegura ao administrado que lhe seja facilitado o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações (inciso I), bem como o seu direito de formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente (inciso III).
Pois bem. Com o advento da MP 2.158-35/2001 que, dentre outras disposições, introduziu nova redação ao artigo 25, inciso I, do Decreto 70.235/1972, os julgamentos em primeira instância dos processos administrativos tributários na esfera federal que, até então, eram de competência exclusiva e indelegável dos delegados da Receita Federal, passaram a ser colegiados e atribuídos às Delegacias da Receita Federal de Julgamento, organizadas em turmas compostas por auditores fiscais (conforme Portaria MF 341, de 12 de julho de 2011).
Desse modo, as decisões de primeira instância que eram proferidas monocraticamente pelos delegados da Receita Federal passaram então a ser resultado de debates havidos entre os julgadores nas sessões dos órgãos colegiados. Nesse contexto, nada mais natural e esperado que, a partir dessa nova regra, os contribuintes — e seus procuradores —, partes diretamente interessadas na solução do litígio, fossem instadas a participar das sessões de julgamento fornecendo subsídios aos julgadores, seja por meio de memoriais e/ou de sustentações orais.
A propósito, a necessária intervenção da participação do advogado dos interessados nessas sessões de julgamento encontra guarida no Estatuto da OAB, em seu artigo 7º, do seguinte teor:
Art. 7º São direitos do advogado:
VI - ingressar livremente:
(...)
c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado.
Entretanto, para estarrecimento de todos, as sessões de julgamento sempre foram fechadas e revestidas de um sigilo absolutamente injustificado e divorciado de qualquer respaldo lógico ou jurídico.
Argumentam absurdamente aqueles que defendem as sessões secretas que elas assim o são porque inexiste regra expressa que textualmente preveja a intimação do sujeito passivo e/ou de seus representantes da pauta de julgamento dos processos do seu interesse.
Essa argumentação se esvai ante a garantia fundamental do contraditório e da mais ampla defesa assegurada pela Carta Política da República, em seu artigo 5º, inciso LV, o que, a toda evidência, assegura às partes a possibilidade de participar de todas as fases do processo — administrativo ou judicial —, lançando mão de todos os argumentos adequados ao resguardo de seus interesses e influenciando o juízo de convicção daqueles que estejam investidos do poder de decidir as controvérsias submetidas ao seu crivo.
É lamentável que ainda hoje estejamos a discutir tão óbvia prerrogativa que muito nos lembra o que se convencionou denominar “anos de chumbo”, em que comezinhas garantias fundamentais dos cidadãos eram absurdamente violadas.
A matéria não comporta maiores digressões e é o próprio Supremo Tribunal Federal quem joga luz sobre este caminho de trevas pavimentado através das sessões secretas em que são decididas em primeira instância as controvérsias tributárias entre os sujeitos passivos e o Fisco federal, merecendo destaque, a propósito, a decisão proferida no julgamento do RMS 28.517/DF[1], em que o ministro Celso de Mello, bem assinalou que:
"Tenho para mim, na linha de decisões que proferi nesta Suprema Corte, que se impõe reconhecer, mesmo em se tratando de procedimento administrativo, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo, de outro.”
De fato, o eminente ministro Celso de Mello entende que “a sustentação oral — que traduz prerrogativa jurídica de essencial importância — compõe o estatuto constitucional do direito de defesa” [2]. Ou seja, impedir a efetiva participação do litigante, através da sua presença nas sessões de julgamento significa negar diretamente o princípio da segurança jurídica, projeção objetiva e conceitual do Estado Democrático de Direito e da própria moralidade administrativa, cuja publicidade dos atos é elemento norteador da atuação do Poder Público.
Ora, “o cerceamento do exercício dessa prerrogativa (sustentação oral), que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa, enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita”.[3]
Portanto, a alegada lacuna nas normas procedimentais insertas na Lei 9.784/1999 e no Decreto 70.235/1972 são inequivocamente preenchidas pelos princípios constitucionais consagrados pela Carta Política de 1988, cujo âmbito de proteção contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo, mas implica também o direito do interessado em ver seus argumentos devidamente contemplados pelo órgão julgador.[4]
A propósito, quem melhor definiu a importância da participação do advogado na sessão de julgamento e o uso da palavra como corolário explícito e evidente da garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório foi o eminente ministro Carlos Britto, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.127 — em que se discutia a suspensão da eficácia de alguns dispositivos da Lei 8.906/1994, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil — que, com a sagacidade que sempre o caracterizou, magistralmente pontuou que:
“Estamos cuidando de sustentação oral, e, de fato, ela é expressão do contraditório na sua oralidade. Não há como negar isso. É até o clímax do contraditório oral no âmbito do devido processo legal. Mesmo atingindo esse ponto mais alto, não deixa de ser contraditório, e é claro que o contraditório antecede o julgamento)”[5] (sublinhamos).
É nesse contexto, enfim, que a sociedade não pode mais tolerar quaisquer resquícios do nefando autoritarismo que lhe foi infligido num passado não muito distante, e considerando, como muito bem lembrou o brilhante ministro Carlos Britto, que a sustentação oral é o clímax do contraditório, que chegou a hora de se dar um basta às sessões secretas em que são julgados os casos de contencioso tributário federal em primeira instância.
Assim, considerando a observância do Estado Democrático de Direito e as garantias constitucionais de ampla defesa, contraditório e devido processo legal, não há mais como admitirmos a injusta vedação de que os advogados possam participar das sessões de julgamento realizadas perante as Delegacias Regionais de Julgamento da Receita Federal do Brasil.

[1] DJe de 04.08.2011
[2] HC nº 103.867 – Rel. Min. Celso de Mello – DJe de 29.06.2010.
[3] Idem.
[4] STF - Tribunal Pleno - MS 24268/MG, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES – DJe de 17.09.2004
[5] Voto do Min. Carlos Britto no julgamento da ADIn nº 1.127. Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno, DJe de 11.06.2010).
Maurício Pereira Faro é presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ.
Gilberto Fraga é vice-presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ.

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