segunda-feira, 16 de maio de 2011

BUSCA POR VANTAGEM INDEVIDA BANALIZA DANO MORAL

Por Marina Pereira Santos

Em que pese não houvesse no ordenamento jurídico pátrio, antes de 1988, qualquer previsão acerca dos danos de natureza moral, a sua existência e necessidade de reparação já eram vastamente defendidas pela melhor doutrina e aceitas pelas Cortes nacionais.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o dano moral foi formalmente reconhecido no complexo normativo brasileiro, porquanto consagrado no artigo 5º, incisos V e X, da Lei Maior1.

A partir desse explícito reconhecimento, aliado à garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário2, observou-se um grande aumento no número de ações judiciais visando a reparação de danos de dada natureza – o que cresceria ainda mais com o advento do atual Código Civil, em vigência desde 20033,4; além de diversas outras leis específicas de temas diversos que determinam a necessidade de reparação de qualquer dano ocasionado, inclusive o de ordem moral, seguindo a ordem constitucional.

Tem-se, pois, que a maior garantia de acesso ao Poder Judiciário conferida pela Constituição de 1988, aliada à conscientização da população no sentido de buscar e lutar por seus direitos, repercutiu de forma direta no Poder Judiciário, tanto quantitativamente, diante do enorme do acúmulo de ações ajuizadas; como na falta de harmonia jurisprudencial, dada a grande disparidade entre os distintos valores fixados judicialmente a título de reparação de danos morais.

Claro está que o direito de ação por danos morais é indiscutível. Mas o que se entende juridicamente por dano moral?

Conceito
O dano moral pode ser considerado como uma lesão de cunho não-patrimonial capaz de abalar a honra subjetiva do outro sujeito, afetando o seu ânimo psíquico e intelectual, ocasionando-lhe uma dor intensa, um sofrimento que foge à normalidade.

Segundo Maria Helena Diniz, o dano moral é uma “lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (...) ou nos atributos da pessoa5”

Dois princípios estão intrinsecamente relacionados ao tema, o da razoabilidade e da proporcionalidade, pois um mero aborrecimento, dissabor, mágoa ou irritação do cotidiano não é capaz de configurar dano moral e, ainda, quando este restar configurado, o valor deve ser proporcional à dor causada, não podendo de maneira nenhuma gerar enriquecimento ilícito, o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

O dano moral deve ser claro e efetivo, não podendo enquadrar-se em uma pequena contrariedade à qual todos estão sujeitos no dia-a-dia, e o que se deve buscar efetivamente é a compensação do sentimento ocasionado quando o sujeito for agredido moralmente.

Ganho fácil
Ao lado de casos nos quais o pleito é legítimo, existem inúmeros casos abusivos, que degradam as relações sociais.

De um modo geral, as pessoas são incentivadas a buscar o Poder Judiciário para a reparação de supostos danos morais percebidos em razão de qualquer e banal divergência (como um descumprimento contratual, por exemplo), ao invés de recorrerem ao litígio processual quando realmente viverem situações que ensejam dano moral.

Por isso muito se fala em uma “indústria do dano moral”, na qual as pessoas buscam o Judiciário como se fosse um jogo de loteria, numa ânsia desenfreada por auferir ganhos fáceis.

A facilidade em postular em juízo sem dispêndio financeiro, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais, nos quais em determinadas circunstâncias sequer é necessário o patrocínio processual por advogado, além da impunidade pelas ações infundadas acabam por incentivar o crescente número de ações.

Conclusão
Necessário, então, que se tornem pacíficas a doutrina e jurisprudência acerca da caracterização e da quantificação do dano moral, que haja conscientização social a respeito do assunto e, ainda, que os magistrados comecem a enquadrar os comportamentos indevidos como litigância de má-fé (oportunidade em que a parte que utiliza indevidamente o Judiciário deverá indenizar a outra parte e arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, conforme o previsto nos artigos 16 a 18 do Código de Processo Civil) a fim de reduzir o exacerbado número de ações abusivas visando o enriquecimento ilícito com fulcro em infundados pleitos de reparação por danos morais que sobrecarregam o nosso Judiciário.

Vale lembrar que, nesse sentido, o abuso da máquina do Judiciário vem gerando demora na prestação jurisdicional, o que prejudica aqueles que efetivamente têm direitos devidos a serem apreciados, além dos gastos que representam para o Estado e desgastes psicológicos dos envolvidos na lide, aí incluso o magistrado, que deverá fazer uma análise subjetiva do fato a ser examinado.

Enfim, conclui-se que a busca pela vantagem indevida acaba por banalizar um instituto tão importante e que demorou tanto tempo para ser reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico.

Um comentário:

Juan Marcello disse...

Prezado Dr.Otávio;
Ouso discordar frontalmente de seu foco de abordagem. Fala-se muito em 'indústria do dano moral' numa tentativa corporativista de inverter o ônus da culpa, como se o consumidor frequentemente saísse de sua residência e enfrentasse os longos corredores do fórum para pleitear direito que sabe não possuir, em má-fé habitual.
O que não vejo se abordar com honestidade, é a má-fé das Empresas, que adotam a orientação da "lesão institucionalizada", onde lesar a 100 consumidores gerará um lucro que nem de longe fica abalado pelo pagamento das indenizações das 2 pessoas que reclamam, a cada 100 lesadas. Noutras palavras, as Empresas sabem que agir contra o consumidor dá lucro, pois as miseráveis indenizações de mil, dois mil reais a que são condenados, não afeta os milhões que já lucraram pela prática de condutas ilegais e ofensivas. Isto porque 2 reclamam a cada 100 lesados. Os 98 restantes geraram lucro ilícito, lucro que jamais será reclamado em juízo, seja pelo medo ou desconhecimento do Judiciário por parte do cidadão.
O prezado Dr. não pode esquecer, jamais, que vivemos sob o devido processo legal, e que o direito do consumidor lesado será devidamente apurado em todas as fases do processo, com todos os contraditórios que a lei manda, concedidos a ambas as partes. A parte que for vencedora o será seguindo as devidas etapas procedimentais. Nada de errado nisso.
Resta saber porque tantas Empresas batem recordes judiciários, algumas são acionadas centenas ou milhares de vezes por mês, como mês passado o foi a Telemar, 3148 vezes. Basta tentar resolver algum problema por telefone com esta empresa, para entender o porquê.
A 'indústria' que bem conheço, data vênia, é a indústria da produção do dano, isso sim. As miseráveis indenizações praticadas pelo Poder Judiciário incentivam o procedimento da busca do lucro a qualquer preço, pelas empresas. Já vi situações onde o dano moral de mil reais em 1º grau foi convertido para 35 mil em 2º grau.
Fala-se que o mero descumprimento contratual não gera dano moral, certamente olvidam que quase sempre um descumprimento contratual vem acompanhado de uma longa peregrinação do consumidor em tentar solucionar logo seu problema, no que enfrenta muitas vezes situações muito graves, sobre as quais um exame atento pode deduzir. No Judiciário, porém, exame atento não substitui prova, e somente o que é provado pode ser indenizado. Metaforicamente, é como se os pais fossem recompensados por um belo gesto em relação aos filhos, comprovado em documento. E todos os gestos que não estão "provados"?
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Juan Marcello