segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO

Leia o voto de Ayres Britto sobre prisão cautelar

Por Ludmila Santos

A mera alusão à gravidade do delito ou a inafiançabilidade do crime não valida a ordem de prisão cautelar. Para o ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto, o pedido deve ter fundamentos que demonstrem que a prisão atende a pelo menos um dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. “Nem a inafiançabilidade exclui a liberdade provisória nem o flagrante pré-exclui a necessidade de fundamentação judicial para a continuidade da prisão”, afirmou o ministro, ao conceder liminar para suspender decisão do Superior Tribunal de Justiça que restabeleceu a prisão cautelar de dois acusados por tráfico de drogas.

Em sua decisão, Ayres Britto destaca que a inafiançabilidade dos crimes hediondos não tem força antecipada de impedir a concessão da liberdade provisória, pois o juiz está submetido ao princípio da individualização da prisão, não somente da pena. “Noutros termos, a prisão em flagrante não pré-exclui o benefício da liberdade provisória, mas, tão-só, a fiança como ferramenta da sua obtenção (dela, liberdade provisória). Equivale ainda a dizer: se é vedado levar à prisão ou nela manter alguém legalmente beneficiado com a cláusula da afiançabilidade, a recíproca não é verdadeira: a inafiançabilidade de um crime não implica, necessariamente, vedação do benefício à liberdade provisória, mas apenas sua obtenção pelo simples dispêndio de recursos financeiros ou bens materiais”.

A privação do direito de liberdade depende da verificação da periculosidade do agente, de acordo com o artigo 312 do Código de Processo Penal. Diz o dispositivo que “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria".

Segundo Ayres Britto, a liberdade de locomoção do ser humano é bem jurídico tão prestigiado pela Constituição que até mesmo a prisão em flagrante-delito deve ser “imediatamente” comunicada ao juiz para que ele decida sobre a regularidade da medida e a necessidade de seu prosseguimento. Ao se manifestar, o juiz deve, em sua fundamentação, demonstrar que a segregação atende a pelo menos um dos requisitos do artigo 312 do CPP. “Sem o que se dá a inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não culpabilidade é de prevalecer até o momento do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Daí entender o STF que a mera alusão à gravidade do delito ou a expressões de simples apelo retórico não valida a ordem de prisão cautelar”.

Com isso, o ministro Ayres Britto considerou que a decisão do STJ não tem o conteúdo mínimo da garantia constitucional da fundamentação real das decisões judiciais, garantia sem a qual não se viabiliza a ampla defesa nem se afere o dever do juiz de se manter equidistante das partes processuais em litígio.

O caso
De acordo com os autos, os dois acusados que entraram com o Habeas Corpus foram presos em flagrante pelo crime de tráfico de drogas no dia 19 de setembro de 2008 em Canoas, Rio Grande do Sul. Foram apreendidas 54 pedras de crack, 56 gramas da droga ainda não embalada e a quantia de R$ 103. A defesa fez dois pedidos de liberdade provisória, que foram indeferidos. Após finalizado o inquérito policial e recebida a denúncia, o juiz da 4ª Vara Criminal de Canoas concedeu liberdade temporária aos réus por entender que não havia qualquer dos pressupostos do artigo 312 do CPP no pedido.

O juízo de primeiro grau afirmou que, considerando a falência do sistema prisional do país e os dispositivos legais criados para que o acusado responda ao processo em liberdade, a prisão preventiva não é necessária. Isso porque a tramitação do recurso não justifica o seu provimento. Os acusados, segundo o juiz, estão soltos há mais de seis meses e, neste período, não praticaram qualquer ato a autorizar nova segregação cautelar, tanto que continuam soltos.

Um dos acusados é réu primário, não tem nenhum antecedente e possui residência fixa. E, ao que tudo indica, até o momento, não dificultou a aplicação da lei penal ou a instrução criminal. Por outro lado, também não há informações de que o outro suspeito esteja dificultando aplicação da lei penal, embora registre antecedentes por furto.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no entanto, o STJ restabeleceu a prisão cautelar de dois acusados por tráfico de drogas. E, por isso, o caso foi parar no Supremo.

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