terça-feira, 18 de junho de 2013

Polícia judiciária e a embriaguez ao volante

Autor: Rafael Francisco Marcondes de Moraes e Luis Ricardo Repizo Kojo
RESUMO
O presente trabalho pretende expor breves ponderações acerca do crime doutrinariamente intitulado "embriaguez ao volante", em especial no contexto da fase policial da persecução criminal, visto que o delito ainda padece de consolidação em sua interpretação e aplicação, tanto na esfera administrativa quanto no âmbito judicial, propondo medidas a serem adotadas de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

INTRODUÇÃO
O sistema jurídico brasileiro tem procurado evoluir no tratamento referente ao tema "direção de veículo sob estado de embriaguez", acompanhando o crescimento da quantidade e a popularização dos automóveis, que repercutem no aumento de acidentes de trânsito, muitos deles decorrentes dos efeitos do álcool no organismo dos motoristas envolvidos.
Outrora tipificado no artigo 34 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941), a condução do veículo por motorista embriagado era considerada comportamento perigoso à segurança alheia, e a conduta passou a configurar tipo penal específico a partir do advento do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), instituído pela Lei Federal nº 9.503/1997, que prevê onze tipos penais (artigos 302 a 312).
A embriaguez, segundo Mirabete (2000, p.220), pode ser conceituada como a "intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool ou substância de efeitos análogos que privam o sujeito da capacidade normal de entendimento" e é levada em consideração na apreciação jurídica dos casos concretos, refletindo em maior ou menor repressão ao agente que atua nesse estado.
O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940), alicerce do sistema criminal, classifica a embriaguez em voluntária, culposa e fortuita, de acordo com a sua origem, e somente a última permite a exclusão da imputabilidade penal, pois pressupõe involuntariedade, ou seja, seria oriunda de força maior (o indivíduo é fisicamente forçado a consumir álcool ou substância de efeitos análogos) ou de caso fortuito (quando se ingere substância cujo efeito inebriante era desconhecido), nos termos do artigo 28, inciso II, do diploma legal.
Portanto, juridicamente, a embriaguez completa (plena) e involuntária (não desejada) enseja absolvição própria, por exclusão da culpabilidade. Caso o comprometimento da capacidade de compreensão e autodeterminação seja apenas parcial, incidirá causa de diminuição de pena, de um a dois terços, prevista no § 2º, do artigo 28, do Código Penal.
Outrossim, a embriaguez pode acarretar, ainda, a imposição de medida de segurança, caso se verifique tratar-se de patologia, equiparando-se o alcoolismo a doença mental, na forma do artigo 26 do Código Penal. Também pode determinar agravante genérica, disposta no artigo 61, II, alínea "l", do mesmo codex, na hipótese de o agente embriagar-se propositadamente para cometer o delito, denominada embriaguez preordenada.
No delito em comento, tipificado no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, a embriaguez figura diretamente como elemento do tipo penal, essencial para a subsunção do fato concreto ao dispositivo legal.
CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
A Lei Federal nº 11.705/2008, popularmente conhecida como "Lei Seca", estabeleceu a atual redação do artigo 306 do CTB:
Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor.
Cumpre lembrar que a antiga redação do dispositivo legal em estudo exigia prova de perigo concreto, que consistia na exposição a dano potencial a incolumidade e não estipulava concentração específica de álcool no sangue para configuração do delito:
Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.
Observam-se duas condutas puníveis no dispositivo em vigor: a primeira consistente na direção de veículo automotor com concentração de álcool acima da estipulada, a segunda caracterizada pela direção veicular sob influência de droga (outra substância psicoativa que determine dependência).
No que tange à segunda conduta, para a sua configuração, não se exige nenhum índice de concentração da substância no organismo do agente, basta que conduza o veículo sob influência da droga, o que poderá ser comprovado por qualquer meio idôneo, sejam os tradicionais exames clínicos, sejam os exames técnicos de laboratório, sejam provas testemunhais, dispensando-se maiores indagações.
Em razão do acentuado consumo de bebidas alcoólicas no país, a grande maioria dos casos envolve a primeira conduta punível, verificada pela direção de veículos após ingestão de álcool etílico. Por essa razão, tem a doutrina se debruçado sobre o tema, porque o elemento objetivo inserido no tipo penal (seis decigramas de álcool por litro de sangue) gera divergências, sobretudo em virtude da necessidade de anuência do autor da infração para a comprovação da concentração alcoólica em seu sangue.
O elemento objetivo do tipo (concentração de álcool), em princípio, somente pode ser aferido mediante submissão ao teste do etilômetro (popularmente, "bafômetro") ou por meio de coleta de material sanguíneo do indivíduo para exame de dosagem alcoólica. Isto porque o Decreto nº 6.488, de 19 de junho de 2008, que regulamentou o artigo 306, do CTB, estipulou somente o exame de sangue e o teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) como testes de alcoolemia para efeitos de crimes de trânsito, estabelecendo, para o último (etilômetro), uma concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligramas por litro de ar expelido pelos pulmões como equivalente à concentração prevista no tipo penal. Não haveria, desse modo, outro meio legal para a comprovação desse elemento na seara penal.
Assim, tendo em vista a máxima de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), regra que se extrai do artigo 8º, II, "g", da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada e incorporada ao ordenamento brasileiro por meio do Decreto nº 678/1992, apenas o agente que aceitar fornecer amostra de seu sangue ou realizar o teste do "bafômetro" poderá ser responsabilizado criminalmente.
Segundo Luiz Flávio Gomes (2009), só existem duas formas de se comprovar a quantidade de álcool no sangue: exame de sangue ou bafômetro. Aliás, o bafômetro (etilômetro), a rigor, não mede a quantidade de álcool no sangue, sim, ele mede a quantidade de álcool por litro de ar. Por força do Decreto 6.488, que regulamentou o art. 306 do CTB, estabeleceu-se a equivalência. Seis decigramas por litro de sangue (exame de sangue) corresponde a três décimos de miligrama por litro de ar (exame pelo etilômetro ou bafômetro).
Ocorre que ambos exigem uma postura ativa do suspeito e ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo (por força do princípio constitucional da não auto-incriminação), como vem sendo reconhecido pelo STF (HC 96.219-MG, RTJ 141/512, HC 68.742-DF)".
Damásio de Jesus (2009) comunga desse entendimento:
A "Lei Seca", como ficou conhecida a de n. 11.705/2008, que incluiu no Código de Trânsito Brasileiro um limite quantitativo rigoroso para o nível de álcool no sangue de motoristas, constitui um bom exemplo de que o endurecimento da legislação nem sempre produz os resultados pretendidos. Paradoxalmente, a fixação do teto de 6 decigramas de álcool por litro de sangue - algo como dois copos de cerveja - parece estar contribuindo para a impunidade dos condutores flagrados em embriaguez ao volante.
O objetivo era induzir o nível de álcool no sangue a zero. Pelo menos no início, a nova regra conseguiu reprimir esse comportamento de risco, que, segundo estatísticas, está envolvido em cerca de 40% a 60% dos acidentes de trânsito com mortes. A fiscalização aumentou, e motoristas temerosos das penalidades draconianas - prisão em flagrante e 6 meses a 3 anos de detenção - passaram a pensar duas vezes antes de beber e dirigir.
Ocorre que, ao fixar o limite numérico, a lei tornou o crime, tipificado no art. 306 do Código, dependente da comprovação da embriaguez por meio de teste químico de presença de álcool no sangue. Como ninguém está obrigado a produzir provas contra si, é direito do autuado recusar-se a realizar o teste do bafômetro. Levantamento recente indicou que, nos casos que chegam aos Tribunais, 80% dos refratários ao teste terminam absolvidos por falta de provas.
Colhe-se, como era previsível, o efeito oposto do pretendido. À medida que o esforço de fiscalização se esvai, o temor da punição arrefece. Em paralelo, difunde-se que basta escapar do teste para arcar só com as punições administrativas (multa e suspensão da carteira por um ano).
Nesse diapasão, sustenta também Renato Marcão (2009, p. 164),em decorrência das mudanças introduzidas com o advento da Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008, apenas poderá ser chamada a prestar contas à Justiça Criminal por embriaguez ao volante, nos moldes do art. 306, caput, primeira parte, do Código de Trânsito Brasileiro, a pessoa que assim desejar ou aquela que for enleada ou mal informada a respeito de seus direitos, e por isso optar por se submeter ou consentir em ser submetida a exames de alcoolemia ou teste do "bafômetro" tratados no art. 277 do mesmo Codex e, em decorrência disso, ficar provada a presença da dosagem não permitida de álcool por litro de sangue.
Renato Marcão complementa, enfatizando outro ponto relevante afeto à questão em análise, consistente na necessidade de comunicação ao autor quanto ao direito que possui a se recusar à submissão aos testes técnicos para aferição da concentração de álcool (2009, p. 165): por questão de lealdade e cumprimento da própria Constituição Federal, todo aquele que for abordado na via pública conduzindo veículo automotor sob suspeita de haver ingerido bebida alcoólica deve ser informado de seus direitos, entre os quais o de não se submeter a exames de alcoolemia, teste do bafômetro etc.
A jurisprudência também tem se declinado nessa linha, como se extrai do julgamento exarado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP, RESE nº 990.08.187866-6, rel. Des. Newton Neves, 28.7.2009):
Com a entrada em vigor da Lei 11.705/2008, exige o tipo penal, para a caracterização do crime, elementar única, qual seja, a concentração de 0,6 (seis decigramas) de álcool por litro de sangue. E essa exigência veio ainda destacada pelo Decreto 6488, de 19 de junho de 2008 que, ao regulamentar os artigos 276 e 306, do CTB, para disciplinar a margem de tolerância prevista no parágrafo único do primeiro artigo, enquanto não definidas em resolução do CONTRAN ratifica, para os fins criminais de que trata o artigo 306 da Lei 9503/97, a exigência de concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue.
Portanto, e sendo o fato aqui apurado datado de maio de 2008, impossível se torna a comprovação do delito criminal imputado ao denunciado, o que faz reconhecer, pela nova redação do artigo 306, do CBT, a ocorrência do "abolitio criminis".
A comprovação da embriaguez por meios indiretos é prevista de forma exclusiva para a configuração da infração administrativa, como fixado pelo artigo 165, do CTB, que mantém, em sua redação, a determinante de direção "sob a influência de álcool", havendo mesmo expressa disposição quanto a possibilidade da produção de prova indireta ou indiciária (art. 277, § 2º, CTB), autorizando a imposição da sanção administrativa até mesmo pela recusa do infrator em se submeter aos procedimentos ali previstos (§ 3º).
Todavia, e como sabido, não se confunde a infração administrativa com a tipificação criminal, exigindo essa, para sua caracterização, a presença de todos os seus elementos, não podendo essa conclusão ser fruto de dedução não autorizada por lei.
Nem se diga, como feito, que o infrator será beneficiado pela recusa em se submeter aos testes de alcoolemia pois, em ocorrendo esta hipótese, poderia o agente público, policial civil ou militar, entendendo haver sinais evidentes de embriaguez, conduzi-lo a presença da autoridade para, através de exame clinico, atestar o estado de toxidez alcoólica.
No caso examinado, repete-se, impossível fica comprovar, quer pelo teste de alcoolemia ou exame clinico a elementar do tipo penal fixado pela redação da Lei 11.705/2008, razão pela qual correta se mostra, a r. decisão extintiva.
Ante todo o exposto, nega-se provimento ao recurso.
Nota-se que a doutrina majoritária tem entendido que a existência da prova técnica de concentração de álcool no sangue é imprescindível para a efetiva configuração do crime, não bastando o tradicional exame clínico realizado por profissionais de medicina, pois, em princípio, não afere com exatidão a quantidade estipulada no tipo penal, exceto no caso do Instituto Médico Legal de São Paulo, adiante mencionado.
Não obstante os posicionamentos acima, consigna-se a existência de entendimentos no sentido contrário, que procuram proporcionar maior efetividade ao dispositivo legal, como é o caso de parecer elaborado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, ao abordar a questão, a seguir colacionado (Parecer nº 005/2008/CCR - Ministério Público de Santa Catarina. 10 jul. 2008):
O problema todo começa quando o motorista, usando da faculdade constitucional de não ser obrigado a fazer prova contra si, recusa-se a submeter-se ao teste de alcoolemia. Se isso acontecer, a infração administrativa está caracterizada (art. 165, § 3º). Entretanto, como ficará a situação na esfera criminal? É possível valer-se de outros meios de prova para atestar a materialidade do delito? Ora, se não for possível valer-se de outros meios de prova, mas apenas dos testes de alcoolemia, praticamente se tornou letra morta o crime previsto n art. 306, uma vez que basta o condutor recusar-se a fazer o teste que não poderá ser processado criminalmente. Portanto, essa conclusão não pode ser tão simples assim, sob pena do art. 306 cair no vazio. Por outro lado, o tipo penal previsto no art. 306 deixa claramente expresso que o crime só pode ocorrer se o condutor estiver com uma concentração mínima de seis decigramas de álcool por litro de sangue, o que exige prova técnica de alcoolemia para a correta aferição desse critério matemático, em tese (art. 158 do CPP). Como resolver esse impasse?
Antes de tudo é preciso ter em mente que essa é uma questão de prova, apenas, que vai depender do caso concreto. O que se discute é qual a prova adequada. A princípio, a prova técnica (teste de alcoolemia) é o meio mais apropriado. Todavia, diante da recusa do condutor, podem ser usados outros meios de prova, como o exame clínico (que é uma prova pericial) ou mesmo depoimentos testemunhais? Arriscamo-nos a responder que nos casos de embriaguez patente (e só nesses casos) esses outros meios de provas podem ser usados para lastrear a convicção do juiz.
Observa-se a concepção de situação passível de configuração do delito mesmo quando ausentes os dois meios de prova técnica consignados na lei, situação esta denominada "embriaguez patente", assim conceituada em trecho complementar do mesmo parecer:
De fato, certo é que o critério matemático imposto pela nova redação do art. 306, no caso de uma embriaguez de grau médio para baixo, em que o condutor apresenta parcos sinais de ingestão de álcool, com pouco odor, falando adequadamente, andando com equilíbrio, dificilmente poderá ser atestada senão pelo uso dos testes de alcoolemia. Se o condutor tomou uma taça de vinho, por exemplo, caso se recuse a fazer o bafômetro, não há forma de saber se alcançou a concentração mínima exigida para a caracterização do delito. Só o exame de alcoolemia poderá atestar com precisão o grau mínimo de embriaguez.
No entanto, na situação de uma embriaguez patente, em que o condutor ingeriu não uma taça de vinho, mas uma dúzia de garrafas, por exemplo, apresentando-se cambaleando, não se agüentando em pé, quase em coma alcoólico, com forte odor, voz completamente embargada, é evidente que o seu grau de embriaguez excedeu, em muito, o limite de seis decigramas de álcool por litro de sangue. Por que, então, este motorista não pode ser submetido a um exame clínico, a fim de que os médicos atestem aproximadamente o seu grau de embriaguez, o qual evidentemente é bem superior ao limite mínimo? Isso é perfeitamente possível do ponto de vista médico, acreditamos (prova pericial). Por que não pode o magistrado, por meio do seu livre convencimento, valer-se da prova testemunhal, para atestar se de fato o réu ingeriu as dez garrafas de vinho, pouco antes de dirigir?
Corroborando a possibilidade de configuração do delito, mesmo quando ausentes os exames de dosagem alcoólica e do etilômetro, destaca-se também a edição de ato pelo Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo, por meio da Portaria IML nº 1/2009, de 5 de outubro de 2009, que padronizou critérios para a realização de exame clínico de embriaguez, elaborado mediante observação do comportamento da pessoa (aparência, orientação, atitude, atenção, memória durante o exame, entre outros), e estabelece a correspondência da alcoolemia do indivíduo de acordo com os sinais que ele apresenta no momento do exame, da forma exposta a seguir.
Apresentando os sinais característicos da fase de excitação, quais sejam, euforia ou agressividade, diminuição da atenção, diminuição da concentração, alteração da coordenação motora e dano às funções sensoriais, a concentração de etanol plasmático no indivíduo estaria na faixa de 5 a 10 decigramas por litro de sangue.
Presentes os sinais predominantes da fase do chamado estado franco de embriaguez, como fala arrastada, ataxia, perda do juízo crítico, alteração de memória, sonolência e instabilidade de humor, a alcoolemia estaria na faixa de 10 a 20 decigramas de álcool por litro de sangue.
A Portaria prevê também a avaliação da concentração alcoólica, dependendo do intervalo de tempo entre o fato e o exame clínico, de acordo com a nota técnica nº 15/2008, do Ministério da Saúde, a qual declina que a eliminação do álcool pelo organismo humano se dá em média a uma velocidade de 0,15 gramas/litro/hora, o que possibilita aferir se no momento do fato a alcoolemia era compatível com o índice previsto no tipo penal.
Assim, com base nesses critérios, o médico legista poderá concluir em seu laudo de exame clínico se o indivíduo apresenta-se com a alcoolemia maior ou igual a seis decigramas por litro de sangue, no momento do exame ou mesmo no momento em que a pessoa examinada dirigia o veículo.
Certamente, referida Portaria e todos os laudos elaborados a partir dela ainda serão submetidos a uma ampla análise em juízo e receberão manifestações e questionamentos acerca de sua legitimidade como elemento de materialidade delitiva, passível ou não de configurar o crime de embriaguez ao volante, sobretudo em razão de o exame clínico não estar previsto como teste de alcoolemia para os fins criminais do artigo 306 do CTB, segundo o respectivo decreto regulamentador (Decreto nº 6.488/2008), mas o ato não deixa de ser uma importante referência no escopo de promover concretude à norma penal.
Assim, constatam-se as divergências existentes sobre o tema, que se seguem por vezes de severas críticas ao legislador, e denotam a preocupação e a falta de padronização no tratamento conferido pelo poder público aos casos concretos apreciados.
INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA
A infração administrativa atrelada à embriaguez ao volante está tipificada no artigo 165, do Código de Trânsito, e também sofreu alterações pela Lei Federal n. 11.705/2008, trazendo atualmente o seguinte texto:
Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze meses);
Medida administrativa - retenção do veículo até apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.
E o parágrafo único do dispositivo reporta-se ao artigo 277 do Código de Trânsito para estabelecer a forma de apuração da infração:
Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.
O artigo 277, por sua vez, assim dispõe:
Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
Interessante anotar que, curiosamente, a redação original do artigo 165, quando da edição do CTB, exigia a concentração de álcool em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, índice hoje previsto para o tipo penal correspondente, e a infração administrativa teve seu texto modificado posteriormente pela Lei Federal nº 11.275/2006 e recebeu a última atualização e redação em vigor pela citada "Lei Seca".
Percebe-se também que, no âmbito administrativo, a recusa do motorista configura infração administrativa, consoante determina o § 3º, do artigo 277 do CTB, que remete às medidas previstas no artigo 165.
Assim, como já mencionado, para a caracterização da infração administrativa não se exige a concentração objetiva de álcool no sangue, e a apuração da embriaguez pode ser feita por outros meios de prova (testemunho dos policiais, por exemplo) e não somente os dois testes de alcoolemia consignados no decreto regulamentador, consoante preceitua o § 2º, do artigo 277 do CTB.
ASPECTOS PRAGMÁTICOS
A seguir, serão traçados alguns pontos de repercussão prática das explanações ora lançadas, levando-se em conta as diferentes situações que podem se verificar, sobretudo no tocante à responsabilização de indivíduos que se recusem a realizar os testes de alcoolemia legalmente admitidos.
Numa análise restritiva, diante do quadro legal atual, a lavratura de um auto prisional ou instauração de inquérito policial em decorrência de crime de embriaguez ao volante, assim como a consequente persecução criminal com decisão condenatória está limitada aos casos nos quais o agente consinta em fornecer o material para a elaboração da prova técnica por meio dos testes de alcoolemia, salvo se admitida a prova pelo exame clínico, ainda pendente de maior apreciação pelo Poder Judiciário paulista e nacional, supracomentada. Do contrário, havendo recusa do autor, inevitavelmente, este responderá somente pela infração administrativa ou por outra infração penal a depender do caso concreto, como, por exemplo, a contravenção de embriaguez, conforme adiante detalhado.
As delegacias de polícia são verdadeiras "primeiríssimas instâncias" na análise e aplicação das inovações legislativas, pois realizam o primeiro contato dos supostos infratores com o novo ordenamento, formalizam os fatos e enquadram legal e provisoriamente o caso concreto. Daí a importância de se estabelecerem direcionamentos e padrões nas providências a serem adotadas já no momento inicial da persecução criminal, tendo em vista que o estado de embriaguez do indivíduo é transitório, esvaindo-se rapidamente a possibilidade de sua comprovação, de modo natural através da liberação das toxinas pela urina ou transpiração do organismo do agente.
Em síntese, três são as situações que ocorrem na prática: na primeira, o agente consente e se submete ao exame do etilômetro (bafômetro); na segunda, o indivíduo fornece material sanguíneo para o exame de dosagem alcoólica; e na terceira, ocorrendo recusa aos dois testes anteriores, haverá tão somente o exame clínico e eventuais depoimentos de testemunhas sobre o estado em que o indivíduo se apresentava no momento dos fatos.
Antes da exposição de cada situação de modo mais pormenorizado, é salutar asseverar que a apreciação do caso concreto e as medidas a serem adotadas no âmbito da polícia judiciária são de integral atribuição da autoridade policial competente, a qual decidirá dentro da margem de discricionariedade que a lei lhe confere e fundada em sua convicção jurídica acerca dos fatos apresentados.
Nesse sentido, o presente trabalho propõe-se como parâmetro de reflexão, sugestão e auxílio na solução das situações que se verifiquem no mundo fático.
Na mesma linha, encontram-se os posicionamentos de cada agente incumbido de atuar na persecução penal, quais sejam, os promotores de justiça, (pólo acusatório do processo penal), os defensores públicos e advogados (pólo defensivo) e os magistrados, os quais também farão uso de suas respectivas convicções, pautados por diretrizes institucionais ou doutrinárias no intuito de dirimir cada caso concreto levado à apreciação da justiça criminal.
EXAME DO ETILÔMETRO
O exame do etilômetro realiza-se, como regra, quando o motorista for abordado por agentes de trânsito e anui em se submeter ao teste do aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro ou bafômetro). Para tanto, deve soprar, e o aparelho rapidamente afere a concentração de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões e emite, em seguida, o resultado, gerando um pequeno documento impresso em papel com os dados.
A confirmação de índice igual ou superior a três décimos de miligramas por litro de ar equivale à concentração de álcool por litro de sangue consignada no tipo penal, de acordo com o Decreto regulamentador nº 6.488/2008, compreendendo este resultado indício da materialidade delitiva.
Assim, em qualquer modalidade de flagrante: seja o flagrante próprio, quando o autor cometeu ou acabou de cometer o delito; seja o flagrante impróprio ou quase-flagrante, quando o perseguido após a prática delitiva vem a ser capturado (motorista alcoolizado que abandona o veículo e tenta empreender fuga); seja o flagrante presumido ou ficto, quando o indivíduo é encontrado com objetos que permitam a presunção de que seja ele o autor (por exemplo, indivíduo alcoolizado encontrado fora do automóvel que dirigia, com chaves ou documentação do automóvel ou qualquer outro objeto que faça presumir ser ele a pessoa que estava dirigindo), haverá o mínimo de certeza acerca da autoria. Nessas circunstâncias, o resultado do exame do etilômetro pode servir como sinal da ocorrência do crime de embriaguez ao volante, consubstanciando-se os indícios de autoria e materialidade no contexto do estado de flagrância, suficientes, em tese, para a lavratura do respectivo auto prisional.
No entanto, o Poder Judiciário ainda não firmou posição quanto à admissão do resultado do etilômetro como elemento de materialidade do crime analisado, como se depreende de algumas decisões que versam sobre a questão, algumas delas a favor (TJSP, HC 990.09 081022-0, 14ª Cam., Rel. Des. Walter da Silva, 20.8.2009):
A tipificação da conduta encontra eco no artigo invocado pelo Parquet, sendo que a legislação não obriga que se faça exclusivamente o exame sangüíneo para comprovação da materialidade, eis que constitui prova robusta o aferimento do nível de álcool no corpo do paciente por meio do etilômetro.
E outras no sentido inverso (TJSP, RESE 990.08.074708-8, 10ª Cam., Rel. Fernanda Galizia Noriega, 13.3.2009):
O teste do bafômetro, por si só não pode ser considerado como prova da materialidade delitiva.
Razão não assiste ao ilustre Promotor de Justiça recorrente, ao argumentar no sentido da aplicação do Decreto n. 6.488/08 que regulamentou o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, admitindo o etilômetro para a determinação do nível de alcoolemia, porquanto a nova Lei de trânsito determina que para fins de embriaguez na condução de veículo automotor, o agente deve ter concentração de álcool superior a 06 (seis) decigramas por litro em seu sangue e o exame do "bafômetro" não tem o condão de constatar a efetiva concentração de álcool no sangue do indivíduo.
Logo, sem o exame de sangue não há como constatar se o apelado estava embriagado e, portanto, não se pode vislumbrar a materialidade delitiva para o prosseguimento do processo.
Por outro lado, considerando-se que o resultado do teste do etilômetro é elaborado por equipamento operado por agente público sem formação técnica própria, o documento por ele emitido não possui a mesma credibilidade, tampouco o mesmo status de um laudo pericial.
Além disso, o Código de Processo Penal, em seu artigo 159, exige que as perícias sejam realizadas por perito oficial, portador de diploma de curso superior, e o motorista investigado deverá também ser encaminhado ao Instituto Médico-Legal para a realização de exame de dosagem alcoólica (através do material sanguíneo). Não haverá óbice à autoridade policial, no caso concreto, registrar a ocorrência, sem autuar o indivíduo em flagrante. Aguardará o resultado do exame pericial, este sim apto a atestar a concentração etílica no sangue, confeccionado nos precisos moldes da lei, podendo indicar, inclusive, resultado diverso do apontado pelo etilômetro.
Referida medida se harmoniza com o sistema legal vigente, tanto no aspecto técnico-jurídico, quanto na questão de isonomia de tratamento aos cidadãos, se comparada com a situação em que o agente não se submete ao bafômetro, mas apenas ao exame de dosagem alcoólica. Neste caso, também se aguarda o resultado da perícia, com prazo de dez dias para elaboração, prorrogável em casos excepcionais, nos termos do parágrafo único, do artigo 160 do CPP.
Frise-se que, mesmo no caso de prisão em flagrante, como regra, será fixada fiança criminal para que o autor a recolha e responda, em liberdade, a regular persecução criminal, com supedâneo no artigo 322 do CPP, por se tratar de delito punido com detenção.
EXAME DE DOSAGEM ALCOÓLICA
Na prática, surpreendido um motorista que aparenta estar alcoolizado, apresentando sinais de embriaguez como odor etílico, andar cambaleante, fala pastosa e embargada, entre outros, o agente de trânsito, se possuir à disposição o aparelho etilômetro, solicitará que o indivíduo se submeta ao teste, podendo ele se recusar a expirar o ar de seu pulmão no equipamento, conforme supradescrito.
Ocorre que o número desses equipamentos utilizados nas fiscalizações ainda é pequeno se comparado com a quantidade de veículos que trafegam nas vias públicas. Muitas vezes, não haverá o aparelho para tentar aferir a concentração de álcool no motorista.
Desse modo, os motoristas aparentemente alcoolizados devem ser conduzidos às delegacias de polícia e, na sequência, encaminhados para unidades do Instituto Médico-Legal (IML) com requisições das autoridades policiais para a realização de exame de dosagem alcoólica, elaborado com o material sanguíneo do motorista, ou exame clínico de embriaguez, feito pelo médico-legista mediante análise visual e comportamental do indivíduo (equilíbrio, reflexos, hálito, conversa etc.).
Importa destacar que é conveniente que o delegado de polícia requisite o exame de dosagem alcoólica cumulado com o exame clínico, porque o agente pode se recusar a fornecer amostra de seu sangue, prejudicando a elaboração da dosagem alcoólica, e restará somente o exame clínico requisitado.
Ademais, como regra, demanda certo tempo para a elaboração do laudo pericial de dosagem alcoólica (prazo legal de dez dias, prorrogável, como acima citado), e somente após sua confecção será possível aferir o índice de concentração de álcool no sangue do agente.
Evidentemente que, mesmo havendo anuência e submissão ao "bafômetro", o motorista deverá ser conduzido ao IML para realização dos outros dois exames, corroborando o conjunto probatório e aproximando-se o máximo possível da verdade real, objetivo primordial das apurações de infrações penais.
Caso haja somente o exame de dosagem alcoólica (o motorista recusou-se ao etilômetro ou simplesmente não havia o equipamento, por exemplo), será necessário aguardar o envio do respectivo laudo à unidade de polícia judiciária, inviabilizando, em princípio, o entendimento que admite a autuação em flagrante do agente. Uma vez protelada a confirmação da materialidade delitiva, deve o delegado de polícia registrar os fatos em boletim de ocorrência, para posterior adoção de providências de acordo com o resultado pericial.
Aportado o laudo na unidade policial, e verificado o índice legal de concentração alcoólica, será instaurado inquérito policial, seguindo-se da juntada das diligências realizadas em cada caso, para posterior indiciamento do indivíduo, tendo em vista a presença dos indícios delitivos, prosseguindo-se os autos à justiça criminal para a devida responsabilização penal.
EXAME CLÍNICO E PROVAS TESTEMUNHAIS
O exame clínico e as provas testemunhais são os dois outros meios de prova que restarão, se o motorista aparentemente alcoolizado recusar-se a soprar o "bafômetro" e a fornecer sangue para exame de dosagem alcoólica.
Consoante entendimento predominante, já exposto de modo exaustivo, referidos exames não seriam admitidos para fins de caracterização do crime de embriaguez ao volante, por não atestarem o índice objetivo instituído no tipo penal, ressalvada a posição do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo, retro destacada, que mediante portaria procurou possibilitar conclusão pericial amoldada à exigência legal, de acordo com os sinais predominantes das fases da embriaguez apresentados pelo indivíduo examinado.
Preliminarmente, anote-se a existência de posições minoritárias que admitem a configuração do crime mesmo sem a comprovação objetiva da concentração, como é o caso do citado parecer do Ministério Público de Santa Catarina, que entende ser possível inclusive a prisão em flagrante na hipótese da comentada "embriaguez patente", conforme trecho abaixo colacionado (2008):
Por fim, impende esclarecer que a negativa do bafômetro ou qualquer outro teste de alcoolemia não pode sujeitar o motorista à prisão em flagrante. O condutor tem esse direito, como já vimos. Pode optar entre fazer o bafômetro e arriscar-se à caracterização imediata do delito ou pode negar-se e, conseqüentemente, optar pela sanção administrativa prevista no art. 277, § 3º, do CTB. O que não pode é ser preso em razão dessa negativa, simplesmente. Essa é uma infração administrativa, apenas. A não ser no caso de embriaguez patente, facilmente comprovada por outros meios de prova, como já falamos, quando o crime está configurado. Nesses casos, apenas nesses casos, possível é a prisão em flagrante do condutor, mesmo diante da recusa do bafômetro, pela prática do delito previsto no art. 306.
Na mesma linha de argumentação, em texto que instrui o referido parecer, Bruno Freire de Carvalho Calabrich assevera (2008, Jus Navegandi):
Considerando a opção que o motorista tem de se recusar ao teste do bafômetro ou a qualquer outro exame (aceitando, com isso, a aplicação das sanções do artigo 165 do CBT), a única hipótese para que seja forçosamente levado a uma delegacia é o caso de ser preso em flagrante pelo crime de embriaguez ao volante. Mas a prisão em flagrante por esse crime só pode ocorrer quando estiver claramente caracterizada a embriaguez do motorista, o que de regra resulta de um exame de alcoolemia positivo. Não sendo realizado esse exame, outra possibilidade é o caso de embriaguez patente, verificada no ato pelos agentes de trânsito ou por médicos em virtude de "notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor", conforme previsão do art. 277, §2º do CBT. Embora a lei, neste artigo 277, refira-se apenas à comprovação da infração administrativa do art. 165 do CBT, não há por que não aplicá-la também ao crime do artigo 306. O problema, entretanto, será uma questão de prova, a ser ponderada tanto pela autoridade responsável pela lavratura de um (eventual) auto de prisão em flagrante quanto pelo Ministério Público e pelo Judiciário, ao ensejo do processo penal a ser instaurado contra o motorista que for flagrado em (suposto) estado de embriaguez evidente. É de se admitir, entretanto, a dificuldade prática da substituição de uma prova técnica (como o bafômetro) por outra prova, considerando a exigência "matemática", para a configuração do crime, de uma concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Assim, a prisão em flagrante em caso de recusa do agente ao teste do bafômetro deve ocorrer apenas em casos de embriaguez evidente, que há de ser documentada pelo delegado de polícia no auto de prisão em flagrante, inclusive com testemunhas e com qualquer outra prova apta a demonstrar o fato. Se não se tratar de uma situação de notória embriaguez, comete abuso de autoridade o agente que "prende" ou "conduz coercitivamente" o motorista para fazer um exame ao qual ele se recusa. Na dúvida quanto a seu estado de embriaguez, o condutor não pode ser preso; caso assim se proceda, a prisão será ilegal e deve ser prontamente invalidada pelo Judiciário, submetendo-se os responsáveis a um processo criminal por abuso de autoridade, além de outras sanções administrativas e cíveis cabíveis.
Não obstante os entendimentos acima, considerando a majoritária inclinação no sentido de impedir a caracterização delitiva quando ausente a comprovação pelos dois meios legalmente previstos (bafômetro e dosagem alcoólica com material sanguíneo), a autoridade policial deve angariar todos os elementos de prova que lhe sejam possíveis na situação concreta, exaurindo as providências cabíveis.
Num segundo momento, colhidos os elementos, em especial os mais comuns, que consistem no exame clínico e nas provas testemunhais, as circunstâncias do caso deverão ser apreciadas para que se verifique eventual configuração de outras infrações penais, a serem analisadas no tópico seguinte, que não a do artigo 306, do CTB, prejudicada em razão da inexistência da prova técnica de concentração alcoólica.
Finalmente, ressalte-se que em todos os casos expostos, sempre será de bom alvitre que o motorista alcoolizado seja encaminhado ao IML, para os exames periciais, e também a um hospital para receber assistência médica, com aplicação de glicose ou outras medicações, a fim de preservar sua saúde e sua integridade física.
OUTRAS INFRAÇÕES PENAIS
A autoridade policial poderá analisar, com outros elementos de prova como depoimentos e exame clínico, de modo subsidiário, eventual caracterização de outras infrações penais, de acordo com as características específicas do caso concreto, já na fase administrativa do processo penal, caso não haja prova técnica da concentração de álcool, prevista no tipo penal da embriaguez ao volante (em razão da recusa do motorista aos testes), ou exista apenas laudo pericial com índice de concentração alcoólica abaixo do legal.
Assim, mesmo não caracterizando aplicação precisa do princípio da subsidiariedade, que advém da existência de relação de conteúdo e continente entre duas normas, ou ainda do princípio da especialidade, oriundo da relação de gênero e espécie entre duas normas, principalmente porque o delito de embriaguez ao volante deixou de ser crime de perigo concreto, serão elencadas algumas infrações que podem ser vislumbradas conforme elementos deflagrados em cada ocorrência, caso já não constem desde o registro inicial como perpetradas em concurso com a do artigo 306 do CTB.
Na conjectura apresentada, uma das infrações que pode se configurar é a contravenção penal de embriaguez, tipificada no artigo 62, da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941), que possui o seguinte texto:
Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia:
Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses ou multa.
Ao contrário do que ocorre com a embriaguez ao volante, nesta contravenção a comprovação da embriaguez não está restrita à demonstração do índice objetivo da concentração alcoólica, podendo ser caracterizada por qualquer outro meio idôneo, sobretudo os tradicionais exames clínicos ou as provas testemunhais.
Para configuração da contravenção, além do estado de embriaguez, será necessário que o agente se apresente publicamente, ou seja, em praças, ruas, clubes, festas entre outros, e que coloque em perigo a sua própria segurança ou a segurança alheia, circunstância esta a ser aferida no caso concreto.
Outra infração possível de configuração é a de participação em competição não autorizada, do artigo 308, do CTB:
Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada:
Penas - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor.
Se do contexto fático apurado no caso for possível constatar que o investigado praticava disputa ou competição sem autorização do órgão público competente, o estado de embriaguez e eventuais depoimentos dando conta da alta velocidade imprimida ou de manobras imprudentes pelos competidores, por exemplo, poderão demonstrar o dano potencial à incolumidade exigido no tipo penal.
O delito de direção de veículo sem permissão ou habilitação, previsto no artigo 309, do CTB, também poderá se caracterizar, observando-se sua redação:
Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:
Penas - detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.
Nota-se que, não possuindo o agente permissão ou habilitação no momento em que é flagrado dirigindo, demonstrado o perigo de dano decorrente da condução irregular do veículo automotor (por meio do conjunto probatório trazido aos autos), estará configurado o crime.
Por fim, o crime previsto no artigo 311, também do CTB, de excesso de velocidade em determinados locais, tipifica a seguinte conduta:
Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:
Penas - detenção de seis meses a um ano, ou multa.
Como nas demais infrações relacionadas, a comprovação da velocidade excessiva e do perigo de dano, nas localidades indicadas, poderá ser feita por qualquer meio idôneo, podendo o delito ficar caracterizado caso esses elementos estejam presentes no fato apreciado.
Por óbvio, tantas outras infrações penais poderão ser vislumbradas no caso concreto, mas as retroapontadas têm maior proximidade com o crime de embriaguez ao volante e exigem, relativamente, pequenos elementos a serem acrescidos para a subsunção aos seus tipos penais.
Para a formalização das situações relatadas, na prática, o delegado de polícia poderá instaurar inquérito policial, não obstante se trate de infrações de menor potencial ofensivo, que ensejariam, em tese, a lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, este aplicável, caso toda a situação e suas peculiaridades fossem reveladas de plano, por ocasião da apresentação do autor na delegacia de polícia, o que nem sempre se verifica.
Sendo assim, as circunstâncias específicas serão demonstradas mediante diligências ulteriores ou mesmo após a chegada do laudo pericial acerca da concentração alcoólica ou do exame clínico, por exemplo, e a ocorrência, em princípio, é registrada para apuração do crime de embriaguez ao volante e não da infração penal posteriormente caracterizada.
No inquérito policial serão realizadas e acostadas todas as diligências pertinentes (boletim de ocorrência, oitivas, laudos etc.), e o delegado de polícia destacará, no relatório final, as circunstâncias que entende presentes e que poderão determinar a configuração de uma ou outra infração penal, remetendo ao Poder Judiciário para a devida apreciação do magistrado e do promotor de justiça, com a ressalva de que, em se tratando de infração de menor potencial ofensivo, caberá a distribuição ao respectivo Juizado Especial Criminal.
CONCLUSÃO
Do exposto, constata-se a falha na construção legislativa pátria, que revela ausência de uma análise no contexto amplo do sistema jurídico quando da alteração de dispositivos legais.
Inicialmente anunciada como de maior repressão, a alteração do crime de embriaguez ao volante, como sói ocorrer, na realidade implicou, tecnicamente, num posicionamento mais brando do poder público diante do infrator, permitindo por vezes a impunidade daquele que foi flagrado, efetivamente, alcoolizado e causando perigo na condução de veículos.
Entretanto, a proposta do presente trabalho, por meio das considerações delineadas, é de oferecer parâmetros para as providências iniciais de polícia judiciária quanto ao crime de embriaguez ao volante, diante da legislação atual, e sugerir saídas legais para viabilizar respostas da Justiça Pública ante situações comumente constatadas, buscando respaldo em outras infrações penais em vigor, quando da impossibilidade de configuração do crime do artigo 306 do CTB.
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Notas:
* Rafael Francisco Marcondes de Moraes. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Especialista em Direito Público. Foi Escrivão de Polícia, Advogado e Oficial de Promotoria. Graduado pela Faculdade de Direito de Sorocaba.
Luis Ricardo Repizo Kojo. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Especialista em Ciências Penais. Foi Escrivão de Polícia e Investigador de Polícia.

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