quarta-feira, 30 de março de 2011

PECULATO: os elementos próprios do tipo penal não podem ser utilizados como circunstâncias judiciais desfavoráveis para o fim de majorar a pena-base.

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Áurea Maria Ferraz de Sousa**

A Quinta Turma do STJ no julgamento do HC 124.009/SP (em 15.03.11, relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho) concedeu pedido para reduzir a pena dos condenados sob o fundamento de que os elementos próprios do tipo penal não podem ser utilizados como circunstâncias judiciais desfavoráveis para o fim de majorar a pena-base.

Os pacientes foram condenados pela prática do crime de peculato porque teriam desviado dinheiro público de uma prefeitura do interior de SP, onde eram funcionários comissionados. A defesa sustentava, dentre outros argumentos, a ausência de comprovação da materialidade do delito e a não fundamentação para fixação da pena-base acima do mínimo legal.

O Min. Napoleão Nunes Maia Filho alertou que a pena deve ser fixada com estrita observância dos artigos 59 e 68 do Código Penal e a fuga dos parâmetros legais ou ausência de fundamentação válida caracterizam constrangimento ilegal.

Ele ponderou, ainda, que os elementos próprios do tipo penal não podem ser utilizados como circunstâncias judiciais desfavoráveis para o fim de majorar a pena-base (com informações do STJ ).

O juiz de primeiro grau e o TJ/SP teriam se baseado em elemento próprio do crime (beneficiar-se de verbas públicas em detrimento da coletividade) para elevar a pena-base, o que caracteriza bis in idem (duas vezes pelo mesmo fato).

Os crimes funcionais são aqueles praticados por funcionário público, no exercício ou em razão da função, contra a Administração Pública. O primeiro deles é o peculato que comporta seis modalidades.

Na primeira parte do caput do artigo 312 temos o peculato apropriação (Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo) e na segunda parte temos o peculato desvio (desviá-lo, em proveito próprio ou alheio) conduta imputada aos pacientes do presente writ .

Ambos constroem o que a doutrina indica de peculato próprio. Em contrário, há no 1º do mesmo artigo o peculato impróprio, que é o peculato furto, praticado por aquele funcionário que, não apenas se apropria nem desvia, mas subtrai dinheiro, valor ou bem beneficiando-se da facilidade que o cargo lhe proporciona.

A quarta modalidade de peculato está prevista no 2º do artigo 312, trata-se do peculato culposo. O peculato estelionato é a quinta modalidade de peculato, punindo a conduta daquele que se aproveita de erro de outrem para se apropriar de dinheiro ou utilidade 313, CP. Por fim, o peculato eletrônico previsto no art. 313-A.

Vale dizer, o peculato é crime próprio, pois exige-se a qualidade de funcionário público que, para efeitos penais, é considerada toda pessoa que, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo emprego ou função pública (art. 327, do CP). Não se exclui, entretanto, a possibilidade de que sejam praticados em co-autoria ou em participação.

Como crime praticado em detrimento da Administração Pública, o peculato tutela o patrimônio público, seja qual for a modalidade. Para a Quinta Turma do STJ, exatamente porque o crime de peculato já pressupõe que o criminoso beneficia-se de verbas públicas em detrimento da Administração, logo da coletividade, este argumento não pode ser utilizado para majorar a pena base do apenado.

Para entendermos o posicionamento do Tribunal da Cidadania, vale lembrar que na sentença condenatória, o juiz deve seguir dez etapas, quais sejam: a) verificação da necessidade da pena; b) escolha da pena; c) quantificação da pena de prisão; d) quantificação da pena de multa; e) aplicação de eventual efeito específico da condenação; e) eventual substituição da prisão; g) eventual aplicação do sursis; h) fixação do regime inicial, i) deliberações sobre a prisão preventiva e j) determinações finais.

Na terceira etapa, acima sublinhada, o juiz há de obedecer aos critérios legais previstos no artigo 68 do CP critério trifásico: observância do art. 59, CP, consideração das atenuantes e agravantes e aferição das causas de aumento e diminuição.

O artigo 59 do CP orienta que o juiz deve estar atento à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima. Neste momento, as instâncias inferiores ao julgar o caso em comento entenderam que o fato de o crime ter acarretado o enriquecimento dos condenados, em detrimento do patrimônio público, a conduta merecia ser reprovada de maneira que a pena base não fosse fixada no mínimo legal.

O raciocínio contraria a legalidade. A reprovabilidade em abstrato da conduta já está prevista no tipo penal, inicialmente: reclusão de dois anos no caput do 312. Daí porque caracterizado o bis in idem .

*LFG Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

**Áurea Maria Ferraz de Sousa Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.

Autor: Luiz Flávio Gomes Áurea Maria Ferraz de Sousa

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