quarta-feira, 28 de julho de 2010

COMPREENDENDO A PROVA EMPRESTADA

COMPREENDENDO A PROVA EMPRESTADA.

POR RODRIGUES JUNIOR, Luiz Carlos Saldanha

Em uma Ação Penal hipoteticamente considerada, que serve apenas de
premissa-base para se compreender o presente estudo, há denúncia pelo Ministério Público lastreada exclusivamente em elementos de convicção obtidos de prova emprestada de outra Ação Penal, mais precisamente, nas escutas telefônicas.

CF, art. 5°, XII:

“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”

Leciona José Afonso da Silva:

“Entendemos que o sigilo das comunicações
telefônicas abrange o sigilo dos dados que essas comunicações deixam registrados...”

É essencial, contudo, haver a expressa autorização judicial para a interceptação telefônica, ou seja, com uma data para o seu inicio e fim.
Uma vez concedida à ordem penderá suspeita sobre qualquer pessoa que fizer
uso do terminal telefônico interceptado, pouco importando se for o investigado ou não.

Por outro lado, sob o aspecto estudado neste caso, trata-se de prova
emprestada que, conforme leciona o professor Luiz Flávio Gomes3 é admissível em sede de processo penal.

“No Informativo 321, o STJ tratou da chamada prova emprestada, firmando
entendimento no sentido de que a prova produzida em outra ação somente
possui valor probatório se a ambas as partes for dada integral ciência e
possibilidade para o exercício do contraditório.”

Ora, por tais palavras jurisprudenciais, o que seria prova emprestada?

Para o STJ, segundo o professor citado:

“É aquela produzida em um processo, e depois utilizada em outro, com o
objetivo de nesse comprovar um determinado fato. Significa introduzir em um
processo ("B") uma prova colhida em outro ("A"). Nessa esteira, trata-se do
aproveitamento da atividade probatória, por meio de traslado dos seus
elementos. O entendimento sobre o que seja prova emprestada é fundamental para a correta compreensão do tema, pois, poder-se-ía invocar na defesa a teoria americana do “fruits of the poisonous tree”, admitido em sistema, a começar pela dicção da onstituição Federal.

CF, art. 5°, LVI:

“São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Esse preceito constitucional não comporta exceção e é aplicável tanto no
processo judicial, quanto no administrativo.

Luiz Flávio Gomes adverte que:

“Vale lembrar que a prova emprestada, ao ser introduzida no segundo processo assume a natureza de prova documental, sem, contudo, perder o seu caráter jurídico originário, de forma a não valer como um simples documento, mas sim, com capacidade de assumir a mesma eficácia probatória que teria no processo em que produzida.

Ou seja, como prova eficaz a produzir todos os efeitos constitucionais dela
esperados.

Prossegue o mesmo tratadista:

“O principal fundamento para o empréstimo da prova é, sem dúvida, a
economia processual. Seu escopo maior é impedir a repetição desnecessária de atos processuais. Muito se discute acerca da admissibilidade da prova
emprestada. Não há que se falar na sua inconstitucionalidade quando atendidos os valores consagrados no ordenamento jurídico pátrio, como o princípio do contraditório, do juiz natural e da inafastabilidade da jurisdição.

É árida a discussão sobre a validade dessa prova, pois ao momento de sua
colheita não havia o concurso das partes atingidas neste processo “B”.

Concurso necessário, como sustentado, em estrita obediência ao Princípio do Contraditório.

Pois é nessa vizinhança que o tema impõe uma nova reflexão: o quanto de
participação das partes é suficiente para fazer valer tais princípios onstitucionais?

Novamente é o ilustrado Luiz Flávio Gomes7 que propõe uma possível
solução:

“De tal modo, é necessário que as partes do segundo processo tenham
participado, em contraditório, do processo em que foi produzida a
prova que se visa aproveitar. De forma mais específica, é indispensável que a
parte contra a qual a prova será utilizada tenha sido parte do primeiro processo. Ademais, tratando-se de processo penal, no qual é exigido o contraditório efetivo não se mostra suficiente a mera participação no processo anterior. É preciso que alcance do contraditório e da cognição do primeiro processo tenha sido no mínimo, tão intenso quanto ao que se daria no segundo. Assim, não pode haver empréstimo de prova em sede de ação penal contra aquele que, embora formalmente figure como parte na demanda original, dela não tenha participado em efetivo contraditório.
Por esse ensinamento lapidar, fica bastante obvio que, em sede de tese
defensiva, é justa a argumentação de que a prova emprestada colhida na ausência do réu ou em processo do qual não participou, resta prejudicada ou viciada.

Ademais a prova obtida legitimamente serve exclusivamente para a
absolvição ou defesa de interesses indisponíveis (vida, liberdade, saúde, propriedade e segurança).

Encerra Luiz Flávio Gomes afirmando:

“A Constituição Federal trata da interceptação das comunicações no seu artigo
5º, XII e apenas a autoriza em hipóteses excepcionais, desde que determinada
por ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal. Nessa mesma linha, a Lei 9.296/96, ao disciplinar a matéria, restringe o
cabimento da interceptação à investigação ou comprovação de crimes punidos
com reclusão. Na doutrina, há quem admita o empréstimo da prova também
nesses casos...”

Barbosa Moreira faz advertência ao salientar que, “uma vez rompido o sigilo e
sacrificado o direito à intimidade, não haveria sentido em vedar a utilização da prova.” Ou seja, numa livre interpretação desse doutrinador, deve haver um sistema de “freios e contrapesos” também em matéria de prova, quer a situemos em sua colheita, quer em sua utilização, no processo penal.
Entendemos ser verdadeira essa observação, quanto mais em se tratando de
prova pró-societate! Noutras palavras, na prova permeável à condenação.

Guilherme de Souza Nucci quando leciona sobre o uso de prova ilícita, assim
orienta:

“Dessa forma, se uma prova for obtida por mecanismo ilícito, destinando-se a
absolver o acusado, é de ser admitida, tendo em vista que o erro judiciário
precisa ser, a todo custo evitado.”

Assim, pelo exposto concluímos, adotando como fundamento as ponderações
de Luiz Flávio Gomes: que ressalvada as hipóteses de interceptação das comunicações, e, partindo do preceito da economia processual, não há fundamento para não admitir a prova emprestada, desde que colhida perante o mesmo réu em processo próprio, pois apenas assim haverá respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

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