quarta-feira, 12 de agosto de 2009

BRANCOS INVOCAM IGUALDADE CONTRA POLÍTICA DE COTAS

Por José Rollemberg Leite Neto

Pouca gente prestou atenção, no Brasil, a uma decisão tomada dia 29 de junho pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Era o caso Ricci versus DeStefano. Em uma disputa acirrada, decidida por cinco votos a quatro, esse Supremo Tribunal decidiu que, a pretexto de evitar discriminações contra minorias, um ente estatal não poderia praticar uma outra discriminação, contra a maioria, exceto se diante de provas da primeira.

Melhor explicando. A questão foi a seguinte: em 2003, a cidade de New Haven, no Estado de Connecticut, promoveu concurso interno entre os praças para oito vagas de tenente e sete de capitão do corpo de bombeiros local. Contratou uma entidade especializada para tal fim. Tal entidade reuniu especialistas de diversas localidades e elaborou exames. Os aprovados seriam submetidos, em listas tríplices, por ordem de classificação, ao prefeito, para nomeação. Assim, por dedução matemática simples, a relação de capitães teria nove nomes e a de tenentes dez.

Concorreram 118 bombeiros. Setenta e sete concluíram os exames. Desses, 43 eram brancos, dezenove eram negros e quinze eram hispânicos. No final da seleção, deu-se o seguinte: na disputa de capitães foram aprovados sete brancos e dois hispânicos. Na de tenentes, dez brancos. Logo, negros não foram bem classificados. Conseguintemente, não poderiam ser nomeados.

O prefeito, após um procedimento de apuração, decidiu não certificar o certame. Teve receio de o resultado expressar discriminação contra candidatos da minoria. Considerou o resultado “inerentemente injusto”, dada a distribuição racial dos resultados. Impediu, assim, a nomeação dos aprovados.

O fundamento jurídico aplicado pelo prefeito foi no sentido de que o Título VII do Ato dos Direitos Civis dos Estados Unidos, datado de 1964, impediria o “impacto desproporcional” da nomeação de apenas brancos. Ele proibiria a discriminação de emprego por critérios de raça, cor, religião, sexo ou origem nacional, sob a justificativa de um “impacto diferenciado”.
Eis, então, que surge Frank Ricci. Esse bombeiro era portador de dislexia, o que o tornava um competidor em condições penosas. Mesmo assim, deixou um segundo emprego, contratou uma pessoa para fazer a leitura do material relacionado ao concurso, gravando-o em áudio para que pudesse se preparar. Preparou-se estudando treze horas diárias e foi aprovado na sexta posição para tenentes. Sua superação, todavia, deu com os burros n’água. O prefeito, como visto, não homologou a disputa.

Insatisfeito, Ricci promoveu, na companhia de outros preteridos, uma ação contra o prefeito John DeStefano e outros colaboradores. Alegou que quem sofreu “tratamento diferenciado” foram os aprovados, discriminados sem justo motivo, apenas porque eram brancos. O mesmo Título VII do Ato dos Direitos Civis, alegado pelo prefeito como justificativa para a recusa da homologação, foi invocado por eles em seu favor. Tratamento diferenciado — que bem se poderia chamar de preconceito — era o argumento central. Além disso, afirmaram os bombeiros preteridos que a 14ª Emenda da Constituição Americana garantia “a igual proteção perante a lei” e fora desrespeitada.

Estava formado o imbróglio. Era inusitado que brancos invocassem argumentos nascidos na campanha dos direitos civis americanos, liderada por Martin Luther King (o Ato de Direitos Civis de 1964) e na campanha abolicionista (a 14ª Emenda) em seu prol.

Após percorrer duas instâncias, a matéria chegou à Suprema Corte em recurso dos candidatos não nomeados. O Governo Federal ingressou no processo como amicus curiae para apoiar a medida do prefeito DeStefano.

A decisão judicial foi um parto. O Justice Anthony M. Kennedy apresentou a decisão da Corte. Acompanhado dos Justices John Roberts (o Presidente do Tribunal), Antonin Scalia, Clarence Thomas (que é negro) e Samuel A. Alito, concluiu que só se pode promover uma discriminação intencional protetora de uma minoria diante de fortes evidências de fato (provas) que demonstrem que, antes, houve discriminação contra essa mesma minoria.

Essa decisão é emblemática. Num momento em que a Presidência dos Estados Unidos é ocupada por um negro, a Suprema Corte desse país relativiza o discurso de proteção racial, exigindo, mais que abstrações argumentativas, provas de que houve discriminação no caso concreto.

Um comentário:

nemer disse...

Excelente matéria!! È para refletirmos e usarmos como referencia ao que está ocorre no nosso país. Um abraço .