(Por Renato de Oliveira Furtado)
“A Polícia precisa combater o crime com rigor, agindo sempre conforme a Lei e orientada por princípios de cidadania. O Ministério Público deve processar o criminoso sem desbordar para o fundamentalismo acusatório. À Magistratura cabe manter – se serena, sem adotar posição apriorística contra ou a favor, de modo a prestigiar sua exigível neutralidade e independência, pois não há como julgar com isenção tomando partido e ideologizando sua cognição”. (Um Brado à Sociedade – AASP – 07/10/08 ) .
De tempos em tempos, aqui e ali, lampejam sinais pelo caminho, sinais de alerta no chão ubertoso, todavia, carrascoso, do Direito Criminal. Sinais estes que nos despertam e nos remetem à reflexão.
Pensar o Direito é de fundamental importância ao seu exercício. “ Mas, pensar livremente, sem peias ou amarras, implica riscos e, não raro, solidão. Pensar criticamente, contra todos – ou quase ( que ainda insistem em manter as coisas como eram. Ou como são! ) – é uma experiência mais solitária ainda ”.
Tendo o humano como pedra fundante desse pensar, caminhemos.
Há que disparar em nós algum dispositivo de sobreaviso, quando um advogado marcado pelos embates da vida forense e que detêm o respeito dentro e fora do seu meio como Antônio Cláudio Mariz de Oliveira apresenta um texto onde, sem meias palavras, afirma:
“Alguns magistrados estão adotando uma posição ideológica no exercício de suas funções. Estão assumindo a condição de combatentes do crime, tendo como instrumentos o Direito Penal e Processual Penal
Grave engano. O juiz não pode ter um posicionamento preconcebido, não pode adotar uma corrente de pensamento que não seja jurídico – filosófica e está impedindo de seguir tendências e ideologias que lhe retiram a independência, pois em tais hipóteses estará perdendo a sua imparcialidade. Por outro lado, nem o Direito Penal nem o Processual Penal são instrumentos de combate contra o crime. Ao contrário, são direitos da liberdade. ”
Abra – se aqui um parênteses: Com efeito, processo penal é escudo, é anteparo frente ao arbítrio do estado Leviatã, coisa, aliás, já explicitada por Sérgio Pitombo e muito bem recentemente afirmada pelo Ministro do STF Celso de Mello:
“Ninguém ignora, exceto os cultores e executores do arbítrio, do abuso de poder e dos excessos funcionais, que o processo penal qualifica – se como instrumento de salvaguarda das liberdades individuais ”
Volvendo à Mariz e a contundência de sua fala, é, então, preciso parar e pensar. Observar que ela reverbera...
Quando, no entanto, um Procurador da República que ostenta as elevadas características que Rodrigo de Grandis traz em si, vem e lança a pena a dizer:
“Não se duvida ou discute que o principal atributo do juiz – em especial o juiz criminal – é a imparcialidade. ( ... ) Aquele magistrado que, antes de lhe chegar as mãos os autos de um processo criminal, com todas as peculiaridades e minúcias do caso concreto, tenciona reprimir o crime e, assim, banir uma particular injustiça, quer por força de um compromisso moral, quer psicológico ou mesmo religioso, pode ser tudo, mas não será um juiz ( ... ) Livre – nos Deus de tal juiz – cruzado, pronto a acometer e a reduzir a pó tudo que lhe cheire heresia ”.
E tudo para responder que não! Que o juiz não tem compromisso com a luta contra o crime, é de se perguntar por quê ? Porque esta pergunta está no ar ?
Quando isso ocorre, e partindo de quem, mais que parar e pensar, é tempo dos sinais de alerta se acenderem...
Agora, a partir do momento em que o próprio Supremo Tribunal Federal, pela voz do ministro Cezar Peluso, que ostenta glória para a Magistratura há mais de quarenta e um anos, alerta:
“De tudo isso, retiro, em primeiro lugar, a triste verificação de que parece estarmos a viver fenômeno, não sei se particular da vida brasileira, mas, com certeza, também da vida brasileira, e que é, por parte dos agentes públicos, em geral, a falta da cultura da legalidade. ( ... ) Isto é, se é preciso perseguir o crime, perseguir a prática criminosa, então não será preciso observar nem respeitar as limitações do ordenamento, porque as limitações do ordenamento atrapalham as investigações, atrapalham a apuração dos crimes e atrapalham a punição dos que consideramos desde logo culpados! Que isso contamine alguns setores do serviço público, como diria Vieira, ‘ Não louvo, nem critico, admiro – me ’, mas que isso constitua parte da cultura da magistratura considero simplesmente inconcebível ”.
Isso ocorrido, aí é preciso mais que parar e refletir. Lançado o claríssimo alerta por nossa Corte Suprema, é preciso admitir que, sim. Há, definitivamente, algo de absolutamente inquietante e podre no reino da Justiça ou, da Dinamarca, como queiram.
Este não é, infelizmente, um debate novo. Mas, o que impressiona, é o fato de termos esse debate entre nós. Sob a democracia, sob o Estado de Direito, esperava — se algo de diferente e bem mais elevado.
Porém, como dito, este ovo da serpente vem sendo gestado não é de hoje. É por que, simplesmente, não quisemos ler alguns sinais. Um deles já se encontrava lá, estampado na RT 699/368, emitido pelo TAPR nos idos de 1992, da lavra do eminente Luiz Viel:
“Vivemos tempos difíceis e inglórios para a justiça penal.
Os crimes clamam, a violência explode, todos querem providências eficazes.
Mas está – se a criar espécie de “ necessidade ” de pena, especialmente nos crimes graves, que pode desaguar em precipitação, desvio, quebra de normas.
Aos Juízes, no entanto, é sempre exigindo o trabalho sereno, o exame criterioso, o cumprimento dos ritos, respeito às garantias constitucionais”.
É o quanto basta.
E, vejam, não há espaço para juizes cultores de doutrinadores nazistas virem e dizerem: “que determinados delitos obrigam à adoção de posturas não – ortodoxas”.
Parafraseando o personagem Alan Shore, “o que mais sinto falta em nosso país não é a perda dos direitos e das liberdades civis, mas da nossa compaixão, da nossa alma, da nossa humildade. Estamos nos tornando um povo mau ”, com uma justiça endurecida e infensa aos valores do humano. Quero um povo mais gentil e bondoso, com julgadores que não queiram rifar o dom do raciocínio em troca da boa sensação de pertencer a um grupo, mais precisamente às grossas colunas do Movimento de Lei e Ordem.
A história dos juízes da Alemanha de Hitler nos ajuda a ver que estes não devem aderir ansiosamente aos movimentos populares do dia, ou se permitirem se eximir de suas responsabilidades simplesmente alegando que se limitaram a aplicar as leis se esquecendo das conseqüências humanas de suas decisões.
A cada dia, mais raros e preciosos são os julgadores que tem a coragem de afirmar: “É preferível anular provas de um processo judicial a anular a Constituição Federal. A ação policial deve estar sempre submetida ao império da carta política do país”.
Bem ao contrário, o que muito da prática forense demonstra é a constante presença da idéia de mandar – se às favas a Constituição com o seu “ cansativo ” princípio da Presunção de Inocência e outras frivolidades.
Mantendo – se mais ou menos a idéia de que “o acusado já então não se verá face a um Juiz independente e imparcial. Terá diante de sim uma parte acusadora, um inquisidor a dizer – lhe algo como ‘ já o investiguei, colhi todas as provas, já me convenci de sua culpa, não lhe dou crédito algum, mas estou a sua disposição para que me prove que estou errado!’ E isso sem sequer permitir que o acusado arrisque a sorte em ordálias...”
Uma triste procissão de processos de faz – de – conta, feito por julgadores de palha e endereçados a patuléia ignara.
Os sinais são evidentes. As garantias não estão sendo garantidas, pois grande parte dos juízes, garantes constitucionais, nelas não acreditam ou lhes dão qualquer valor. O mais é sombra e afetação. Jogo de cena e farfalhar de becas e togas. Direito é que não é. Muito menos Justiça.
Gandhi dizia que a aplicação do olho por olho acabava por produzir muitos cegos. Não tenho dúvidas que haveremos de pagar altíssimo preço por rasgar a Constituição, numa sociedade que por ela deveria ser regida. Mas não. O que temos é o absurdo reinando, como no conto de Lewis Carrol:
“Que espécie de coisas se lembra melhor?”, arriscou – se Alice a perguntar.
“Oh, das coisas que aconteceram na semana que vem ”, respondeu a Rainha num tom descuidado.
“Por exemplo, agora”, continuou, pondo um grande adesivo no dedo enquanto falava, “Estou a lembrar – me do mensageiro do Rei. Está agora na prisão a ser castigado; e o julgamento não começa senão na próxima quarta – feira;e é evidente que o crime só vira no fim”.
E é isso. Sinto que há alguma coisa de muito errada num sistema que me obriga a avisar a um cliente inocente, que a sua inocência pouca coisa pode significar no meio ao ranger de dentes das engrenagens da Justiça.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO
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