terça-feira, 23 de dezembro de 2008

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - UMA MAL INVESTIGAÇÃO SENTADA

MP-SP explica como funcionam (mal) as interceptações

(Por Claudio Julio Tognolli)

Um documento de 18 páginas, timbrado pelo Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gecep), do MP paulista, traz apontamentos temerários sobre como a Polícia Civil de São Paulo faz uso dos grampos com autorização judicial. São oito pontos elencados pelos promotores Márcia Montenegro, Fábio Bueno e Luiz Antonio Nusdeo.

O documento revela que a polícia obtém autorizações judiciais para grampos praticamente enganando os magistrados: ora fornecendo dados falsos e incompletos sobre os investigados, ora promovendo escutas sem existência de inquérito policial.

Revela também que os investigados não tomam conhecimento, para fins de defesa, das provas produzidas contra eles com as interceptações. Pelo documento, também depreende-se que a polícia de São Paulo não mais investiga: só faz escutas.A propósito, os signatários do documento chamam de “investigação sentada” a todo esse conjunto de irregularidades funcionais.

Obtido com exclusividade pela revista Consultor Jurídico, o documento é tido e havido como a melhor investigação já feita em São Paulo sobre as interceptações tocadas pela polícia. Os promotores ressaltam: os oito pontos ali elencados, que mostram o quão deficiente é a maioria (sic) das investigações policiais baseadas em grampos, levaram mais de dois anos para serem coligidos. “Sem controle eficaz sobre as demandas da polícia para quebra de sigilo dos telefones e, depois, sobre o que realmente fazem os agentes com as linhas abertas para as escutas, está se cristalizando uma prática que enfeixa em mãos de agentes públicos poderes excepcionais que se confrontam com as garantias fundamentais asseguradas pela Constituição”, escreveram.

Para eles, a concessão de autorizações judiciais para quebra de sigilo telefônico como instrumento de investigação “passou a alimentar a lei do menor esforço e tem sido aplicada antes de se esgotarem ou de se aplicarem em concomitância os recursos regulares, como a investigação propriamente dita. Muitas vezes, inclusive, é usada até como único método de investigação”.

O documento foi gerado a partir de acusações sustentadas contra dois policiais civis, que sob o pretexto de investigar um suposto membro do Primeiro Comando da Capital, o PCC, passaram a grampear os telefones particulares do advogado Roberto Podval.

Veja um resumo dos oito pontos do documento, com os títulos originais dados pelos promotores do (clique aqui para ler o documento do Gecep):

A primeira questão que se apresenta: falta de identificação do titular da linha que se pretende interceptar

“Os números das linhas — na maioria das interceptações telefônicas autorizadas pelo Dipo — provêm de denúncias anônimas; de informantes habituais da polícia, não identificados ou são passadas por presos em flagrante, que informalmente resolvem passar alguma informação à polícia. De posse dessas informações, os senhores Delegados de polícia solicitam autorização da Justiça para a interceptação telefônica e a obtêm sem apresentar dados cadastrais do titular da linha que pretendem interceptar. Na quase totalidade dos casos, os usuários das linhas telefônicas são apresentados pelas alcunhas com que são conhecidos no meio em que vivem, ou pelos prenomes apenas. Findas essas medidas, em regra, sequer são identificados. Na quase totalidade das representações policiais pela quebra, linhas telefônicas são interceptadas sem que a Justiça tenha a informação de quem é o titular da linha...Não se entende, assim, a razão de não apresentarem os delegados demandantes os dados cadastrais dos titulares das linhas telefônicas que se deseja escutar. A anexação dos dados cadastrais permitiria aos senhores Juízes uma decisão, no mínimo, mais segura”

A segunda questão: falta de fiscalização das escutas em tempo real

“Interceptada uma linha, o sinal é transferido à polícia, que passa a acompanhar as conversas. Em alguns casos, deferida a interceptação, informa a polícia que, findo o prazo da interceptação, a linha permaneceu muda durante todo o tempo...Em visita correcional ao Instituto de Criminalística, os promotores do Gecep verificaram que os peritos do Instituto enfrentam um problema sui generis: a realização da degravação de fitas e CD’s das escutas feitas pela polícia, mas que não contêm áudio”.

Terceira questão: interceptação telefônica sem inquérito policial

“Diminuiu consideravelmente nos últimos tempos o número de medidas cautelares de interceptação telefônica arquivadas pela Justiça a pedido da polícia, por resultado “infrutífero”...mas ainda existem aquelas que são levadas ao arquivo, sem que os fatos criminosos nela contidos tivessem sido investigados no bojo do inquérito policial regular e o que é mais grave: sem que os titulares das linhas interceptadas tivessem conhecimento de que foram alvos de interceptação...há casos, contudo, que sugerem que a polícia —driblando determinação judicial para instauração do inquérito policial — o instaura “pro forma”, sem nenhuma outra diligência além da interceptação telefônica. O destino desses “pro forma” é, em geral, o arquivo”.
Quarta questão: a falta de previsão legal que obrigue a polícia a dar ciência da medida aos titulares de linhas interceptadas

“Em quase 100% dos casos de interceptação telefônica, a polícia não providencia a oitiva dos titulares das linhas interceptadas”

Quinta questão: autorizada judicialmente a interceptação de uma linha, automaticamente aquelas que com ela se comunicarem terão o sigilo quebrado em relação ao acesso às Estações Rádio-Base e históricos de chamadas

“Em alguns procedimentos, as próprias operadoras de telefonia ingressam nos autos e alertam o Dipo para o risco da quebra de sigilo em série”.

Sexta questão: a interceptação telefônica como único meio de investigação

“Em flagrante desrespeito à Lei, o emprego indiscriminado da interceptação telefônica, como meio único de investigação, tem banalizado e enfraquecido um instrumento poderoso de investigação. Em regra, a interceptação telefônica não permite —desacompanhada de outros elementos de prova — sustentar o oferecimento de denúncia, inviabilizando condenações... Outro aspecto a ser salientado: examinados os inquéritos policiais a que se vinculam as interceptações telefônicas, o Ministério Público tem observado que muitos dos “inquéritos policiais” se reduzem a meras cópias das medidas de interceptação telefônica...Muitas das interceptações telefônicas apresentam-se como o único meio de investigação utilizado pela polícia. A mais recente forma de investigar parece ser a “investigação sentada” que, infelizmente, alguns delegados de polícia optaram por realizar”.

Sétima questão: o número excessivo de interceptações telefônicas e o encaminhamento do material ao Instituto de Criminalística

“O IC não vem suportando o número crescente de requisições da polícia de degravações de fitas... O IC está realizando atualmente degravações de escutas referentes ao ano de 2005 [Nota da Redação: dois anos antes deste documento ter sido escrito]. Sem medo de errar, pode-se afirmar que muitos dos inquéritos policiais e/ou processos-crime relativos às fitas ou CD’s para a degravação do ano de 2005 e 2006 já se encontram com decisão, sem a apreciação da prova obtida pelas interceptações. Além disso, as degravações, na grande maioria retardatárias, não passarão sob o crivo nem do Ministério Público, nem do Poder Judiciário, o que as torna obsoletas”.

Oitava questão: a implementação pelo Ministério Público de um programa de computador para maior controle das medidas de interceptação telefônica

“Verifica-se, na prática, que nem toda a Polícia Civil emprega a técnica da interceptação telefônica. Mas os delegados de polícia que a empregam acostumaram-se a elas. (...) O programa permitirá ao MP manifestar-se com maiores elementos, favorável ou contrariamente às sucessivas interceptações pelos mesmos delegados de polícia caso os resultados se mostrem sempre infrutíferos --o que, aliás, já se observa comumente”

FONTE: Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2008

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