terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA


Com certo atraso em relação a outros países importantes no cenário econômico mundial, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.441 de 11 de julho de 2011, o Brasil passa a contar com um novo tipo empresarial em seu ordenamento jurídico possibilitando o desenvolvimento da atividade empresária por uma única pessoa, com separação patrimonial: a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI.

Até o surgimento da EIRELI, os únicos meios possíveis de desenvolvimento de atividade empresária por uma só pessoa eram: i) a figura do Empresário Individual, prevista no art. 966 e seguintes do Código Civil, modalidade na qual não há separação patrimonial, respondendo o sócio com seu patrimônio pessoal pelos riscos do negócio; ii) a subsidiária integral, prevista no art. 251 da lei 6.404/76 (Lei das S.A.), que é obrigatoriamente uma sociedade por ações, e pode ter como acionista apenas uma sociedade brasileira, não admitindo assim que pessoa física seja titular de suas ações; ou iii) no caso da sociedade limitada, esta pode ter apenas um sócio em caráter provisório por um período de até 180 dias, conforme o que determina o art. 1.033, inciso IV do Código Civil.

Analisando as possibilidades acima mencionadas, verificamos que a única possibilidade que a pessoa física tinha para o desenvolvimento de atividade empresária sem um sócio seria por meio do registro de Empresário, o que não permite a separação de patrimônio específico, respondendo seu titular com todo o seu patrimônio pelo risco do negócio, o que acaba sendo um desestímulo. Para driblar as limitações legais, o que se vê hoje é a constituição de muitas sociedades empresárias limitadas nas quais apenas um dos sócios possui praticamente a totalidade das quotas, sendo este o único efetivamente interessado no desenvolvimento do negócio e um outro sócio apenas figurativo, muitas vezes com apenas uma quota e que sequer tem conhecimento do que se passa na empresa.

A possibilidade de constituição da EIRELI, portanto, tende a reduzir o número de empresas com composição societária simulada e ainda incentivar o empreendedorismo pela possibilidade do empresário poder limitar seu risco, comprometendo apenas o capital destacado para a atividade. Porém, esse novo tipo empresarial traz características peculiares próprias não presentes em qualquer outro tipo, em especial com relação à exigência de capital mínimo e totalmente integralizado para a sua constituição.

O caput do novo art. 980-A do Código Civil, prevê a obrigação de que o capital social mínimo da EIRELI seja não inferior a 100 vezes o menor salário mínimo vigente no país, devendo ainda estar totalmente integralizado no momento de sua constituição. Aqui cabe a primeira grande crítica à nova legislação, pois, em uma primeira análise, esta vinculação do capital social ao valor do salário mínimo vigente no país afronta diretamente o trecho final do inciso IV do art. 7º da Constituição Federal. Isto por que, referido texto veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, ou seja, sua utilização para indexação ou referência. Nas palavras do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, "A razão de ser da parte final do inciso IV do artigo 7º da Carta Federal - "...vedada a vinculação para qualquer fim;" - é evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado" (RE n° 236958 AgR / ES - AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, publ. 08/10/1999 e RE 197072 / SC - SANTA CATARINA. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, publ. 08/06/2001).

À medida que o entendimento da suprema corte de nosso país sobre o dispositivo constitucional é o de que não pode haver vinculação ao salário mínimo, para garantir que não haja qualquer influência na fixação de seu valor, a previsão do capital mínimo de 100 vezes o salário pode ser vista como inconstitucional.

Superada a questão da constitucionalidade da norma, ainda em relação a essa fixação do capital mínimo para a constituição da EIRELI, apesar de não expresso claramente na lei, entendo que tal correspondência deva existir apenas no momento da constituição da sociedade, não sendo o empresário obrigado a atualizá-lo ao longo do tempo, em decorrência da alteração do valor do salário mínimo. Pois bem, aqui cabe então a reflexão sobre qual o objetivo dessa necessidade. Isso por que, no cenário econômico atual, com baixos índices de inflação, não haverá variação significativa no período de um ano, mas se por exemplo transportarmos a situação a um cenário diferente, como o que ocorreu no fim da década de 80 e início da década de 90, uma EIRELI constituída em janeiro de 1989 teria o capital mínimo obrigatório de NCZ$ 6.390,00, enquanto uma constituída em janeiro de 1990 teria o capital mínimo de NCZ$ 128.395,00, ou seja, vinte vezes maior. Desta forma, ainda que não desejemos, nem ao menos imaginemos a volta da inflação aos patamares vistos duas décadas atrás, não pode a lei ignorar essa hipótese que não deixa de ser real.

Uma última observação a ser feita em relação ao capital social na EIRELI, é que a lei prevê, diferente do disposto em relação aos demais tipos societários, expressamente, a previsão de que essa será constituída com o capital social mínimo devidamente integralizado, não podendo portanto ser feita apenas a subscrição e prevendo um prazo para a integralização, o que poderá muitas vezes inviabilizar sua constituição por pequenos empreendedores que muitas vezes não terão os atuais R$ 54.500,00 necessários.

Tratando agora da limitação da responsabilidade, podemos indicar este como o principal ponto de incentivo ao empreendedorismo, uma vez que diferente do que se aplica hoje ao Empresário Individual, o patrimônio da EIRELI não se confunde com o do empresário. O texto original do projeto de lei trazia uma proteção ainda maior ao patrimônio do empresário, no § 4º do art. 980-A, cuja redação era: Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente. Este parágrafo foi vetado, sob o argumento de que a expressão "em qualquer situação" poderia gerar divergências com relação à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica previstas no art. 50 do Código Civil. Sendo assim, como bem colocado nas razões de veto, aplicar-se-á a regra das sociedades limitadas, decorrente da regência supletiva prevista no § 6º do art. 980-A.

Dando prosseguimento à análise, verificamos que a EIRELI poderá também ser utilizada como alternativa para a solução do problema criado em outros tipos societários quando estes deixam de contar com pluralidade de sócios, haja vista que ela poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, conforme redação do §3º do art. 980-A. Essa conversão, no entanto, não será automática, dependendo de requerimento ao órgão de registro para que seja operada. Isto põe fim a um antigo problema, muito comum nas sociedades, que é a corrida contra o tempo para que o sócio que ficou sozinho em uma limitada enfrentava para, dentro do prazo de 180 dias conseguir um novo sócio, sob pena de ver sua empresa ser dissolvida.

Importante observarmos que não é permitido ao mesmo empresário ser titular de duas EIRELI, conforme vedação expressa do §2º do art. 980-A.
A EIRELI, diferente do que se aplica ao Empresário Individual que é obrigado a utilizar sua firma acompanhado da expressão "Empresário Individual", pode adotar firma ou denominação empresarial, a sua escolha, acompanhado da sigla EIRELI.
A última questão objeto de análise no presente artigo é a possibilidade trazida da criação da "EIRELI artística", constante do §5º do art. 980-A. Referido artigo prevê que a EIRELI, independente de seu objeto, poderá ser utilizada pelo empresário que dela é titular para o recebimento de "remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional", facilitando assim o controle de seus bens e recebimentos.

Essas são apenas considerações preliminares deste novo tipo empresarial que surge em nosso ordenamento jurídico. Muitas das questões aqui levantadas certamente ainda serão objeto de análise dentro do período de Vacatio Legis de 180 dias antes que as alterações entrem em vigor em 8 de janeiro de 2012, o que poderá dar origem a uma regulamentação da matéria que evite problemas futuros.

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