terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

PF deleta provas de ação penal e STJ anula interceptações

A conservação das provas é obrigação do Estado e sua perda impede o exercício da ampla defesa. Essa foi a tese aplicada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao anular provas produzidas em interceptações telefônicas e e-mails que foram apagadas pela Polícia Federal.
As provas foram produzidas na operação chamada negócio da China, deflagrada em 2008, para investigar suspeitas de contrabando, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro pelo Grupo Casa & Vídeo.
Os ministros analisaram um pedido de Habeas Corpus de dois envolvidos. A defesa alegou falta de acesso dos investigados às provas, devido ao desaparecimento do material obtido por meio da interceptação telemática e de parte dos áudios telefônicos interceptados. Segundo a defesa, os dados foram apagados pela PF, sem que os advogados, o Ministério Público ou o Judiciário os conhecessem ou exercessem qualquer controle ou fiscalização sobre eles.
A defesa apontou a inobservância do procedimento de incidente de inutilização de provas previsto no artigo 9º, parágrafo único, da Lei 9.296/96. Segundo ela, a eliminação dos dados só foi descoberta após insistentes pedidos à Justiça de acesso integral ao material interceptado. Além disso, alegaram que as interceptações violaram o direito a initimade e privacidade dos acusados.
Assusete Magalhães - 24/05/2012 [Gilmar Ferreira]Ao analisar o Habeas Corpus a  relatora, ministra Assusete Magalhães (foto), considerou legal a quebra dos sigilos telefônico e telemático, explicando que a intimidade e a privacidade das pessoas não são direitos absolutos. Para a ministra, está demonstrado no processo que a prova cabal do envolvimento dos investigados na suposta trama criminosa não poderia ser obtida por outros meios que não a interceptação de comunicações.
Entretanto, a ministra considerou ilegal a destruição do material obtido a partir das interceptações. Citando o princípio do devido processo legal, a ministra disse que as provas produzidas em interceptações não podem servir apenas aos interesses do órgão acusador e que é imprescindível a preservação de sua integralidade, sem a qual fica inviabilizado o exercício da ampla defesa.
Quanto às interceptações telefônicas, a relatora destacou que a jurisprudência do STJ considera desnecessária a transcrição integral do material interceptado. Contudo, é imprescindível que, pelo menos em meio digital, a prova seja fornecida à parte em sua integralidade, com todos os áudios do período, sem possibilidade de qualquer seleção de trechos pelos policiais executores da medida.
Os impetrantes do Habeas Corpus contestaram a ausência, no DVD entregue à defesa, da integralidade do áudio das escutas e do conteúdo dos e-mails interceptados, mencionados nos relatórios e na representação policial.
O próprio STJ havia assegurado a alguns dos réus o acesso integral aos autos do inquérito. No entanto, parte das provas obtidas a partir da interceptação telemática foi apagada, ainda na Polícia Federal, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua ordem.
A PF informou à Justiça que, ao contrário do que ocorre com a interceptação telefônica realizada por meio do sistema Guardião, ela não dispõe de equipamentos ou programas voltados à interceptação de e-mails. Por tal motivo, essas informações seriam disponibilizadas e armazenadas diretamente pelos provedores de internet — no caso, a Embratel.
A Embratel, por sua vez, informou que, para cumprir a ordem judicial de interceptação de e-mails, encaminhou à PF diretamente as contas-espelho criadas para a operação, de forma que fossem visualizados pelos policiais. Informou também que não foram mantidas cópias das mensagens, uma vez que a determinação judicial era apenas para desviar qualquer tráfego de dados telemáticos para um e-mail determinado pela autoridade policial.
Assim, esclareceu a PF, o conteúdo monitorado na interceptação telemática obtida através da Embratel “foi irremediavelmente perdido, pois o computador utilizado durante a investigação precisou ser formatado”.
“Como se viu, o material obtido por meio da interceptação telemática, vinculado ao provedor Embratel, foi extraviado, ainda na Polícia Federal, impossibilitando, tanto à defesa quanto à acusação, o acesso ao seu conteúdo”, afirmou a ministra Assusete Magalhães.
Com a decisão, a Turma determinou ao juízo de primeiro grau que retirasse integralmente as provas anuladas do processo e que examinasse a existência de prova ilícita por derivação. Tudo deverá ser excluído da Ação Penal 0810486-27.2009.4.02.5101, em trâmite na 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
HC 160.662

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Decisão sobre expurgos pode mudar entendimento sobre prazo

O Supremo Tribunal Federal deve decidir nos próximos dias uma série de recursos sobre os expurgos inflacionários que possui repercussão geral.  Acontece que esse julgamento pode influenciar ou até reverter uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que, ao julgar uma Ação Civil Pública, citou decisão do Supremo que diz que a questão relativa a prazo prescricional das execuções individuais de sentença não tem Repercussão Geral.
A história começa na discussão sobre algumas correções monetárias de titulares de poupança de uma associação do Paraná em que buscavam aos expurgos inflacionários dos planos Bresser e Verão.
Nesse caso, a associação ajuizou uma ação coletiva em nome dos associados reivindicando o direito de ter a correção monetária. Eles ganharam o direito de fazer essa correção monetária decorrente dos expurgos inflacionários que ocorreu com os planos e a decisão transitou em julgado.
Acontece que, após o trânsito em julgado da decisão favorável aos credores — em setembro de 2002 —, o pedido de cumprimento de sentença só foi feito sete anos depois, em dezembro de 2009. Isso porque, os credores acreditavam que existia a possibilidade de utilizar a Súmula 150 do STF que diz que a prescrição da execução existe no mesmo prazo da ação. Ou seja, se eles tinham 20 anos para ajuizar a ação, a execução também teria o mesmo prazo.
Por outro lado, a alegação dos bancos é de que a lei da Ação Civil Pública não prevê o prazo de execução ou cumprimento de sentença, logo o prazo deve ser contado por analogia ao artigo 21 da lei da Ação Popular ou ao artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor que determina o prazo de cinco anos para pedir a execução.
O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o caso em Recurso Repetitivo, interposto pelos associados, entendeu que qualquer direito que é pleiteado em Ação Coletiva, após o trânsito em julgado, só tem cinco anos para executar a decisão.
Com isso, os associados entraram com Recurso Extraordinário com a mesma tese. Entretanto, o relator, ministro Gilson Dipp disse que a matéria no Supremo Tribunal Federal já estava pacificada no sentido de que a questão relativa a prazo prescricional das execuções individuais de sentença não tem Repercussão Geral e, portanto, não é um tema para o Supremo. Sendo assim, decidiu nem mandar o recurso ao STF.
Acontece que, segundo o advogado Artur Ricardo Ratz, o Supremo está para definir nos próximos dias uma série de recursos como o RE 626.307, RE 591.797, RE 631.363 , RE 632.212 e ADPF 165 em que todos dizem que existe repercussão geral sobre os expurgos inflacionários. A pergunta que fica é: se no STF já decidiu que existe repercussão geral sob os expurgos inflacionários, porque não haveria a repercussão geral para essa decisão que teve do STJ?
Os associados devem entrar com Agravo de Instrumento para que o recurso vá direto para o Supremo Tribunal Federal.
Clique aqui para ler a decisão do STJ.
Recurso Especial 1.273.643 - PR

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Habeas Corpus pode trancar ação penal se a conduta é atípica

A ausência de justa causa para o ajuizamento de queixa-crime (ação penal privada) e a atipicidade da conduta permitem o arquivamento do processo penal por meio de Habeas Corpus, segundo a jurisprudência assentada no Superior Tribunal Federal.
O entendimento levou a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aconceder liminar para trancar ação penal movida por um empresário que se sentiu caluniado em umprocesso movido contra si. O crime vem tipificado no artigo 138 do Código Penal ("caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime").
A queixa criminal foi uma resposta ao ajuizamento da ação de nulidade de negócios jurídicos com declaratória de inexistência de relação jurídica, com pedido de danos morais, feita por seu sobrinho — que é advogado. A demanda aguarda julgamento no primeiro grau.
Ele processou o tio argumentando ter sido usado como laranja. Ele relata que, quando jovem, assinou vários documentos em que aparece como responsável por uma empresa. O crime de estelionato é tipificado no artigo 171, caput, do mesmo Código.
Sem dolo específicoAo conceder a ordem liminar, o desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, relator, disse que aceitava o HC diante da constatação de que o advogado estava sofrendo coação ilegal. Assim, justificou, não se poderia esperar a regular tramitação do processo.
‘‘Destarte, na ocasião de expediente que visa a apurar fato manifestamente atípico, como pela ausência de dolo específico de cometer o delito contra honra, não é exigível submeter o acusado ao trâmite de um processo e de procedimentos, o que, por si só, já conflagra dano, prejuízo, passível de ser reparado pela via da presente impetração’’, escreveu no acórdão.
Para o relator, no mérito, efetivamente, não há justa causa para o exercício da ação penal, pela ausência de dolo específico da conduta imputada ao advogado. ‘‘E, assim sendo, por não estar presente o elemento subjetivo do tipo penal em destaque, evidenciada está a atipicidade do fato’’, escreveu.
Citando parecer do Ministério Público, o relator entendeu que os documentos presentens nos autos não permitem vislumbrar que o sobrinho tenha agido com a intenção de ofender a honra do tio. Ou seja, para configurar crime de calúnia, dentre outros elementos, é necessário que exista intenção dolosa de ofender a honra da vítima. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 19 de dezembro.
O ‘‘laranja’’ da famíliaOs fatos que deram início à ação judicial se passaram no verão de 2001, segundo registra o Inquérito Policial 538/2013/100317/A, concluído pela 17º DP de Porto Alegre em agosto de 2013. Este inquérito indiciou o empresário pela prática do crime de estelionato.
Neste documento, o advogado, em busca de seu primeiro emprego, conta que foi convidado a trabalhar com o tio na sede de suas empresas, na capital gaúcha. Fazia de tudo um pouco: tirava xerox de documentos, trabalhava como office-boy e, muitas vezes, servia de motorista do empresário. Para executar estas tarefas, um salário mínimo por mês, além das passagens. Não teve a Carteira do Trabalho assinada.
De acordo com o processo, certa ocasião o empresário perguntou a idade do sobrinho, que disse ter 23 anos. O tio então pediu que assinasse vários documentos para uma empresa de incorporações e participações. Explicou que tais assinaturas iriam lhe ajudar a conseguir um empréstimo para alavancá-la no mercado.
Depois deste pedido, surgiram outros, sob o argumento de que se tratava de ‘‘documentação complementar’’. À autoridade policial, o atualmente advogado admitiu que não chegou a ler nenhum dos documentos, pois, além de achar que estava colaborando com o empreendimento, confiava inteiramente no tio. Esta situação perdurou até meados de 2004, quando deixou a empresa e entrou para a Faculdade de Direito.
As consequências desta omissão começaram a aparecer quando ele estagiava em escritórios de advocacia. Certo dia, ao receber o seu salário, foi informado pelo banco que o montante (R$ 600) estava penhorado. Informado da razão, ele procurou o tio, que se esquivou em dar explicações. A secretária da empresa informou-lhe que a penhora se referia à execução de dívida trabalhista da tal incorporadora.
Após consultar a Junta Comercial de São Paulo, o advogado relata ter descoberto ter sido vítima de um golpe. Afirmou à polícia que tratava-se da aquisição de 98,5% de uma empresa em que foi usado como ‘‘laranja’’. Afinal, ganhando salário-mínimo, não teria condições de comprar a quase totalidade de uma firma avaliada em R$ 6 milhões.
O advogado sustenta que a situação lhe traz, até hoje, inúmeros dissabores. Relata que, a qualquer momento, pode ter valores sequestrados no banco para honrar contas e compromisso assumidos pela incorporadora administrada pelo tio, em função de negócios simulados.
Clique aqui para ler o acórdão.
Clique aqui para ler a inicial da ação cível

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

DESCAMINHO - Quinta Turma: ação penal por descaminho não depende de processo administrativo

“A configuração do crime de descaminho, por ser formal, independe da apuração administrativo-fiscal do valor do imposto iludido.” Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de trancamento de ação penal que alegava não existir condição objetiva de punibilidade para o crime antes da conclusão do procedimento administrativo.

No caso, o acusado foi surpreendido em seu carro, por policiais militares, com produtos irregularmente importados. Foi condenado pela prática de delito do artigo 334 do Código Penal com pena de um ano de reclusão, em regime inicial aberto, que foi substituída por uma restritiva de direitos – prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas.

Contra essa sentença, a defesa interpôs apelação e o acórdão manteve o mesmo entendimento de que “a conclusão do processo administrativo não é condição de procedibilidade para a deflagração do processo-crime pela prática de delito do artigo 334 do Código Penal, tampouco a constituição definitiva do crédito tributário é, no caso, pressuposto ou condição objetiva de punibilidade”.

Natureza jurídica

No STJ, o acusado mais uma vez insistiu no reconhecimento da atipicidade da conduta. Para ele, "a deflagração da persecução penal no delito de descaminho pressupõe o trânsito em julgado da decisão na esfera administrativa, somente após o que se poderá falar em ilícito tributário".

A relatora, ministra Laurita Vaz, reconheceu a existência de precedentes da Quinta e da Sexta Turmas corroborando a tese do recurso, mas não acolheu a argumentação. Para ela, o fato de um dos bens jurídicos tutelados pelo crime de descaminho ser a arrecadação de tributos não leva à conclusão automática de que sua natureza jurídica seja a mesma do crime contra a ordem tributária.

“O artigo 334 do Código Penal visa proteger, em primeiro plano, a integridade do sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do país, como importante instrumento de política econômica. Engloba a própria estabilidade das atividades comerciais dentro do país, refletindo na balança comercial entre o Brasil e outros países”, disse.

Laurita Vaz ressaltou também que, no crime de descaminho, os artifícios para a frustração da atividade fiscalizadora estatal são mais amplos que na sonegação fiscal, podendo se referir tanto à utilização de documentos falsificados, quanto à utilização de rotas marginais e estradas clandestinas para fugir às barreiras alfandegárias.

Crime formal 
“A exigência de lançamento tributário definitivo no crime de descaminho esvazia o próprio conteúdo do injusto penal, mostrando-se quase como que uma descriminalização por via hermenêutica, já que, segundo a legislação aduaneira e tributária, a regra nesses casos é a incidência da pena de perdimento da mercadoria, operação que tem por efeito jurídico justamente tornar insubsistente o fato gerador do tributo e, por conseguinte, impedir a apuração administrativa do valor devido”, acrescentou a relatora.

O entendimento foi unânime. Para a Quinta Turma, o crime do descaminho tem natureza formal e a indicação do valor que deixou de ser recolhido por meio de impostos não integra o tipo legal. 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

PUNIÇÃO A EMPRESAS - “Responsabilidade objetiva é destaque na Lei Anticorrupção"

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A possibilidade de as pessoas jurídicas serem punidas, no âmbito civil e administrativo, pelos atos de corrupção dos funcionários é o principal ponto de discussão da Lei 12.846, a Lei Anticorrupção, que entrou em vigor no dia 29 de janeiro. Quem afirma é o sócio responsável pela área de compliance e integridade corporativa do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, Leonardo Ruiz Machado.
Os atos de corrupção são caracterizados pela norma como prometer, oferecer ou dar vantagem indevida a agente público e fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente. A multa pode chegar a 20% do faturamento bruto da companhia ou até R$ 60 milhões. Em caso de reincidência, a empresa pode ser extinta.
Em entrevista à revista eletrônica ConJur, durante conferênca organizada pela consultoria KPMG sobre a nova lei, Machado afirmou que a punição da empresa vai ocorrer independentemente dos processos civis e criminais que tramitarem na Justiça para responsabilizar o empregado. Segundo o advogado, com a lei, a fiscalização não será apenas papel da esfera pública, já que traz a oportunidade da própria empresa fazer o controle. Daí a importância de ter canais de comunicação para reportar alguma situação de fraude ou para tirar dúvida antes do problema ocorrer — a chamada hotline.
Porém, a euforia em torno da responsabilidade da pessoa jurídica esbarra na dúvida de como as empresas devem se portar em relação à prevenção para serem beneficiadas quando forem punidas, ou seja, o que devem fazer na área de compliance. Esse ponto está no inciso VIII do artigo 7ª da lei, que depende ainda de regulamentação. O artigo diz: “Serão levados em consideração na aplicação das sanções: a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. As companhias aguardam agora um decreto que deve limitar esse inciso. A nova norma está em discussão em todos os níveis, incluindo pela Controladoria-Geral da União (CGU).
Segundo Machado, já é certo que, na área administrativa, os atos praticados contra a Administração Pública estrangeira ou atos contra o Poder Executivo Federal serão fiscalizados pela CGU. “Passou disso, começa a ter a possibilidade de interpretar quem é a autoridade máxima para iniciar a investigação, tomar decisão se houve o ato lesivo e aplicar a sanção”, afirmou.
Para ele, a inexistência de um único órgão administrativo responsável pela aplicação da norma pode gerar uma forte insegurança jurídica, que é uma das grandes causas da judicialização do processo administrativo. De toda forma, ele garante: “A lei vai pegar!”.
Leia a entrevista:
ConJur — O grande ponto de discussão do processo legislativo foi a responsabilidade objetiva? A possibilidade de as empresas serem responsabilizadas pela fraude de um funcionário dividiu opiniões durante a votação da norma?
Leonardo Machado — Esse foi o principal ponto de discussão. O Projeto de Lei 6.828, que deu origem à Lei 12.846, foi discutido na Câmara Legislativa e a responsabilidade objetiva foi o principal ponto atacado por aqueles que não tinham interesse que esse tipo de lei fosse aprovado.
ConJur — Agora a empresa é responsabilizada e o empregado vai continuar respondendo na esfera penal?
Leonardo Machado — Isso. O Código Penal vai continuar sendo aplicado, mas o que muda é a área civil e administrativa dentro da esfera da pessoa jurídica. Esse é o grande tema por trás da lei. Justamente para dar respostas à sociedade brasileira e internacional de que o Brasil vai começar a colocar um foco de combate à corrupção, não mais no Executivo, mas também na empresa corruptora que acaba sendo beneficiada por essas situações.
ConJur — Isso diz respeito à forma como o Brasil quer ser visto no mercado internacional?
Leonardo Machado — O Brasil levou um certo tempo para amadurecer a ideia de combate à corrupção. Mas, tanto pressões do mercado internacional quanto o fato de ser signatário de três convenções especificas desse tema — a Convenção Interamericana contra a Corrupção; a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais e da  Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção — geraram a obrigação de combater a fraude para o ordenamento jurídico brasileiro. O país assume compromissos perante o organismo internacional composto por toda a comunidade, não os cumpre e quer ser um player global. Se você não cumpre com seus compromissos como é que você quer ser promovido e reconhecido? O Brasil dá um passo importante não só no combate a corrupção, como na postura de ser de fato um player global. Isso tem sido visto de uma forma muito positiva por entidades que atuam nesse campo como também no mundo dos negócios.
ConJur — Uma das principais críticas à lei é em relação à fiscalização. Quem deve fiscalizar e como esse controle será feito?
Leonardo Machado — Uma vez acontecendo a fraude, a aplicação da lei é realmente o grande gargalo. É o chamado poder sancionador descentralizado, do ponto de vista administrativo. Com relação às sanções civis, é mais fácil endereçar, porque já existe a competência do Ministério Público Federal e Estadual, que vai ajuizar a ação civil pública. Mas sobre a questão administrativa, se for fora do Brasil, ou seja, atos praticados contra a Administração Pública estrangeira ou atos contra o Poder Executivo Federal, a fiscalização será feita pela Controladoria-Geral da União (CGU). Passou disso, começa a ter a possibilidade de interpretar quem é a autoridade máxima para iniciar a investigação, tomar decisão se houve o ato lesivo e aplicar a sanção. Isso ainda vai trazer uma insegurança jurídica justamente por não ter estabelecido a forma de como a lei vai ser aplicada.
ConJur — Então ainda falta definir quem deve fiscalizar nos demais casos ou a lei abre espaço para a interpretação?
Leonardo Machado — A definição existe, mas permite uma interpretação. Podemos usar o exemplo do licenciamento ambiental. Quando você vai tirar uma licença, você procura o órgão estadual competente. Mas, depois que você recebe a licença do órgão estadual, o Ibama fala que a região é protegida. Então essa licença que foi dada não basta, precisa ter também a licença do Ibama. Isso gera uma discussão em torno da competência. E isso pode acontecer também com a Lei 12.846.
ConJur — A lei pode dificultar a relação entre empresas privadas e gerar consequências para a liberação de crédito para a empresa?
Leonardo Machado — O simples fato de uma empresa passar por uma investigação que envolve ato de corrupção deixa claro no mercado que alguma coisa está acontecendo. No Brasil, a mídia é muito ativa e investigativa, o que de certa forma leva o cidadão comum a pré-julgar situações. Então, o fato de a empresa estar sendo investigada é motivo suficiente para esfriar as relações com alguns parceiros e, quem empresta dinheiro, começa a se preocupar se a empresa vai sobreviver à situação. Empresas quebram por conta de leis como essa.
ConJur — Principalmente se o valor da multa chegar a 20% do faturamento faturamento bruto da empresa..
Leonardo Machado — Precisamos entender que empresas podem ser dissolvidas ou receber multas milionárias. Quem empresta dinheiro para empresas privadas quer saber, além da saúde financeira, como está a saúde ocupacional da empresa que pode afetar outros campos que façam com que a companhia não tenha mais recursos para pagar o empréstimo.
ConJur — O capítulo que fala sobre processo administrativo e responsabilização da empresa traz a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica para que a investigação e sanções sejam direcionadas aos seus sócios. Isso é um problema?
Leonardo Machado — A lei coloca essa possibilidade dentro de um contexto administrativo. E, esse tipo de decisão — embora seja necessária nos casos de quebra de integridade e a mistura do patrimônio, quando pessoas físicas e jurídicas que se confundem — tem que passar pelo crivo do judicial. Existem argumentos para levar uma discussão como essa tentando colocá-la no plano da constitucionalidade. É a mesma discussão que ocorre com a Lei de Lavagem de Dinheiro, que fala que a autoridade que conduz alguma investigação pode afastar um servidor público sem que passe pelo órgão de controle daquela entidade. Você acaba mexendo num ambiente que não é o natural. Desconsideração da personalidade jurídica precisa passar por uma análise muito criteriosa e que, em alguns casos, a gente percebe que o âmbito administrativo não teria essa condição.
ConJur — E a lei vai pegar?
Leonardo Machado — Com certeza. E eu vejo que as pessoas estão buscando mais informações sobre ela. Esse evento teve 620 pessoas e tinham mais de 300 em lista de espera. A gente tem que quebrar com o tabu de falar da corrupção no mundo dos negócios. A corrupção é um fato, só que agora temos a oportunidade de combatê-la.

Alienação parental deve considerar ilicitude ou síndrome

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O tema da prova na alienação judicial desafia conferir a sua ocorrência como um novo e grave fenômeno de disfuncionalidade nas relações de família, cumprindo, antes de mais nada, atentar como a doutrina, a legislação e os sistemas judiciais tratam, com eficiência, da questão.
De saída, a alienação deve ser encarada como a desqualificação da conduta dos pais, feita por um deles, perante os filhos, denegrindo-se a imagem do outro genitor no interesse de prejudicar a relação afetiva paterno-filial.
No ponto, constitui ilicitude civil como abuso de direito do poder parental (artigo 187, Código Civil), por importar abuso emocional do alienador e na sua consequência mais imediata, a destruição de vínculos afetivos existentes entre a criança e o pai alienado.
Aponta-la, todavia, como síndrome, em esfera de patologia psiquiátrica, implica um passo a mais, o que se apresenta como causa eficiente das práticas disfuncionais da alienação. Esses dois eixos de análise, no plano judicial, devem ser demarcados, a partir de uma necessária e conveniente diferenciação, por uma prova segura e capaz de infirmar as situações postas a exame.
De efeito, primeira questão essencial atine ao fato decisivo de que toda dissociação familiar conflituosa, a que decorre de rupturas conjugais ou de uniões de fato sem resolução consensual, permite instalar a alienação parental como fenômeno revelador da dilaceração crucial da família. Nada obstante a assertiva de que “família com filhos é para sempre”.
Os primeiros atos de alienação atuam no espectro da crise pós-ruptura, tendentes de maior gravidade futura, por determinadas atitudes do progenitor guardião, apresentando-se, seguramente, a alienação como um processo insidioso e continuado. Nesse viés, alinha-se, como primeira evidência a prática turbativa e de impedimento ao livre exercício do poder familiar pelo genitor não guardião. Mais precisamente, o não direito ao direito de convívio.
Obstáculos a uma regular convivência com o filho, embaraços provocados ao regular exercício do direito de visita, estorvos frequentes a dificultar o poder parental do genitor, são atos alienadores iniciais e externalizados pelas visitas interceptadas.
No contraponto interno, em âmbito doméstico nuclear, o genitor guardião ao propósito da mais imediata alienação (AP), fornece as primeiras informações difamatórias do outro genitor, em desconstrução de sua imagem perante o filho. Lado outro, a síndrome da alienação (SAP), cumpre-se observada, em estágio mais adiantado, quando a manipulação do filho alcança resultados práticos, com prejuízos notórios à sua relação afetiva com o outro genitor. “Assim, assumindo contornos mais graves do que a mera alienação parental”, a exigir, “maior cuidado e precisão na identificação e tratamento destas situações por arte do julgador e dos especiais envolvidos.”
Segue-se, aliás, admitir que a síndrome difere, acentuadamente, da alienação propriamente dita, por esta última representar, apenas, o comportamento do ex-parceiro, predominantemente a genitora por deter a guarda; em manifesta atuação ilícita e retaliatória (ilicitude civil); enquanto que a síndrome associa-se aos efeitos patológicos suportados pelo menor, padecente do controle totalitário do guardião, a ponto de desaprovar e rejeitar o outro genitor, anulando-o como referência.
Bem é dizer, com a jurista lusitana Filipa Daniela Ramos de Carvalho (5.2011) que “de facto, é de ressaltar que a distinção entre ambas as figuras (AP e SAP), direccciona a apreciação deste gênero de casos para sentidos diametralmente opostos atendendo à vertente médica ou jurídica em causa”.
Efetivamente que, importando distinguir uma e outra, a prova cível assume diferenciais significativos, valendo adiante destacar estratégias de sua consolidação, para tornar incólume a realidade dos fatos em seu exato alcance.
Aqui não custa lembrar, em álbum histórico, dois pontos que devam, logo, ser sublinhados:
i) O diálogo de fontes entre as ciências jurídicas e a Psicanálise tem sua origem, em junho de 1906, quando Freud proferiu palestra na Faculdade de Direito da Universidade de Viena, intitulada “A Psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos”.
Pela primeira vez, acentuou-se a investigação clinica como prova cível, revelada a sua importância articulada, nomeadamente as que tratam da psicologia do testemunho, e dos psicodiagnósticos de situação. No caso, para orientar a decisão judicial, mediante “uma intervenção técnica especializada, segura e imediata, que possa levar a soluções confiáveis”.
(ii) a seu turno, a “síndrome de alienação parental” nos seus aspectos clínicos e teóricos, definida e cunhada em 1985, pelo psiquiatra infantil norte-americano Richard A. Gardner, tem sua própria formulação controvertida, a partir da falta de fundamentos científicos e de investigação sistemática que embasem as hipóteses propostas, conquanto unicamente baseadas em suas próprias observações pessoais.
É que a teoria desenvolvida por Gardner pressupõe, de pronto, uma premissa-base de perversão de conduta do genitor alienante fundada, prioritariamente, nas falsas imputações de abuso sexual ou de maus-tratos cometidos pelo genitor alienado, a ponto de o menor assimila-las como verdade factível.
Em casos que tais, a psicóloga Maria Saldanha Pinto Ribeiro, presidente do Instituto Português de Mediação Familiar, adverte necessária a estabilidade da relação da criança com o pai, sem o regime de encontros vigiados, porquanto seu afastamento inopinado importaria em oportunidade de consolidar o próprio processo de alienação levado a efeito.
Noutro ponto, toda sua teoria, em menos palavras, intentou introduzir evidências de suposta síndrome, para dissimular, na prática, abusos sexuais de fato ocorrentes, sobre os quais se colocou ele “permissivo em relação aos contatos sexuais entre pais e filhos”, como denuncia Maria Clara Sottomayor, da Escola de Direito do Porto da UCP.
Então, cumpre registrar, a essa altura, que o próprio Gardner, ao fim e ao cabo de quarenta anos (1963-2003) de trabalho de psiquiatria clínica, na divisão psiquiátrica infantil, da Universidade de Columbia, se suicidou em 25 de maio de 2003. Era ele um pedófilo.
Dito isso, realçada fica mais uma vez a conveniência de análise circunstanciada dos fatos, para a adequação tópica da incidência de ilicitude civil de atos da alienação parental, enquanto fato jurídico, ou mesmo de circunstancias que apontem pelo diagnóstico da síndrome, como patologia.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Prisão só para crimes violentos

Se “É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões"(Dostoievski, em Crime e Castigo), não há como duvidar do estágio avançadíssimo de barbárie e de degeneração moral e ética da sociedade brasileira, no campo criminológico. Da classe A à classe E (rico, médio, classe C, “ralé” e excluídos), a grande maioria das pessoas, diante das decaptações de presidiários, desgraçadamente frequentes, não se estarrece, não se abala, ao contrário, jubilam (se alegram) apopleticamente (incomensurávelmente). Quanto mais presos mortos, se diz, melhor para essa sociedade (bárbara), que assim imita e se iguala à atrocidade e à ferocidade dos criminosos perversos.
É muito difícil para o animal pouco ou nada domesticado (Nietzsche) e moralmente degenerado aceitar a ideia de que a desumana, cruel e empestada pena de prisão deveria ser reservada exclusivamente para os crimes cometidos com violência ou grave ameaça (posição sustentada há anos pela Folha de S. Paulo, que subscrevemos). Tampouco lhe é facilitada a possibilidade de enxergar a irracionalidade bestial (de remover os ossos de Descartes e de Montesquieu!) de punir os crimes não violentos com a mesma e dispendiosa pena de prisão (que custa R$ 24 mil por ano, por preso, sem contar o gasto da construção do presídio), corretamente, no entanto, aplicada aos criminosos violentos e perversos, cujo estado de liberdade gera concreto perigo para a sociedade.
Cinquenta e cinco por cento (55%) dos presos recolhidos no sistema penitenciário brasileiro não praticaram crimes violentos; 30% referem-se a furto, receptação, porte ilegal de arma de fogo, corrupção, peculato e associação criminosa; 25% relacionam-se com o tráfico de drogas.
O problema é que nem as monstruosidades diárias dos presídios peçonhentos e medievais (mostradas diuturna e dramaticamente pela mídia) nem as irracionalidades punitivas animalescas e cavalares (um homem de 80 anos ficou mais de 12 preso irregularmente) melindram o humano degenerado (moralmente e eticamente), cuja insensibilidade (hermeticamente petrificada) para a defesa dos direitos humanos de todos (vítimas, espoliados, explorados, escravizados, assalariados neoesvravizados, proprietários, capitalistas, processados, presos massacrados etc.) já ultrapassou em muito o estágio da paralisia, que estanca, mas não adormece, para alcançar a imobilizadora anestesia (moral), monipolizada pela banalização do mal (Hannah Arendt), ou seja, já nenhuma injustiça social nem mesmo as mais estapafúrdias irracionalidades do Estado o impressionam ou fazem ao menos mover seus olhos. Estátua imoral marmorizada na forma humana. Barbárie separada abissalmente da civilização.
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Luiz Flávio Gomes
Publicado por Luiz Flávio Gomes
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz...

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Servidor pode pedir transferência para cuidar de parente

O servidor público civil dos quadros da União pode pedir remoção para outra localidade, independentemente do interesse da Administração, por motivo da própria saúde ou da do cônjuge, companheiro ou dependente que conste no seu assento funcional. Com este entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou sentença que concedeu a remoção de um agente da Polícia Federal do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, para o aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre.
Na Ação Ordinária que moveu contra a União, por ter o pedido negado na via administrativa, o agente disse que precisava voltar à capital gaúcha para cuidar da mãe, pois é filho único. Além de ser sua dependente econômica, ela sofre do mal-de-alzheimer.
O juízo substituto da 6ª Vara Federal de Porto Alegre disse, na sentença, que a idosa poderia ser tratada em qualquer cidade que tenha médico neurologista, o que não acarretaria prejuízos para ela. Poderia até mesmo residir em Guarulhos (SP). Contudo, entendeu que submeter à mudança uma mulher de 81 anos, fragilizada pela doença, seria atitude por demais gravosa.
Além disso, a juíza Daniela Cristina de Oliveira Pertile afirmou que a remoção de servidor público, numa situação de doença, tem previsão expressa na Lei 8.112/1990, artigo 36, parágrafo único, inciso III.
‘‘O disposto no parágrafo único, inciso III, letras ‘a’ e ‘b’ da norma referida, concretiza, no plano infraconstitucional, a proteção à unidade familiar garantida pelo artigo 226, caput, da Carta Política (artigo 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado), possibilitando que os cônjuges e familiares, servidores públicos, não sejam afastados em decorrência da necessidade de remoção de um deles, por interesse da Administração’’, escreveu na sentença.
Na visão da juíza, se a Junta Médica entendeu que a remoção do servidor é recomendável, face à condição de saúde da sua mãe, encontra-se cumprida a condição do artigo 36, inciso III, ‘‘c’’, da Lei 8.112/1990.
Clique aqui para ler o acórdão.

fonte: CONJUR