segunda-feira, 28 de abril de 2014

Falta de água em São Paulo é a chegada do futuro?

No ano de 1976 o diretor de cinema Nicolas Roeg lançou o filme O homem que caiu na Terra, com David Bowie, sobre um alienígena que deixa sua família para vir à Terra, com o objetivo de salvar o seu planeta do problema da absoluta falta d'água. Eles eram ricos mas não tinham mais água.
No Brasil, as recentes noticias sobre a ausência de chuvas em São Paulo e a possibilidade de racionamento da água potável levam inevitavelmente à lembrança daquele clássico filme. Estamos vivendo o início de uma fase crítica na área dos recursos hídricos?
Quem acompanha o assunto sabe que o ensaio dramático paulista, representado pelo colapso do Sistema Cantareira, não é único nem isolado. Muito embora tenhamos 13,7% da água doce do mundo, os problemas vêm se avolumando. Eles são seculares no Nordeste e agravam-se em outras regiões, por motivos diversos. Fiquemos no exemplo mais significativo. Manaus, localizada às margens do rio Negro e no meio da selva amazônica, sofre contínuos problemas por falta de água, sendo que em novembro de 2013, 80% da população ficou sem o líquido (leia mais aqui).
Quando surge um problema de maior repercussão, como o abastecimento da cidade de São Paulo, as reações são sempre as piores. Procuram-se vilões, explora-se o fato politicamente com acusações pouco claras, mas com finalidade óbvia de obtenção de apoio popular, “descobre-se” que há perda de água por má conservação da tubulação, instaura-se inquérito civil para apurar responsabilidades e tudo volta à normalidade tão logo a chuva se encarregue de amenizar o risco. A situação é grave e deve ser encarada com mais razão e menos emoção.
O primeiro passo é ter em mente que o problema não é apenas nacional, mas sim mundial. A falta e a disputa pela água têm gerado conflitos em todos os continentes. Em 1990, na Guerra do Golfo, o Iraque detonou os reservatórios de dessalinização de água do Kuwait e envenenou suas águas. Os Estados Unidos garantiram ao México 1,8 quilômetros cúbicos das  águas do Rio Colorado. Só que, ao chegarem ao México, elas estavam salgadas, obrigando os americanos a construir, em 1973, a caríssima Usina de Yuma para dessalinalizar a água destinada ao país vizinho. Sabe-se que “há anos, Israel e Síria disputam as Colinas de Golã, uma área de morros cobertos de gelo, mas que abriga as nascentes do Rio Jordão, fundamental para o abastecimento do Oriente Médio”.
Não podemos dar solução aos problemas do globo terrestre. Todavia, podemos e devemos por obrigação constitucional com as futuras gerações (artigo 225), tentar pôr o problema sob controle a nível nacional. E isto deve ser feito conhecendo nossas falhas, reconhecendo que contribuímos todos para esta situação, por ação ou por omissão.
Imaginemos sete pecados capitais: desperdício e má educação ambiental, problemas de tubulação, agricultura não sustentável, gratuidade, ausência de estímulos para economizar, aumento da população e ausência de sanções. Vejamos:
1º) A educação ambiental está prevista na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que é de 1981. Mas avança muito lentamente. São quase inexistentes ONGs que zelem pela preservação da água. Poucos se insurgem contra o gasto excessivo como, por exemplo, a limpeza da calçada com jatos de alta pressão ao invés de uma simples vassoura. Por outro lado, o desperdício é enorme. Desde a ineficiência do Poder Público até o gasto inútil nas atividades diárias (p. ex., longos banhos).
2º) Problemas de tubulação a gerar perda d´água são comuns, fruto do descaso administrativo. Referindo-se à empresa de saneamento de São Paulo, Sabesp, reportagem do jornal Estado de São Paulo apurou que “em 2013 a empresa perdeu 31´2% de toda a água produzida entre a estação de tratamento e a caixa d´água dos consumidores, conforme o Estado revelou em fevereiro. O índice representa cerca de 950 bilhões de litros...” (23.4.2014, A13).
3º) A agricultura é necessária, precisamos todos de alimentos. Porém, é bom lembrar que a produção de apenas 1 quilo de trigo significa o gasto entre 500 e 4.000 litros de água. A plantação de arroz também importa em enorme consumo. Ora, sendo a água bem econômico de domínio público e não privado, não se compreende porque até hoje não foi cumprida a Lei 9.433 de 1997, que no art. 12 permite a sua cobrança.
4º) Na linha do que foi dito no item anterior, apesar de ter valor econômico reconhecido pelo art. 1º, inc. II da Lei 9.433/97,  a água é grátis. E ninguém se anima a apresentar projeto de lei propondo a sua cobrança, porque seria impopular e traria reflexos nos votos da eleição subsequente. No entanto, não se valoriza aquilo que não se paga. Já chegou o momento de estabelecer-se o mínimo necessário a cada pessoa para suas necessidades e o que passar deste mínimo ser cobrado. Nesta linha, observe-se que a subtração de água é furto, ou seja, o crime previsto no art. 155 do Código Penal.
5º) É preciso dar estímulo para a preservação de nascentes. Não basta processar aquele que não preserva as áreas de preservação permanente de seu imóvel. É preciso também dar-lhe algum tipo de vantagem. E isto já vem sendo feito por vários municípios. Por exemplo, em São José dos Pinhais, PR, os produtores rurais de Bacia do Rio Miringuava, desde que adotem as práticas do programa “Produtor de Água”, receberão valores que ser poderão superiores a R$ 20.000,00 anuais (Gazeta do Povo, 23.11.2013, p. 4). A propósito do tema, vide livro de Carlos Geraldo Teixeira, “Preservação de Nascentes – o pagamento por serviços ambientais ao pequeno ruralista provedor”, ed. Del Rey.
6º) Aumento de população: o aumento ou a má distribuição da população também constitui um problema do Estado. Se os recursos naturais são os mesmos, é inevitável que o aumento descontrolado de pessoas em uma região, seja pela multiplicação natural ou pelo deslocamento, vai gerar problemas de consumo da água. Assistir impassível este fato é adiar um problema inevitável.
7º) Ausência de sanções. O desperdício não deve ser tratado como mera falta de educação, mas sim ser objeto de sanção administrativa, quiçá penal em casos extremos. Por exemplo, o condomínio que não discrimina os gastos particulares de cada condômino deve ser sancionado com autuação administrativa. Isto certamente levaria o síndico a posicionar-se de forma enérgica e, consequentemente, a serem definidas as responsabilidades pelos gastos de cada habitação. Por outro lado, aqueles que em edificação urbana deixam de conectar seu imóvel ás redes de abastecimento de água e de esgoto, mesmo que notificados pela autoridade administrativa, devem ser responsabilizados criminalmente. A criminalização, ainda que apenada de forma branda e submetida ao Juizado Especial Criminal, terá efeito intimidatório.
Em suma, o problema da falta d'água está posto, não é mais uma quimera de realização possível em 2025. Para enfrentá-lo é preciso disposição e criatividade. Não há uma solução única, mas sim várias a serem adotadas com determinação. Desde a cobrança (por exemplo, a Dinamarca) até soluções como a  “da remota vila de Baontha-Koyala, no noroeste da Índia. Seus habitantes não tinham uma gota d’água para beber até meados da década de 80. No final dos anos 90, recuperaram seus lençóis subterrâneos e o principal rio da região voltou a ter água. O que fizeram? Simples. Cavaram poços no quintal das casas para recolher água de chuva. É o óbvio. Mas ninguém havia feito antes” (Cláudio Ângelo e outros; para ler, clique aqui). 

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