sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Legislação trata eleitor brasileiro como imbecil

Por Cássio Casagrande

Na convenção nacional do partido democrata, em Charlotte, Carolina do Norte, a atriz Scarlett Johanson prepara-se para subir ao palco e declarar seu apoio ao candidato Barack Obama. Milhares de convencionais democratas estão ávidos para ver em carne e osso a beleza estupefaciente da mulher mais linda do país. Todos estão ansiosos, menos o próprio candidato Obama, que por decisão da Justiça Eleitoral foi proibido de estar no mesmo teatro em que se encontra Scarlett.
Obama recolhe-se ao seu gabinete, de onde acompanha o belo discurso da estrela em seu favor, frustrado por não poder abraçar ou quem sabe até beijar sua mais bela eleitora. Michelle Obama o consola: embora ache que a decisão foi estapafúrdia, no fundo gostou dela. O episódio acima narrado não ocorreu exatamente desta forma porque nos EUA não há um órgão estatal para decidir o que o eleitor pode ou não pode ouvir e onde o candidato pode ou não estar. Obama — homem de sorte — pôde sim estar ao lado de Scarlett, abraçá-la e beijá-la (cerimoniosamente, é claro) na frente de todos.
Aqui no Brasil, como vimos recentemente, a Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro entendeu por bem proibir um candidato de pura e simplesmente assistir ao show de consagrados artistas que cantavam para animar sua candidatura. O objetivo seria impedir um suposto abuso do poder econômico nas eleições. Esta decisão foi apenas a cereja do bolo. A Justiça Eleitoral, com o melhor propósito de manter eleições limpas, tem interditado páginas da internet, panfletos, debates na TV, pesquisas, blogs, shows e outros atos de livre manifestação do pensamento. Em alguns casos a situação chega ao ridículo: em Garanhuns a Justiça Eleitoral terá que decidir qual candidato pode exibir a foto de Lula ao seu lado, como se o eleitor não pudesse discernir quem afinal o ex-presidente apoia em sua cidade natal.
Não há dúvida que no transcurso das competições eleitorais os candidatos agem de forma abusiva e lançam uns contra outros mentiras, aleivosias, provocações, difamações e impropérios que não raro resvalam para o mais baixo nível das paixões políticas. Sem dúvida, é preciso saber rechaçar quem apela para este tipo de argumento. Mas não seria melhor deixar o próprio eleitor fazê-lo através de seu livre juízo? Se um candidato levanta um falso ao adversário, chamando-lhe ladrão, deixemos que o eleitor puna o mentiroso e que o ofendido, passada a eleição, processe e requeira indenização do agressor. Afinal, quem livre e espontaneamente entra na política sabe que há neste ofício muitos ossos, como abraçar pessoas desagradáveis, beber café em botecos imundos e, principalmente, ser xingado injustamente.
A Justiça Eleitoral, ao estabelecer um padrão oficial de “moralidade” na campanha eleitoral, parte do “teorema Pelé”, segundo o qual o brasileiro não sabe votar. Diga-se que a culpa não é propriamente dos juízes eleitorais, mas sobretudo da legislação, para a qual o eleitor é um imbecil que deve ser tutelado na formação da sua opinião, pois é preciso lhe dizer o que é verdadeiro e o que é falso na campanha eleitoral. Não se constrói a democracia assim.

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