domingo, 1 de julho de 2012

RECURSOS ADMINISTRATIVOS E MEDIDAS JUDICIAIS CONTRA DECISÕES DA ANVISA



No exercício de suas funções institucionais, a ANVISA por vezes emite decisões administrativas de legalidade discutível, desconsiderando os limites de sua atuação fixados pela legislação ordinária ou mesmo infringindo as normas de vigilância sanitária por ela própria editadas.
Diante dessas situações, que podem levar à condenação de empresas ao pagamento de multas em valores elevados, ao cancelamento do registro de seus produtos e, até mesmo, à sua interdição, com a conseqüente suspensão de seu funcionamento, o interessado, atingido por essas medidas, pode recorrer administrativamente ou ainda ingressar com medidas judiciais com vistas a ter corrigida a ilegalidade praticada.
Na esfera administrativa, para fins recursais, as decisões da ANVISA trilham diferentes caminhos, conforme se trate de decisão em processo administrativo para a apuração de infração sanitária ou de decisão relacionada a análise técnica no âmbito de atuação da ANVISA em processo administrativo de qualquer outra espécie.
Na primeira hipótese, o autuado terá um prazo de quinze dias, contados da data de sua notificação, para apresentar impugnação administrativa perante a Diretoria Colegiada, a qual ouvirá o servidor autuante para julgamento posterior.
Nos demais casos também é cabível recurso à Diretoria Colegiada, em face de razões de legalidade e de mérito da decisão, como última instância administrativa; todavia, em tais hipóteses, o recurso terá um prazo de dez dias para sua interposição e será dirigido diretamente à autoridade que proferiu a decisão atacada, a qual poderá exercer o juízo de retratação ou, caso contrário, deverá remetê-lo-á à Diretoria Colegiada para julgamento.
O juízo de retratação permite à mesma autoridade que lavrou o auto de infração rever sua decisão à luz dos argumentos trazidos pelo recorrente, anulando seu próprio ato. É, portanto, um instrumento para a aceleração dos processos administrativos, evitando o trâmite desnecessário de recursos na instância administrativa superior e constitui um patente avanço em relação ao processo de apuração de infração sanitária.
Em ambos os casos de recurso administrativo, a Diretoria Colegiada será auxiliada pela Comissão Permanente de Instrução e Análise de Recursos (COREC), que a subsidiará no julgamento dos referidos recursos, através da elaboração de pareceres acerca da matéria ventilada nos mesmos.
Um ponto negativo na atuação da COREC é sua dependência de informações e análises técnicas fornecidas pela própria autoridade autuante, o que leva, no mais das vezes, à validação da decisão administrativa da instância inferior, sem maior questionamento de seu embasamento e conteúdo, fragilizando extremamente o princípio do duplo grau de jurisdição administrativa.
Cumpre ainda esclarecer que os recursos de qualquer natureza podem ser instruídos com novos documentos, com vistas a corroborar os argumentos técnicos apresentados e comprovar a veracidade dos fatos mencionados.
Uma vez esgotada a esfera administrativa, mediante a prolação de uma decisão da Diretoria Colegiada desfavorável ao recorrente, ainda assim tal decisão poderá ser alterada, por meio da utilização de medidas junto ao Poder Judiciário para sanar eventuais falhas da ANVISA.
Aliás, ressalte-se que sequer é necessário esgotar-se a esfera administrativa para somente após se iniciarem os procedimentos judiciais para reforma da decisão da ANVISA. É possível a propositura de ação judicial contra qualquer decisão administrativa, não importando se é recorrível ou não administrativamente. Esse ato (a propositura de ação) implica, no entanto, em uma desistência tácita do procedimento administrativo, uma vez que a decisão judicial se sobreporá a qualquer pronunciamento da agência.
A alternativa da propositura de ação enquanto ainda pendente a análise administrativa, é ainda mais importante diante da demora da ANVISA em analisar os recursos administrativos interpostos, que excedem, em muito, o prazo legal para sua apreciação, de trinta dias prorrogáveis por igual período.
Cabe destacar que existe entendimento minoritário de que determinados atos da agência, assim como de outros órgãos governamentais, não seriam passíveis de análise judicial, em virtude de uma suposta discricionariedade técnico-administrativa para a análise dos elementos apresentados no processo administrativo, em prestígio ao princípio da separação dos poderes.
Segundo essa corrente, a ANVISA teria competência soberana para analisar o cumprimento ou descumprimento dos requisitos por ela própria estabelecidos para o deferimento ou indeferimento de uma determinada petição administrativa.
Contudo, essa intelecção é patentemente contrária à Constituição Federal, que, em seu art. 5º, inc. XXXV, estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, assim como à própria teoria da tripartição dos Poderes, que preconiza, como é sabido, o controle dos atos de cada um dos Poderes, através do sistema de pesos e contrapesos.
Assim, deve o Poder Judiciário proceder ao exame da legalidade dos atos do Poder Executivo, evitando o excesso na atuação deste e, consequentemente, o absolutismo.
No caso específico da ANVISA, deve ser considerado que sua atuação é estritamente vinculada à lei, não compreendendo qualquer margem para um ato discricionário. Dessa maneira, a não observância da agência a qualquer norma pertinente, implica na nulidade de seu ato, justificando a utilização de medidas judiciais para combater essa ilegalidade.
Não obstante, há que se considerar a dificuldade de se expor temas extremamente complexos relacionados a temas médicos, químicos ou farmacêuticos ao Poder Judiciário, ante a ausência de uma Justiça especializada na análise dessas questões. Essa situação acaba levando quase sempre à utilização de perícia judicial para a solução de conflitos dessa natureza e, logo, à inviabilização da utilização de mandado de segurança para tal finalidade, demandando um longo tempo até uma decisão final no processo respectivo.

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