sexta-feira, 22 de junho de 2012

BULLYING - Tipificação penal não resolve problema do bullying



Criminalizar o bullying é uma das propostas apresentadas pela Comissão de Reforma do Código Penal. De acordo com a inovação, o bullying, com a denominação de “intimidação vexatória”, passaria a constituir o parágrafo segundo do artigo 147, do Código Penal, conforme segue:
Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - prisão de seis meses a dois anos.
Intimidação vexatória
§2º Intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir, segregar a criança ou o adolescente, de forma intencional e reiterada, direta ou indiretamente, por qualquer meio, valendo-se de pretensa situação de superioridade e causando sofrimento físico, psicológico ou dano patrimonial.
Pena – prisão de um a quatro anos.
bullying foi elencado pela Comissão como um dos assuntos de relevante discussão, dado seu conceito, peculiaridades e gravidade. Isto porque, o fenômeno, analisado dentro do contexto escolar, não se trata de uma violência qualquer, visto que compreende atitudes agressivas de todas as formas, praticadas de forma intencional e repetida, sem motivação evidente, adotadas por um ou mais indivíduos contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação de desigual poder[1].
Portanto, o que diferencia o bullying escolar de outros conflitos ou desavenças pontuais é seu caráter repetitivo, sistemático, doloroso e intencional de agredir (verbal, física, moral, sexual, virtual ou psicologicamente) alguém notoriamente mais vulnerável, evidenciando um desequilíbrio de força (poder e dominação) entre os envolvidos.
Desta forma, trata-se de uma subcategoria de violência bem específica que abrange muito mais do que desentendimentos cotidianos escolares e problemas estudantis. O bullying representa um verdadeiro processo maléfico aos envolvidos, podendo, inclusive, ser fatal. Veja mais em Bullycídio: mais grave do que você imagina!.
Diante de tais características, a Comissão prontamente incluiu a figura do bullying como novo tipo penal, sob a justificativa de que a criminalização do fenômeno garantirá maior seriedade ao tema.
Os argumentos são pertinentes. Em razão do estrangeirismo da expressão, e da ausência de estudos sobre o tema no Brasil, o conceito de bullying é constantemente deturpado ou banalizado no país, reduzido a meras brincadeiras ou agressões pontuais de crianças e adolescentes.
Basta mencionar que 60% das matérias divulgadas na internet e passíveis de localização pelo canal de busca Google do Brasil com o nome Bullying, não expressam, nem representam, de fato, casos debullying, de acordo com a pesquisa realizada pela educadora e especialista no assunto Cléo Fante.Veja a pesquisa.
Ou seja, o conceito de bullying, suas peculiaridades, bem como a gravidade do fenômeno são absolutamente desconhecidos pela população brasileira. No entanto, a inclusão do bullying como tipo penal é somente uma medida (muito tímida) de combate ao fenômeno, visto que longe está de ser a solução.
O enfrentamento e o combate ao fenômeno do bullying demandam, prioritariamente, ações e programas preventivos (chamados de anti-bullying) desenvolvidos e direcionados especificamente para cada estabelecimento de ensino, atendendo às particularidades de cada comunidade escolar (ou seja, todos os envolvidos direta ou indiretamente no fenômeno). É o exemplo do Bully Free Program (programa preventivo americano) e Olweus Bullying Prevention Program Overview (programa preventivo norueguês).
A efetividade destes programas ficou comprovada pelos números que as escolas piloto apresentaram: redução de 26% nos casos de bullying, quando aplicado o programa da OBPP (Olweus Bullying Prevention Program Overview) e 20,2%, nos casos nas das escolas que utilizaram o Bully Free Program.
Desta forma, embora o escopo da criminalização seja conferir ao bullying a devida magnitude e relevância que o tema carece, esta iniciativa não pode e não deve ser conduzida isoladamente. Por se tratar de questão absolutamente interdisciplinar (comum a diversas disciplinas), o fenômeno deve extrapolar o âmbito jurídico e ser amparado por medidas de outras esferas, como a psicologia e a pedagogia, por exemplo. Mesmo porque, a criminalização do bullying não atingirá as causas desencadeadoras do evento agressivo, mas tão-somente suas consequências.
Assim, a iniciativa é bem vinda se com ela não emergir a crença de que a tipificação penal se traduz como solução para o combate ao bullying. Interpretar as mudanças e inovações legislativas como atalho (caminho mais rápido) para o enfrentamento de qualquer enigma é renegar a própria complexidade do tema.

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